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Intervenções de manutenção da posição da “linha de costa”

NA EVOLUÇÃO FISIOGRÁFICA DAS FAIXAS COSTEIRAS

3 ACÇÕES NATURAIS E ANTROPOGÉNICAS CONDICIONANTES NA EVOLUÇÃO FISIOGRÁFICA DAS FAIXAS COSTEIRAS

3.2 Acções Antropogénicas

3.2.2 Intervenções de Defesa das Zonas Costeiras

3.2.2.1 Intervenções de manutenção da posição da “linha de costa”

Estas intervenções caracterizam-se em geral por serem estruturas que reflectem e/ou dissipam a energia das ondas (possibilitando a pré-rebentação) ou retêm a areia de forma a aumentar a dimensão da praia.

Dentro desta categoria de estruturas, podem ser considerados dois grupos principais: estruturas paralelas à costa e estruturas perpendiculares à costa. Este tipo de intervenção foi muito comum ao longo dos tempos, mesmo antes do tempo dos romanos. Existem muitas estruturas de características mistas. Algumas das desvantagens associadas a este tipo de estabilização da costa só agora começam a ser conhecidas (WCU, 2003).

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Estruturas paralelas à costa

Como estruturas paralelas à costa, podem diferenciar-se os muros e paredões de retenção, as obras longitudinais aderentes e os quebramares destacados. A figura 3.18 representa esquematicamente este tipo de estruturas.

Campo de quebramares destacados

Muro Obra longitudinal aderente

Quebramar destacado

Os muros e paredões estão frequentemente associados à retenção de terraplenos marginais para arruamentos, edificações e parques de estacionamento. Podem ser de madeira, rocha ou betão e poderão ser projectados para proteger a parte posterior do edificado ou da praia do impacte das ondas. Frequentemente foram edificados em frentes ribeirinhas quando existia praia mas com o progressivo emagrecimento ou desaparecimento da mesma, passaram a ser submetidos à acção directa das ondas podendo ser galgados ou destruídos. A sua superfície exposta se for vertical e pouco rugosa e porosa não favorece a estabilidade do areal devido à reflexão das ondas. A fundação dos muros deve atingir uma cota baixa para evitar as subescavações atingindo, se possível, o estrato rochoso.

Tal como os muros, as obras longitudinais aderentes como os revestimentos longitudinais são uma solução comum na costa portuguesa. Encontram-se obras longitudinais aderentes em quase todos os campos de esporões construídos em Portugal. A solução estrutural consiste na colocação de rocha (ou blocos de betão) ao longo de uma face da duna ou num talude inclinado da praia, reduzindo a acção das ondas, por absorção da energia nas faces e espaços vazios das rochas. Algumas soluções com outros materiais começam também a ser testadas, tal como elementos de geosintéticos, utilizando também a própria areia da praia.

Figura 3.19: Obras longitudinais aderentes, em Cortegaça e Esmoriz.

No entanto, as soluções agora referidas apresentam algumas desvantagens. É evidente a degradação do valor (recreativo, estético, etc.) da praia, por diminuição da área útil da praia (ocupada pela estrutura), por impacte visual negativo e por introdução de dificuldades de acesso à própria praia. Nas zonas costeiras em erosão, as obras longitudinais aderentes funcionam como “alinhamentos” fixos de referência e à medida que a praia vai erodindo, vai ficando mais estreita.

Riscos de Exposição de Frentes Urbanas para Diferentes Intervenções de Defesa Costeira

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O impacte destas estruturas na zona frontal da praia e nos troços vizinhos deverá ser avaliado efectuando simulações de evolução da costa, com e sem a presença das estruturas. Com efeito, estão presentes fenómenos a uma escala geológica (elevação do nível das águas), fenómenos associados a alterações nas bacias hidrográficas, retenções e extracções sedimentares nos portos, efeito de “sombra” de outras estruturas como esporões e fenómenos hidrodinâmicos locais gerados pela estrutura.

