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Estrutura da obra

1. Jornalismo e ciberespaço: o blog

1.6. Jornalismo, blog e mediação

O jornalismo não é só uma atividade empresarial. Ele exerce uma função política e econômica específica no espaço público da sociedade burguesa. Qual seria então esse papel? Para compreendê-lo é preciso entender a relação entre a produção jornalística e o regime político, social e econômico contemporâneo. A origem dessa profissão ajuda a entender o papel que ela exerce no contexto político atual. Segundo Otto Groth, a imprensa é produto da democracia e do capitalismo (1928, p. 82):

“Kapital und Masse sind die beiden Säulen der Zeitung, demokratisch- kapitalistisch ist ihr Wesen. So entsteht der Dualismus in der Zeitung, so trägt sie einen 'Januskopf', dessen eines Gesicht nach wirtschaftlichem Gewinn, dessen anderes nach geistigem Erfolg bei der Masse ausblickt”54.

53 “Os weblogs podem funcionar como um maravilhoso digesto de material on-line”. [Tradução do

autor].

54 “Capital e massa são os dois pilares do jornal, sua essência é democrático-capitalista. Assim

surge o dualismo no jornal; assim ele carrega uma 'cabeça de Janos': uma face voltada ao lucro econômico e outra em busca do sucesso junto à massa”. [Tradução do autor, sob a supervisão de Elisabeta Santoro].

Essa origem e dualidade implicaram uma relação de influência mútua com o Estado. Para Groth, o jornalismo exerce um papel de instrumento do poder público para gerir a sociedade (1928, p. 57-58):

“Dem moderner Staat, der von einem Zentralpunkt aus das Schicksal aller seiner auf weitem Raum wohnenden Angehörigen bestimmt, ist die Zeitung unentbehrlich geworden zur Verbreitung seiner Anordnungen, zur Mitteilung seiner Absichten. Die Oeffentlichkeit der Zeitung vernichtet das heimlich wirkende Gift der Gerüchte, erwürgt die Unwahrheit, die, ans Licht getreten, greifbar und deshalb angreifbar wird. In den Tagen, in denen die Zeitungen nicht berichtend und berichtigend sprechen können, tritt die übertreibende, lügnerische Fama ihre Herrschaft an und erzeugt Ratlosigkeit und Unsicherheit, Unruhe und Verwirrung, Panik und Aufruhr. So ermöglicht die Zeitung erst das Wirken der modernen Verwaltung, sichert die Ordnung und bewahrt den Staat vor Erschütterungen”55.

Nesse contexto, o jornalismo deve ser entendido também, por conseqüência de seu papel no sistema sociopolítico e por ser um discurso modalizado no “fazer-saber”, como uma ação persuasiva, modalizada no “fazer-crer”, conforme Otto Groth (1928, p. 1016-1017) observa:

“Die Journalistik soll und will überzeugen, im Notfall überreden, auch dann, wenn der Leser durchaus nicht bereit ist, zuzuhören; sie muß

55 “O Estado moderno, que determina o destino de tudo, administrando uma área ampla com uma

população dispersa a partir de um ponto central, fez do jornal um elemento indispensável para disseminar suas disposições, apresentar suas intenções. O público de um jornal destrói o secreto trabalho nocivo dos boatos, estrangula as inverdades que, ao serem levadas à luz, tornam-se perceptíveis e vulneráveis. Nas ocasiões em que o jornalismo não pode reportar e corrigir, o exagero, a falsa fama, reinam e produzem dificuldades e incertezas, intranqüilidade e confusão, pânico e tumulto. Portanto, o jornal torna o trabalho do moderno administrador possível, assegura a ordem e protege o Estado de convulsões”. [Tradução do autor, sob a supervisão de Elisabeta Santoro].

ihn festhalten, auch dann, wenn er flüchtig den Inhalt der Zeitung durcheilen will; sie lebt vom Tage und muß den Augenblick nützen”.56 Como o discurso da imprensa se faz crer, ou seja, como o jornal obtém credibilidade? Para entender isso, é preciso antes entender de que modo o jornalismo trabalha. Segundo Hebert Gans, o discurso do jornal fundamenta-se nas fontes (2004, p. 80):

