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4 SOBRE AS LUTAS: CONHECENDO O DOJO

6.1 Primeiro round: familiarização ao ambiente escolar

O período de familiarização ao ambiente escolar mostrou-se de extrema importância para a observação das aulas do conteúdo judô – objeto dessa pesquisa. A estratégia utilizada foi observar um conjunto de aulas que antecederam as aulas do conteúdo judô. Foram observadas nove aulas no período de 12/09/2012 a 22/10/12.

Nessa observação inicial procurei evitar fazer registros escritos diante dos alunos, embora algumas anotações foram necessárias, como os nomes de alunos e situações pontuais que chamaram a atenção do pesquisador. Com esta conduta convergimos com Vianna (2007), para quem o pesquisador não é considerado como sujeito "natural" do cotidiano:

Um artifício para minimizar a influência do efeito do observador seria a presença do mesmo em sala várias vezes, mas sem coletar dados, a fim de que professor e alunos, a serem observados, se acostumem com a sua presença e possam agir com maior naturalidade durante o processo efetivo de realização da observação. (VIANNA, p.10, 2007).

Muitos foram os alunos que perguntaram sobre as anotações feitas por mim, outros tentavam "espiar" os escritos; no entanto, tudo foi esclarecido. Disse que se tratava de uma pesquisa na qual os acontecimentos eram registrados em diário de campo. Outro cuidado foi não escrever quando um desses alunos tentava olhar os escritos, mesmo porque não era essa a intenção nesse período de familiarização. Tratava-se de um momento preliminar de “quebrar o gelo” na relação professor-aluno- pesquisador, de habituar-se ao contexto e tornar-se, tanto quanto possível, familiar ao grupo e obter a confiança dos sujeitos, pois, conforme Vianna (2007, p. 30):

É extremamente problemático para o observador, especialmente na fase inicial do processo, compreender, de forma completa, a linguagem, os costumes e até mesmo os hábitos das pessoas sob observação, especialmente em função da especificidade do grupo.

Aos poucos os alunos acostumaram-se com minha presença na sala de aula e na arquibancada, e os questionamentos sobre a pesquisa foram diminuindo. Todavia, sentia que minha presença na classe era simultaneamente percebida e despercebida. Despercebida, pois não notei qualquer atitude artificial ou de encenação de algum aluno, embora saibamos que a presença do pesquisador sempre gera algum tipo de alteração, restando-lhe buscar minimizá-la. Por outro lado, minha presença era percebida pois me tratavam como mais um “professor”, tratamento que me foi nomeado pela professora na apresentação.

Já integrado à turma, os alunos me ofereceram doces e balas, mostraram desenhos feitos na aula de artes e comentaram sobre jogos de futebol. Um aluno havia me perguntado sobre qual clube de futebol eu torcia:

Aluno: Que time você torce? Pesquisador: Ponte Preta

Aluno: Credo, professor. Eu torço pro Corinthians.

E então, alguns meninos comentaram os placares da Ponte Preta26 no

campeonato brasileiro. Em dia posterior à vitória do Brasil sobre o Japão, um aluno questionou-me ironicamente – por conta da minha descendência oriental - sobre o placar de 4 a 0 a favor dos brasileiros. Em diversas aulas, alguns alunos, quando me viam, gritavam: "iááá27"- grito característico de algumas lutas quando se aplica um

golpe - ou então me chamavam de Jackie Chan ou Bruce Lee28. Outros se

aproximavam e me perguntavam sobre minha descendência e o local de meu nascimento. Na aula 5, no trato do conteúdo voleibol, um aluno de descendência oriental, ostentando uma possível habilidade, virou o rosto para mim rapidamente

antes do saque e disse: “Japonês tem manha, tá ligado?!”, como se estivesse

26 Associação Atlética Ponte Preta: clube de futebol localizado na cidade de Campinas, interior de São Paulo.

27 Grito muito utilizado em diversas lutas, possui função de exteriorização da energia corporal.

28 Bruce Lee e Jackie Chan são artistas marciais do Kung-Fu. De nacionalidade chinesa, foram atores de filmes de ação nos Estados Unidos e na China.

exaltando a semelhança de nossas aparências físicas, como se a etnia oriental fosse uma vantagem no voleibol.

Minha entrada no campo foi facilitada por essa curiosidade dos alunos em se aproximar da cultura oriental e por um time de futebol que não conheciam muito bem. Nas linhas anteriores, não especifiquei o nome dos alunos, pois estava em processo de conhecê-los, o que permite enfatizar a importância do período de familiarização ao ambiente escolar - reconhecer os alunos para melhor posterior descrição no diário de campo.

Nessas nove aulas, a professora desenvolveu o voleibol. Na primeira aula, ministrou uma aula expositiva introdutória em sala de aula sobre a modalidade, na qual abordou o rodízio e fez breves explicações sobre as regras do jogo. Os alunos não pareciam estar atentos às explicações da professora, muitos deles apenas esperavam o término da aula, podendo ser notado na expressão corporal.

