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TENTATIVA DE ELABORAÇÃO DE UMA TEORIA MARXISTA SOBRE OS PARTIDOS POLÍTICOS

1 OS ESCRITOS DE KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS: A PRODUÇÃO TEÓRICA NA ÉPOCA DA PRIMEIRA INTERNACIONAL

1.4 TENTATIVA DE ELABORAÇÃO DE UMA TEORIA MARXISTA SOBRE OS PARTIDOS POLÍTICOS

Os estudos sobre os partidos políticos careciam de um ponto de partida melhor estruturado, ou seja, de uma pesquisa que fosse simultaneamente fundamentada em material empírico e numa teoria política consistente. Entretanto, a partir do trabalho de

Duverger publicado em 1951, os estudiosos dos partidos políticos encontraram a primeira tentativa séria de elaboração de uma teoria geral dos partidos políticos. É possível observar, que a partir do estudo de Duverger, os pesquisadores de ciência política podem empreender esforços para formular uma teoria sobre os partidos políticos, fundamentados no referencial teórico metodológico que professam, e ancorados na teoria geral formulada por Duverger. No âmbito do marxismo, a primeira tentativa séria de elaboração de uma teoria do partido político, parece ser a do marxista italiano Umberto Cerroni.

Cerroni (1982) concebe como incorreta a redução do conceito de partido político a simplesmente parte política e, por conseguinte, nega validade à concepção de Schumpeter, que define partido político como um conjunto de indivíduos agindo em comum acordo na disputa pelo poder político. Cerroni assinala que é preciso evidenciar o que diferencia o partido político de qualquer outro agrupamento político. Tal diferença reside na conjugação de uma estrutura organizativa com um programa político bem delineado e articulado. Cerroni observa que esse programa não se constitui num programa particularista, mas universalista, isto é, contém propostas cuja implementação permitiria solucionar os problemas da sociedade no seu conjunto e não apenas os problemas da parte que o partido representa. Assevera Cerroni, que apenas o partido político moderno, cujo protótipo é o partido social-democrático, possui essa singularidade. Também para Eley (2005), o moderno partido de massas, que se constituiu no modelo primaz para a mobilização política entre o final do século XIX e o final do século XX, foi estruturado pelo movimento socialista na segunda metade do século XIX.

Durverger (1987) elabora uma tipologia dos partidos políticos, considerando dois aspectos principais, quais sejam: a origem e a estrutura organizativa dos partidos. Quanto à origem, os caracteriza como partidos de “origem eleitoral e parlamentar” e partidos de origem exterior ao Parlamento ou de “criação externa”. Quanto à estrutura organizativa os classifica como partidos de quadros e de massas. Os partidos de origem externa surgiriam através da ação de instituições sociais como os sindicatos. Desse modo, os partidos socialistas parecem ter-se constituído no típico partido de origem extra-parlamentar. Cerroni discorda dessa tipologia ao afirmar que os partidos surgiram para reivindicar a criação dos parlamentos e a adoção do sufrágio universal, embora tenham crescido sob o impacto que essas instituições produziram sobre as organizações partidárias. Nega, portanto, validade à tese de Duverger sobre origem eleitoral e parlamentar dos partidos políticos.

Os partidos de origem externa apresentam, consoante Duverger, uma desconfiança no que tange às atividades eleitorais e parlamentares. Estes partidos, apesar de participarem da luta eleitoral e terem representantes no parlamento, o que demonstra a importância dessas instituições, consideram a luta eleitoral e parlamentar apenas um dentre os aspectos constitutivos da atividade política do partido na busca da realização dos seus objetivos. Dessa forma, Duverger assinala que os partidos de origem externa não atribuem o mesmo valor à luta eleitoral e parlamentar que os partidos que se originam a partir da via eleitoral e parlamentar. O desenvolvimento dos partidos de origem extra- parlamentar resulta, portanto, em certo desinteresse pelo trabalho no parlamento e pelas disputas eleitorais. Esta visão está contida nos programas e estatutos que oficializam a criação dos partidos comunistas, conforme as 21 teses que estabeleceram as condições para a adesão do partido à Terceira Internacional.

Duverger (1987) concebe que a criação eleitoral e parlamentar do partido, parece corresponder a um tipo antigo e a criação externa ao moderno partido político. Assegura que na segunda metade do século XIX os partidos políticos, em sua maioria, foram criados pela via eleitoral e parlamentar. Excetuando-se os partidos originados sob a influência da Igreja ou aqueles oriundos da iniciativa de grupos industriais e financeiros, dos sindicatos ou pela iniciativa de intelectuais, teriam ocorrido poucas intervenções externas na formação dos partidos políticos anterior à formação dos partidos socialistas entre o final do século XIX e o início do século XX.

