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Sétimo round – opinião e mobilização nas lutas: legal, diferente e novo

4 SOBRE AS LUTAS: CONHECENDO O DOJO

6.7 Sétimo round – opinião e mobilização nas lutas: legal, diferente e novo

Indagados sobre o que acharam das aulas de lutas, todos os alunos afirmaram satisfação com o conteúdo, o que foi expresso muitas vezes com a palavra “legal”. Ancorado à boa impressão das aulas, com exceção de Carl Johnson, responderam também que gostariam de vivenciar novamente as lutas nas aulas de Educação Física.

Os motivos que levaram os alunos a terem uma leitura positiva do conteúdo

apontaram para três direções: (a) luta como conteúdo “novo” da Educação Física; (b)

Em protesto às aulas de Educação Física reduzidas a alguns conteúdos esportivos (basquete, futsal, voleibol e handebol), Stalone, Chuck Norris, Bruce Lee e Liliana gostaram das aulas de luta por ser um conteúdo que foge do esperado:

“Porque é coisa nova, né? Porque dá para aprender os golpes. [...] Quadra também

lá é legal, mas sempre é a mesma coisa. Em todas as escolas que eu fui é sempre a

mesma coisa” (Stalone).

“É um esporte que não tinha visto, pelo menos nas aulas de Educação Física” (Chuck Norris).

“Conhecer uma outra cultura, porque algumas pessoas não gostam disso, as pessoas

não conhecem e tem essa oportunidade de conhecer mais” (Bruce Lee).

“Ah, porque foi uma coisa nova na minha vida. Eu nunca tinha lutado assim” (Liliana). Diversos são os estudos que relacionam o esporte com as aulas de Educação Física. Por exemplo, Devide e Rizzutti (2001) constataram que o esporte é núcleo central das representações dos alunos; já Betti (1999) entende que a escola assumiu o ensino do esporte como único meio, sendo o voleibol, basquetebol, futebol e o handebol as únicas quatro modalidades trabalhadas no ensino básico. Portanto, para esses alunos, a luta representou fuga às modalidades tradicionais e apropriação e

apreciação crítica de “novos” elementos da cultura de movimento.

Como resultado da inclusão deste elemento da cultura de movimento, Elektra afirmou que a mudança da postura da professora foi determinante para que ela se mobilizasse à aprender as lutas, conforme depoimento a seguir:

“No vôlei, ela até explica bem, mas ela colocava muita gente. Era mais na prática do que na explicação. Então, tipo assim, ela falava uma regra básica e a gente ia treinar, falava outra e a gente ia. Aqui não, ela explicou, mostrou, mostrou de novo e depois a gente foi. E na hora que tava aplicando o golpe, se errava, ela explicava de novo”

(Elektra).

Curiosamente, antes mesmo das aulas de judô começarem, Elektra previa que o mesmo aconteceria, já que poucos são os alunos que praticaram luta, consequentemente, mais homogêneo seria o nível de habilidade dos alunos. Dessa forma, o trato docente do conteúdo obrigatoriamente deveria respeitar e preocupar com estes sujeitos em nível inicial de aprendizagem, ao contrário dos esportes coletivos tradicionais em que a professora contava com os conhecimentos prévios dos alunos.

Já Hulk, Anderson, Talita e Carl Johnson justificaram o “legal” das aulas de judô por causa da diversão proporcionada pelas atividades realizadas:

“Ah, porque foi divertido, né? Os movimentos, estas coisas” (Hulk).

Me diverti [...] Legal competir com os outros” (Anderson).

“Sei lá, porque foi divertido, sei lá” (Talita).

“Por que eu achei da hora? Porque é da hora, é para se divertir, você aprende coisas” (Carl Johnson).

Para Anderson e Talita, a diversão não era esperada, já que imaginavam que as aulas de luta tivessem um caráter de violência, principalmente no medo de se machucar. Ao perceberem que havia diversão sentiram-se mais seguros, como a fala de Talita: “eu pensava que não ia me soltar, mas eu me soltei [...] Eu esperava que

fosse só brigar, essas coisas, bater, mas não é. A professora colocou brincadeira no meio, a gente se divertiu muito”.

A dissociação entre violência e luta foi um fator essencial para aqueles que tinham medo de se machucar nas aulas. Foi esse novo entendimento sobre as lutas que permitiu a esses alunos vivenciarem o conteúdo sem medo e, sobretudo, valorizarem-no positivamente:

“Ah, porque foi tipo de uma luta legal. Não foi de machucar [...] eu machuquei esse braço aqui ó. Daí, fiquei com medo de bater” (Morfeu).

“Não é uma luta briguenta. Só de movimentos [...] É de movimentos leves para

deslocar o cara” (Lucas).

