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O MARXISMO DA TERCEIRA INTERNACIONAL: OS POSTULADOS LENINISTAS E AS PRÁTICAS POLÍTICAS DO STALINISMO

CAPÍTULO –

2 O PENSAMENTO MARXISTA NO ÂMBITO DAS INTERNACIONAIS SOCIALISTAS E A FORMAÇÃO DOS PARTIDOS OPERÁRIOS

2.3 O MARXISMO DA TERCEIRA INTERNACIONAL: OS POSTULADOS LENINISTAS E AS PRÁTICAS POLÍTICAS DO STALINISMO

O pensamento leninista sobre o Estado e a democracia sob o capitalismo, somente foi sintetizado após a Revolução Russa de 1917. Entretanto, a compreensão dos postulados leninistas sobre tal tema parece exigir uma apresentação ampliada da obra de Lênin. Desse modo, tratarei do pensamento leninista a partir do seu escrito sobre a Revolução Russa de 1905, perpassarei sua análise sobre o fenômeno do imperialismo e o surgimento do oportunismo no seio da social-democracia européia, os seus postulados sobre a Revolução de 1917 e a superioridade da configuração política dos operários e camponeses russos sobre a democracia representativa, concluindo-a com as suas proposições sobre a democracia e o Estado no capitalismo.

Lênin (1965) analisa o caráter da Revolução Russa de 1905 e, concomitantemente, antecipa a tática a ser utilizada pelo proletariado diante daqueles eventos. Inicialmente observa o caráter burguês da revolução de 1905. E, a partir dessa conclusão, discute o posicionamento do proletariado russo, a ser encaminhado pelo partido social-democrata, a fim de obter o máximo de conquistas dos eventos referenciados. Conforme Lênin, a compreensão do caráter burguês da revolução de 1905 na Rússia permite à social-democracia russa assegurar a independência do proletariado no âmbito daquele movimento democrático-burguês. Desse modo, o proletariado deveria participar

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resolutamente da revolução democrático-burguesa, tentando imprimir a ela um ímpeto radical-democrático que o beneficiasse mais do que à própria burguesia. Após a Revolução de fevereiro de 1917, contudo, considera concluída a primeira etapa da Revolução socialista na Rússia e convoca os sovietes a assumirem o poder político.

A análise leninista sobre a situação da social-democracia em 1915, empreendida no escrito “La bancarrota de la II Internacional”, parece constituir-se no fundamento para a sua proposição do início das ações revolucionárias do proletariado e dos camponeses russos após a revolução de fevereiro de 1917. Com efeito, no escrito de 1915, Lênin afirmava que a revolução burguesa na Rússia estava longe de ser completada. Todavia, em abril de 1917 considera-a concluída e conclama o proletariado e campesinato russos a tomarem o poder. Lênin argumenta, que os acontecimentos foram mais rápidos e originais do que a sua teoria da revolução russa postulava. Dessa forma, assevera que os sovietes dos representantes dos trabalhadores e soldados, constituíam-se na ditadura democrático- revolucionária do proletariado e do campesinato, a qual completara, nos primórdios de 1917, a etapa democrático-burguesa da revolução. Todavia, essa originalíssima forma de organização do poder político teria cedido a administração do Estado aos representantes da burguesia. Portanto, a principal tarefa dos bolcheviques era conclamar os sovietes a retomar o poder político em suas mãos, e dar início à etapa socialista da revolução russa.

Lênin (1966) enfatiza especialmente, a importância do novo tipo de organização proletária que já estava em gestação em cidades como Petrogrado e Moscou. O qual resultara das experiências da Comuna de Paris de 1871 e da Revolução Russa de 1905. Esse tipo de organização, os “Sovietes” deveria ser ampliado para toda a Rússia e, sobretudo, deveria obter um novo caráter, ou seja, deveria configurar-se como um poder popular, constituído por milícias populares comandadas pelos sovietes. Estas milícias deveriam ser, também, contrapostas aos órgãos do poder estatal, constituídos de burocracia, polícia e exército permanente separados do povo. Estes órgãos, dirigidos pelo Estado democrático-burguês, deveriam ser suplantados pelo novo tipo de poder popular: os sovietes e as milícias populares. Caberia aos bolcheviques, então, a tarefa de ampliar e dar um novo conteúdo a essa original forma de organização do poder político.