Todas as demais aulas foram realizadas em quadra, em geral com a mesma dinâmica: a professora contava o número de alunos presentes, definia quantos times seriam feitos e os alunos encarregavam-se da seleção das equipes. O jogo de voleibol ocorria no ambiente da quadra com o número máximo de 12 alunos, enquanto os demais ora aguardavam o término do jogo para o revezamento de equipes, ora adotavam uma conduta mais ativa, jogando “três cortes”29 nas beiradas da quadra. A

seguir o Quadro 3 apresenta a estrutura das aulas:

Aula/Data Conteúdo abordado

Aula 1 – 12/09/2012 Aula expositiva introdutória sobre voleibol (rodízio e regras)

Aula 2 – 17/09/2012 Aula livre

19/09/2012 Não houve aula – passeio dos alunos Aula 3 - 24/09/2012 Jogo: Rede Humana

26/09/2012 Não houve aula – professora presente

como técnica da escola em competição de Handebol

Aula 4 – 01/10/2012 Prática do jogo voleibol; "três cortes" na beirada da quadra.

Aula 5 – 03/10/2012 Prática do jogo voleibol (enfoque no rodízio); três cortes na beirada da quadra.

29 Com uma bola, os jogadores trocam passes característicos do voleibol. Cada toque ou passe na bola é contado até atingir 3 (três). No terceiro, o jogador com a posse de bola tenta acertar um dos outros participantes. Geralmente, o fundamento cortada é o mais eficiente para acertar os demais jogadores, por aplicar mais velocidade na bola. Quem levar a bolada é considerado “queimado” e sai da

Aula 6 – 08/10/2012 Prática do jogo voleibol; três cortes na beirada da quadra.

09/10/2012 Entrevista inicial – professor

Aula 7 – 10/10/2012 Prática do jogo voleibol; três cortes na beirada da quadra.

15/10/2012 Não houve aula – Dia dos professores Aula 8 - 17/10/2012 Prática do jogo voleibol (enfoque no

fundamento “cortada”); três cortes na

beirada da quadra. 18/10/2012 – Entrevistas iniciais --- Aula 9 – 22/10/2012 Aula Livre

Quadro 3 – Relação de aulas e conteúdos abordados

Há alguns casos ocorridos nas aulas que devem ser destacados, os quais passamos a expor:

- Salto alto de Elektra (aula 3). A professora julgou como inadequado para a aula de Educação Física o salto alto utilizado por Elektra e solicitou que na próxima aula viesse de tênis, desse modo, ficou proibida de realizar as atividades da aula. Além de não poder participar, a aluna deveria elaborar um relatório do que foi desenvolvido na aula para ser entregue ao seu final. Elektra não demonstrou preocupação ou arrependimento; pelo contrário, argumentou que não podia fazer aulas de Educação Física, uma vez que se tratava de orientação médica referente a um problema nas costas. Sendo assim, a professora percebeu uma contradição: explicou que pessoas com problemas nas costas não poderiam calçar sapatos de salto alto e então, solicitou atestado médico para a aluna. A princípio não identifiquei qualquer problema na coluna da aluna, aparentemente não parecia ter escoliose, ou lordose.

- Luta ou briga? (aula 3). Nas linhas de fundo da quadra de voleibol, a professora formou duas colunas de alunos, em lados opostos, para a realização do fundamento

“saque”. O primeiro aluno da coluna sacava e depois buscava a bola. Bruce Lee e Ranger Verde, localizados no final da fila, trocaram golpes. Ranger Verde com sua perna direita desferiu um chute na coxa esquerda de Bruce Lee, este último antecipou o golpe e segurou a perna do colega com a mão esquerda, desequilibrando-o e revidando com socos no seu tronco. Ranger Verde percebeu que o repertório de habilidades em lutas de Bruce Lee eram superiores e, que se houvesse vencedor nessa "miniluta" não seria ele, e então parou. Não houve mais atritos entre os dois. A professora não presenciou esse momento. De fato, não foi uma briga, eles estavam

“brincando/jogando” de luta, já que não houve estresse, ou demonstração de

sentimento frustração; pelo contrário, logo após o confronto, observei que os alunos sorriram timidamente e mantiveram os olhares voltados para baixo, como se respeitassem um ao outro. No entanto, cabe agora indagar: o que queriam dizer/expressar ao lutar durante a aula de vôlei?

- "Dedos" (todas as aulas). Na separação dos alunos em times, a professora pedia

para que dois, três ou quatro alunos – dependendo da quantidade de presentes -

escolhessem as equipes a “dedo”. Na maioria das aulas, os alunos mais habilidosos eram indicados pela professora para disputarem a “dedo”. Este modo de separação de times inicia-se com o jogo “par ou ímpar”, atribuindo-se ao vencedor o início das escolhas. A característica principal deste modo de compor os times é que, em geral, quem escolhe utiliza o critério de afetividade, amizade, sexo e, principalmente, privilegia a escolha dos mais habilidosos. Porventura, os últimos a serem selecionados podem sentir-se constrangidos ou excluídos.

Após melhor conhecer professora e alunos, realizaram-se as entrevistas iniciais, visto que já havia melhor compreensão das linguagem e costumes dos sujeitos envolvidos.