• Nenhum resultado encontrado

Principais observações sobre o No Mínimo Weblog

Estrutura da obra

3. No Mínimo Weblog: “a verdade está na Internet”

3.2. Principais observações sobre o No Mínimo Weblog

O No Mínimo Weblog utiliza como fontes para produzir seus enunciados notícias em ciberjornais. Trata-se de uma característica que destoa do

modus operandi usual da atividade. Seria, portanto, o discurso da coluna

não jornalístico? Afinal nem tudo que há em um jornal é necessariamente pertinente ao ofício específico da imprensa, como a seção de classificados, por exemplo.

Em relação à pergunta acima, a pesquisa mostra que a seção é jornalística, pois nenhuma das peculiaridades da atividade aqui definidas, ou seja, de

um discurso produzido no modo de verdade com o intuito de “fazer-saber” e de atender às características definidas por Groth163.

Poder-se-ia eventualmente objetar que resenhar notícias de ciberjornais seja uma atividade menor na profissão mas, de modo algum, sob os parâmetros aqui estabelecidos, é possível afirmar que tais procedimentos deixam de ser jornalísticos. A seção, por suas características, evoca o conceito de digesto, pois resume e comenta notícias, e de coluna, pois cria uma identidade actancial particularizante no espaço discursivo do site jornalístico No Mínimo.

O conjunto dos enunciados da seção de Pedro Doria apresenta-se como produto de um órgão de imprensa o que leva, por contaminação, à proposta de firmar uma relação de credibilidade por meio de um discurso em modo de verdade, realizando-se principalmente mediante um processo performativo sobre o saber164.

No caso específico do weblog, o discurso cria, a priori, um efeito de real por meio do hiperlink, por meio da narrativa encaixante, que legitima-se, que

163 C.f. p. 28-31.

164 Greimas (1983, p. 116-133) afirma que o fazer persuasivo, o fazer que leva à crença, efetua-se

mediante o querer, o poder e o saber. Nenhum desses três recursos, acrescente-se, atua de modo exclusivo e isolado na adesão a um determinado credo: o processo cognitivo é resultado de um amálgama. O poder faz crer pela ameaça e/ou pela provocação. O querer incita por meio da tentação e/ou da sedução. Já com o saber a tática é mais complexa: a argumentação é construída por meio de uma razão alética e/ou veridictória. Quanto à razão alética, trata-se de uma relação que se estabelece por meio de quatro variáveis do quadrado semiótico: dever ser (necessidade); não dever e não ser (possibilidade), dever não ser (impossibilidade) e não dever ser (contingência). Já no caso da razão veridictória, o jogo semântico é estabelecido por quatro variáveis: parecer e ser (verdade), não parecer e não ser (falsidade); não parecer e ser (segredo), não ser e parecer (mentira).

conquista um “efeito de real”, pela remissão ao texto citado na notícia. A “prova” de verdade contudo é, ela mesma, um enunciado. Trata-se, portanto, de um discurso que fundamenta sua credibilidade na modalização veridictória do parecer e do ser.

Esse discurso da seção No Mínimo Weblog, contudo, não se fundamenta única e exclusivamente na modalização veridictória. Ele também se modaliza pela razão alética e é sob esse aspecto que o foco narrativo e as fontes de No Mínimo Weblog estão calcadas no princípio da preeminência social, política, econômica e cultural.

Tal modalização alética alicerçada na necessidade165, no “dever-ser” verdade, explica-se de modo mais concreto no que Perelman e Olbrechts- Tyteca (2005, p. 347-353) observam em relação ao argumento de autoridade, de prestígio. Não é o caso, ressalve-se aqui, da argumentação pura e simples de poder, que se fundamenta na ameaça e/ou na provocação. A argumentação calcada no “dever-ser” estabelece seus alicerces no prestígio da fonte, que conota ora a competência modal166 do “saber-fazer”, ora a do “poder-fazer”.

É graças ao acesso a actantes preeminentes do jogo político-social- econômico-cultural que os jornalistas obtêm acesso às informações, tornando-se assim interlocutores privilegiados que intermedeiam a relação

165 O conceito de necessidade deve ser compreendido aqui não em sua acepção mais corriqueira,

daquilo que é necessário, mas sim no sentido daquilo que é útil, daquilo que convém.

