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A interpretação de gráficos no ensino de ciências naturais: uma questão problemática

Os diversos modelos construídos pelas áreas de Química, Física e Biologia estão expressos em diversos sistemas de representação externa (sistemas de símbolos), ou seja, em diferentes registros semióticos (DUVAL, 1996, 1999, 2003). Tais representações, suas características, sua natureza e diversidade, como também suas formas de interpretação devem ser consideradas como parte dos conteúdos a ser ensinado e aprendido nas classes de ciências e como tema de investigação para a didática das ciências.

Os Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio – PCNEM (BRASIL, 2002), em suas orientações gerais, apontam entre as competências e habilidades necessárias para o desenvolvimento da aprendizagem na área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias:

• Interpretar e utilizar diferentes formas de representação (tabelas, gráficos, expressões, ícones...).

• Identificar, analisar e aplicar conhecimentos sobre valores de variáveis, representados em gráficos, diagramas ou expressões algébricas, realizando previsão de tendências, extrapolações e interpolações e interpretações (BRASIL, 2002, p. 12).

Pode-se, portanto, afirmar que na aprendizagem das ciências, além da aprendizagem atitudinal deve contemplar nas aprendizagens conceitual e procedimental, a aprendizagem representacional. Papert (1993) e Roth e Bowen (1999) enfatizam que os indivíduos estão imersos numa cultura visual repleta de representações e que a interpretação dessas representações é crucial para se aprender ciências. Dessa forma, a aprendizagem dos

conceitos científicos está ligada ao dessas representações e a seus processos de formação, transformação e interpretação.

Os gráficos cartesianos são representações semióticas utilizadas nas ciências naturais como eixo de ligação entre os dados experimentais e as formalizações científicas, isto é, são utilizados para determinar as relações entre as variáveis que intervêm nos fenômenos e, assim, poder materializá-los em modelos. No ensino das ciências, os gráficos auxiliam na visualização de conceitos e relações abstratas, difíceis de serem compreendidos em outros tipos de representações (GARCÍA; PALÁCIOS, 2005).

Apesar dessa importância no ensino de ciências, alguns autores (LEINHARDT, ZALAVSKY, STEIN, 1990; SCHNOTZ,1993; ROTH, MCGUINN, 1997; ROTH, BOWEN, 1999) afirmam que, em relação às representações de gráficos cartesianos, estudantes do ensino médio e superior e, inclusive docentes da área de ciências, têm dificuldades em sua compreensão, visto que não conseguem interpretar adequadamente os gráficos nem entender o significado de suas características básicas: variáveis e suas relações, pontos, escalas, entre outros.

Para ratificar a afirmação desses autores, serão discutidos estudos onde foram pesquisadas as dificuldades de estudantes, da educação básica e superior, e de docentes em formação inicial e em exercício profissional, focando principalmente a área das ciências naturais, dando evidência, sobretudo, a pesquisas envolvendo a disciplina de Química. Será iniciada a discussão com alguns casos de estudos envolvendo estudantes das diversas etapas da educação básica e superior.

Diante dessa problemática, as atividades nas aulas de ciências naturais devem abranger situações que visem incidir sobre os pontos de origem das dificuldades apresentadas pelos estudantes quando constroem e interpretam gráficos. Para Roth e Bowen (1999), aparentemente, a construção e a interpretação de gráficos não constituem um aspecto importante na instrução de nível médio, sendo essa temática abordada de forma marginal. Esses autores e Cox (1999) sugerem que os estudantes devem participar permanentemente de atividades práticas que requeiram a construção, o uso, a interpretação e a seleção de gráficos para desenvolverem as habilidades exigidas por essas tarefas.

Em uma pesquisa com gráficos nas disciplinas de ciências, Bell e Janvier (1981) declararam que as análises dos dados obtidos indicaram, entre outros, para os seguintes problemas:

a) Em gráficos de taxas de variação ao longo do tempo, apesar de os alunos realizarem a leitura dos pontos, reconhecendo, por exemplo, o máximo e o mínimo de uma

sequência, não pareceram, em sua maioria, capazes de identificar a variação de desempenho ao longo de um determinado intervalo de tempo.

b) Os estudantes interpretaram incorretamente a variação abordada pelo gráfico. Em um gráfico crescente de uma população de micróbios em função dos horários de alimentação, os alunos entendiam as elevações das curvas do gráfico como sendo o quanto se tinha consumido de comida.

c) Os estudantes mostraram-se desatentos ao interpretar alguns gráficos do desempenho de variáveis, dificultando uma leitura apropriada. A representação da trajetória de um carro de corrida desenhada como uma montanha pareceu tê-los distraído, de modo a impedir que identificassem satisfatoriamente o gráfico espaço versus tempo do movimento correspondente.