“I view news as information which is transmited from sources to audiences, with journalists – who are both employees of bureaucratic commercial organizations and members of a profession – summarizing, refining, and altering what becomes available to them from sources in order to make the information suitable for their audiences (…) By ‘sources,’ I mean the actors whom journalists observe or interview, including interviewees who appear on the air or who are quoted in magazine articles, and those who only supply background information or story suggestions. For my purpose, however, the most salient characteristic of sources is that they provide information as members or representatives of organized and unorganized interest groups, and yet larger sectors of nation and society”.57

56 “O jornalismo deve e quer persuadir, convencer, se for necessário, mesmo quando o leitor não

está de maneira alguma disposto a prestar atenção, a imprensa deve segurá-lo, mesmo quando ele quer passar apressadamente pelo conteúdo do jornal; a imprensa vive do dia e deve usar o instante”. [Tradução do autor, sob a supervisão de Elisabeta Santoro].

57 “Eu vejo as notícias como informação que é transmitida de fontes para audiências, com

jornalistas – que são tanto empregados de uma organização comercial-burocrática quanto membros de uma profissão – que resumem, refinam e mudam o que é disponibilizado a eles pelas fontes, tornando a informação disponível para suas audiências (...) Por ‘fontes’, eu quero dizer os atores observados ou entrevistados por jornalistas, incluindo aí tanto os entrevistados que aparecem no ar e aqueles que são citados em artigos de revistas, quanto aqueles que somente fornecem informações de suporte ou sugestão de histórias (matérias). Para minha finalidade, no entanto, a principal característica das fontes é que elas fornecem informações como membros ou representantes de grupos, organizados e desorganizados, e ainda largos setores da nação e da sociedade”. [Tradução do autor].

Esse discurso, por sua vez, utiliza-se basicamente de duas táticas para persuadir: a primeira é de que haja indícios convincentes do que é dito na reportagem – o que situa o discurso no princípio da verossimilhança – e a outra consiste em fundamentar-se no poder, na autoridade, da fonte: “authoritative sources are believed simply because their authoritative”58 (Id., p 274).

O papel do jornalismo na sociedade democrático-burguesa, contudo, não se limita à tarefa política. Há também um fator econômico que não se restringe à característica de empreendimento empresarial. Groth, igualmente, via o jornalismo como alicerce do sistema capitalista no século XX (Id., p. 66):

“Die Presse ist sodann eines der wichtigsten Stützorgane der heutigen Volkswirtschaft. Auch hier trägt sie mit nie rastender Raschheit und höchstmöglicher Vollständigkeit aus allen Fernen die Tatsachen des Wirtschaftslebens zusammen, und indem sie die Früchte ihrer Arbeit allen zugute kommen läßt, hat sie das einstige Nachrichtenmonopol einzelner Mächtiger gebrochen oder doch stark eingeschränkt. Sie gibt jedem die Möglichkeit, die Tendenzen und Schwankungen der Märkte zu verfolgen, und sie wirkt so an der Ordnung, Stetigkeit, und Sicherheit der Produktion und des Handels mit. Zahllose Impulse empfängt tagtäglich das Wirtschaftsleben in allen seinen Zweigen von dem Nachrichtendienst der Zeitungen. Ein Ausgleich der Vorräte und eine Preisbildung auf dem Weltmarkt sind überhaupt erst dadurch möglich geworden, daß die Notierungen der Börsen, denen auch das Nachrichtenmaterial der Presse zugrunde liegt, wieder von dieser durch die ganze Welt verbreitet werden”59.

58 “Fontes oficiais são cridas simplesmente porque são autoridades”. [Tradução do autor].

59 “A imprensa é portanto um dos mais importantes órgãos de apoio da economia nacional

contemporânea. Ela reúne de todo lugar os fatos da vida econômica com uma incansável rapidez e a maior completude possível e, permitindo que todos se beneficiem dos frutos do seu trabalho, destruiu o antigo poder monopolístico de informação ou limitou-o fortemente. Ela dá a qualquer um a possibilidade de acompanhar as tendências e flutuações dos mercados e ajuda assim na ordem,

O caráter econômico do jornalismo, contudo, não se limita a tornar mais transparente o sistema de formação de preços ou orientar os investidores do mercado de capitais. Segundo Roger Fowler, o próprio público torna-se, no processo, uma mercadoria. Ele justifica esse ponto de vista alegando que o apelo comercial de um jornal está em sua difusão (1994, p. 20):

“(...) the product, in a commercial sense, is not news or newspapers (thought both are clearly made), but rather readers – the profit, if any, coming from advertising revenue – or even votes, if the aim of the owners of newspapers is to mantain a goverment which will favour their other commercial ventures”60.

