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CAPÍTULO –

2 O PENSAMENTO MARXISTA NO ÂMBITO DAS INTERNACIONAIS SOCIALISTAS E A FORMAÇÃO DOS PARTIDOS OPERÁRIOS

2.1 KARL KAUTSKY, EDUARD BERNSTEIN E A CRÍTICA DE ROSA LUXEMBURG

No final do século XIX e início do século XX, desenvolve-se no interior do Partido Social-democrata Alemão (SPD) um debate teórico que repercutiu de maneira

relevante no movimento socialista europeu. O debate inicia-se com a publicação das teses de Eduard Bernstein propondo uma revisão da teoria marxista a fim de adequá-la à realidade política vivenciada pela social-democracia na Alemanha. Kautsky, um dos principais teóricos da social-democracia alemã, intervém no debate defendendo as teses da “ortodoxia” marxista predominantes na Segunda Internacional. Por fim, apresentando contribuições originais na crítica ao “revisionismo” de Bernstein, participa do debate a jovem intelectual marxista Rosa Luxemburg. Será, portanto, a partir das contribuições desses três protagonistas que discutirei a polêmica em torno do que ficou conhecido, na literatura socialista, como o marxismo da Segunda Internacional.

Ganha realce nesse debate o posicionamento dos partidos socialistas quanto à participação política nas democracias liberais. Com efeito, Kautsky ressalta o importante papel assumido pela democracia representativa e pelas liberdades políticas para a conquista do poder político pelo proletariado. Eleições periódicas constituir-se-iam-se em meio para aferir a real força numérica do proletariado, bem como a de seus inimigos. As reformas políticas, a atuação do proletariado no parlamento e em suas organizações sindicais familiarizaria o proletariado com as funções de governo, com a administração das grandes indústrias e lhes possibilitaria maturidade intelectual. A democracia, portanto, tornar-se-ia indispensável como instrumento de capacitação do proletariado para o cumprimento de sua tarefa principal, ou seja, implementar a revolução social assim que as condições históricas especiais estivessem presentes.

A tese da utilização da democracia representativa como instrumento para aferir a influência do partido social-democrata no seio da sociedade capitalista avançada, é sublinhada inicialmente por Engels em 1895. Este, com a autoridade de amigo e colaborador de Marx na elaboração da teoria da revolução socialista, possibilita re- interpretações contraditórias sobre o papel da violência na revolução proletária. Com efeito, o escrito “Introduction to Karl Marx’s the class struggles in France, 1848 to 1850”, constitui-se no ponto de partida para os postulados revisionistas de Eduard Bernstein. Portanto, uma apresentação concisa desse escrito de Engels, torna-se necessária a fim de iniciar com maior propriedade a discussão sobre o “revisionismo” bernsteiniano. Deve-se ressaltar que tal introdução, ao ser publicada por Bernstein, sofreu relevantes supressões dos trechos que demonstravam a confiança de Engels, ainda em 1895, na via revolucionária para a conquista do poder político pelo proletariado.

Engels (1990) observa que a esperança que Marx e ele nutriram quanto à possibilidade da vitória do proletariado mediante a luta armada no período de 1848-1850 e

em momentos de crise econômica em períodos posteriores, consistia numa análise fundamentada pelos acontecimentos da grande Revolução Francesa de 1789. Todavia, a história demonstrou o erro de ambos, pois a luta do proletariado nos moldes de 1848-50 estava superada, ainda que os dois mantivessem a esperança de que novas crises econômicas desencadeassem novos períodos revolucionários. Ressalta que essas esperanças, também, se mostraram ilusórias, na medida em que as condições nas quais o proletariado devia combater após aquele período eram inteiramente novas.

Desse modo, as formas de luta empreendidas entre 1848 e 1850 e na Comuna de Paris de 1871, estavam completamente superadas. O capitalismo desenvolvera-se em vez de entrar em crise, aumentara significativamente a parcela do proletariado em relação aos camponeses e aos estratos médios, a própria geografia urbana modificara-se significativamente alterando, por conseguinte, os modos de luta do proletariado. Engels (1990) assegura que as condições de combate melhoraram para os combatentes da reação e pioraram para os insurretos. Isto por que, as modificações urbanas com ruas compridas, retas e longas tornavam o combate à insurreição nos moldes de 1848 e 1871, bem mais fácil para a reação.

A nova arma a ser usada pelo partido social-democrata deveria ser, por isso, o sufrágio universal. Este tornara-se uma arma indispensável para o proletariado. Engels concebe que as campanhas eleitorais tornaram-se um meio eficaz para o contato das massas populares com as idéias socialistas, na medida em que o tempo das revoluções feitas por pequenas minorias à frente de massas inconscientes passara. A partir do final do século XIX, as massas proletárias deveriam ter consciência das causas porque estavam lutando e arriscando suas vidas. Somente, desse modo, uma revolução social tornava-se possível. Por isso, o partido social-democrata deveria persistir num trabalho de propaganda e divulgação das idéias socialistas.

Entretanto, Engels não descarta inteiramente a possibilidade futura de novas ações revolucionárias do proletariado, apenas assinala as dificuldades de uma vitória mediante ações armadas desenvolvidas nos moldes dos levantes de classe em períodos anteriores (1848-50 e 1870-71). Aponta, pois, para a necessidade do trabalho de conscientização do proletariado para a luta, na qual a sua vida está em jogo, tal luta deve envolver maiorias conscientes do que estão fazendo e de por que estão lutando. As ações desencadeadas por minorias que carregavam atrás de si multidões inconscientes seriam, então, contraproducentes. A despeito das observações de Engels indicarem que a luta armada continuava um instrumento útil para a conquista do poder político pelo proletariado,

Bernstein empreende uma interpretação diversa e busca, a partir dos postulados de Engels, suprimir a luta armada como meio útil ao proletariado na sua luta pelo poder político.