• Nenhum resultado encontrado

T RATAMENTO CIRÚRGICO DA OMD A MIRINGOTOMIA E COLOCAÇÃO DE TUBOS DE VENTILAÇÃO TRANS TIMPÂNICOS (TVTT)

A PATOLOGIA DO OUVIDO MÉDIO : OTITE MÉDIA COM

1.8. T RATAMENTO CIRÚRGICO DA OMD A MIRINGOTOMIA E COLOCAÇÃO DE TUBOS DE VENTILAÇÃO TRANS TIMPÂNICOS (TVTT)

A primeira indicação para a realização da miringotomia com colocação de TVTT em crianças com historial de OMD remonta aos finais do século XIX, através de Politzer (1862, citado por Bluestone & Klein, 2004), tendo sido possivelmente o primeiro tratamento eficaz das OM. Contudo, apenas em meados do século XX esta cirurgia se tornou uma forma efectiva de tratamento da OMD (Armstrong, 1954). A miringotomia é um procedimento cirúrgico no qual uma pequena incisão é criada no tímpano, para aliviar a pressão causada pela acumulação excessiva de fluido no ouvido médio. A colocação de TVTT tem como objectivo a equalização de pressão, sendo colocados no momento da miringotomia. Devido à rápida cicatrização do tímpano, a não colocação dos TVTT poderia levar a novas miringotomias, antes que a OMD estivesse totalmente tratada (Bluestone & Klein, 2001). A miringotomia com colocação do TVTT cria assim uma rota alternativa de arejamento do ouvido médio. Para além de equalizar a pressão do ouvido médio, esta cirurgia tem como objectivos o restabelecimento do nível de audição normal e a prevenção de eventuais problemas de desenvolvimento associados (Rovers et al., 2000).

A miringotomia com colocação de TVTT é realizada sob anestesia geral em crianças, podendo ser feita sob anestesia local em adultos (Stool et al., 2004). Deve ser realizada, preferencialmente, nos quadrantes anteriores, evitando-se principalmente o quadrante póstero-superior, pelo risco de lesão da cadeia ossicular (Bluestone & Klein, 2001; Paradise et al., 2001). De seguida é aspirada a secreção, inserindo-se o TVTT na MT. O local preferencial para a colocação do TVTT é no quadrante ântero-superior da MT imediatamente à frente do cabo do martelo, uma vez que a migração epitelial da MT ocorre na direcção posterior, permitindo desta forma uma maior permanência do TVTT (Todd & Stool, 1997; Morris, 1999; Bluestone & Klein, 2004). As complicações mais frequentes desta cirurgia são a timpanosclerose e a otorreia (Bluestone & Klein, 2004; Rosenfeld et

Figura 4 - Ouvido médio com colocação de TVTT

Nota: Imagem retirada de http://ec.bledar.com/tubos-de-orelha (12/08/13)

Devido à alta prevalência da OM, a miringotomia com colocação de TVTT é a cirurgia mais realizada na população infantil (Gates et al., 1987; Mandel et al. 1992; Stool et al., 1994; Rosenfeld, 1999; Siegel et al., 2000; Bluestone & Klein, 2001; Ruah & Ruah, 2010).

Apesar de esta cirurgia ser mais frequentemente recomendada para os casos de OMD, também pode ser aconselhada nos casos de OMA e de disfunção da trompa auditiva (Todd & Stool, 1997). No caso de OMA, esta cirurgia deve ser considerada sempre que se torna necessário obter uma amostra do fluido do ouvido médio para cultura, devido a resposta insuficiente ao tratamento farmacológico ou ainda para proporcionar um alívio imediato da otalgia (Bluestone & Klein, 2004). Para além disso, foi demonstrado que esta cirurgia foi eficaz na redução de episódios de OMA nos primeiros seis meses seguintes à cirurgia (McDonald, Langton Hewer & Nunez, 2008).