Os pequenos cabos que se podem gerar ilustram o recuo generalizado da costa, recuo contido localmente por uma obra aderente eventualmente associada a outras estruturas (ver figura 3.20). A médio/longo prazo poderá apenas restar a alternativa de “retirada” da povoação, com impactes sócio-económicos a avaliar.

Figura 3.20: Exemplo de Cortegaça, onde é evidente a formação de um pequeno cabo originado pelo efeito de contenção local da obra de defesa aderente (foto retirada de EUrosion, 2003). Estas soluções obrigam a operações de manutenção, tanto mais que frequentemente não têm fundações em terreno “firme” e estão geralmente em zonas submetidas a processos erosivos. As extremidades deste tipo de estruturas são em geral problemáticas, devendo sempre que possível, terminar na junção com outras estruturas vizinhas. A figura 3.21 representa a extremidade livre de uma obra aderente.

Figura 3.21: Remate de uma extremidade livre da obra de protecção da Vagueira.

Os quebramares destacados são estruturas localizadas nas zonas imersas, usualmente paralelas à costa, com coroamento emerso ou submerso, projectadas para reduzir a energia das ondas. Desta forma, há redução de transporte de sedimentos nesta zona, causando o acumular de sedimentos na zona abrigada da estrutura com formação de um tômbolo de difracção.

Os quebramares destacados, quando utilizados de forma consecutiva formam um campo de quebramares. Em geral, a solução de quebramares destacados é eficaz na protecção e defesa dos locais onde são construídos. No entanto, o valor estético da praia é prejudicado, principalmente no caso dos quebramares com coroamento emerso.

Se a retenção de areias por trás do quebramar originar um tômbolo de dimensões apreciáveis e se existir transporte sedimentar longitudinal, este pode ser interrompido e a estrutura passa a ter um comportamento análogo ao dos esporões, com eventuais erosões a sotamar.

Em Portugal, já se recorreu à utilização de quebramares destacados em Castelo de Neiva e na Aguda, ambos com função de apoio à comunidade piscatória.

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Estruturas perpendiculares à costa

Ao contrário das estruturas paralelas à costa, que são previstas para reduzir o efeito da energia das ondas, as estruturas perpendiculares à costa, em geral têm como principal função a retenção do transporte longitudinal de sedimentos, formando praias por depósito de areias. Na figura 3.22 estão esquematizadas algumas destas soluções, por vezes adoptadas em conjunto com estruturas paralelas à costa.

Riscos de Exposição de Frentes Urbanas para Diferentes Intervenções de Defesa Costeira 116 Tipos de esporões Esporão Sentido do transporte sedimentar longitudinal Esporão + Obra longitudinal aderente

Quebramares

Campo de esporões

Sequência construtiva: de sotamar para barlamar Transposição de areias Dragagem e reposição de areias a sotamar Sentido do transporte sedimentar longitudinal Sentido do transporte sedimentar longitudinal Sentido do transporte sedimentar longitudinal

Figura 3.22: Esquema de estruturas perpendiculares à costa.

Os esporões são estruturas perpendiculares à linha de costa, executadas normalmente em blocos de enrocamento, blocos de betão, cortinas de estacas-prancha metálicas ou em madeira. São projectados para reter os sedimentos que são transportados longitudinalmente à praia, reconstruindo praias erodidas, pelo que quanto mais compridos e altos forem maior a sua eficácia a barlamar. Mas quanto maior for essa eficácia a barlamar, maiores serão os impactes negativos a sotamar em resultado dessa mesma retenção. Esse impacte negativo a barlamar poderá ser permanente e irreversível ou poderá ser temporário e reversível se após alguns anos o transporte longitudinal for novamente retomado por “saturação” do esporão.

Os esporões são por vezes utilizados em conjunto com obras longitudinais aderentes (figura 3.23) ou ainda com projectos de alimentação artificial de areias. Estas intervenções mistas existem em zonas muito críticas ou como uma tentativa de mitigar impactes negativos e minorar custos associáveis a cada uma das intervenções se fossem consideradas isoladamente.

