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2.2 ASPECTOS TECNOLÓGICOS DO MODELO NIPO-BRASILEIRO

2.2.1 Interatividade

A interatividade é o que gera maior expectativa dentre os recursos da televisão digital. Ela permite ao usuário adotar postura mais ativa e ter maior flexibilidade na tomada de decisões em relação ao que assistir, quando e como. É por meio desse recurso que o usuário atinge o grau de produtor, abandonando sua condição de passividade, de mero receptor/ usuário, para ser elevado à partícipe do processo de criação, produção e distribuição.

Castro (2011, p. 26), ao citar Marshall (2004), destaca que “a interatividade é a principal característica da passagem do mundo analógico para o digital”. Segundo a autora, esta é uma situação “potencialmente revolucionária das tecnologias”, pois permite o retorno à comunicação dialógica, em que “a participação dos atores sociais é tão importante quanto daqueles que produzem a informação”. Produtores e receptores passariam a alternar papéis, num regime de colaboração contínua.

76 Para acessar a Comunidade Ginga: http://www.softwarepublico.gov.br.

77 A portabilidade (de TV portátil) e a mobilidade (de TV móvel) têm papel essencial na difusão da televisão digital e na consolidação de modelos de negócios sustentáveis.

A televisão digital tem potencial para reunir todas as tecnologias em uma, permitindo a construção de um sistema de comunicação doméstico (SWAHNEY; KIM, 2002, p. 218 apud LIMA JUNIOR, 2009) que funcione não apenas como uma janela para o mundo, mas como a ponte virtual que permite acessar via controle remoto serviços, entretenimento e bens de consumo, sem barreiras de tempo ou espaço. É o recurso da interatividade que viabiliza a manifestação do telespectador, de forma voluntária e definitiva.

Embora a interatividade não seja um recurso novo, pois na relação entre emissor e receptor sempre houve alguma forma de interação, no contexto da digitalização dos meios ela alcança sua plenitude quando associada à internet via televisão, com canal de retorno e controle remoto. A possibilidade da livre manifestação, das múltiplas escolhas, da criação coletiva, seja em forma de interferência contributiva num programa de TV ou em disputas nos videojogos é um traço cultural naturalmente assimilado pelas gerações atuais.

Para Santaella, é a interatividade a característica fundamental à modelagem do público que se relaciona com as mídias digitais. Não a interatividade que Manovich (2001, p. 55 apud SANTAELLA, 2004, p. 150) contesta pela amplitude conceitual que permite abordagens tão vastas a ponto de “não ser mais útil”; mas sim a interatividade proveniente do aperfeiçoamento das novas tecnologias que permitem ao usuário movimentar-se no ciberespaço.

Ferraz (2009) destaca que a interação caracterizada pelo retorno de informação do usuário para a emissora não traz em si nenhuma novidade, pois o modelo vem sendo testado há muitos anos, inclusive em mídias analógicas. No entanto, eram interações limitadas a recursos subjacentes como o telefone, cartas, e-mails, que exigem outros meios de comunicação como suporte.

Para ele, “quando o foco é interatividade na televisão digital, alguns autores partem de conceitos de internet, outros da computação, artes, comunicação”. Mas embora não haja consenso sobre a abrangência do termo, quando começa e quando termina a interatividade, e mesmo sobre o que se pode considerar mídia interativa, o fato é que o termo pressupõe ação e reação, emissão, recepção e feedback. Com a evolução das tecnologias, esses processos tendem ao aprofundamento, à personalização e à agilidade.

Uma breve comparação com as mídias convencionais (jornal ou rádio) é suficiente para concluir que o espaço para manifestação do leitor/ouvinte sempre foi restrito, sujeito a poucas páginas, a uma rigorosa seleção de cartas, a horários específicos e, mesmo no rádio, a um complicado processo de disputa com outros espectadores para conseguir efetuar a ligação telefônica no momento certo. Ainda assim, a resposta do veículo quase nunca é pessoal ou

direcionada. Trata-se de uma interatividade parcial, em que o leitor se posiciona de forma individual, mas tem uma resposta homogeneizada em razão da necessidade de tratar coletivamente as manifestações recebidas.

Mas o que realmente faz a diferença entre esse modelo participativo que conhecíamos até pouco tempo atrás e a dinâmica atual? O que difere a interação entre as instâncias produtoras e receptoras (ora também produtoras) é a agilidade da comunicação, permitida pelo acesso a tecnologias fixas ou portáteis convergentes, que resultam no aprofundamento das interações e na construção do diálogo, de forma coletiva e simultânea, em tempo real.

Se antes para participar de um programa de rádio ou TV, o indivíduo precisava fazer uma ligação telefônica e aguardar atendimento para registro de sua manifestação; ou ainda, por email, esperar que o mesmo fosse lido no ar ou respondido posteriormente, agora a comunicação pode ser imediata e com amplitude coletiva. Uma forma de participação interativa é o uso do Twitter.

Por meio dessa rede, a mesma mensagem enviada à produção de um programa é replicada a todos os seguidores, provocando reações em cadeia, cujo volume e relevância podem ser simultaneamente avaliados por emissores e receptores. A introdução das redes sociais tem papel importante na TV Digital, pois são elas que remodelam as relações do público com as instâncias produtoras, tendo sempre presentes a agilidade e o envolvimento coletivo.