Lênin (1966 e 2005) argumentava que a peculiaridade, teoricamente não prevista, da situação política da Rússia em 1917, era a existência de dois centros de poder. O primeiro formado por um governo burguês-democrático; o segundo formado pelos sovietes de soldados, proletários e camponeses. Este segundo centro de poder teria se submetido voluntariamente ao primeiro. Contudo, possuía condições reais de tomar o poder em suas

mãos. Isto não significava, conforme as famosas “Teses de Abril”, que a tarefa imediata dos bolcheviques fosse a construção do socialismo, mas a tomada do poder pelos proletários e camponeses guiados pelos bolcheviques, a fim de preparar as bases para a introdução do socialismo. Assevera:

I am profoundly convinced that the Soviets of Workers’ and Soldiers’ Deputies will develop the independent activity of the masses of the people far more quickly and far more effectively than a parliamentary republic, they will decide more effectively, more practically, and correctly what steps can be taken toward socialism, and how.”29

Lênin observa que o papel especial que o proletariado russo assumira de iniciar uma revolução que deveria estender-se pela Europa, era conseqüência das condições objetivas criadas pela guerra imperialista. Portanto, são contingências históricas que explicam o papel proeminente do proletariado russo em 1917. Tais “condições objetivas” possibilitariam não só a vitória da revolução proletária na Rússia, mas, também, a sua ampliação para toda a Europa. Lênin analisa essas “condições objetivas”, no escrito a respeito do imperialismo. Neste, apesar de empreender uma discussão eminentemente econômica retira, da sua análise, relevantes conclusões políticas.

Dentre as principais conclusões destacam-se: (1) o imperialismo constitui-se numa fase de predomínio da violência e da reação, cujo desdobramento inevitável seria as guerras entre as nações imperialistas, visando a redivisão do mundo. Isto por que, com o surgimento do capital financeiro e dos trustes, aumentaram as diferenças no que concerne ao desenvolvimento dos diversos países. Introduziram-se, assim, modificações nas relações de força entre as nações desenvolvidas, cuja solução das contradições geradas por essas modificações somente poderia ser encontrada no recurso à violência, tornando inevitáveis as guerras inter-imperialistas; (2) na fase do imperialismo disseminou-se no seio da classe operária a tendência ao oportunismo. Com a expansão econômica dos países imperialistas, e a conseqüente elevação dos lucros monopolistas, tornou-se possível a cooptação de setores da classe operária pela burguesia.

Desse modo, setores importantes da classe operária passam a defender os interesses imperialistas de uma determinada indústria ou nação, contra as demais. Conforme Lênin, isso torna a luta contra o imperialismo inseparável da luta contra o oportunismo; (3) o imperialismo constitui-se na fase final do capitalismo, a esse respeito conclui Lênin: “From all that has been said in the book on the economic nature of

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capitalism, it follows that we must define it as capitalism in transition, or, more precisely, as moribund capitalism.”30

Para Lênin, o oportunismo está intrinsecamente relacionado com o fenômeno, surgido no âmbito do movimento social-democrata europeu, designado por ele de social- chauvinismo. Lênin (1965) busca enfrentar três problemas relacionados ao tema do social- chauvinismo, a fim de obter uma visão mais acurada desse fenômeno. O primeiro problema relaciona-se com a origem do social-chauvinismo; o segundo, refere-se ao fator que assegurava a força que tal fenômeno alcançara nos partidos social-democratas e, por fim, quais as formas mais adequadas para combatê-lo. Inicialmente define o social- chauvinismo como:

[...] la aceptación de la idea de la defensa de la patria en la guerra imperialista actual, la justificación de la alianza de los socialistas con la burguesía y con los gobiernos de ‘sus’ países respectivos en esta guerra, la negativa a propugnar y apoyar las acciones revolucionarias del proletariado contra ‘su’ propia burguesía.31

Devido à força obtida pelo oportunismo nos partidos social-democratas, a única maneira de combater e desmascarar tal tendência era romper definitivamente com ela. Dessa maneira, tornava-se impossível a convivência entre uma ala oportunista e outra revolucionária nos partidos proletários europeus. Lênin assevera que com a guerra de 1914 o movimento socialista deveria preparar-se para desencadear ações revolucionárias. Todavia, os designados oportunistas aliaram-se incondicionalmente à burguesia, ou seja, transformaram-se em representantes da burguesia no âmbito dos partidos proletários. Portanto, concluía Lênin, a superação do social-chauvinismo pressupunha a derrota dos partidos social-democratas e a estruturação de organismos revolucionários que atuassem com total independência em relação a tais partidos.

Estes partidos restringiram a sua atuação aos limites permitidos pela democracia representativa, consideravam, portanto, que a disputa política se limitava à ascensão ao poder pelo voto. Tal instrumento asseguraria a construção do socialismo sem nenhuma ação extra-legal. Desse modo, consoante Lênin, o Estado assumiria características distintas das propugnadas pelo marxismo clássico que o concebia como instrumento de dominação de classe. Tal concepção possuía como corolário a tese de que a conquista do poder pelo proletariado dar-se-ia, apenas, mediante a ação revolucionária. Essa tese parece ser uma

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Lênin, 1966, p. 216.

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conclusão da teoria leninista sobre o Estado e a democracia. Com efeito, para Lênin o Estado nada mais é que um instrumento de dominação de classe.

