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FALA SOBRE O ATENDIMENTO DE CRIANÇAS COM HISTORIAL DE OMD

4.4. D ISCUSSÃO DOS RESULTADOS

As investigações realizadas nas últimas décadas vieram demonstrar que existem períodos “críticos” para o desenvolvimento linguístico durante os primeiros anos

de vida e que perdas auditivas, ainda que ligeiras, poderão ter consequências negativas neste domínio (Paden, Novak & Beiter, 1987; Shriberg et al., 2000; Ruben, 2002), sendo necessária uma resposta eficaz dos serviços de saúde face a esta patologia (Norbury, Tomblin & Bishop, 2008).

Em Batista (2011), foi realizado um questionário a 258 TF, o qual pretendia, entre outros aspectos, conhecer as idades dos utentes nas quais os TF mais intervêm. A maioria dos TF assinalou intervir junto de utentes de mais do que uma faixa etária (89,8%). Concretamente, as faixas etárias mais referidas situaram-se entre os 3;0- 5;0 anos, com 82,6%, e entre os 6;0-17;0 anos, com 88,7%, enquanto as restantes faixas etárias obtiveram resultados inferiores (44,1% para a faixa etária entre os 18 - 65 anos; 32% para a faixa etária superior aos 65 anos e, por fim, 25,1% para a faixa etária entre os 0;0 – 2;0 anos). Importa realçar que o público-alvo de intervenção visado no nosso questionário, as crianças, constitui o público-alvo mais frequentemente encontrado em intervenção em Terapia da Fala (Batista, 2011), sendo uma faixa etária relevante para a nossa investigação.

A questão relativa aos intervenientes no processo de encaminhamento para a consulta de Terapia da Fala permite conhecer quais os grupos profissionais que se encontram devidamente alerta para os sinais do desenvolvimento linguístico adequado, permitindo de igual forma compreender o papel dos pais/cuidadores na detecção precoce de potenciais alterações linguísticas. Os resultados demonstraram que os educadores/professores constituem o grupo profissional que mais encaminhou crianças para a consulta de Terapia da Fala, com 44,9% das respostas. Estes resultados vêm demonstrar que o educador/professor desempenha um papel crucial na detecção precoce de potenciais constrangimentos no desenvolvimento linguístico das crianças, em particular no caso dos decorrentes de episódios de OM. Tal como os pais, o educador/professor possui um contacto diário com a criança, no entanto, o seu conhecimento sobre a criança não se encontra dependente dos laços afectivos e emocionais característicos da relação parental (Castro & Gomes, 2000), para além de possuir um conhecimento alargado sobre o desenvolvimento infantil. Apenas 13,3% das respostas indicou os pais/cuidadores como agentes de encaminhamento para a Terapia da Fala,

podendo a justificação para tal encontrar-se relacionada com a relação afectiva que os pais têm com a criança, e que poderá não permitir uma adequada consciência das dificuldades das crianças. Para além disso, os pais, de entre todas as opções de resposta possíveis para esta pergunta, são, à partida, aqueles que poderão ter um menor conhecimento sobre o desenvolvimento infantil e, em particular, sobre o desenvolvimento linguístico. Os resultados obtidos para os pediatras (14,3%) e médicos de família (4,1%) demonstram que ambas as classes de profissionais possuem um papel relativamente restrito no encaminhamento de crianças para a Terapia da Fala. Estes resultados vêm ao encontro de Sonnenschein e Cascella (2004), que vieram demonstrar que os pediatras não concordam com o facto de a OM ter necessariamente um impacto sobre o desenvolvimento da audição e da competência linguística. Com efeito, os pediatras defendem que o início precoce das OM (do nascimento aos 2;0 anos de idade) afecta o desenvolvimento linguístico, afirmando, porém, que os pais e os ambientes das creches e jardins-de- infância podem mitigar qualquer efeito das OM. Os pediatras consideram a existência de um possível impacto das OM sobre a capacidade de audição, mas não concordam que estas crianças necessitem de um encaminhamento para avaliação audiológica (Sonnenschein & Cascella, 2004).

Ainda segundo os resultados obtidos por Batista (2011), no que concerne à população infanto-juvenil, as perturbações mais frequentes em atendimento em Terapia da Fala foram o atraso do desenvolvimento linguístico (ADL), com 94,9% de respostas, a perturbação articulatória/fonológica, com 95,3%, e a perturbação da leitura e escrita (71,1%). A disfagia foi o diagnóstico terapêutico assinalado menos frequentemente com 14% das respostas. Estes resultados vêm demonstrar que é junto da população infantil e juvenil que a maioria dos TF em Portugal exerce as suas funções, sendo as perturbações do desenvolvimento linguístico/da articulação verbal/da fonologia aquelas que mais necessitam da intervenção em Terapia da Fala (Batista, 2011). Num estudo anterior ficou demonstrado que 73% dos TF portugueses trabalham com perturbações de linguagem, das quais 42% com crianças e 31% com adolescentes (Rebelo, 1998). Os resultados destes dois estudos (Rebelo, 1998; Batista, 2011) permitem concluir que um grande número

de profissionais atende, no seu contexto profissional, crianças com dificuldades no desenvolvimento linguístico.

