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CAPÍTULO III: O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA

3.2 Interpretação Constitucional

O art. 1º da Constituição Federal qualifica a República Federativa do Brasil como Estado Democrático de Direito, que tem como princípios a divisão de poderes, a garantia de direitos individuais, a subordinação da Administração à lei e o controle das leis pelo Judiciário.

O Estado de Direito pressupõe uma constituição com feição social, destinada a “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores fundamentais de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, como expressam o preâmbulo constitucional e o art. 3º, “construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos”.

Portanto, a Constituição de 1988 abre perspectivas para a construção de uma sociedade que defende os direitos sociais, criando instrumentos que possibilitam o desenvolvimento da cidadania fundada na solidariedade e no respeito à dignidade da pessoa humana. A homogeneidade social e alguma medida de segurança social não servem apenas ao indivíduo isolado mas à capacidade funcional da democracia como um todo.

As análises feitas por diversos doutrinadores deixam claro que o constituinte preocupou-se em garantir um amplo rol de direitos sociais, seja por meio de princípios ou de determinações positivas ao Estado, o que conferiu à Constituição um caráter eminentemente social. Os direitos sociais foram determinados de acordo com o princípio fundamental da dignidade, o que significa dizer que o Estado tem como obrigação garantir um mínimo de recursos materiais de que uma pessoa

38 MAURER, Beatrice et. Al. Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional (org. Ingo Wolfgang Sarlet). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

precisa para exercer sua própria autonomia. Os princípios são sempre superiores às leis, uma vez que seu conteúdo refere-se aos valores que o sistema jurídico deve preservar.

Dentre esses princípios, destacam-se a universalidade e a seletividade. O princípio da universalidade é tratado como “universalidade da cobertura e do atendimento”, ou seja, ninguém pode ficar excluído da proteção que cabe à seguridade social fornecer, ficando assegurada a subsistência de todos os que efetivamente dela necessitarem. Justamente por essa razão, a Seguridade Social deve definir os requisitos para a concessão de benefícios e serviços.

A seletividade destina-se a garantir os mínimos essenciais à vida digna, levando em conta as necessidades do homem diante das adversidades, protegendo tanto o indivíduo como a família, a maternidade, a infância, a adolescência, a velhice, as pessoas portadoras de deficiências, visando à sua promoção à vida comunitária.

Ao tratar do princípio da dignidade da pessoa humana, o constituinte adotou o pensamento de Sarlet (2006, p. 30):

No pensamento estóico, a dignidade era tida como a qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção esta que se encontra, por sua vez, intimamente ligada à noção de liberdade pessoal de cada indivíduo (o Homem como ser livre e responsável por seus atos e seu destino), bem como à idéia de que todos os seres humanos, no que diz respeito à sua natureza, são iguais em dignidade.39

Segundo o pensamento cristão, a noção de dignidade da pessoa humana está presente tanto no Velho como no Novo Testamento, especialmente no que tange à criação do homem à imagem e semelhança de Deus, portanto, essa qualidade, adicionada à capacidade de autodeterminação humana, coloca a existência do homem como função da sua vontade.

39 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

Não se pode menosprezar também a contribuição do filósofo Immanuel Kant para a concepção de dignidade, tal qual se conhece até os dias atuais e como se encontra presente em toda a doutrina jurídica. Para ele, cada homem é um ser único, tem seus valores, sua dignidade, mas não um preço. Sua noção de dignidade se resume a este axioma: “age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como um fim e nunca como simplesmente um meio”.40

A proteção jurídica do princípio da dignidade da pessoa humana consolidou- se juntamente com a expressão “direitos fundamentais”, que surgiu na França em 1770, inspirando a posterior Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Os direitos econômicos e sociais ganharam importância em razão dos movimentos sociais iniciados ao longo do século XIX. A fusão dos direitos individuais com os direitos sociais apareceu na Constituição mexicana de 1917 e na Constituição de Weimar, de 1919.

Entretanto, a despeito desse progresso em direção à proteção dos direitos humanos e sociais, durante as duas Grandes Guerras Mundiais, o mundo assistiu ao retrocesso, com a extrema violação desses direitos, ensejando a assinatura, ao final dos conflitos, de tratados internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), voltados a resguardar os direitos fundamentais e a reconhecer a dignidade da pessoa, independentemente das diferenças de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a prever um título próprio dedicado aos direitos fundamentais e a inserir a dignidade da pessoa humana no rol dos fundamentos da República. Como se pode encontrar na definição de vários doutrinadores, o princípio de dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade e seu conteúdo constitucional está intimamente associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e

40 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2005.

sociais. Seu núcleo material é representado pelo mínimo existencial, que significa o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e o usufruto da própria liberdade. Abaixo desse nível, ainda que haja sobrevivência, não há dignidade.

CAPÍTULO IV – O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA COMO FORMA