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5.3 Balanço financeiro da Fifa sobre a Copa de 2010

5.3.4 Legado tangível e intangível na Copa de 2010 na África do Sul

Em junho de 2014, quatro anos depois da realização da Copa do Mundo na África do Sul, os habitantes da aldeia Matsafeni nos arredores da cidade de

Nelspruit, na África do Sul, ainda estão à espera do legado. A água é retirada de um buraco no chão lamacento, cercado por lixo, arbustos e bananeiras. Foi prometido fornecimento de água, reforma de casas e estradas, mas só se construiu o Estádio Nelspruit. As autoridades sul-africanas gastaram cerca de US$ 2 bilhões de dólares (£1,2 bilhão de) em infraestrutura e outros melhoramentos, a fim de sediar a Copa do Mundo de 2010 (HARDING, 2014).

“Foi um sucesso para a Fifa, e os patrocinadores internacionais ganharam um monte de dinheiro, enquanto as empresas locais e o Estado ficaram em dificulda- des”, afirmou o pesquisador Dale McKinley, salientando que apenas um dos oito es- tádios construídos ou reformados – o icônico FNB, nos arredores de Soweto – é fi- nanceiramente viável (HARDING, 2014).

Entre os pontos positivos, o torneio acelerou as obras do Gautrain – o trem de alta velocidade entre Johannesburgo, o aeroporto e Pretória –, revitalizou autoestra- das e criou um novo sistema de ônibus em Johannesburgo. O aspecto negativo, se- gundo a crítica, é o preço da passagem, fora do alcance da maioria dos sul-africa- nos, e os novos sistemas de pedágio nas rodovias significam que os motoristas ain- da estão pagando pelas reformas (HARDING, 2014).

Danny Jordaan, que dirigia a Copa do Mundo da África do Sul, admite que o Estádio de Nelspruit – que custou três vezes a estimativa inicial e foi cercado por alegações de corrupção e do posterior assassinato de dois denunciantes – ainda re- presenta um “desafio enorme”.

Mudando o foco de atenção, Jordaan dizia que o objetivo principal e o legado do Mundial eram “transformar” a imagem do país – e do continente – para um lugar “esperançoso, em vez de sem esperança”, a fim de atrair mais turismo e o investi- mento estrangeiro nas próximas décadas (HARDING, 2014).

Após o torneio, a Fifa construiu apenas cinco minicampos de futebol na África do Sul como parte da promessa de apoiar o desenvolvimento do futebol. O pesqui- sador Dale McKinley desafiou: “Um punhado de projetos receberam dinheiro da Copa do Mundo. Eles poderiam ter construído um campo em cada escola com o di- nheiro que ganharam. Por que a Fifa é tão gananciosa?” (HARDING, 2014).

Legado intangível

Segundo pesquisa realizada pelo governo sul-africano (Tabela 15), a expecta- tiva da população entrevistada era otimista.

Tabela 15 – Legado intangível

Item Porcentagem

Os sul-africanos acreditam que o evento uniu o povo da África do Sul 91% Acreditam que a Copa do Mundo vai fortalecer o turismo 94% Visitantes internacionais recomendariam a África do Sul para amigos e parentes 92% Responderam que iriam visitar novamente a África do Sul 96% Fonte: baseado em REPUBLIC OF SOUTH AFRICA (2013, p. 83)

Turismo durante a Copa na África do Sul

Em termos de receita para o turismo, a África do Sul foi bem (Tabela 16). Tabela 16 – Dados do turismo

Visitantes da Copa de 2010 R 309.554 * Receita gerada pelos turistas R3,64 bilhões Gasto médio 2010 R11.800 Gasto médio 2009 R 9.500 Gasto médio 2008 R 8.400 Compras 31% Hotelaria 20% Gastronomia 19% Lazer 16% Transporte 11%

Os números excluem a família Fifa que usou saída VIP

Fonte: baseado em REPUBLIC OF SOUTH AFRICA (2013, p. 99)  Impacto econômico dos estádios

A Tabela 17 traz os dados do impacto econômico para a África do sul relacio- nado aos estádios na Copa de 2010.

Tabela 17 – Impacto econômico dos estádios

Tipo de investimento Valor em R

Infraestrutura de estádios R12 bilhões

Infraestrutura de transportes R11 bilhões

Radiodifusão e telecomunicações R1.5 bilhões

Criação de empregos (visando à Copa do Mundo,

em setores como construção, estradas, transporte e hotelaria 130 000

Empregos na construção 66.000

Ganho médio (construção) R10.000/mês

Renda para famílias de baixa renda R2 bilhões Fonte: baseado em REPUBLIC OF SOUTH AFRICA (2013, p. 99)

Os custos de construção de estádios, infraestrutura, mobilidade, reforma de portos e aeroportos etc. triplicaram em relação ao valor previsto inicialmente. Para termo de balizamento, o governo sul-africano esperava compensar os custos com o turismo, mas apenas 309.000 torcedores estrangeiros foram para o país ver os jo- gos, bem abaixo dos 450.000 esperados.

