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4 SOBRE AS LUTAS: CONHECENDO O DOJO

6.4 Quarto round: descrição das aulas

6.4.2 Jogos de desequilíbrio (aula 2)

Na aula 2, a professora separou os alunos por sexo e em duplas. A seleção do companheiro deveria levar como critério a semelhança de porte físico. Foram realizadas duas atividades: o cabo de guerra humano e a briga de galo. No primeiro

38 Durante as aulas de judô, nem todos os alunos trouxeram uma camisa larga como orientado pela professora. Cerca de metade da sala aderiu a sugestão da professora.

jogo, os alunos da dupla seguravam a mão direita um do outro, como se fossem cumprimentar. A professora escolheu uma linha no piso da sala para ser o centro do confronto. O objetivo da atividade era puxar o colega para sua área, como um cabo- de-guerra. Já a atividade “briga de galo” consistiu nos alunos agachados, de cócoras, e marcava ponto quem conseguisse desequilibrar o colega fazendo-o encostar as mãos, joelho ou glúteo no chão. Não foi permitido agarrar e puxar o colega, apenas empurrá-lo tocando mãos com mãos.

A aula foi realizada na sala ambiente. Caracteriza-se por um amplo espaço com mesas e cadeiras, uma lousa, mesa do professor, livros de leitura, alguns armários e um piano. Mesmo com tantos móveis, havia um razoável espaço no centro da sala para a realização das atividades. No fundo, haviam quatro placas de EVA, compondo aproximadamente uma área de 4 m2, segue abaixo figura 2 ilustrativa da sala

ambiente.

Figura 2: Planta da sala ambiente.

Ora, mesmo sem a metragem exata da área da sala, pode-se notar que o espaço livre no centro da sala não agregaria todos os alunos (aproximadamente quinze duplas). Então, a estratégia da professora foi colocar primeiro as duplas dos meninos em atividade, enquanto as meninas aguardavam e assistiam sentadas nas cadeiras das mesas. Por mais que a professora priorizasse o conforto e a segurança dos alunos, isso implicou maior tempo de espera e, por consequente, a diminuição de vivências.

Indagada sobre porque o privilégio aos meninos e pela escolha da sala ambiente como local de desenvolvimento pedagógico do judô, a professora nos

esclareceu que os meninos antecederam as meninas sem um motivo claro, mas por acaso. Também reconheceu que a sala era pequena e inadequada para a realização simultânea de todas as duplas; no entanto, entendeu que a quadra é mais inapropriada ainda, pois o piso áspero de cimento poderia machucar algum aluno. Argumentou que costumava ministrar outras modalidades de lutas na quadra coberta, contudo, o local estava em reforma.

Posteriormente, faltando 10 minutos para o fim da aula, a professora colocou as placas de EVA que estavam no fundo da sala no centro do ambiente. Chamou dois voluntários para a última atividade da aula, e Bruce Lee e Ranger Verde39 se

pronunciaram. Estes dois alunos foram muito participativos e possuem vivência em lutas fora do ambiente escolar. A professora chamou-os no “tatame” adaptado e pediu para que lutassem com objetivo de desequilibrar e forçar o colega encostar as costas no chão, semelhante ao que se luta no esporte-competição. Assim, Bruce Lee derrubou Ranger Verde e a luta prosseguiu no solo, mas com alguma característica do jiu-jitsu, pois Bruce Lee encaixou uma chave de braço (golpe característico da modalidade mencionada). Ranger Verde precisou bater três vezes no solo para que Bruce Lee soltasse. A professora não estava segura para orientar a luta de Bruce Lee e Ranger Verde e, demonstrou indecisão quanto a encerrar ou não o combate, então não interveio. Os demais alunos observaram a luta de maneira muito atenta, com olhares curiosos e cheios de expectativas para saber qual seria o próximo golpe que um dos dois aplicaria. No entanto, a aula foi encerrada, sem que outros alunos fossem convocados a lutar no tatame improvisado.

No final da aula, a professora fez a chamada de presença, o que, contudo, não foi motivo suficiente para encerrar o combate entre Bruce Lee e Ranger Verde, que prosseguiram lutando, um derrubando o outro seguidamente, evidenciando maior mobilização desses alunos em relação ao judô.

Vale salientar que, além de ser a primeira aula com atividades corporais de judô, tanto a professora quanto os alunos não estavam preparados para o combate formal da modalidade. Primeiro, no meu entendimento, a professora deveria ter paralisado a luta quando Bruce Lee derrubou Ranger Verde, pois ao deixá-los

39 Bruce Lee e Ranger Verde não participaram da entrevista inicial, pois não foram sorteados. Entretanto, por conta da participação intensa e ativa demonstrada em aula e assim melhor analisar os fatores de mobilização, foram escolhidos intencionalmente pelo pesquisador para a entrevista final.

prosseguir os expôs a um risco desnecessário. Segundo, todos os alunos só realizaram dois jogos: cabo-de-guerra humano e a briga de galo, atividades que não têm por objetivo forçar o adversário a encostar as costas no chão (embora envolvam desequilíbrio/equilíbrio), o que representaram atividades descontextualizadas em relação à luta de Bruce Lee e Ranger Verde no tatame. Terceiro, “encostar as costas” no chão presume derrubar o outro, o que representou um perigo, pois os alunos não aprenderam a cair com segurança a fim de minimizar o risco de danos físicos. E por fim, a professora privilegiou a atividade para os mais habilidosos.

Na entrevista final, Stalone desabafou sobre o caso; para ele, Ranger Verde e Bruce Lee lutaram jiu-jitsu e não judô. O aluno argumentou que apenas o fato de se praticar outra modalidade já poderia ser pré-requisito para a interrupção do combate. Também entendeu que o conteúdo trabalhado até o momento era insuficiente para lutar, sobretudo, expondo os alunos à risco de lesões:

“Judô não é um coisa que você já aprende um golpe, já aprende outro e já vai começar a lutar já. Ali, você viu que eles tavam lutando jiu-jitsu ao invés de lutar Judô? [...] Acho que isso daí é errado, tavam aprendendo Judô e não Jiu-jitsu [...] Deveria (ter parado)! Ela (a professora) ficou olhando assim, ainda tomou um chute [...] Não sei por que ela não parou, vai ver que ela [...] liberou eles para lutar já assim, sem saber os golpes nem nada. Será que ela ficou com medo de separar eles ou não conseguiu separar eles? [...] Ela viu que tinha finalizado, daí ela falou para parar, como se tivesse lutando mesmo. Acho que isso tá errado, ia acabar se machucando, cê viu? Eles foram até fora do tatame.