Duverger parece pouco coerente ao justificar a gênese eleitoral e parlamentar dos partidos políticos. Com efeito, afirma que até 1900 a maioria dos partidos surgiu a partir da iniciativa dos parlamentares. Todavia, ao enumerar as instituições externas ao parlamento que formaram partidos políticos antes daquele período, parece contradizer-se e cita diversos exemplos, cujas exceções aproximam-se fortemente da regra. Cita como exemplo de instituições que foram importantes agentes externos na gênese de partidos políticos, os sindicatos de trabalhadores e os sindicatos patronais, as associações de intelectuais, as igrejas e associações de ex-combatentes. Parece, portanto, enfraquecer a sua tese sobre a origem eleitoral e parlamentar dos partidos. Tal contradição parece reforçar a proposição de Cerroni sobre a inexatidão da tese sobre a origem parlamentar dos partidos políticos.

Conforme Duverger os partidos de criação externa possuem uma estrutura interna mais centralizada do que os partidos originados a partir da via eleitoral e parlamentar. Os partidos de origem externa, também, são mais coesos e disciplinados que os partidos de

origem eleitoral e parlamentar. Os partidos de origem externa dispõem de uma organização preexistente que vinculam todas as suas partes constituintes a uma estrutura centralizada; os de origem parlamentar têm dificuldades em estabelecer laços entre todas as partes constituintes, na medida em que surgem a partir da coexistência de alguns deputados no seio de um mesmo parlamento.

Consoante Duverger, quanto aos princípios organizativos os partidos podem ser classificados em partidos de massas e partidos de quadros. Observa que a principal distinção entre eles, reside no modo como se estruturam. Os partidos de massas não se limitam apenas às funções eleitorais, ou seja, suas atividades extrapolam as campanhas eleitorais. Desse modo, seus organismos estão direcionados para um trabalho permanente, visando à formação política dos seus militantes e o funcionamento sistemático dos seus comitês. A distinção entre partidos de quadros e partidos de massas não reside, portanto, no número de seus membros, mas na maneira como estão estruturados. Duverger associa os partidos de origem parlamentar aos partidos de quadros e os partidos de origem externa ao parlamento, aos partidos de massas. Ressalta, por fim, que os partidos de massas se preocupam com a formação política dos seus militantes e com a participação efetiva destes na vida do partido, inclusive na sua manutenção financeira. Os partidos de quadros, ao contrário:

[...] procuram reunir pessoas ilustres: a qualidade para eles importa mais que a quantidade. Essas pessoas ilustres são procuradas seja por conta de seu prestígio que lhes confere uma influência moral, seja por causa de sua fortuna que lhes permite ajudar a cobrir os gastos das campanhas eleitorais.24

Cerroni remete-se a Hume e Gramsci, a fim de assinalar que a relação do partido com o Estado simboliza a relação da parte com o todo. Essa relação, contudo, ocorre de modo especial, na medida em que a parte política opera como um todo, isto é, busca compreender a universalidade dos problemas de coordenação e de gestão da sociedade em que atua. A fim de explicar a asserção de que o partido comporta-se como um Estado Cerroni sustenta que isto:

[...] significa comportar-se como um todo embora sendo uma parte. Significa, concretamente, conseguir dirigir a sociedade sem dispor da força monopolizadora do Estado e, por isto, dirigir sem comandar ou fazer-se obedecer sem recorrer à coação.25

24

Duverger, 1987, p. 100.

25

Cerroni recorre a Gramsci para assinalar, também, a relação dialética imanente à política entre força e consenso. Esta relação é estabelecida inicialmente por Maquiavel (1982, 2008) como um dos aspectos imprescindíveis da política, sobre o qual não se deveria emitir nenhum juízo de valor, ao contrário, o governante seria bem-sucedido caso conseguisse aliar a inteligência da raposa com a força do leão. A partir dessa alegoria pode-se compreender a relação entre força e consenso, tal como postulada por Gramsci, ao estabelecer a distinção entre dominantes e dirigentes. Um grupo dominante pode-se fazer obedecer porque detém o monopólio da força, entretanto, esse grupo seria um todo que atua como uma parte. Por sua vez um grupo ainda não dominante pode obter o consenso e tornar-se dirigente, constituindo-se numa parte que atua como um todo.

Cerroni (1982) argumenta que a partir da análise gramsciana da dialética entre força e consenso, torna-se possível compreender o elo entre política e economia, ou seja, entre igualdade política e social ou entre democracia e socialismo. A fim de estabelecer esse elo, Cerroni enfatiza que o partido proletário esteve à frente das reivindicações de que o Estado liberal se transformasse no Estado liberal-democrático, ou seja, a luta do partido proletário possibilitara que o Estado passasse de uma gestão fundamentada na força para uma gestão fundamentada, também, no consenso. Resultou dessa conquista um problema candente a ser solucionado pelo partido socialista. Qual seja: ao participar da conquista do elemento de igualdade da democracia representativa, esse partido deve-se questionar sobre a possibilidade da conquista do socialismo tornar-se factível, a partir da manutenção das instituições da democracia representativa que ele ajudou a conquistar. Desse modo, Cerroni tenta justificar seu postulado de que o socialismo deve ser construído democraticamente, mediante o consenso, bem como se configure politicamente respeitando as instituições da democracia representativa.