Impacto socioeconômico

A Tabela 18 traz um resumo dos impactos socioeconômicos sobre as cidade- sede da África do Sul em razão dos investimentos para a Copa de 2010.

Tabela 18 – impacto socioeconômico nas cidades-sede Estádio/Cidade-sede Investimentos Impacto eco-

nômico direto, indireto e in- duzido Empregos criados/mantidos anualmente Impacto em fa- mílias de baixa renda

Soccer City – City of

Johannesburg R1,28 bilhão (2006- 2008) R2,31 bilhões 21 000 R240 milhões Green Point Stadium

– City of Cape Town R1,01 bilhão (2007 – 2008) R1,83 bilhões 16 700 R190 milhões Moses Mabhida Sta-

dium – Durban R860 milhões (2006- 2008) R1,55 bilhões 14 300 R161 milhões Nelson Mandela Sta-

dium – Nelson Man- dela Bay Metro, PE

– R1,14 bilhão 10 400 R118 milhões

Peter Mokaba Sta-

dium – Polokwane R444 milhões (2006- 2008) R800 milhões 7 300 R83 milhões Coca Cola Park – City

of Johannesburg R71,5 milhões R129 milhões 1 179 R13,4milhões Mangaung Stadium –

Mangaung Local Mu- nicipality, Bloemfon- tein

R101,5 milhões R183 milhões 1 670 R19 milhões

Loftus Versfeld Sta- dium – Tshwane Me- tro, Pretoria

R3,9 milhões R7 milhões 62 R732 000

Fonte: baseado em REPUBLIC OF SOUTH AFRICA (2013, p. 56)

Mobilização popular

Conforme já visto, o investimento despendido informado em relatório do Mi- nistério de Esportes e Lazer em 2013 sobre a Copa de 2010 na África do Sul era de R25,071 bilhões (ZAR) ou US$ 3,00 bilhões (REPUBLIC OF SOUTH AFRICA, 2013). Porém, em novembro de 2012 (Tabela 19), relatório do governo da África do Sul informava que os gastos com os preparativos para a Copa do Mundo Fifa 2010 passaram de US$ 3 bilhões (BELL, 2012).

Tabela 19 – Mobilização popular

Ação Investimento Período

Programa de legado do governo* R50 milhões Set. 2008 a Dez./2012 Campanha de mobilização popular* R17 milhões Ago./2007 a out./2009 Governo alemão/BMZ € 7,5 milhões Jul./2007 a Jun./2012 Comissão Europeia €6 milhões Jul./2007 ao Jun./2012

Instalações €4,5milhões (*) Ministério de Esportes e Lazer da África do Sul

Fonte: baseado em REPUBLIC OF SOUTH AFRICA (2013, p. 57)

As contas não fecham quando se consultam outras fontes. Em dezembro de 2010, um balanço dos investimentos e ROI (retorno do investimento) na África do Sul “com base em números oficiais” publicado no jornal inglês The Telegraph (Figu- ra 7) estimava que o custo total da Copa do Mundo de 2010 fora de £3 bilhões, ou R$ US$ 4,80 bilhões, como se pode ver na Figura 18 (NEATE, 2010) – o câmbio co- tava £1 = US$ 1,6020 (OANDA, 2015).

Figura 18 – Gastos do governo nacional da África do Sul na Copa 2010

Fonte: NEATE (2012)

Ainda que a Associação de Futebol Sul-Africana tenha desenvolvido um sofis- ticado modelo financeiro para facilitar a compreensão e dar credibilidade às presta- ção de contas, o valor previsto inicialmente de R 1,1 bilhão (US$ 132 milhões) para os investimentos da Copa de 2010 subiu para impressionantes R 16,5 bilhões (US$ 1,97 bilhão) – metade do orçamento do governo sul-africano em Defesa, que, num país com enormes e difusos problemas socioeconômicos, representam cerca de 20% do orçamento nacional para habitação (LOUW, 2012, p. 55).

O site da ESPN em novembro de 2012 informava que os gastos do governo nacional da África do Sul com a Copa do Mundo alcançaram US$ 3 bilhões. Os ca-

ríssimos estádios da Copa ainda estão sendo subutilizados, e alguns chegando a perder dinheiro. O Cape Town Stadium – supostamente o mais caro dos sete novos locais, que custou US$ 600 milhões – é o que está com os maiores problemas (ESPN-FC, 2012).

A Copa de 2010 não foi tão lucrativa como esperado, e a Fifa teve de admitir que seria preciso aprender as lições para 2014. A crise econômica global junto com ingressos caros deixou a entidade em dificuldades e lutando para evitar constrangi- mento. Tardiamente se rebaixou o valor dos ingressos, e os assentos vazios confir- mavam o erro de cálculo (GIBSON, 2010).

O governo disse que o impulso econômico para o país (38 bilhões de rands) seria mais ou menos igual ao desembolso. Cerca de 130.000 empregos foram cria- dos – muitos na área de construção era trabalho temporário. Melhorias de infraestru- tura significativas foram comprovadamente entregues.

Mas o argumento mais persuasivo do governo foi que realizar com sucesso a Copa do Mundo ajudaria a mudar a percepção do mundo sobre o país e o continente – isso parece que realmente aconteceu (GIBSON, 2010). Com os Brics, o governo espera alinhar a África do Sul com outras economias emergentes, como a China, Brasil e Índia e solidificar uma percepção da África do Sul como um país que pode cumprir suas promessas.

Meio ambiente e sustentabilidade na Copa de 2010 na África do Sul

O esporte é parte significativa do estilo de vida contemporâneo, e as várias atividades esportivas constituem oportunidade para a promoção da conservação am- biental. Megaeventos desportivos movimentam sobremaneira a economia, coloca pressão significativa sobre os recursos naturais e causando danos ao meio ambien- te. Adotar a filosofia greening em eventos desportivos é vital para alcançar a susten- tabilidade ambiental, incluindo os seguintes princípios (UNEP, 2012, p. 12):

 melhores práticas ambientais – reduzir os impactos ambientais nega- tivos, minimizando a produção de resíduos, consumo de energia e poluição do ar e da água por meio do uso sustentável dos recursos;

 desenvolvimento socioeconômico – selecionar as opções que criam a consciência ambiental, criando empregos locais e estimulando a economia urbana;

 educação e sensibilização – comunicar e explicar os planos de sus- tentabilidade e seus benefícios com o objetivo de mudar a atitude pública em ações futuras;

 acompanhamento – avaliar por meio de relatórios a eficácia das ativi- dades de greening

antes, durante e após o evento;

 deixar um legado positivo – garantir que as decisões tomadas durante o megaevento melhorem considerável a sustentabilidade ambiental.

A filosofia greening de megaeventos pode ser facilmente implantada por meio de ações práticas simples em nível local. Criar consciência e influenciar os partici- pantes do evento a adotar melhores práticas ambientais é uma iniciativa possível, que pode resultar em longo prazo na redução do consumo com impacto positivo so- bre o meio ambiente (UNEP, 2012).

O COL orientou as cidades-sede a adotar a filosofia greening desenvolvendo normas ambientais mínimas em áreas como (UNEP, 2012, p. 13-4):

 transportes – maximizar a utilização dos transportes públicos e não motorizados eficientes, com ênfase na redução das emissões de carbono:  energia – iniciar programas de eficiência energética e de redução;  resíduos – INICIAR a redução de resíduos e programas de processa- mento;

 água – introduzir práticas de uso eficiente da água, redução e minimi- zar a contaminação da água;

 biodiversidade – conservar e melhorar a biodiversidade, em sintonia com o Ano Internacional das 2010 Biodiversidade; e

 turismo – promover o turismo responsável.

Além disso, os temas abaixo também fazem parte das recomendações do COL (UNEP, 2012, p. 14):

 mudança climática;  contratos sustentável;  criação de emprego; e

 comunicação e sensibilização.

O Quadro 30 traz uma visão geral das ações voltadas a sustentabilidade aser implantadas durante a Copa de 2010 e o nível de sucesso.

Quadro 30 – Ações de sustentabilidade na Copa de 2010 na África do Sul Iniciativas de mitigação de

emissões Opções implantadas Nível de sucesso

Todos os veículos da frota da família Fifa e veículos de transporte público devem cumprir as normas Euro II para a eficiência de combustí- vel e emissões.

A Kia Motors, o Departamento de Transporte de Passageiros e Agência Ferroviária da África do Sul (PRASA) colocaram veículos à disposição dos organizadores. To- dos os veículos estavam dentro do padrão EURO II.

Não foi possível implantar no- vos padrões entre os motoris- tas particulares.

Promover a utilização do transporte público pelos es- pectadores para reduzir a emissão de carbono.