No contexto de produção desse tipo específico de mercadoria, o papel do discurso, segundo Fowler (Id., p. 232), é de construir a audiência (“jornais constroem leitores”), ou seja, sua mercadoria:

“The fact is that readers are implicated in the discursive articulation of values and beliefs (…) The individual, processing the discourse by scanning and understanding it, has to take on board the paradigms and stereotypes that are implied: if s/he does not, the discourse will not signify. In this sense, that newspapers construct readers”61.

estabilidade e segurança da produção e do comércio. Diariamente, a vida econômica como um todo recebe incontáveis impulsos de suas ramificações pelo serviço de apuração dos jornais. Um equilíbrio da oferta com uma formação de preços no mercado mundial tornou-se, enfim, possível somente pelo fato de que as cotações de vendas de ações, nas quais o serviço de apuração da imprensa se baseia, é divulgada por ela no mundo inteiro”. [Tradução do autor, sob a supervisão de Elisabeta Santoro].

60 “ (...) o produto, no sentido comercial, não são jornais ou notícias (apesar de ambos serem

claramente produzidos), mas sim leitores – o lucro, se vier, virá das vendas de anúncios – ou ainda votos, se o objetivo dos donos dos jornais forem manter um governo o qual o favorecerá em outros empreendimentos comerciais”. [Tradução do autor].

61 “O fato é que os leitores estão comprometidos na articulação discursiva de valores e crenças (...)

O indivíduo, processando o discurso ao lê-lo e compreendê-lo, tem de incorporar os paradigmas e estereótipos que ele embute: se ele/ela não o fizer, o discurso não terá significado. Nesse sentido, esses jornais constroem leitores.” [Tradução do autor].

Tal processo de mediação e de mercantilização do público também implica uma determinada maneira de elaborar o discurso jornalístico. O processo de produção e seleção de notícias, por extensão, é influenciado, segundo Hebert Gans (2004., p. 81), pelo ordenamento hierárquico da sociedade, como ressalta o autor:

“(…) story selection is essentially composed of two processes: one determines the availability of news and relates journalists to sources; the other determines the suitability of news, which ties journalists to audiences (…) The economically and politically powerful can obtain easy access to, and are sought out by, journalists; those who lack power are harder to reach by journalist and are generally not sought out until their activities produce social or moral disorder news. In short, access reflects the social structure outside the newsroom”.62

O jornalismo portanto, segundo Gans, tem seu discurso calcado no discurso de um outro, que orienta o foco narrativo. O referido autor acrescenta que, na maioria das vezes, a fonte conduz o jornalista mais que o contrário (Id., p. 116):

“The relationship between sources and journalists resembles a dance, for sources to seek access to journalists, and journalists seek access to sources. Although it takes two to tango, either sources or journalists can lead, but more often than not, sources do the leading” 63.

62 “(...) a seleção de notícias é essencialmente composta de dois processos: um determina a

disponibilidade/utilidade da notícia e tem a ver com a relação entre jornalistas e fontes; a outra determina a adequação das notícias, que cria laços dos jornalistas com suas audiências (...) Os poderosos, econômica e politicamente, podem obter fácil acesso e são procurados por jornalistas; aqueles que são desprovidos de poder têm dificuldade de chegar aos jornalistas e não são procurados, até suas ações gerarem desordens morais ou sociais. Em resumo, o acesso reflete a estrutura social do lado de fora das redações dos jornais”. [Tradução do autor].

63 “A relação entre fontes e jornalistas é parecida com uma dança, em que as fontes buscam

acesso aos jornalistas e os jornalistas às fontes. Apesar de a relação ocorrer sob mútuo consentimento, em que tanto as fontes quanto os jornalistas podem comandar a relação, o mais comum é a fonte comandar”. [Tradução do autor].

