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Não existe um conceito jurídico que defina o que é jovem, pois várias leis que tratam de questões fundamentais para os jovens mencionam apenas adolescentes, crianças e adultos. Esse é o caso do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) que estabelece direitos para todos os indivíduos menores de 18 anos: nesse grupo estão também os jovens que possuem entre 15 e 17 anos, apesar do ECA fazer menção a apenas crianças e adolescentes. Conforme argumenta Paulilo (2007), o ECA estabeleceu um modelo de políticas públicas voltadas para a infância e a juventude.

Essa confusão conceitual em relação a jovem e adolescente não se dá apenas na esfera das leis, mas também em estudos e em programas governamentais. Tanto o é que o ECA delimita que criança é o indivíduo de 0 a 12 anos e adolescente é aquele que tem de 12 a 18 anos incompletos.

Na Constituição Federal menciona-se juventude apenas uma vez, no artigo 24, quando trata da competência da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre diversos assuntos, inclusive em relação à proteção à infância e à juventude. Em contrapartida, a mesma Constituição assegura direitos para crianças, adolescentes e jovens até 18 anos.

Nesse tópico será feita uma breve discussão sobre algumas leis que se referem aos direitos dos jovens e regulam o trabalho juvenil.

Vale destacar que ao longo do tempo foram criadas leis para proteger crianças, adolescentes e jovens, muitas vezes motivadas pela pressão da sociedade. Algumas dessas leis instituíram a idade mínima para ingresso no mercado de trabalho, tipos especiais de contrato de trabalho e jornada de trabalho e, ainda, garantiram direitos diferenciados aos jovens trabalhadores, tais como o impedimento do trabalho noturno para menores de 18 anos, assim como a proibição do trabalho realizado em condições insalubres.

Silva e Borges (2007) ressaltam que as peculiaridades da juventude fizeram com que as sociedades estabelecessem regras específicas para o trabalho dos jovens. Desse modo, a

regulação do trabalho juvenil18 tem como objetivo criar mecanismos que garantam o ingresso

adequado dos jovens no mundo do trabalho.

A legislação brasileira de proteção contra a exploração de crianças, adolescentes e jovens é muito recente, pois tem início a partir da Constituição de 1988 e do ECA . De acordo com Souza (2001), no Brasil foi bastante lenta a tramitação de leis para proteger o trabalho infanto- juvenil, pois sempre se valorizou mais o aspecto econômico que as questões sociais.

O ECA preconiza uma política especial a crianças, adolescentes e jovens (que ainda não completaram 18 anos), uma vez que ainda estão em condições de desenvolvimento. Não se pode deixar de mencionar que o ECA foi um importante instrumento para valorizar a idéia de que crianças, adolescentes e jovens são sujeitos de direitos. Mesmo sem o ECA fazer referência a jovens, pode-se argumentar que ele tem grande importância para os jovens que ainda não completaram 18 anos de idade. Deve-se destacar que no momento histórico em que o ECA foi formulado, a juventude não foi enfatizada, pois, na época, a atenção estava centrada na figura do adolescente.

Na argumentação de Neves (2006), o ECA se pautou na questão da reprodução social das crianças e adolescentes, constituindo a interferência do campo jurídico sobre o campo doméstico. Entretanto, segundo o autor, o Estatuto atribuiu muito peso sobre a família e suas

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Não se pode deixar de lembrar que, na França, no ano de 2006, aconteceram vários protestos contra a lei do Primeiro Emprego. Essa lei facilitava a demissão dos trabalhadores menores de 26 anos sem justa causa e sem o pagamento de multas rescisórias durante o período de experiência, ou seja, os dois primeiros anos do trabalhador na empresa. O argumento do governo francês para a criação da lei foi reduzir o desemprego e facilitar o ingresso dos jovens ao mercado de trabalho. Devido ao grande número de protestos, o governo francês revogou a lei. Um dos jovens que participou das manifestações disse aos jornais franceses “nossa revolta não é para conseguir mais, é para não perder o que temos".

responsabilidades sem o devido aparato institucional, ou seja, sem políticas públicas realizadas pelo Estado, que pudessem garantir os direitos contidos no ECA e que impossibilitassem o trabalho precoce. Desta forma, as instituições filantrópicas têm uma importante função para garantir direitos definidos no ECA, uma vez que ocupam um espaço que deveria ser das políticas públicas (Neves, 2006).