166 Competência modal remete, no contexto a uma “organização hierárquica de modalidades (ela

será fundamentada, por exemplo, num querer-fazer ou num dever-fazer que rege um ‘poder-fazer’ ou um saber fazer)” (GREIMAS e COURTÉS, 1989, p. 63).

entre os estratos superiores e o restante da sociedade civil. Tal procedimento, inclusive, foi o gérmen do fazer jornalístico e o sentido do surgimento das publicações, segundo Otto Groth (1928, p. 29-30), autor de

Die Zeitung, nos séculos XVI e XVII: “Die ‘geschriebenen Zeitungen’ (...)

breitetren sich wegen des Mangels eines ausgebildeten Gesandten- und Agentenwesens” 167. A perda desses “enviados treinados” e “agentes” e o crescimento do número de interessados nas informações relativas a fontes preeminentes foram dois importantes fatores que propiciaram o surgimento dos jornais.

Quando o sujeito da enunciação, por exemplo, evoca a autoridade da revista The Economist ou a do antropônimo Robert Fisk, está implícita na argumentação a atribuição de uma competência modal do “saber-fazer” e do “poder-fazer” aos actantes: eles sabem o que fazem ao falar isso ou aquilo, logo, deve ser verdade. Esses actantes, do mesmo modo, podem fazer isso ou aquilo porque lhes são atribuídas discursivamente, contextualmente, as devidas competências modais.

Em relação aos actantes da narrativa de No Mínimo Weblog, apesar de muitas vezes serem órgãos de imprensa –o que difere da ortodoxia do

modus operandi da profissão– é possível observar uma proximidade com

aquilo que Gans (2004, p. 116) ressalta em sua obra: o foco da narrativa jornalística é o status quo, os estratos superiores da pirâmide social, pois os títulos destacados são preeminentes na cena jornalística contemporânea.

167 “Os ‘jornais escritos’ (...) difundiram-se por causa da perda de enviados treinados e de agentes”.

Como já foi enfatizado, o jornalismo tipifica-se pela modalização do “fazer- saber”. Porém, a atividade não se baseia única e exclusivamente no contato direto e privilegiado com personagens. É nesse sentido, por exemplo, que as publicações reproduzem os noticiários de agências de notícias. Trata-se de enunciados, aliás, que não são averiguados diretamente pelas publicações que adquirem o serviço. É também nesse sentido que a atividade busca informações em comunicados oficiais e mesmo em outros jornais: quando a Folha de S. Paulo e outros grandes títulos nacionais, por exemplo, noticiaram, em maio de 2004, que o jornal norte-americano The

New York Times publicou reportagem na qual o presidente Lula é

apresentado como alguém que consome bebidas alcoólicas demasiadamente, usaram uma notícia como fonte.

Os critérios jornalísticos que o discurso de No Mínimo Weblog revela remetem a conceitos tidos como ortodoxos da práxis jornalística: a priorização do ato de “fazer-saber”, o que implica a disforização da censura, a importância do aprofundamento na investigação jornalística, a importância de analisar os fatos, o cuidado na exposição da diversidade de pontos de vista durante a apuração, a importância de manter distanciamento crítico em relação ao poder público e a importância de assumir erros. Poder-se-ia argumentar, eventualmente uma crítica ao conceito de imparcialidade na notícia “Oh, Calcutá!”168. O conceito de imparcialidade, contudo, vem sendo contestado com consistência em obras de teóricos da enunciação, como Bakhtin (1997a, p. 308): “um enunciado absolutamente neutro é impossível”.

Acrescente-se também que o sujeito da enunciação sobrepõe a esse valor um jogo antinômico entre verdade e mentira, o que legitima a postura sob os parâmetros da profissão.

Em relação ao ethos de No Mínimo Weblog, o discurso mostra um tom irônico e marcado por uma disforização do hic e do nunc do enunciado, e uma euforização de uma alteridade cronotópica. Há, igualmente, uma antilogia entre o ethos dito e o ethos mostrado no discurso.

