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Estrutura da obra

1. Jornalismo e ciberespaço: o blog

1.4. O weblog e seus avatares

ligações para arquivos de um mesmo site ou de diferentes sites. O link também pode ser um dispositivo da codificação HTML que aciona um sistema de comunicação, geralmente um e-mail (correio eletrônico).

O conceito de weblog, ou blog, como tem sido mais comumente chamado, antecedeu as ferramentas tecnológicas que hoje em dia estabelecem o sentido mais corriqueiro da palavra. Para começar a entender o sentido do termo e sua história, propomos, inicialmente, uma análise etimológica. A palavra, de origem inglesa, é a contração dos termos web (teia, rede) e log, expressão de grande teor de polissemia, que pode denotar, entre outras coisas, lenha, logaritmo, diário de bordo e agenda, mas cujo significado, no caso do weblog, é de registro cotidiano de atividades.

A expressão log, que é o radical que estrutura a palavra e que constitui a palavra blog, apresenta duas vertentes etimológicas. Ela deriva tanto do termo escandinavo låg (GOVE, 1993, p. 1330), cujo significado é árvore caída (fallen tree) – um objeto usado, entre outras finalidades, para medir distâncias e registrar o tempo–, quanto do grego logos, (Id., Ibid.), cujos sentidos são palavra, razão e/ou discurso, conotando, na junção dos dois significados, a idéia de palavra ou discurso registrado.

Com a internacionalização do conceito, a expressão tem sido adaptada ou recriada em outros idiomas. Em português, a palavra foi incorporada e já sofreu algumas adaptações. Por exemplo, a expressão inglesa blogger, que significa publicador e/ou editor de blog, foi modificada para blogueiro nos países lusófonos.

Em espanhol, a expressão tem sido usada de dois modos: como estrangeirismo blog ou weblog (PISANI, 2003) e, de forma mais criativa, como bitácora(Id., Ibid.), palavra que designa a caixa que abriga a bússola

em navios (ALMOYNA, 1988, p. 178) e que, por metonímia, significa também cuaderno de bitácora, que é diário de bordo (Ibid., p. 338). Em francês, há também três formas de uso: como estrangeirismo blog ou

weblog, como adaptação, blogue (GOOGLE RACHÈTE L’ÉDITEUR DE

BLOGGER, 2003), e com a designação joueb (PEYRET, 2002), que é a contração da expressão journal (diário ou jornal) com web (rede, palavra inglesa).

A popularização da palavra blog teve como desdobramento também um esforço em definir a expressão e uma genealogia das formas. Para Dave Winer (2003), fundador e diretor-executivo da empresa norte-americana

UserLand Software, e Bausch, Haughey e Hourihan (2002, p. 8-9), a

primeira manifestação de blog surgiu com a primeira página produzida sob o formato html, em 1992, produzida pelo criador da World Wide Web, Tim Berners-Lee, no Centre Européen de Recherche Nucléaire19 (CERN). Se seguirmos a conceituação proposta nesta pesquisa, o documento de hipertexto se enquadraria como um blog no sentido de página com links e comentários – os links são no caso as palavras grifadas em azul no texto, como pode ser visto a seguir.

Figura 1: Página do CERN de 1992 (circa) 20

Entre junho de 1993 e junho de 1996, o National Center for Supercomputer

Aplications21 (NCSA), da Universidade de Illinois, nos EUA, onde foi desenvolvido o primeiro browser22 para a Internet, o Mosaic, criou uma

20 Disponível em [http://www.w3.org/History/19921103-hypertext/hypertext/WWW/News/9201.html].

Acessada em 27 de fevereiro de 2003.

21 Centro Nacional para Aplicações de Supercomputadores.

22 Browser, no contexto dessa pesquisa, significa os programas que permitem ao usuário da

internet consultar páginas de hipertexto e navegar, passando de um ponto a outro da mesma página ou de página diferente, usando os links de hipertexto, além de desfrutar de outros recursos dessa rede de computadores.

página intitulada “What’s New” (O que há de novo)23, semelhante ao modelo concebido por Tim Berners-Lee.

Uma outra manifestação pioneira, segundo Bausch, Haughey e Hourihan (2002, p. 9) foi o site24 Links from the Underground25, de Justin Allyn Hall, criado em janeiro de 1994. Apesar de a associação ao conceito de blog ter sido estabelecida pelos autores, a página pouco lembra o que hoje é convencionado como tal, mas está relacionada a três referentes26 que consubstanciam a palavra: home page pessoal, coleção de links e diário público.

23 A coleção completa dos informativos está disponível no arquivo da instituição, disponível em

[http://archive.ncsa.uiuc.edu/SDG/Software/Mosaic/Docs/whats-new.html]. Acessado em 28 de fevereiro de 2003.

24 Site, no contexto desta dissertação, significa um “local na Internet identificado por um nome de

domínio, constituído por uma ou mais páginas de hipertexto, que podem conter textos, gráficos e informações em multimídia” (DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2001).

25 Disponível em http://www.links.net/.

26 Referente, no contexto do enunciado, significa o elemento do mundo extralingüístico, real ou

Figura 2: O site Links from the Underground, em 21 de dezembro de 199627 Em janeiro de 199728, surgiu no Brasil aquele que é apontado como o primeiro blog brasileiro, o Blue Bus [http://www.bluebus.com.br], cujo nome evoca o de um projeto editorial on-line norte-americano de mesmo nome [http://www.bluebus.com], esse último atualmente desativado29. A página de hipertexto está vinculada à idéia de blog por apresentar arquivos (no caso, textos), em ordem cronológica reversa, que é um dos referentes do termo.

27 Disponível no site Internet Arquive [http://www.archive.org/], no endereço

[http://web.archive.org/web/19961221005458/http://www.links.net/]. Acessado em 5 de fevereiro de 2003.

28 A informação consta no próprio site, está disponível em

[http://www.bluebus.com.br/colunistas.htm]. Acessada em 1 de março de 2003.

29 As páginas ainda podem ser consultadas em

Figura 3: O site Blue Bus em julho de 199730

Esse mesmo ano de 1997 foi marcado também pelo surgimento da palavra

weblog, pois até então essas páginas de hipertexto não tinham tal

denominação e só foram assim classificadas por estudiosos do objeto posteriormente.

30 Disponível no site Internet Arquive [http://www.archive.org/], no endereço

[http://web.archive.org/web/19970713170413/www.bluebus.com.br/index2.htm]. Acessado em 1 de março de 2003. O site abandonou o formato blog a partir de 1999, assumindo uma estética diversa.

O neologismo foi criado pelo norte-americano Jorn Barger em dezembro daquele ano para designar seu site, Robot Wisdom Weblog [http://www.robotwisdom.com/home], uma home page pessoal caracterizada por uma coleção de comentários com links para outras páginas da Internet (BLOOD, 2002a, p. 70 e BAUSCH, HAUGHEY, e HOURIHAN, 2002, p. 9- 10). A expressão surgiu como derivação de um termo anterior: “web log” (BLOOD, 2002a, p. 19-20 e BAUSCH, HAUGHEY, e HOURIHAN, 2002, p. 294). A locução substantiva, no jargão da Tecnologia da Informação, é o nome que se dá ao arquivo digital que contém o registro da quantidade e do tipo de acessos feitos a um determinado servidor31. Com o tempo, a palavra

weblog foi abreviada, por aférese32, para blog (BLOOD 2002a, p. 7). Atualmente, as duas expressões – blog e weblog – são consideradas equivalentes.

31 Servidor: Máquina com função de gerência dos recursos disponíveis dentro de uma rede.

Algumas redes têm um servidor dedicado a cada serviço.

32 Aférese, no contexto dessa pesquisa, deve ser entendida como o processo de mudança

Figura 4 O site Robot Wisdom Weblog33

O site Robot Wisdom Weblog tornou-se, em apenas um ano e sete meses que antecederam a criação das ferramentas de edição de hipertexto que redefiniram a palavra blog, um importante agente de disseminação do conceito. Esteticamente, a página de Jorn Barger é uma extensa relação de

links para outras páginas de hipertexto. É, para ser mais específico, uma

compilação idiossincrática de notícias publicadas em sites. O autor (BLOOD, 2002a, p. 71) é um especialista em software que trabalhou em

projetos de inteligência artificial e, enquanto esteve ativo no desenvolvimento da página, morava em Chicago (EUA).

A aparência do site pouco ou nada lembra aquilo que atualmente é denominado como blog. Uma explicação para a contradição entre a forma pela qual o referente é convencionado hoje em dia e o site que disseminou o termo está no fato de que a oferta de ferramentas tecnológicas por parte de empresas que disponibilizaram a criação de páginas neste formato –na maioria dos casos gratuitamente– terminou por moldar o termo.

Em julho de 1999, a empresa Pitas [http://www.pitas.com], de Andrew Smales, iniciou um serviço gratuito de criação de páginas, designadas

weblog (BLOOD, 2002a, p. 8). A empresa foi a pioneira na rede a oferecer

ferramentas na Internet para criação de páginas nesse formato. Em agosto do mesmo ano, a Pyra [http://www.pyra.com] e a Groksoup [http://www.groksoup.com] lançaram serviços semelhantes (Id., Ibid.) e a partir de então as páginas on-line no formato blog ganharam um atrativo extra, que incentivou a disseminação do conceito.

