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2. Reino Tradicional de Timor e Seu Contato com Estrangeiros

2.2 Língua Portuguesa nos Tempos da Ocupação Indonésia

Os Timores sentiram desde o início as atividades da Indonésia, que se preparava para o ataque à ilha no dia 18 de fevereiro de 1975, através das simulações de ataques invasores em Lampung, uma província situada na ilha de Sumatra. Após as simulações de Lampung, os militares indonésios entraram em ação nas linhas fronteiriças da Indonésia, em Atambua e no dia 16 de outubro de 1975, deu-se o começo dos ataques nas áreas de Timor que matou cinco jornalistas australianos em Balibó – zona fronteiriça entre Timor e Indonésia.

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O extermínio das populações e dos seus sistemas socioculturais sentiu-se a partir do momento em que Timor permaneceu sob ataque brutal dos militares indonésios, vindos munidos dos seus instrumentos bélicos modernos no dia 7 de dezembro de 1975 – data do começo da invasão “formal” de Timor, por terra, mar e ar. O ataque corrói os sistemas e estruturas socioculturais do povo e provoca a fuga em massa de cerca de 80%

da população para as zonas montanhosas, onde se organiza, sob a orientação da FRETILIN e das FALINTIL, o braço armado da FRETILIN que recorre à LP. Mais diante, desencadeia-se o encerramento das fronteiras de Timor face ao mundo pelos militares indonésios, permanecendo o território isolado durante 24 anos sob a influência estrageira, especialmente afastado das culturas lusófonas e, em particular, da LP.

Ao encarar o ataque, no dia 8 de outubro de 1975, a administração portuguesa, sob a liderança do Governador Lemos Pires, saiu de Díli para Ataúro, regressando a Portugal. Os Timores e os seus sistemas culturais lusófono que se encontrava em situações “precárias” sentia preocupação pela perda dos conhecimentos socioculturais adquiridos com os portugueses durante 450 anos.

A inquietação surgiu a 13 de janeiro de 1976 - dia em que a Indonésia promoveu a formação do Governo Provisório de Timor Timur em Díli. Os membros do “governo boneco” foram compostos por membros da UDT e da APODETI que anteriormente entravam no território indonésio e requeriam a integração de Timor na Indonésia. No dia 3 de fevereiro de 1976, a proibição da existência de partidos políticos, por determinação do Governo Provisório, deu origem ao sofrimento gradual dos Timores face à política, e aspetos socioculturais, iniciando-se, em particular, o isolamento da aprendizagem da LP.

Para complementar o extermínio da cultura lusófona e da LP, em 1976, no dia 31 de maio, os militares indonésios formaram a “Assembleia Popular”, na qual o Presidente Suharto pedia a integração de Timor na Indonésia e, consequentemente, no ano de 1976, a 17 de julho, publica-se o Decreto Presidencial que consagra na lei indonésia, Timor, como a vigésima sétima província da república. Mais adiante, surgiu uma proibição formal em todo o território ocupado pelos militares indonésios relativa ao uso da LP em espaços públicos, tendo o português sido trocado pela “bahasa” - considerada língua oficial dos Timores na comunicação quotidiana, tanto nos espaços privados, como em locais públicos.

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Não obstante, os Timores continuavam a defender e a utilizar a LP nos espaços públicos sob o governo da FRETILIN e controlada pela FALINTIL. Os que se tinham refugiado nas montanhas e nos matos continuavam a aprender e a utilizar o idioma português por meio de ensino-aprendizagem direto, encabeçado pelos líderes das organizações populares da luta. A aprendizagem prosperou aquando da transmissão em LP pela Rádio Maubere. Contudo, a sua atividade é encerrada no dia 20 de dezembro de 1977, devido aos ataques militares indonésios no interior da região centro de Timor.

As condições para o desenvolvimento humano prendem-se com as habilidades físicas, mentais e intelectuais. Contudo, o desenvolvimento pode ser realizado caso se reúnam condições propícias que garantam a continuidade desse desenvolvimento. As condições propícias dizem respeito à segurança, manutenção da ordem, adequação das necessidades económicas e liberdade humana, consideradas fundamentais para a progressão social. Como se entende, entre as várias condições, a língua é uma exigência básica humana e inevitável, tendo em conta que é a partir da língua que o homem pode expressar o seu desejo por aquilo que é necessário para a sua existência em condições reais que o cercam.

A utilização da LP continua sendo uma prioridade, ainda que os Timores vivessem sob a ocupação e a opressão dos militares invasores. Como prova, podem verificar-se a exposição das situações de segurança a nível político e social em Timor ao Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), quando esta organização foi autorizada a realizar uma visita oficial a Timor no dia 24 de março de 1979, tendo sido estabelecida a sua permanência.

