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Se, no âmbito da sociologia, Durkheim foi o primeiro a apontar a relevância das representações, Lévy-Bruhl, no campo da antropologia, foi um dos autores que mais desenvolveu o conceito, atribuindo-lhe características como a afetividade, que influenciaram diversos teóricos posteriores.

Lévy-Bruhl nasceu em meados do século XIX e sua obra compreende o período entre 1884, ano de sua tese de doutorado, e 1930, com a publicação póstuma dos Carnets. Seu trabalho teórico caminha da filosofia para a antropologia, passando por três períodos que Roberto Cardoso de Oliveira (2002) denominou “filosófico, sociológico e etnológico”. Lévy-Bruhl vivenciou a fundação das ciências sociais e o consequente esforço em construir e consolidar uma ciência positiva, como empreendido por seu contemporâneo Durkheim, apenas um ano mais velho que Lévy-Bruhl.

Realçava as distorções geradas pela aplicação da mentalidade europeia no estudo das sociedades chamadas primitivas, detentoras de mentalidade bastante diversa. A projeção da mentalidade do intérprete sobre a sociedade estudada era a causa de muitas deformidades analíticas que comprometiam significativamente a produção etnográfica (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2002).

Neste sentido, Lévy-Bruhl esforçou-se para explicar a mentalidade das culturas “primitivas” e desmistificar o suposto privilégio do pensamento ocidental (MOSCOVICI, 2007). Para tanto, compara sistematicamente dois tipos opostos de mentalidade, quais sejam, a europeia e a “pré-lógica” ou “primitiva”. Enquanto o ponto de vista europeu é

jurídico e moral, o dos povos primitivos é, sobretudo, místico, o que não significa que sejam inteiramente excludentes. Quando Lévy-Bruhl afirma que os primitivos são “pré- lógicos” não quis dizer que fossem ilógicos ou anti-lógicos e sim que seguiam outras leis de pensamento, não se abstendo, por exemplo, da contradição (JAHODA, 1982).

Recorre metodologicamente a uma espécie de “tipo ideal”, que, ao contrário do construto weberiano, seria constituído por dados etnográficos. Percebe-se assim que o pensamento do autor está sempre conscientemente situado (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2002).

Como pressupunha o fundamento coletivo, Lévy-Bruhl enfatiza quatro diferentes aspectos das representações. O primeiro diz respeito à impossibilidade de se atribuir apenas uma categoria ou crença a um indivíduo, pois toda crença ou categoria pressupõe um grande número de outras, com as quais formam uma representação. O conteúdo de uma crença depende do de outras crenças e esse conjunto formará uma representação total, de forma que o erro ou acerto em alguma delas não prejudique ou garanta a verdade de toda a representação. O segundo afirma que todos os símbolos de uma sociedade respeitam tanto a lógica do intelecto como a lógica emocional. As representações são construções intelectuais que despertam e são acompanhadas de emoções coletivas. Terceiro aspecto, as representações englobam ideias e crenças gerais, mas as relacionam com práticas ou realidades individuais. Por fim, Lévy-Bruhl ressalta que todas as representações coletivas têm a mesma coerência e valor. Não há relação hierárquica, por isso. é impossível um critério absoluto de racionalidade independente dos conteúdos das representações coletivas (JAHODA, 1982).

Observa-se que o autor agrega novos elementos às representações, como a interdependência e íntima relação entre elas e sua natureza emocional intrínseca. Esses aspectos são interessantes para a presente pesquisa, pois uma vez que se investigam determinadas representações sociais, sabe-se que elas trarão elementos de outras, tanto relativas às primeiras como relativas ao lugar e ao meio do indivíduo. Da mesma forma, a reação emocional do indivíduo frente à representação pode ser maior ou menor dependendo de sua bagagem pessoal. Para apreender o elemento emocional, a pesquisa optou pela realização de entrevistas e da análise de seu conteúdo. Sendo assim, as reações emotivas foram captadas pelas respostas dos entrevistados às perguntas através de risos,

pausas para ponderações, reticências, ambiguidades e pelos próprios comentários dos Secretários e Adjuntos.

A elaboração das representações coletivas em Lévy-Bruhl difere das de Durkheim em dois pontos principais. Primeiro, quanto à natureza do processo de evolução das representações. Para Durkheim, o processo de evolução torna os indivíduos menos subordinados à coletividade, com maior capacidade de percepção direta da realidade física; logo, as representações científicas modernas tendem a substituir as antigas representações não científicas. Por sua vez, Lévy-Bruhl defendia que o pensamento científico não substitui o pensamento pré-científico, pois a lei da não-contradição não se choca com a lei da participação. Não se pode eliminar o pensamento pré-científico. Como elucida Moscovici:

Lévy-Bruhl, contudo, introduz a ousada e dificilmente crível hipótese de que o desenvolvimento histórico do conhecimento e das representações é o resultado de uma série de transformações qualitativas e de descontinuidades não apenas de conteúdo, mas nas estruturas cognitivas (MOSCOVICI, 2007, p. 299).

Segundo, Lévy-Bruhl defendia que as representações coletivas na percepção dos primitivos estão associadas a um componente místico e pré-lógico. Por mais que as representações sejam “um fenômeno intelectual ou cognitivo”, a mentalidade primitiva não separa da ideia a imagem e a emoção agregadas. Para a mentalidade primitiva os “(...) elementos emocionais e motores são partes integrantes das representações. É necessário entender, por essa forma de atividade mental entre os primitivos, não um fenômeno intelectual ou cognitivo puro, ou quase puro, mas um fenômeno mais complexo” (LÉVY- BRUHL apud CARDOSO DE OLIVEIRA, 2002).

O autor coloca a afetividade como parte crucial das representações coletivas, impossível de ser completamente eliminada. A emoção é anterior (e não posterior) à representação do objeto, ou seja, antes mesmo que se percebam as características do objeto, o fator emocional já organizou a realidade. A generalidade não é conhecida e sim sentida. Como a satisfação é de caráter emocional, mais do que intelectual, os primitivos apresentam uma necessidade de saber utilitária, nas quais possíveis contradições não invalidam as representações. A experiência afetiva e mística tem por objetivo compatibilizar o homem com seu meio, mais do que desenvolver o cognitivo no pensamento. Ao unir a representação com a afetividade, Lévy-Bruhl aponta a relação

dialética entre eles, cuja síntese é uma razão menos imperativa (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2002).

Desta forma, as propriedades místicas presentes nas representações influenciam o próprio raciocínio dos primitivos. O sentido da representação se desdobra para a esfera da afetividade devido aos elementos sobrenaturais que a representação comporta. Graças a esse desdobramento a mentalidade primitiva se torna desfavorável às operações lógicas. Um pormenor importante é que a ausência do ponto de vista lógico não anula a faculdade cognitiva do “selvagem” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2002).

A forma como Lévy-Bruhl relaciona representação e afetividade, razão e emoção juntas numa teia de representações, enriquece a visão sobre as representações, agregando novos elementos a esta pesquisa. A forma como os altos funcionários do Senado falam a respeito de algumas dimensões políticas vem acompanhada de reações emocionais carregadas de significado. A explanação lógica e racional é mais bem compreendida se somada à carga emotiva que provoca. Uma vez agregado o elemento cognitivo e de interação social, como feito pela psicologia social com o conceito de representações sociais, maior se torna a compreensão do fenômeno.