Na análise de Sales (2006), existe um déficit de políticas governamentais e de ações de proteção, prevenção e inclusão de crianças e adolescentes brasileiros em conformidade com o que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa autora assinala, ainda, que os governos locais estão pouco comprometidos com a implementação do ECA e, muitas vezes as políticas públicas realizadas têm um enfoque baseado na política de segurança pública e de Justiça.

Sobre o ECA, Souza (2001) afirma:

Fica assim alterado radicalmente, o modo de conceber a criança e o adolescente, merecendo destaque o fato de que na nova legislação não há uma diferença entre criança rica e pobre: todas possuem iguais direitos, sem discriminações, visto que o atendimento da criança e do adolescente é compromisso da família, do Estado e da sociedade (SOUZA, 2001, p. 90).

Na visão de Souza (2001), o ECA tornou ultrapassado o emprego do termo 'menor'. Essa autora assinala que o termo 'menor' tinha um significado negativo, pois quase sempre estava relacionado à ideia de indivíduos em situação irregular ou à criança, adolescente ou jovem pobres.

Além do ECA há também outras legislações que atendem a certas especificidades da juventude, tais como a Constituição Federal e a lei do aprendiz. No que tange à esfera do trabalho juvenil, há três legislações de grande importância: a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

No Brasil, a legislação de proteção ao trabalho juvenil não é totalmente aplicada, sobretudo porque o ingresso precoce ao mercado de trabalho é uma característica que marca a vida de boa parte de nossos jovens. Deve-se relatar que na bibliografia acerca do trabalho juvenil não existe um consenso sobre a idade adequada para a entrada dos jovens no mercado de trabalho.

Se por um lado, muitos empregos oferecidos aos jovens são marcados pela precariedade, especialmente o desrespeito à legislação trabalhista específica para esse grupo social junto com a legislação trabalhista geral, por outro, o emprego precário oferece aos jovens pequenas

possibilidades de estabilidade e ascensão profissional. E, ainda podem comprometer a escolarização dos jovens. Por isso, é preciso que os órgãos governamentais melhorem a fiscalização do trabalho juvenil, bem como são necessários aperfeiçoamentos na regulação do trabalho juvenil, com o intuito de valorizar a educação e a formação profissional e integral dos jovens.

Rocha e Freitas (2004) fazem uma construção histórica da legislação de proteção ao trabalho de crianças e jovens. Segundo os autores, em 1943, o governo Vargas cria a CLT e estabelece que a idade mínima para o trabalho é de 12 anos. Com a Constituição Federal de

198819 eleva-se para 14 anos a idade mínima para o trabalho. Porém, foi novamente alterada pela

Emenda Constitucional nº 20 de 1998 que estabeleceu a idade mínima ao trabalho aos 16 anos. Proibiu-se, assim o trabalho de indivíduos menores de 16 anos de idade, exceto como aprendiz a partir dos 14 anos. Assim, o menor de 16 anos “é absolutamente incapaz para fins trabalhistas e não poderá celebrar contrato de trabalho, nem mesmo se acompanhado por seus responsáveis” (GUEDES, 2006, p. 18).

Convém destacar que diversos setores ligados ao capital e alguns ligados às classes médias e populares argumentam que a proibição do trabalho de indivíduos menores de 16 anos prejudica os jovens, a conquista do primeiro emprego e ‘incentiva’ o desemprego juvenil. Esse discurso se dá com um enfoque conservador e entre as famílias pobres o trabalho é visto como um instrumento que garante ao jovem dignidade, permite renda para o orçamento familiar e possibilita o afastamento do mundo do crime. Ao passo que, para os setores conservadores da elite, o objetivo é manter a exploração dos jovens, que normalmente é altíssima, especialmente porque esse grupo é desprovido de experiência e, muitas vezes, desconhece os seus direitos e está disposto a aceitar a precarização em troca de adquirir experiência e alguma renda.