As dificuldades exibidas pelos alunos para interpretar gráficos devem ser estudadas a partir das várias questões relacionadas à situação de interpretação. Logo, são vários os tipos de considerações a serem realizadas para que se possa investigar a compreensão da representação de dados em um gráfico.

No contexto escolar, em estudo realizado por Dolores, Alarcón e Albarrán (2002) com estudantes de ensino médio, cujo foco era pesquisar as concepções alternativas a respeito de funções elementares que relacionavam tempo e distância representados em gráficos cartesianos, detectou-se entre os equívocos dos estudantes:

a) Associação entre a maior velocidade média e a representação gráfica da ordenada de maior altura, ou o intervalo correspondente às ordenadas de maior altura;

b) Associação entre o gráfico cartesiano que se assemelha com a trajetória de corpos em queda livre e a representação da própria trajetória do corpo;

c) A não aceitação de que um gráfico de coordenadas tempo-distância e outro de coordenadas velocidade-tempo podem representar o mesmo movimento.

d) A maioria dos estudantes associa uma reta paralela ao eixo das ordenadas s(t) como representação da distância de um corpo em queda livre em função do tempo. Em outro estudo, Dolores (2004) identificou problemas de mesma ordem quando investigou as concepções alternativas de estudantes de ensino médio em atividades de análises de funções centradas na interpretação de gráficos cartesianos. Nessa pesquisa, os resultados identificaram nos estudantes as seguintes implicações:

a) A aceitação de que somente as funções cujos gráficos possuíssem abscissas positivas teriam imagens positivas; analogamente, somente os gráficos com abscissas negativas poderiam ter ordenadas negativas;

b) A aceitação de uma relação de concomitância entre função positiva e função crescente ou entre função negativa e função decrescente;

c) A consideração de que os pontos de corte de um gráfico com o eixo x seriam pontos fixos ou de que, se um gráfico passasse pela origem, então em tal ponto o gráfico nem cresceria e nem decresceria;

d) A associação de intervalos com pontos do gráfico.

Em uma investigação também relacionada com a representação gráfica de funções, Dreyfus e Eisenberg (1982) assinalaram como uma das causas das dificuldades de aprendizagem do conceito de funções pelos estudantes, a existência de uma ampla gama de linguagens de representação: descrição verbal, tabela de valores, gráficos, expressões e diagramas.

A pesquisa realizada por Markovits, Bat-Sheva e Bruckheimer (1986) com estudantes da educação básica sobre o estudo das representações de funções vêm acrescentar a essa discussão mais duas dificuldades nesse campo:

a) A compreensão parcial das representações algébrica e gráfica; b) A transferência da função entre suas formas gráfica e algébrica.

Embora sejam importantes o ensino e a aprendizagem dos gráficos cartesianos nas ciências, as investigações nessa temática evidenciam que os estudantes continuam apresentando grande dificuldade para compreendê-los e para interpretá-los. A fim de explicar essas dificuldades, têm-se discutido fatores como deficiências no desenvolvimento cognitivo (BERG; SMITH, 1994) e/ou em suas habilidades de construir e interpretar gráficos (MCMANN; MCMANN, 1987), bem como a necessidade de se converter um gráfico em outros tipos de representação para poder interpretar as informações (DUVAL; 1988), além do uso passivo desses gráficos nas salas de aula, não ocorrendo a construção e interpretação por parte dos estudantes (AINLEY; NADI; PRATT, 2000).

Pró Bueno (2003), ao discutir problemas de aprendizagem nas ciências naturais, em especial, os relativos a procedimentos para a interpretação de gráficos cartesianos, apontou como resultado de seus estudos as dificuldades relacionadas no Quadro 1 a seguir: