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Há muito tempo, o ensino das Ciências Naturais está fortemente baseado na transmissão de um corpus conceitual das disciplinas, dos principais modelos e das técnicas. Tradicionalmente, o conhecimento científico escolar tem sido um conhecimento verbal (NÚÑEZ, 2013). Permanecem sendo poucos os estudos relativos à formação de procedimentos e habilidades, visto que não ocupam um lugar de destaque nas pesquisas sobre o ensino das Ciências Naturais.

Para Pozo e Gómez Crespo (2009), o desenvolvimento de habilidades cognitivas e de raciocínio científico e de habilidades experimentais de resolução de problemas, demandam que os conteúdos procedimentais ocupem um lugar relevante no ensino de ciências (POZO; GÓMEZ CRESPO, 2009). Segundo esses autores, esses conteúdos teriam como objetivo não

medida do possível, dos próprios processos de construção e apropriação do conhecimento

científico” (POZO; GÓMEZ CRESPO, 2009, p. 28).

Pesquisas recentes sobre o ensino e aprendizagem de ciências mostram as dificuldades e limitações dos estudantes no domínio dos procedimentos científicos e em seu próprio aprendizado. Pozo e Gómez Crespo (2009, p. 47) afirmam que, atualmente, o ensino de

ciências precisa adotar como um de seus objetivos prioritários “a prática de ajudar os alunos a

aprender e a fazer ciência, ou, em outras palavras, ensinar aos estudantes procedimentos para

a aprendizagem de ciências”.

Nesse contexto problemático inicial, constituiu-se o projeto do qual esta pesquisa faz parte, desenvolvido no grupo de estudos sobre a teoria de P. Ya. Galperin, vinculado à Base de Pesquisa Formação e Profissionalização Docente do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Este estudo integra-se, igualmente, ao Programa de Pós- Graduação em Educação da referida Universidade, resultando na tese de doutoramento deste pesquisador, a qual, adicionalmente, passou a fazer parte do projeto “Aprender a ensinar habilidades cognitivo-linguísticas como ferramentas na Educação em Ciências. Uma abordagem baseada na Teoria de Formação das Ações Mentais e dos Conceitos de P. Ya. Galperin”, coordenado pelo Prof. Dr. Isauro Beltrán Núñez e fomentado pelo CNPQ no ano de 2012.

A partir das diversas dissertações e teses relacionadas ao projeto, e adotando como referências as contribuições de Ramalho, Núñez e Gauthier (2004), Núñez (2009), Tardif (2002), Marcelo (2007), Shulman (2004), Galperin (1993), Talízina (2000) e Zeichner (2009), pretende-se atingir uma compreensão teórica e prática mais aprofundada e sedimentada acerca da aprendizagem de como ensinar, no contexto da formação inicial de futuros professores de Física, Química e Biologia, e sua relação com o desenvolvimento profissional desses educadores. A importância deste projeto está na busca de uma maior aproximação entre essas áreas, a fim de revelar processos que, no contexto dado, facilitam ou são obstáculos à apropriação de saberes e habilidades como parte da cultura profissional. Considerando os poucos estudos pré-existentes sobre este objeto e abordagem teórica, a contribuição científica mais significativa desta pesquisa diz respeito a teoria de assimilação de P. Ya. Galperin, aplicada na formação de professores, para aprender uma das diversas fundamentações do ensinar ciências (NÚÑEZ, 2012).

Retomando o contexto motivador deste estudo, salienta-se que o ritmo de desenvolvimento da ciência e da tecnologia, vai além do que o mais amplo programa de formação docente pode incluir. Adicionalmente, a avaliação dos limites que se coloca ao

estudante por meio de uma educação centrada apenas no domínio dos conteúdos da aprendizagem, bem como do potencial de desenvolvimento que o individuo possui e com o qual pode se converter em gestor de uma vida de melhor qualidade para si mesmo e para os grupos sociais a que pertence, têm mudado os objetivos educacionais dos educadores em prol do desenvolvimento de habilidades, da formação de atitudes e da internalização de valores (MORENO, 1998).

É importante mencionar que as habilidades não são capacidades inatas com as quais as pessoas vêm ao mundo. Uma habilidade é uma capacidade de agir que se aprende, a qual é requerida para executar completamente uma tarefa. Assim sendo, as habilidades dependem da maturação e das experiências de aprendizagem, e, portanto, a adequação a essas habilidades dependerá das demandas das situações pessoais em interação com a sociedade. (CERVANTES; MOREJON, 2005)

Uma das principais tarefas que tem o ensino das ciências é a capacitação dos estudantes na resolução de situações-problema que exijam o conhecimento de conceitos, propriedades (expressas através de teoremas e leis) e procedimentos de trabalho.

Em estudos no campo da educação científica, faz-se contínua a referência à necessidade de que os alunos não só aprendam teorias, leis e conceitos, mas que também desenvolvam habilidades, competências e destrezas que lhes permitam assumir uma atitude responsável na busca por informações (RECIO; RAMÍREZ, 2012). Sendo assim, a escola não só deve capacitar as pessoas em termos da teoria específica do sistema de conhecimentos das disciplinas, mas há de considerar o desafio posto para o avanço da própria ciência do ponto de vista do saber fazer.

O discurso pedagógico dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) adota essa perspectiva, insistindo na responsabilidade da escola em valorizar as dimensões conceitual, procedimental e atitudinal no estabelecimento dos objetivos e das competências e habilidades, na organização e seleção dos conteúdos, nos procedimentos didáticos e avaliativos (VALENTE, 2003).

Para Pérez Gómez (2007c), o ensino como treinamento de habilidades tem sido uma prática constante nas escolas. De acordo com o autor, essa perspectiva educacional tem privilegiado o desenvolvimento e treinamento de habilidades e capacidades formais sem uma conexão adequada das habilidades com os conteúdos e com o contexto cultural em que essas habilidades adquirem significados. Na concepção do autor, o desenvolvimento de habilidades à parte de seu conteúdo e do significado de seu contexto é tão difícil, carente de aplicação e desmotivador como a aprendizagem de conteúdos disciplinares separados dos esquemas de

compreensão. Como explica Núñez e Ramalho (2012), os estudos relativos à formação de procedimentos não tem ocupado um lugar central no campo da didática.

Recio e Ramírez (2012) consideram que, diante do desenvolvimento alcançado pela ciência e do grande número de conhecimentos acumulados pela humanidade, faz-se necessário que os professores direcionem seu trabalho docente mais a ensinar a aprender que a transmitir informações. Desse modo, uma das tantas tarefas fundamentais da educação é considerar a formação e o desenvolvimento de capacidades e habilidades, uma vez que o sucesso nas diferentes atividades que o homem realiza depende em grande parte da forma em que elas são dominadas por ele.

A condição inicial para superar dificuldades na organização do pensamento lógico é a utilização de procedimentos lógicos no ensino-aprendizagem desde as séries iniciais (RIBEIRO; NÚÑEZ, 1997). Os autores também entendem as habilidades como um tipo de conteúdo procedimental e que a formação de habilidades gerais (comparar, identificar e classificar) deve fazer parte do processo de assimilação de conceitos científicos iniciais.

Investigações realizadas por Sánchez Blanco (1993) e Pro Bueno (1995) apontaram a importância da introdução de conteúdos procedimentais no ensino de ciências no ensino médio, considerando entre estes a formação das habilidades de observar, medir, classificar, reconhecer, formular hipóteses, identificar e controlar variáveis, elaborar projetos experimentais, analisar dados e estabelecer conclusões.

Alguns dos procedimentos para a aprendizagem das ciências naturais, de caráter geral ou instrumental, devem ser ensinados em sala de aula, pois tendem a facilitar a aprendizagem dos alunos (POZO; GOMEZ CRESPO, 2009), e são parte do processo de apropriação e assimilação dos conhecimentos (NÚÑEZ, 2009), tais como: os procedimentos de exposição oral e escrita, o uso de diferentes teorias de expressão escrita e o desenvolvimento de capacidades para argumentar, explicar e justificar. Para os autores, esses procedimentos são tão importantes quanto os próprios conhecimentos. Descrever, interpretar, explicar e argumentar são considerados habilidades cognitivo-linguísticas utilizadas largamente nas ciências naturais (NÚÑEZ, 2012). De acordo com Jorba (2000), tais habilidades são ditas cognitivas no sentido de que se relacionam com processos cognitivos de grande elaboração e complexidade, mas que só se podem atingi-los por meio da linguagem.