O que todo esse material produzido por tais ferramentas de html tem em comum? São páginas de conteúdo dinâmico – ou seja, páginas pré- moldadas que permitem a inserção de novos arquivos rapidamente –, geradas por programas como Active Server Pages (asp) ou PHP Hypertext

Preprocessor (php), que contêm vários arquivos – geralmente de texto, mas

também de fotografias e outras formas gráficas, animadas ou não, e de áudio – dispostos em ordem cronológica reversa, em que o mais recente

fica no início e o mais antigo no fim. Quando predominam textos, ela é chamada de blog; quando predominam as imagens fotográficas, ela é denominada de fotoblog ou flog; quando predominam os arquivos de áudio, é designada de audioblog, e quando predominam os arquivos de vídeo, é qualificada de vlog ou videoblog. Esses sites costumam ter ainda dispositivos de auto-arquivamento e um recurso para que internautas visitantes insiram textos.

A ferramenta de edição tornou a proposta atraente para os internautas interessados em publicar na World Wide Web. A grande receptividade dos programas de edição conhecidos como blogs, acrescente-se, surgiu também em decorrência de alguns fatores: os baixos custos de produção, pois o serviço é oferecido em muitos casos gratuitamente, o que limita as despesas relativas à manutenção da página aos gastos de tempo no ciberespaço; a grande acessibilidade, pois o internauta encontra poucas restrições para conseguir permissão para montar uma página desse tipo; a rapidez de publicação, que permite modificações e acréscimos com agilidade, por meio de poucos comandos e a facilidade de manuseio, pois o interessado não mais precisa conhecer a codificação HTML para publicar, como destaca Jörg Kantel (2003):

“Im Gegensatz zu der schon vor 1999 existierenden Tagebuchszene (die ihre Webseiten noch liebvoll mit ‘handgestricktem’ HTML pflegte), sind Weblogs ohne die dazugehörende Software, wie z.B. Blogger (www.blogger.com), Radio UserLand (radio.uslerland.com) oder Movable Type (www.movabletype.org) nicht zu denken. Erst diese Software ermöglichte es, ständig aktualisierte Webseiten zu erstellen

und zu pflegen, ohne allzutief in die Abgründe der HTML-Codierung eintauchen zu müssen”34.

A gratuidade e acessibilidade do serviço e a facilidade do uso terminaram por fazer do blog uma metáfora, no ciberespaço, do Hyde Park londrino, jardim público especialmente famoso por seu speaker’s corner, tribuna onde anônimos e famosos, dos mais diferentes credos, tomam a palavra e expõem suas idéias. Pierre Lévy (2001b, p. 48) vê nessa potencialidade da Internet, que não se limita aos blogs, um convite à produção de enunciados no ciberespaço:

“Cada indivíduo, cada organização são incitados não apenas a aumentar o estoque, mas também a propor aos outros cibernautas um ponto de vista sobre o conjunto, uma estrutura subjetiva. Esses pontos de vista subjetivos se manifestam em particular nas ligações para o exterior associada às home pages afixadas por um indivíduo ou grupo”.

Esse propósito de participatividade também foi observado por Castells (2003, p. 441):

“A arquitetura da rede é, e continuará sendo, aberta sob o ponto de vista tecnológico, possibilitando amplo acesso público e limitando seriamente restrições governamentais a esse acesso, embora a desigualdade social se manifeste de maneira poderosa no domínio eletrônico (...) O que permanece das origens contraculturais da rede é a informalidade e a capacidade auto-reguladora de comunicação, a

34 “Ao contrário do cenário dos diários que existiam já antes de 1999 (que cuidavam de suas home

pages ainda carinhosamente com um HTML 'feito à mão'), os weblogs são impensáveis sem os

relativos software, como por exemplo o Blogger (www.blogger.com), o Radio Userland (radio.uslerland.com [sic]) ou o Movable type (www.movabletype.org). Somente esses programas tornaram possível prover e manter constantemente atualizadas as web pages sem que se mergulhe nos abismos da codificação HTML.” [Tradução do autor, sob a supervisão de Elisabeta Santoro].

idéia de que muitos contribuem para muitos, mas cada um tem a sua própria voz e espera uma resposta individualizada”.

A disseminação desse tipo de página de hipertexto obedece a um pressuposto de simplificação de uso, como também expõe Pierre Lévy (2001a, p. 57-58):

“Os críticos da informática acreditaram, ingenuamente, nos informatas que sustentavam, até cerca de 1975, que a ‘máquina’ era binária, rígida, restritiva, centralizadora, que não poderia ser de outra forma. Através de suas críticas, subscreveram a idéia errônea de uma essência da informática. Na realidade, desde o começo dos anos sessenta, engenheiros como Douglas Engelbart conduziam pesquisas na direção de uma informática da comunicação, do trabalho cooperativo e da interação amigável (...). Em 1979, quando Daniel Bricklin e Robert Frankston lançaram a primeira planilha, o Visicalc, eles usaram o Apple 2. Ao mesmo tempo, eles reinventaram a microinformática ao permitir aos executivos e aos pequenos empresários que fizessem previsões contábeis e financeiras sem que precisassem programar”.