A ironia é um recurso estilístico recorrente em No Mínimo Weblog. Se pensarmos o efeito de sentido por sua antítese, o histrionismo, o humor grotesco, o humor hiperbólico, podemos identificar uma postura que euforiza o princípio da justa medida, naquilo que Bakhtin (1997b, p. 103) denominava como “riso menor”. Como recurso, insere-se geralmente nas estratégias discursivas para disforizar atitudes e actantes. Trata-se, portanto, de um método de crítica, que revela critérios. E o que essa ironia condena? Nos excertos selecionados – mas há muitos outros no enunciado –, observa-se uma crítica à avareza e ao ascetismo da religiosa Madre Teresa de Calcutá169, ao belicismo norte-americano170, à falta de esmero na produção jornalística171 e, mediante uma lítotes, à inviabilidade econômica da Internet172. 169 C.f. p. 101-106. 170 C.f. p. 127-129. 171 C.f. p. 137-140. 172 C.f. p. 143-149.

No caso da condenação à avareza, ao ascetismo e ao belicismo, o discurso privilegia o conceito de justa medida, como antítese da hipérbole. Em relação à crítica à falta de esmero e à inviabilidade econômica da rede, o que se euforiza, no primeiro caso, é um valor tido, no âmbito do discurso de

No Mínimo Weblog, como retrógado e inversamente, no segundo, um

espaço aspectualizado pela incoatividade, ou seja, por um futuro ainda a se constituir plenamente, que é a Internet. Em ambos os casos, o que se valoriza é uma alteridade temporal. Disforiza-se o nunc do enunciado, valorizando-se ora o passado, ora o futuro.

O discurso da coluna, portanto, sanciona cognitivamente procedimentos jornalísticos tradicionais na atividade, e isso pode ser observado nos momentos em que o enunciador enumera entre as qualidades jornalísticas de personagens que ele elogia o adjetivo “veteranos”, como nos casos de Kate Adie173 e de Robert Fisk174; ou, de modo implícito, na actorialização do antropônimo Roberto Marinho175, tido, na situação do discurso176, como tradicional empresário do ramo.

O discurso, acrescente-se, disforiza do mesmo modo o hic, o aqui do enunciado, valorizando-se o tipo de jornalismo praticado no mundo anglófono, com ênfase na imprensa britânica, em detrimento da norte- americana. Valoriza-se, portanto, uma alteridade cronotópica: euforiza-se o jornalismo fora da lusofonia, assim como fora do presente do enunciado,

173 C.f. p. 116-117. 174 C.f. p. 122-123. 175 C.f. p. 130-133. 176 C.f. glossário, p. 251.

seja em um determinado pretérito, seja em um futuro associado ao ciberespaço.

Quando contudo focaliza o tipo de jornalismo praticado no hic da enunciação, observa-se uma contradição entre o ethos dito e o ethos mostrado. Há, no conjunto dos enunciados, uma trama narrativa que disforiza o actante grande imprensa. As críticas contudo são empregadas de modo generalizado ou, dirigidas a instituições em disjunção com o “aqui” do discurso. Mas quando o sujeito da enunciação particulariza um personagem ligado à grande imprensa brasileira, ele euforiza-o.

Em relação à disforização do actante “grande imprensa”, isso pode ser observado tanto na notícia “Quando jornalistas não contam o que sabem”177, quanto em “Pós-CNN”178. Há nos dois casos uma repreensão pelo fato de as empresas do segmento se manterem em modo de segredo. Entretanto, em situações nas quais actantes da grande imprensa brasileira são particularizados no enunciado, como em “Riocentro”179, sobre Roberto Marinho, e em “Seu Frias”180, sobre Octavio Frias, os atores do enunciado são figurativizados euforicamente e apresentam-se em modo de verdade, pois, no primeiro caso, por meio do recurso da odurátchivanie, o actante ludibria um censor para levar a verdade ao público e, no segundo, o protagonista supera o temor e enfrenta, falando a verdade, um adversário tido como superior a ele, o que conota coragem e orgulho.

177 C.f. p. 106-111. 178 C.f. p. 114-116. 179 C.f. p. 130-132. 180 C.f. p. 140-143.

O descompasso entre o ethos dito e o ethos mostrado no enunciado pode também ser visto na notícia “Reinvenção da campanha”181. Nesse texto, a Internet é figurativizada como um local de agressividade. Contudo, o discurso da seção No Mínimo Weblog, uma publicação on-line, não se caracteriza pela propriedade actancial atribuída ao meio.

4. O Blog do Observatório da Imprensa (Bloi): “a imprensa