Sem isso, o processo de interação estaria ainda configurado no modelo que recorre a suportes de apoio à comunicação um-a-um, como a telefonia e o correio. A interatividade, elevada a níveis muito mais avançados que antes, e a convergência dos meios abrem o caminho necessário à efetiva participação do público. Porém, isso não significa que realmente haverá interação. Para o diretor da TV Record, José Marcelo do Amaral (2012), o telespectador não está preparado para usufruir (e se apropriar) dos recursos que a TV Digital interativa oferece e nem mesmo a radiodifusão faz uso desses recursos. Segundo ele, a Record tem interesse nas contribuições dos telespectadores, que hoje são feitas por meio da internet. Já existe uma plataforma para essa funcionalidade, mas ainda não está definido se ela será integrada à TVDi.

Nesse contexto, o uso das redes sociais tem forte papel na disponibilização e uso dos recursos interativos. Elas contribuem também para facilitar o monitoramento das audiências. Mas têm ainda uma função mais importante: por meio delas é possível avaliar a repercussão imediata das transmissões, acompanhar as reações do público e, se a dinâmica permitir, alterar o curso da programação em resposta aos apelos ou recusas da audiência. É a manutenção de

um diálogo permanente que, de alguma forma, propicia uma inversão (ainda que temporária) de poderes, quando permite ao público receptor produzir e interferir nos conteúdos midiáticos. O envolvimento desse grande público na esfera da produção, a sua participação contínua e a qualidade das transmissões, vislumbrada pelo avanço tecnológico, têm efeito importante na sensação de “estar presente”, de fazer parte. Fechine (2008, p. 18) descreve os programas de transmissão “ao vivo” na TV “como um tipo particular de texto em ato ou em situação”, sendo esta uma condição primeira para a produção do “sentido de presença”, fruto da relação entre sujeito e objeto.

[...] Nas suas distintas formas de manifestações, a noção de presença corresponde, essencialmente, à descrição de uma modalidade de encontro entre o sujeito e objeto no qual o momento evanescente no qual ambos estão em contato determina o sentido. Pode-se postular que, no limite, o próprio sentido que emerge deste tipo de interação [...].

[...] o modo como se constrói essa presença está necessariamente, submetido ao imperativo do aqui e agora da enunciação. Está associado, portanto, à instauração de um tempo e um espaço construídos no e pelo momento mesmo no qual sujeito e objeto entram em relação (interação). (FECHINE, 2008, p. 87)

Dessa forma, não somente as transmissões ao vivo em redes de televisão, mas também a oferta de mais conteúdos (de forma complementar à grade televisiva) na internet contribui para o estabelecimento do sentido de presença, elevado a novos patamares que incluem participação, coprodução e interação. Além disso, o estabelecimento de mecanismos que prorroguem o contato com o telespectador, mesmo tendo encerrados os eventos de transmissão “ao vivo”, provoca o efeito de perduração do ato, de tal maneira que o sentimento é de “não finalização” do evento no tempo previsto.

Esse efeito de continuidade provoca o prolongamento da interação com o público, impelindo-o a estar em contato, a manter-se na sala produzindo audiência. As redes sociais, como o Facebook, e as mensagens de celular são recursos atuais na busca da continuidade de contato. O estreitamento – no sentido de aproximação e intimidade – dessa relação com o público permite aprofundar conhecimentos a seu respeito, gerando fidelização e oportunidades de relacionamento.

A questão é tão importante e estratégica que deve envolver outras instâncias, além da recepção. Castro (2011a) destaca que a interatividade deve ser pensada desde o roteiro, de forma direta, e não somente por meio de recursos adjacentes como portais, telefones e redes sociais.

Mas se a proposta de conteúdos é pensada para diferentes meios de comunicação digitais, com características diferenciadas, como ser fixo ou móvel, ou apresentar diversas dimensões de telas (celulares, televisores portáteis ou televisores de 72 polegadas, cinema, livros digitais, computadores de mão ou de mesa) é preciso levar em consideração que exigem diferentes espacialidades, temporalidades e mobilidades. Esses dispositivos também requerem outros tipos de linguagens, narrativas, conteúdos e formatos audiovisuais digitais, que extrapolam o conforto do já conhecido mundo analógico, assim como uma relação diferenciada com seus públicos e uso de diversos níveis de interatividade. (CASTRO, op. cit., p. 29-30)

Ao abordar a convergência, Jenkins (2008, p. 162) fala da construção de universos nas produções midiáticas. Para o autor, são esses “universos” que amparam uma lógica de mercado em que o produto ganha sobrevida e se perpetua por meio de diferentes plataformas tecnológicas, como franquias midiáticas. Se, antes, a produção de um filme, por exemplo, estava amparada em uma “boa história” ou em um “bom personagem”, hoje, “é preciso elaborar um universo” que sustente “múltiplos personagens e múltiplas histórias, em múltiplas mídias”.

A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo. [...]

A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros. (JENKINS, 2008, p. 30)

Dessa forma, como afirma Jenkins (2008), o papel dos consumidores (aqui entendidos como receptores/produtores), no momento da convergência possibilitada pelo caráter interativo das mídias, é tão importante que vai além de aceitá-la, pressupõe a capacidade que ele tem de conduzir o processo.

Nas abordagens de Fechine (2008), Jenkins (2008) e Kieling (2009, 2010, 2011) encontra-se uma riqueza de campos a serem explorados na Televisão Digital. As possibilidades advindas da convergência e da interatividade são infinitas, pois a primeira permite a quebra das barreiras impostas pelo suporte; enquanto a segunda abre as portas para a manifestação, estabelecendo a comunicação dialógica. A exploração de negócios nesse novo modelo depende fundamentalmente da operacionalização desses recursos.