Quando um jornal afirma, por exemplo, que a inflação caiu, a equipe de profissionais de imprensa da publicação não foi às ruas e mediu, após semanas ou meses de investigação, o avanço ou recuo dos preços; procurou-se uma instituição que afere tal indicador e colheu dela os dados: a verificação não foi direta.

Portanto, esse discurso é um instrumento do Estado democrático-burguês para gerir a sociedade, obedecendo aos princípios hierárquicos e axiológicos que a regem. Tal assujeitamento, por sua vez, é assegurado pelo modus operandi da atividade, que é a produção de enunciados mediante fontes, situadas nos estratos superiores da pirâmide social.

Qual seria, nesse contexto, o sentido dessa práxis? Para Louis Quéré, a ação jornalística é determinada, em última instância, por um modo histórico de expressão social correspondente à socialidade burguesa. O jornalista participaria como ator-espectador, como o coro do teatro grego (QUÉRÉ, 1982, p. 162):

“Historiquement, le journalisme apparaît das le cadre de ce gigantesque effort des sociétés modernes pour se définir sans la voix de Dieu, c’est-à-dire à partir d’elles-mêmes. En ce sens il est corrélatif du déclin de la fonction religieuse du clerc. Dans sa figure iniciale, le journalist est préposé à la fabrication d’un discours social strictement immanent, destiné à prendre la place du langage religieux dans sa fonction de fondation de l’espace social”64.

64 “Historicamente, o jornalismo aparece no contexto de um gigantesco esforço das sociedades

modernas para se definir sem a voz de Deus, ou seja, a partir delas mesmas. Nesse sentido, é correlativo ao declínio da função religiosa do clero. Sob essa figura inicial, o jornalismo é empregado para a fabricação de um discurso social estritamente imanente, destinado a substituir o lugar da linguagem religiosa na função de fundador do espaço social”. [Tradução do autor].

O jornalismo seria, portanto, um agente mediador entre o público e o

establishment. O campo da prática jornalística é composto, segundo o

autor, de três pólos: o poder – essencialmente o poder político –, o público e o jornalista-narrador. Quéré afirma que, ao estabelecer uma relação com o poder político, ele participa de um jogo que não o identifica nem como poder nem como público, investindo-se de um papel de porta-voz de uma opinião pública crítica e legislativa.

Ao narrar o jogo do poder, o jornalista constrói um discurso coerente destinado a contar, em suas derrotas, as estratégias, tergiversações e golpes. Dependendo da ocasião, faz-se crítico ou normativo. Ele dá “lições de governo” sem padecer das responsabilidades e riscos. Em relação ao público, o jornalismo se faz de porta-voz de suas interrogações e reações, evocando uma relação de proximidade que na verdade mascara uma grande distância, pois o discurso jornalístico torna o público um espectador. Sua ação torna-se também uma relação pedagógica e a ação de porta-voz torna-se um ato de autoridade. A narrativa generalizada que corresponde à informação produz um espaço perspectivo do social por uma cascata de simulações que narram a história de modo que permitam realizá-la. Quéré define a relação entre o poder e o jornalismo sob o estatuto simbólico de uma “comédia”, empregada aqui no sentido menos corriqueiro da palavra, de simulação, no que acrescenta (Id., p. 165):

“Dans la société moderne, le Pouvoir a ‘besoin’ d’être représenté et, plus précisément, raconté. Le système d’action journalistique en découle. L’identification fictive du journalisme-narrateur au Pouvoir- acteur de l’histoire et au Pouvoir-maître de l’organisation sociale exprime cette réciprocité nécessaire entre la position de toute-

puissance recherchée par le Pouvoir et la représentation narrative des gestes, des paroles et des actes où se manifeste cette toute- puissance. Un récit simule la capacité d’auto-engendrement de l’histoire et de la société. Or ce récit doit être énoncé par un narrateur formellement distinct du Pouvoir, pour qu’il soit producteur de vérité et d’universalité”65.