Deste modo e tendo por base a elevada prevalência de crianças com perturbações linguísticas/de fala em atendimento em Terapia da Fala em Portugal, consideramos que é importante e necessário o estudo mais aprofundado de eventuais patologias que possam estar na origem destas perturbações. Desde os estudos pioneiros de Hulm e Kunze (1969), muito se tem escrito sobre a relação das OM com o desenvolvimento linguístico (Klausen et al., 2000) e o papel que a perda auditiva associada às otites possui nos mecanismos de percepção e produção da fala (Gravel & Wallace, 1992; Ruben, 2002; Shriberg, Tomblin & McSweeny, 1998). Embora não se disponha de dados acerca da etiologia das perturbações diagnosticadas pelos TF do estudo de Batista (2011), sabemos que a perda auditiva constitui um dos factores que pode comprometer um adequado desenvolvimento linguístico (Ingram, 1976; Stoel-Gammon & Dunn, 1985; Paden, Novak & Beiter, 1987; Shriberg et al, 2000; Ruben, 2002; Shriberg, Flipsen, Kwiatkowski & McSweeny, 2003; Bauman-Waengler, 2004; Bluestone & Klein, 2004; Dodd, 2005).

Estudos desenvolvidos nos Estados Unidos da América (EUA) apontam para um ocorrência de aproximadamente 7,5% das crianças entre os 3;0 e os 11,0 anos de idade com perturbações do desenvolvimento fonológico (Shriberg & Kwiatkowski, 1994). Por sua vez, Gierut (1998) refere que, de entre as perturbações da comunicação que afectam crianças em idade pré-escolar, as perturbações do desenvolvimento fonológico constituem o diagnóstico terapêutico mais frequente, chegando a afectar 10% dessa população. Quanto aos estudos sobre o português, existem dados para o Português do Brasil (PB) que apontam para percentagens de ocorrência semelhantes às obtidas para a variante americana do Inglês (Andrade, 1991). A perda auditiva é uma das causas da perturbação fonológica, sendo a otite média a causa mais frequente de perda auditiva de transmissão em crianças (Bluestone & Klein, 2001). As crianças com perda auditiva, ainda que de grau ligeiro, têm maior dificuldade no desenvolvimento linguístico, com especial relevo para a componente fonológica (Berman, 2001). Os resultados obtidos no nosso

questionário vão ao encontro deste estudo, uma vez que 84% dos TF respondeu que a componente fonológica é a mais afectada nas crianças com OMD que têm em intervenção terapêutica.

Os resultados desta investigação referentes à questão acerca das classes naturais mais afectadas em crianças com OMD vão ao encontro de estudos análogos (Schwartz, Mody & Petinou 1997; Borg et al., 2002; Ruben, 2002; Wertzner, Pagan, Galea & Papp, 2007; Wertzner, Pagan & Gurgueira, 2009), verificando-se que a classe das fricativas e a das líquidas são as mais problemáticas neste contexto. Quanto à última pergunta do questionário, sobre a intervenção precoce em crianças com historial de OM, a maioria dos TF (72,3%) referiu sentir necessidade de informação/formação específica na área da prevenção. Em 1998, num estudo que envolveu a construção e validação de um folheto informativo para detecção de sinais de alerta do desenvolvimento linguístico, a maior parte dos TF inquiridos (56%) referiu que não teve formação de base em prevenção e 38% referiu sentir necessidade de formação na área (Rebelo, 1998). Percebe-se, deste modo, a necessidade de uma formação de base que privilegie uma formação mais direccionada para a prevenção. O efeito potencialmente cumulativo das dificuldades linguísticas torna importante a detecção dessas dificuldades o mais precocemente possível (Teele et al., 1990; Roberts et al., 1991; Castro & Gomes, 2000; ASHA, 2002).

Os dados obtidos através do questionário cujos resultados foram anteriormente apresentados permitem consubstanciar as opções metodológicas para a definição do desenho experimental a adoptar no presente estudo. Para além disso, é possível obter um melhor conhecimento sobre as características das crianças com historial de OMD que se encontram em intervenção terapêutica.

Considera-se desejável que haja uma maior aproximação envolvendo os diferentes profissionais que lidam com estas crianças, no sentido de permitir uma detecção mais precoce das OM, minimizando desta forma, os potenciais efeitos que esta patologia possa provocar no desenvolvimento físico, cognitivo e social da criança. Neste sentido, os TF podem desempenhar um papel importante na detecção

precoce de dificuldades linguísticas de crianças com OM, na medida em que pode funcionar como um elemento mediador e potenciador de uma intervenção concertada entre os profissionais da saúde e os profissionais da educação.

Defende-se o incentivo a programas de prevenção primária e secundária junto dos centros de saúde, dos hospitais, dos jardins-de-infância e das escolas, de forma a informar a população em geral, e a comunidade médica e escolar em particular, acerca da importância da detecção precoce da patologia do ouvido médio, bem como da necessidade de uma intervenção interdisciplinar.