No ano de 1980, a 9 de dezembro, por exigência do governo invasor, em especial, pelos militares ocupantes, o CICV sai de Timor. O CICV voltou a ser estabelecido em Timor no dia 20 de dezembro de 1981, recomeçando as atividades dentro da sociedade e direcionando a sua preocupação para o campo de concentração instalado na ilha de Ataúro, onde permaneciam cerca de 40.000 prisioneiros dos afiliados FRETILIN-FALINTIL. Como se sabe, a utilização do português torna-se real na captação das informações ocorridas dentro do campo de concentração.

Até em 1979, Timor permaneceu numa condição sem segurança conforme revelado pelo censo populacional da Indonésia de 1979. O conteúdo deste censo foi relatado pelo corresponde Peter Rodgers do jornal Sydney Morning Herald a 2 de

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novembro de 1979, propagando-se rapidamente a nível internacional. O jornalista relatou que cerca de um terço da população de Timor tinha sido dizimada aquando da invasão. Para além de abordar as consequências da invasão como a miséria, morte e fome que se prolongaram durante 25 anos, refere também o assassinato dos falantes de LP.

O recrutamento de Timores como parte do aparato militar indonésio foi considerado um esgotamento do sentido Timores de presença portuguesa. Foram recrutados aproximadamente 1000 jovens para exercerem o cargo de soldados ou de outras assistências operacionais. No ano de 1981, sucedeu uma operação militar denominada “operação de segurança”, na qual os jovens Timores se viram forçados a cumprir o programa “militar obrigatório”, servindo como “escudos humanos” frente ao exército indonésio durante os ataques contra a FALINTIL.

A partir do momento em que as populações transmigrantes provenientes das ilhas de Java e Bali adentraram Timor no dia 16 de janeiro de 1980, a situação da LP torna-se mais difícil e complexa. Descobriu-se que, além da política expansionista territorial da Indonésia, tencionava-se exterminar a cultura e a LP. Os Timores capturados das áreas remotas e misturados com os imigrantes estavam proibidos de falar português e aplicavam somente o bahasa como meio de comunicação diária. A situação dos Timores agravou-se quando o Governo da Indonésia, na sua política territorial, aumentou a presença dos camponeses de Java e Bali nos dias 23 de agosto de 1984 e 20 de março de 1985 com 750 famílias de Java e Bali fixadas na costa sudeste de Timor e alvo de atividades de espionagem.

O uso da LP como língua de comunicação dos líderes da FRETILIN e FALINTIL nos planos e nas atividades de combate contra os invasores permaneceu continuadamente em Timor, como instrumento de comunicação dos líderes da FRETILIN e FALINIL nos planos e nas atividades militares e civis contra os invasores, tal como sucedeu a 10 de junho de 1980 no ataque das FALINTIL ao emissor de televisão e ao paiol de Díli18. A LP foi também utilizada em momentos históricos como o cessar-fogo assinado entre líder máximo das FALINTIL, Xanana Gusmão e o Chefe das Forças Armadas da Indonésia, Coronel Purwanto que ocorreu no dia 23 de março de 1983 em Lariguto, um local no

18 No Museu da Resistência, em Díli, há documentos internos e cartas dos dirigentes da resistência que estão escritos em português.

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leste de Timor e que atualmente pertence ao Município de Viqueque. O uso deste idioma também aconteceu nos assuntos secretos das FALINTIL, em ocasiões de revoltas e levantamentos militares, como Craras, a 21 de agosto de 1983, onde foram massacradas cerca de 300 pessoas.

No caso de situações aterrorizadoras onde os Timores precisam de extrair as suas dores, a LP marca a sua presença como um instrumento indispensável. Em todas as demonstrações e atividades políticas de massa populares e juvenis dos Timores, a presença da LP como identidade política e cultural é constante e permanente. Como exemplo, é possível verificar as marchas de jovens que levavam panfletos, cartazes e procissões de terços com flores da igreja de Motael ao cemitério Santa Cruz no dia 12 de novembro de 1991.

Posteriormente, um jovem chamado Sebastião Gomes foi assassinado no dia 28 de outubro de 1991 dentro da igreja Motael pelas forças militares de ocupação. A LP torna-se mais atraente para os Timores que pretendiam ter conhecimentos relativos às notícias difundidas pela Rádio Difusão Portuguesa (RDP) sobre a morte dos jovens que tinham sido abatidos em Santa Cruz. O acontecimento do massacre de Santa Cruz foi uma espécie de fascínio que liga o sentimento dos Timores à LP. O mesmo acontece com as primeiras grandes manifestações públicas em Díli durante dois dias consecutivos, organizadas por estudantes contra a discriminação de que eram alvo no acesso ao ensino a, 14 de julho de 1987.