Figura 3.23: Esporão isolado e esporão em continuidade com revestimento longitudinal. Para que o esporão realize a função para que foi projectado, é necessário que se verifique transporte sedimentar, e nessas situações irá ocorrer a acumulação de areias a barlamar do esporão. Quando não há transporte sedimentar longitudinal, a solução de esporões não deve ser adoptada. Se o transporte sedimentar sofrer uma redução acentuada ao longo da vida de um esporão, a sua eficácia passa a ser cada vez mais reduzida.

Na análise de Oliveira (1997), que se resume na figura 3.24, um esporão tem uma capacidade limite de acumulação sedimentar. Esgotada a capacidade limite, o esporão deixa de constituir um obstáculo à passagem de caudal sólido e o défice sedimentar que existe a sotamar volta a ser igual ao défice sedimentar de barlamar. Por isso, o agravamento do processo erosivo a sotamar manifesta-se apenas durante o período de enchimento do esporão e decresce progressivamente no tempo. Porém, se o esporão for extenso em termos relativos, ainda que saturado, os sedimentos que passarão a contornar a sua cabeça poderão ficar a profundidades relativas tais que as ondas de pequena e média energia não têm capacidade de transportar os sedimentos para as praias imediatamente a sotamar. Quando muito essa reposição verificar-se-á a distâncias consideráveis do esporão.

Riscos de Exposição de Frentes Urbanas para Diferentes Intervenções de Defesa Costeira 118 Tempo Qo Qs tc

Qs - Caudal Sólido Efectivo Qs Qs Pe Transporte de C audal Sólido Va

Qo - Potencial de Transporte de Caudal Sólido Va - Capacidade de Retenção do Esporão tc - "Instante" de Construção do Esporão Pe - Período de Tempo de Enchimento, com Agravamento da Taxa de Erosão a Sotamar

Défice

Se

dim

enta

r

Figura 3.24: Transporte sólido longitudinal na secção de implantação de uma estrutura perpendicular à costa (adaptado de Oliveira, 1997).

Em Portugal, são diversos os campos de esporões construídos. Podem referir-se os casos de Ofir, Esmoriz, Cortegaça, Costa Nova, Vagueira, Cova/Gala, Costa da Caparica e Vilamoura/Quarteira. Os esporões de configuração não rectilínea em planta existem na frente urbana de Espinho e mais recentemente, no Areão e Poço da Cruz. Estes destinam-se a proporcionar o efeito de difracção a sotamar, com acumulação de areias no enraizamento do esporão.

Os quebramares portuários são estruturalmente análogos aos esporões (embora mais complexos), mas são utilizados especificamente para estabilizar canais de navegação de acesso a portos. Têm como principal objectivo tornar a navegação mais segura e a manutenção dos canais de navegação mais económica. Em geral, são mais extensos que os esporões e por isso interrompem mais o transporte sedimentar longitudinal podendo gerar grandes acumulações a barlamar e erosões a sotamar. Por isso, não se considera o quebramar como uma intervenção de defesa.

A costa portuguesa apresenta numerosos casos de quebramares portuários, com maior ou menor impacte negativo nas zonas costeiras a sotamar e beneficiando em geral da acumulação de sedimentos nas zonas costeiras a barlamar. Além dos já referidos quebramares portuários de Vila Praia de Âncora, Viana do Castelo, Póvoa do Varzim, Vila do Conde, Leixões, Douro (em construção), Aveiro e Figueira da Foz, podem enumerar-se os da Nazaré, Peniche, Cascais, Sesimbra, Sines, Baleeira, Alvor, Portimão, Albufeira, Vilamoura, Faro, Tavira e Vila Real de Santo António.

Para mitigar estes impactes negativos associados a quebramares é possível adoptar sistemas de transposição de sedimentos, que permitam dar continuidade de circulação dos sedimentos de

barlamar para sotamar. São soluções técnicas desejáveis mas de difícil concepção e manutenção pelo que ainda não há instalações em Portugal ainda que se fale das mesmas há algumas dezenas de anos. Esta transposição artificial de areias constitui um exemplo do que seria uma “intervenção no sentido da redução de acções antrópicas específicas”. Outro exemplo será a redução dos volumes de dragagem e a colocação de produtos dragados nas praias e dunas.