Devido ao facto de uma grande percentagem de casos de OMD se resolver ao final de três meses (Casselbrant et al., 1985; Handler, 1994), uma observação vigilante por parte do clínico deve ser o procedimento mais adequado a tomar (Rover et al, 2005). Contudo, a indicação para esta cirurgia deve ocorrer quando a OMD persiste por mais de três meses nos casos em que a afecção é bilateral e por mais de seis meses quando é unilateral, apesar do tratamento com antibiótico e/ou com corticóides associados (Bluestone & Klein, 2001; Stool et al., 2004). Existem outros

factores de risco a ter em consideração quando é equacionado o tratamento cirúrgico. Deste modo, quando se verifica a existência de perda auditiva, existe uma indicação para colocação dos TVTT mais precoce, sobretudo se as perdas forem bilaterais e superiores a 28 dB (Fria et al., 1985; Bluestone & Klein, 1995). Outro aspecto importante a ser considerado diz respeito à existência de co- morbilidades associadas, as quais podem incluir: hipoacusia neurossensorial associada, existência de malformações craniofaciais; fendas palatinas; atraso no desenvolvimento geral e/ou da linguagem (Rosenfeld et al., 2005; Witsell, 2005). A progressão da OMD para uma fase crónica constitui um factor relevante na decisão clínica pela miringotomia com colocação de TVTT (Dowell et al., 1998; Stool et al., 1994). A reposição dos níveis adequados de audição também deve constituir um factor importante a ter em conta. Num estudo realizado no Brasil, ficou demonstrado que as crianças submetidas à miringotomia com colocação de TVTT apresentam uma melhoria significativa do limiar auditivo após a cirurgia, com valores médios de 28,75dB no período pré-cirúrgico para valores médios de 13dB no período pós-cirúrgico (Oliveira et al., 2009). Segundo os mesmos autores, apesar de ser pouco frequente na literatura, é recomendada a avaliação dos dados audiométricos nos momentos pré e pós-operatórios, de forma a melhor monitorizar o impacto desta cirurgia (Oliveira et al., 2009).

Para além desta cirurgia, no tratamento da OMD também pode ser realizada simultaneamente uma adenoidectomia6, sobretudo nos casos em que há historial

de obstrução nasal decorrente de uma hipertrofia dos adenóides (Mandel et al., 1992; Bluestone & Klein, 2001). Num estudo de revisão sobre o impacto da adenoidectomia e da amigdalectomia em crianças com OMD que analisou os

6 Cirurgia para remoção dos adenóides da nasofaringe. Os adenóides crescem durante a infância e

começam a regredir por volta dos 8 anos de idade. Quando os adenóides crescem muito (hipertrofiam), podem causar obstrução da passagem do ar respirado pelo nariz. Considera-se que este procedimento contribui para o tratamento da OMD, melhorando o funcionamento da trompa auditiva, ajudando na drenagem do ouvido médio (Bluestone & Klein, 2001; Rosenfeld, 2003, entre outros).

resultados de mais de 50000 crianças, ficou demonstrado que ambos os procedimentos cirúrgicos associados à miringotomia com TVTT reduziam o risco de uma nova cirurgia. Os índices reduzidos de complicações e a curta permanência hospitalar no período pós-cirúrgico fizeram com que a adenoidectomia adjuvante fosse considerada uma opção de primeira linha na relação de custo-benefício no tratamento da OMD (Kadhim et al., 2007).

1.8.1. O impacto do tratamento da miringotomia com colocação de TVTT nas crianças com OMD

Na literatura são referenciados vários estudos que demonstram o impacto da miringotomia com colocação de TVTT no tratamento das OMD, embora nem sempre os resultados encontrados sejam consensuais. A preocupação com as consequências da OMD durante a infância, principalmente em relação à aquisição da linguagem, chegou a modificar o padrão de cirurgias otorrinolaringológicas electivas, tornando a miringotomia com inserção de tubo de ventilação (TVTT) o procedimento mais comum nas crianças de diversos países (Rosenfeld, 2003; Bluestone & Klein, 2004).