A Constituição Federal estabelece que é proibido o trabalho noturno20, perigoso21 e

insalubre22 e penoso23 dos indivíduos menores de 18 anos de idade. Esta é uma proibição

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Essa Constituição garantiu vários avanços no que se refere ao Direito do Trabalho, como o reconhecimento do direito de greve e a redução da jornada de trabalho semanal de 48 para 44 horas.

20 Segundo a CLT, o trabalho noturno é aquele realizado entre as 22h de um dia e 5h do dia seguinte. 21

No que tange aos trabalhos perigosos, são “aqueles que por sua natureza, condição, ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis e explosivos em condições de risco acentuado” (Art. 193, CLT).

22 Trabalhos insalubres: “aqueles que por sua natureza, condição, ou métodos de trabalho, exponham os empregados

a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância do agente e do tempo de exposição a seus efeitos (Art. 189, CLT).

23 Trabalho penoso: “serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 kg para trabalho contínuo ou

importante para proteger o jovem trabalhador, que, no futuro será adulto e não poderá levar consigo problemas de saúde adquiridos em empregos quando ainda não tinha nem 18 anos de idade. Portanto, essas proibições são relevantes para evitar desgastes exagerados no corpo de jovens trabalhadores.

Porém, as empresas nem sempre respeitam essas proibições, pois existem diversos processos trabalhistas em que jovens menores de 18 anos afirmam ter trabalhado em condições insalubres e perigosas, assim como no período noturno. Nesses casos, a Justiça do Trabalho pode se posicionar favorável aos jovens, sendo que nesses processos há também a participação do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Com o intuito de proteger os jovens, o ECA também dedica atenção à questão do trabalho do adolescente, ao destacar a necessidade de formação técnico-profissional, além de garantia de direitos trabalhistas e previdenciários, trabalho protegido aos adolescentes portadores de deficiência, bem como proíbe o trabalho noturno, perigosos, insalubre ou penoso (Souza, 2001). A CLT determina que os empregadores de trabalhadores menores de 18 anos devem garantir a observância nos estabelecimentos de trabalho dos bons costumes e da decência pública, assim como devem respeitar para esses trabalhadores as regras de higiene e medicina do trabalho.

Nas décadas de 1990 e 2000, ocorreram alterações nas leis da aprendizagem e do estágio, que interferiram na regulação do trabalho juvenil no Brasil.

No caso da aprendizagem, as alterações da legislação possibilitaram que não apenas as indústrias fossem responsáveis pela contratação de aprendizes, mas estabelecimentos de qualquer natureza, e ficou estabelecida a obrigatoriedade da contratação de aprendizes pelas empresas, exceto para as micro e pequenas empresas. Na análise de Silva e Borges (2007), as mudanças na legislação da aprendizagem instituíram uma inserção ocupacional precária dos jovens e não garantiram o aumento da adesão ao contrato de aprendizagem pelas empresas. Em 2005, ocorreu uma nova modificação na lei da aprendizagem, que permitiu que indivíduos de até 24 anos de idade pudessem ser aprendizes.

Quanto ao estágio, as alterações permitiram que deficientes físicos pudessem ser estagiários e que alunos do Ensino Médio tivessem a possibilidade de estagiar. No ano de 2008, o governo brasileiro criou uma nova legislação do estágio, que ampliou os direitos dos estagiários. Essa nova lei será discutida no próximo capítulo. As alterações da legislação e das formas de contratação do trabalho juvenil, nos anos 1990 e 2000, não diminuíram as dificuldades de

inserção dos jovens no mercado de trabalho e permitiram apenas o rebaixamento do custo do

trabalho24 e o aumento da precariedade do trabalho juvenil. Por causa disso, Silva e Borges

(2007) destacam a contradição da atuação do Estado, pois a lei que protege é a mesma que permite o crescimento da informalidade e da precariedade, especialmente devido às alterações nas formas de regulação do trabalho juvenil a partir dos anos 1990. Essas alterações deixam a juventude à mercê da dinâmica econômica e das escolhas do mercado para garantir maior produtividade.