Segundo Núñez (2012), a escola tradicional não tem dado a devida atenção aos processos de ensino e de aprendizagem de procedimentos, como descrever, explicar e interpretar, na sala de aula, desconsiderando que estes devem ser entendidos, aprendidos e ensinados como parte dos conteúdos das Ciências. Comumente, as descrições, explicações e

interpretações são dadas “acabadas”, como produto ou pacotes prontos retirados dos livros

didáticos ou passados pelos professores, de modo que os estudantes venham reproduzi-las de forma acrítica e mecânica, ignorando a estrutura dessas atividades. A forma de trabalho dos docentes na educação básica em relação às habilidades como conteúdos procedimentais prontos vem, possivelmente, como reflexo da formação inicial que receberam nas licenciaturas onde em sua maioria também são abordadas dessa forma.

A educação científica supõe, sem dúvidas, o desenvolvimento de procedimentos e de atitudes, e não somente de conhecimentos. Fundamentada na teoria da atividade de Leontiev, Talízina (2001) destaca a necessidade de se aprender os conteúdos conceituais em relação a procedimentos e dirigidos à formação de atitudes, valores, numa perspectiva da aprendizagem que desenvolve os estudantes.

Núñez (2011) considera os procedimentos como tipos de atividades a serem planejados e ensinados de forma explícita e consciente. Assim, os estudantes devem aprender esses tipos de conteúdos relacionados com outros, de forma funcional, compreensiva e consciente, dirigidos à solução de situações problemas e a atuação competente.

De acordo com Fernandéz et al (2005), as investigações pedagógicas têm abordado o problema de formação e desenvolvimento de habilidades na qualidade de componente essencial do conteúdo de ensino, mais ainda são poucos os estudos que investigam sobre as estratégias mais eficientes para formá-las e desenvolvê-las.

A linguagem científica constitui uma ferramenta essencial para expressar, discutir e debater as ideias da ciência, com uma precisão mais adequada que a oferecida pela linguagem do cotidiano. A importância da linguagem visual e verbal nas aulas de ciências tem sido mostrada por um grande número de pesquisas. Esses trabalhos põem em evidência as dificuldades de os alunos utilizarem, de forma adequada, a linguagem científica para atender as diferentes demandas – explicar, descrever, justificar e argumentar. Assim, esses alunos não conseguem diferenciá-las e terminam por confundi-las, evidenciando a falta de conhecimento das estruturas pelas quais as ideias científicas são expressas.

As habilidades desenvolvem-se ao longo do tempo, sendo o processo de ensino- aprendizagem a célula fundamental para seu desenvolvimento, o que se concretiza na sala de aula, porém na hora de realizar a planificação da habilidade é necessário se ter em conta seus componentes estruturais (MADRAZO; CARRAZANA; MIRANDA, 2005).

Corroborando com essa perspectiva, é necessário que o ambiente escolar estimule o vínculo teorico-prático, em uma unidade dialética em que ambos se complementem. Para Fernandéz et al. (2005, p.6), “o homem realiza milhares de ações externas, práticas, internas e

intelectuais diversas e tudo é assimilado durante a vida. Os homens não nascem práticos, nem teóricos, nem realizadores, nem pensadores. Tudo se aprende". Para a apropriação deste conhecimento, desempenha um papel importante a formação e desenvolvimento de habilidades.

A psicologia da aprendizagem e a prática escolar convergem na opinião de que os estudantes que se apropriam de procedimentos no plano mental, que refletem as formas de pensamento e trabalho nas ciências podem obter melhor resultados na resolução independente de problemas. Entendemos como fundamental o desenvolvimento da habilidade de interpretar gráficos cartesianos em licenciandos de Química como um saber necessário entre os conhecimentos específicos da área e para o seu exercício docente.

2.2 A interpretação de gráficos no ensino de ciências naturais: uma questão