Nos EUA, um inquérito realizado em 1994 revelou que foram efectuadas 580.000 cirurgias para colocação de tubos de ventilação em crianças e adolescentes até aos 15 anos de idade. Mais de 313.000 das crianças submetidas à cirurgia ainda não haviam completado os 3;0 anos (Paradise, 1998). Em 1996, uma a cada 110 crianças norte-americanas recebeu tubos de ventilação, quase o dobro do número de crianças submetidas a amigdalectomia naquele ano (Rosenfeld et al., 2000). De uma forma geral, está comprovado que a miringotomia com colocação de TVTT é eficaz no tratamento das OMD em crianças que não responderam adequadamente ao tratamento com antibióticos (Maw & Herod, 1986; Black et al., 1990; Mandel et al., 1992; Dempster et al., 1993). Verificaram-se igualmente resultados positivos quando associada a adenoidectomia a esta cirurgia (Bulman et

al., 1984; Black et al., 1990), sendo que os resultados positivos destes estudos

Foi ainda demonstrado que este procedimento cirúrgico estimula a regeneração das células ciliadas da MT, inibindo desta forma as secreções mucóides e encurtando o período de recuperação das crianças com OMD (Kiroglu et al., 1997). No que diz respeito à capacidade auditiva, resultados igualmente satisfatórios foram encontrados por Hellier et al., (1997), cujos resultados apontam para uma melhoria auditiva em 99,1%, uma redução do número de infecções em 74,1%, uma diminuição do número de consultas de 87%, uma menor ausência das crianças da creche/ jardim-de-infância e uma menor ausência dos pais ao emprego de 70,7%. É estimada uma melhoria média no limiar da audição de 14 dB no período pós- cirúrgico (Franklin & Marck, 1998).

Outros resultados sobre o impacto da miringotomia com colocação de TVTT debruçam-se sobre aspectos inerentes à qualidade de vida. Com efeito, foi realizado um questionário aos pais antes e depois da cirurgia, tendo-se concluído uma melhoria na qualidade de vida das crianças e dos pais no momento pós- cirúrgico. Esta melhoria foi medida pela diminuição do número de infecções, de consultas e de consumo de antibióticos. Foi igualmente estudada a percepção dos pais em relação à audição, fala e comportamento. As respostas obtidas a partir dos pais neste questionário apontam para uma menor irritabilidade das crianças, uma melhor qualidade de sono, uma diminuição da intensidade do som da televisão e uma melhor comunicação (Faccione, 1991). No entanto, é referida a limitada sensibilidade dos pais e cuidadores na detecção da perda auditiva leve e moderada, a qual deve desencorajar tanto os pesquisadores como os clínicos a utilizarem essa ferramenta para o diagnóstico e seguimento da OMD (Bluestone & Klein, 2001). Apesar disso, a literatura insiste na valorização de qualquer preocupação parental relacionada com a audição, fala e linguagem, que deve ser considerada e investigada, assim como na percepção médica de eventuais atrasos e/ou perturbações nessas áreas, que podem ser consequentes à perda auditiva secundária à OMD (Rosenfeld, 2000; Richards & Giannoni, 2002; Ruben, 2003; Kubba, Swan & Gatehouse, 2004).

Num artigo de revisão, constatou-se que a inserção dos TVTT poderia melhorar o nível de perda de audição associado à OMD, no entanto, este efeito é reduzido após

6-9 meses da cirurgia, verificando-se que o tempo levou a um restabelecimento natural do nível de audição das crianças não tratadas cirurgicamente. Deste modo, pode concluir-se que é importante a política de vigilância durante três meses nas crianças com OMD bilateral, uma vez que durante este período existe a possibilidade de 50% destas crianças apresentar uma resolução espontânea da OMD (Browning et al., 2010).