2.3.1 As Práticas Políticas Stalinistas32

Stalin parece não se constituir num teórico marxista original. Apesar dessa observação, deve-se ressaltar que divulgou suas idéias a respeito da revolução socialista, da ditadura do proletariado e das funções a serem assumidas pelo partido comunista. Essas idéias constituem-se numa sistematização dos postulados leninistas, aos quais acrescenta a tese da construção do socialismo num só país. Deve-se observar, contudo, que apesar de Stalin defender a tese da construção do socialismo em um só país, parece não ter descartado o caráter internacional do projeto socialista, na medida em que sua proposta implicava, também, luta pelo socialismo nos demais países. Conforme a concepção estaliniana, a vitória do proletariado em um número significativo de países permitiria a formação de um bloco socialista contraposto ao bloco capitalista. Desse modo, parece ser possível aduzir que se deve relativizar o postulado stalinista do socialismo num só país. Com efeito, Stalin parece ter apresentado frequentemente a necessidade da expansão do socialismo para outros países, no intuito de consolidar o socialismo na União Soviética.

The World significance of the October Revolution lies not only in its constituting a greater start made by one country in the work of breaking through the system of imperialism and the creation of the first land of socialism in the ocean of imperialist countries, but likewise in its constituting the first stage in the world revolution and a mighty basis for its further development.33

Argumenta que o proletariado, após a conquista e a consolidação do poder em um país, deve colocar como tarefa inadiável a construção do socialismo. Conforme Stalin, a construção do socialismo não significa que o proletariado tenha assegurado uma vitória completa para a sua causa, na medida em que os perigos da restauração do capitalismo são reais e, somente, torna-se possível a consolidação do socialismo no país cujo proletariado foi vitorioso, quando a revolução socialista for vitoriosa em vários outros países, conclui:

[...] It is therefore the essential task of the victorious revolution in on country to develop a support the revolution in others. So the revolution

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Fernandes (2000) e Lozurdo (2004) questionam a pertinência da utilização do termo stalinismo para se referir às práticas políticas implementadas na União Soviética, no período no qual Stalin foi o seu dirigente inconteste.

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in a victorious country ought not to consider itself as a self-contained unit, but as an auxiliary and a means of hastening the victory of the proletariat in others countries.34

O conceito de ditadura do proletariado assume nos escritos de Stalin, conotações peculiares que o diferenciam, substancialmente, do conceito utilizado pelos teóricos social- democratas. Apresenta, então, três aspectos que caracterizam a ditadura do proletariado. Primeiro, concebe-a como o próprio conteúdo da revolução proletária, ou seja, a ditadura do proletariado seria o principal instrumento para suprimir as resistências dos exploradores e consolidar as realizações da revolução socialista. O segundo aspecto refere-se a que a ditadura do proletariado não pode surgir a partir da democracia burguesa, como sugeriam os teóricos social-democratas, mas, apenas com a supressão dessa ordem. A ditadura do proletariado torna-se, portanto, um poder revolucionário cujo fundamento é a violência contra a burguesia.

Nesse sentido, o Estado proletário não difere de outros tipos de Estados, os quais sempre assumem a tarefa de suprimir a resistência dos explorados. A diferença fundamental é que enquanto o Estado capitalista significa a ditadura de uma minoria sobre a maioria; o Estado proletário, ao contrário, constitui-se na ditadura da maioria sobre a minoria. O terceiro aspecto caracterizador da ditadura do proletariado apresentado por Stalin, concebe que esta não pode se fundamentar na democracia representativa, mas na democracia direta através dos sovietes, os quais são definidos como organizações amplas, capazes de incorporar todos os trabalhadores nos órgãos dirigentes.

No escrito foundations of leninism Stalin tenta rebater a teoria da revolução permanente elaborada por Trotsky. Argumenta que a idéia de revolução permanente, originalmente referenciada por Marx em 1850, teria sido modificada e, por isso, adulterada pelos apologistas russos da teoria da revolução permanente. Consoante Stalin, a teoria da revolução permanente em Marx significava o coroamento da revolução proletária, ou seja, o proletariado após derrubar passo a passo os diversos setores da burguesia estabeleceria o seu próprio poder. Dessa forma, a revolução burguesa seria estendida até a sua transformação na revolução proletária. O proletariado, portanto, deveria utilizar-se da revolução democrática para iniciar imediatamente a revolução socialista.

Observa que originalmente, o marxismo concebia a impossibilidade da vitória da revolução proletária em um único país. Contudo, a partir do desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo na sua fase imperialista, cujo resultado imediato, além do crescimento do movimento revolucionário em todo o mundo, era a inevitabilidade das

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guerras inter-imperialistas. Tornava possível a vitória do socialismo em países individuais. Recorre a Lênin para mostrar que essa possibilidade somente se torna real quando uma crise impede que as classes dominantes permaneçam governando da forma antiga, e as classes dominadas não mais aceitem a forma anterior de dominação. Trotsky (1966) questiona o postulado estaliniano da construção do socialismo num só país.