O autor acrescenta que o poder e o jornalismo estabelecem uma relação de cumplicidade. O primeiro precisa do segundo porque o discurso da imprensa figurativiza66 o poder sob a égide da onipotência ao simplesmente narrar-lhe as ações. O segundo, por sua vez, precisa do poder porque, mediante a produção de informações focadas nas ações dele, a imprensa se legitima, no que acrescenta que, ao representar os acontecimentos, ele dá à anterioridade um estatuto de causa. Quéré afirma que o discurso jornalístico incorpora em sua narração esquemas de interpretação e de ação pré-definidos na opinião comum (mitos, imagens, julgamentos, valores etc).

Algo, contudo, mudou. Esse papel da imprensa, de mediadora para o poder público, esse papel de alicerce econômico da sociedade democrático- capitalista, vive um momento de crise, de transformação.

65 “Na sociedade moderna, o poder precisa ser representado e, mais precisamente, recontado. O

sistema de ação jornalística o exprime. A identificação fictícia do jornalista-narrador no poder-ator da história e do poder-gestor da organização social exprime essa reciprocidade necessária entre a posição de onipotência buscada pelo poder a representação narrativa dos gestos, das palavras e dos atos pelos quais se manifestam essa onipotência. Uma narrativa simula a capacidade de auto- engendramento da história e da sociedade. Pois essa narrativa deixa ser enunciada por um narrador formalmente distinto do poder, para que ele seja produtor de verdade e universalidade”. [Tradução do autor].

Gans (2004., p. xii), no prefácio da reimpressão de sua obra67, destaca que o cenário atual da grande imprensa é marcado pela perda de público e de verbas publicitárias. Como interpretar esse momento? A que atribuir essa mudança?

O grande discurso organizador da imprensa, identificado por Otto Groth e que pode ser observado na mídia em um sentido mais amplo, vive, portanto, uma crise. Esse discurso unificador, que levou o autor de Die Zeitung a excluir de seu constructo de jornal as publicações especializadas, vem sofrendo uma mutação. Essa instabilidade, segundo Eliseo Veron (1991, p. 170), ocorre em um momento de crise de identidade na sociedade contemporânea e acrescenta que “la parole politique n’en a pas grand- chose à dire”68.

Veron destaca que o discurso midiático se caracteriza atualmente por uma multiplicidade de estratégias enunciativas. Pelo texto, é possível inferir que o princípio da diversidade de conteúdo, citado por Groth como uma das propriedades constitutivas do discurso jornalístico, cresceu e, de certo modo, abalou o princípio da universalidade de interesses, que tem no âmbito político-institucional um de seus principais catalisadores. O esboroamento do discurso político, por sua vez, não foi sucedido por algum tipo de silêncio, mas sim o contrário. Tal característica, segundo Louis Quéré (1982, p. 101), deu lugar a um real “tagarela”, que vem se instaurando como um novo regime de representação simbólica:

67 A obra de Gans teve sua primeira edição em 1979. O livro utilizado nesta dissertação é de 2004. 68 “a palavra política não é mais a grande coisa a ser dita”. [Tradução do autor].

“L’idéologie de la consommation et le fonctionnement des media nous en livrent la formule: ‘Le réel désormais bavarde’. Alors que le régime précédent se fondait sur son silence, celui de la société technologique n’a cesse de le pro-duire. Ce changement radical dans la division instituée du réel et de la représentation signale l’émergence d’un mode inédit de gestion de l’exteriorité symbolique qui traverse la société pour la fonder. Il indique du même coup que l’espace public est desórmais investi par une logique étrangère à celle qui le régissait auparavant. Il reste cependant que ce changement ne se traduit pas par une pure et simple substituition. Ou du moins préserve-t-il un temps les formes antérieures tout en les évidant et en les réemployant selon un principe d’ordre qu’elles ne déterminant plus. Car telle est, semble-t-il, la modalité générale du changement social: les ancients cadres de référence ne sont pas immédiatement détruits mais investis par une nouvelle logique qui y infiltre ses critères et les ordonne à ses objectifs”69.

Essa propriedade “tagarela” do regime de representação pós-moderno apresenta traços convergentes com a vocação participativa do ciberespaço, de produção intensificada de discursos, citada por Pierre Lévy (2001b, p. 48). Tal estado sinaliza uma tendência do mundo contemporâneo que se acentuou com a Internet, mas que já tomava forma no início do século XX.