“Eu gostei porque a princípio, achei que seria perigoso. Tipo, eu poderia me machucar,

mas não foi, foi interessante, ninguém se machucou e a gente aplicou o golpe certinho

no outro sem se machucar” (Elektra).

Neste momento, vale relembrar a entrevista inicial que não acusava interesse pela aprendizagem de lutas, correspondendo a quase metade dos alunos. O principal argumento para a negação do conteúdo foi a violência intrínseca presente nas lutas

que poderia causar danos físicos. Naquele momento, havia uma confusão entre “luta” e “briga” nos depoimentos dos discentes, como se as aulas fossem uma “guerra” entre

os alunos.

De acordo com tantos elogios às aulas de lutas a ponto de desejarem aprender mais, sabemos que o nível de mobilização e interesse constatado na entrevista inicial não era unânime - aliás, 5 dos 12 alunos entrevistados inicialmente não desejavam

aprendê-las. Entretanto, nessa nova situação, ao questionarmos se os alunos se sentiram mobilizados em participar das aulas de Educação Física, todos os 17 entrevistados afirmaram interesse pelas lutas em algum momento da aula. A mobilização desses discentes deve-se à professora, pois, conforme já exposto, muitos eram os alunos que sentiam vergonha ou medo de se machucar. A seguir, a avaliação de Paulo e Liliana sobre a ação pedagógica da professora:

“Por causa que a professora explicou mais, daí eu quis lutar pra ver como é que é.

Pra ver se é violento ou não, aí eu achei que não era violento, não” (Paulo)

“Ela explicou certinho como que era a luta e eu não sabia antes. Aí eu vi que era legal e deu interesse” (Liliana).

Para os alunos que sentiam medo de se machucar, os jogos propostos na aula 2 desconstruíram a imagem de que a luta é violenta e que causaria danos físicos, e então, começarem a participar mais:

“Eu queria fugir da sala por causa que eu não queria fazer, mas depois comecei a

gostar. No primeiro exercício que ela passou, que era de cabo de guerra. Foi diferente, foi brincando. [...] Por causa que o jeito que ela ensina é diferente, por isso eu acho isso”. (Ana)

Em geral, os alunos entrevistados tiveram variados motivos para se mobilizarem nas aulas. Bruce Lee se interessou pelas lutas porque gostaria de ser um atleta/lutador, já Chuck Norris mobilizou-se a participar por já ser habilidoso nas lutas e por seu pai ter sido ex-praticante, enquanto Hulk motivou-se por poder lutar com seu melhor amigo.

Estou ciente do risco de, ao analisar e relatar a mobilização de cada um dos 17 alunos entrevistados, cair em um "psicologismo" contraditório com o foco teórico da pesquisa. Ademais, haveria o risco de uma falsa generalização sobre as opiniões de uma turma de 31 alunos.

Entretanto, um elemento parece ter sido essencial para aqueles alunos que não desejavam praticar as aulas de lutas: a presença do outro como mediador entre o conhecimento e o sujeito. Inicialmente, o que me levou a desconfiar disso foi a boa participação dos alunos que não praticaram lutas em seu histórico. E isso se deve à mediação da professora na aula 2, que trouxe atividades lúdicas relacionadas às lutas, criou um tatame com colchonetes e explicou pacientemente, condutas estas que aproximaram os alunos sem vivência ao universo das lutas. Outra ponte entre

conhecimento e sujeito foi a intermediação dos amigos, já que alguns alunos relembraram estarem receosos com as aulas:

“No princípio, minha amiga [Atena] falou: - vamos Elektra porque eu quero te

derrubar”. (Elektra)

“Os moleques queme chamaram para ir e eu fui”. (Morfeu)

“Os outros tavam tudo falando que iam praticar, daí eu não queria ficar sozinho”. (Anderson).

Aqui relembro Charlot (2000) que compreende o homem como ser incompleto que constantemente se apropria de coisas pré-existentes do mundo com ajuda de outros seres humanos. Essa busca constante de construção de si mesmo desenvolve- se no tempo e necessita de mediadores (livros, pessoas, adultos, amigos, professores, etc.) responsáveis por aproximar mundo e sujeito.

No contexto da pesquisa, a professora e os colegas aproximaram o mundo das lutas para os sujeitos que não as desejavam. Sendo inicialmente insuficientes os esforços da professora, os alunos que ainda sentiam vergonha ou medo de se machucar só se mobilizaram após serem persuadidos por colegas. Dessa forma, a relação epistêmica com os saberes das lutas foi dependente da mediação de afinidade entre persuador-persuadido e, portanto, de relação identitária e social.