A tipologia dos partidos políticos proposta por Cerroni, parece ser mais ampla que a de Duverger. Com efeito, assinala que a construção de uma tipologia dos partidos exige que se leve em consideração três aspectos. O primeiro, refere-se às diferenças programáticas entre os partidos; o segundo, refere-se ao desenvolvimento histórico dos partidos políticos e, por fim, deve-se considerar a correlação entre o programa do partido, a sua estrutura organizativa e a história do Estado e da sociedade. Assegura Cerroni, que caso se considere esses aspectos torna-se possível superar o erro de aceitar a existência de um modelo ideal de partido proletário pertinente a todas as situações históricas.

Cerroni sustenta que um modelo de partido pertinente a uma determinada situação histórica, pode-se tornar completamente ineficiente quando transplantado para

outra situação. Cita como exemplo o partido bolchevique, que era organizado por correntes até 1920, com o monolitismo tornando-se regra apenas após o X Congresso desse partido. Observa que o centralismo democrático, fundamento unificador do partido comunista, é compatível com o funcionamento de correntes e frações no seio do partido revolucionário, na medida em que a ausência de frações e correntes não implica em maior unidade política do partido, bem como a presença delas não assegura uma vida interna democrática. Portanto, a decisão entre monolitismo e existência de correntes depende das condições em que o partido atua e não de um modelo aprioristicamente determinado.

De modo semelhante, Cerroni analisa a separação entre quadros e massas dentro dos partidos políticos. Discorda da teoria da burocratização sustentada por Weber (1971), Michels (1982) e Duverger (1987) pela qual a separação entre dirigentes e dirigidos é inerente a toda e qualquer organização política. Argumenta que a separação entre dirigentes e dirigidos resulta de uma cisão radicada na sociedade moderna, a qual o partido não conseguiu superar. O partido político não conseguiu superar tal cisão porque sequer a vê como problema.

Desse modo, como o partido não percebe o problema da separação, inerente à sociedade, entre governantes e governados, não consegue problematizar a separação entre dirigentes e dirigidos no interior do partido. Dentre os principais teóricos marxistas, apenas Gramsci teria se incomodado com essa cisão e questionado se ela deveria durar eternamente. A superação dessa dicotomia somente tornar-se-ia possível a partir de uma relação dinâmica entre organização e programa. Nesse sentido, assegura Cerroni, há e não há uma separação entre quadros e massas, ou seja, o partido revolucionário deve ser simultaneamente parte e vanguarda da classe operária.

O programa universalista do partido político remete-se à concepção de mundo que os militantes e dirigentes do partido professam. Todavia, isso não significa que exista uma separação estanque entre programas de partidos diversos, pelo contrário, os partidos podem partilhar determinados aspectos programáticos independente do caráter revolucionário ou conservador do partido. Pode-se citar como exemplo um partido de viés liberal que defende o liberalismo nas esferas econômica, política e individual. Deve-se assinalar, contudo, que o partido socialista pode se contrapor à concepção liberal em economia e defendê-la nas demais instâncias.

Cerroni observa por fim, a existência de três modelos de partido revolucionário. (1) O leninista, concebido como partido de revolucionários profissionais, pertinente a um país como a Rússia considerado por Lênin como um país capitalista sem um Estado

burguês. (2) O stalinista, concebido como o estado-maior do proletariado, imposto como modelo a todos os partidos comunistas. (3) O modelo gramsciano, que surge da análise histórica da sociedade e da cultura italiana e européia ocidental. O modelo gramsciano de partido, consoante Cerroni, incorpora dois aspectos. O primeiro, a experiência de derrota do proletariado frente ao antagonista burguês considerado por Gramsci, culturalmente superior ao proletariado; segundo, a crítica à tradição política marxista. A partir da análise desses aspectos, Gramsci propôs o modelo de ‘partido filtro’,ou seja, “um partido de massa que produz quadros.”

A discussão a seguir remeter-se-á a origem e ao desenvolvimento dos partidos operários. Estes partidos surgiram a partir da consolidação do movimento operário em reivindicação ao atendimento das suas demandas particulares. Todavia, à medida que se consolidava como movimento social e político independente dos setores pequeno- burgueses e burgueses radicais, os partidos operários objetivavam tornarem-se a alternativa política da classe operária. Por conseguinte, tentavam ser capazes de empreender a transformação da sociedade cindida em classes e fundada na desigualdade econômica, política e social em uma sociedade justa e igualitária. Propunham-se, portanto, constituir-se em parte que representa o todo, consoante o conceito de partido elaborado por Cerroni.

Antes disso, porém, apresentarei os desenvolvimentos da teoria marxista no âmbito desses partidos. Estes, constituíram o que ficou designado como Segunda e Terceira Internacionais. Os teóricos marxistas estudados no seio da Segunda Internacional serão: Karl Kautsky, Eduard Bernstein e Rosa Luxemburg; no seio da Terceira Internacional serão apresentadas as proposições de Lênin e Stálin. Os postulados de Leon Trotsky serão apresentados à parte, ou seja, Trotsky será considerado como o teórico original que fomentou a Quarta Internacional, e como o principal crítico das práticas políticas de Stalin à frente do Estado soviético.