O sistema de Transporte Rápido

foi expandido. Foi geralmente bem-sucedida durante a Copa do Mundo, com sustentabilidade compro- metida em razão da cultura ge- neralizada da utilização do au- tomóvel particular.

Energia

Fazer auditoria de energia em um período de seis meses nos estádios para determinar a economia.

As auditorias energéticas previstas

não foram realizadas. Houve falta de fundos e de re-cursos humanos adequados para realizar as auditorias . Recomendações de auditoria

sobre a eficiência energética nos estádios.

As auditorias não foram

realizadas. O COL alegou falta de fundos. Usar eletricidade renovável

nos estádios (solar, eólica, pe- quenas centrais hidrelétricas, biogás de esgoto e gás meta- no de aterro).

Port Elizabeth tinha energia verde alimentando a rede municipal As fontes de energias renováveis ainda não foram amplamente de- senvolvidas na África do Sul. Lixo

Servir alimentos com embala- gem mínima e material reci- clável nos estádios e fan-par- ques.

Foi utilizada papel-toalha para em- balagens de alimentos. Embala- gens recicláveis foram usadas por Budweiser e Coca Cola.

Medida bem-sucedida, mas não havia instalações para a reciclagem.

Usar recipientes multiuso. Um sistema de depósito-reembol- so deve ser introduzido como um incentivo para o regresso de copos usados.

Os sistemas multiuso não fo- ram aplicados em nenhum es- tádio.

Não aprovados pela Fifa.

Promover o uso de material reutilizável na construção de instalações temporárias.

Foi válido para o Centro

Internacional de Radiodifusão. Bem-sucedida. As empresas contratadas reutilizariam em outros lugares após o evento. Separar resíduos em reciclá-

veis e não recicláveis. Foram usadas lixeiras com separa-ção. Separação em lixo seco e mo-lhado. Água

Fazer avaliação nos estádios para administrar a economia de água.

As auditorias de água previstas não foram realizadas.

Falta de fundos e de recursos hu- manos.

Promover o uso de mictórios

sem água. Foi estádios. implantada em alguns Plenamente aplicada nos no-vos estádios. Reaproveitar água da chuva

para aspersão, instalações sa- nitárias, mictórios e limpeza nos estádios.

A água da chuva foi recolhida e

Iniciativas de mitigação de

emissões Opções implantadas Nível de sucesso

Transporte

Treinar motoristas em eco- condução para reduzir o con- sumo de combustível.

Apenas um manual de treinamento

foi desenvolvido. Não foi totalmente implantada por falta de fundos e tempo li- mitado.

Obter 50% de uso de trans- porte público local e bicicletas para ida e volta aos estádios em dias de jogo.

Mais ônibus foram introduzidos no transporte público pelo departa- mento de transportes e ciclovias construídas.

Medida totalmente implantada, apesar da alta ocupação de veículos particulares.

Biodiversidade

Minimizar impactos negativos

sobre a biodiversidade. Medida promovida na maioria das cidades-sede. Totalmente implantada, sendo 361.000 árvores plantadas, o equivalente ao sequestro de 7.238.300 ton CO2.

Todos os locais oficiais devem

promover a biodiversidade. Praticado nos novos estádios. Medida totalmente implantada. Fonte: baseado em UNEP (2012, p. 87-90)

O mote da publicidade da Copa do Mundo de 2010 foi afirmar o evento como um “Campeonato Africano”, criando um sentimento fraterno de comunhão do conti- nente com os sul-africanos. No entanto, a possibilidade de sustentabilidade desse e outros legados parece limitada, como se verá a seguir.

Resultados publicados em maio de 2011 de um estudo feito pelo Ministério de Esporte e Lazer da África do Sul ilustram a falta de liderança institucional em termos de legado. O estudo visou a criação de um registro histórico da Copa do Mundo de 2010, para consolidar lições para futuros megaeventos e assegurar a responsabiliza- ção pública. O relatório destaca a percepções de partes interessadas críticas direta- mente envolvidas com o Mundial, que foram entrevistados em áreas temáticas-cha- ve, incluindo objetivos nacionais de desenvolvimento, o significado de legado, o im- pacto da Copa do Mundo em futebol, lições de outros países e desafios e sugestões para futuros megaeventos.

Tanto durante a fase de preparativos e depois do evento, nenhuma instituição assumiu uma liderança clara nas questões de legado 2010, nem sobre a definição do legado, identificando iniciativas, monitoramento, implantação, fazendo ajustes e garantindo a sustentabilidade dos principais legados.

Nenhuma estratégia clara em torno de como garantir o legado da Copa do Mundo foi levada adiante após o evento e nenhuma instituição foi encarregada des- sa responsabilidade.

Embora seja difícil avaliar os impactos em curto espaço de tempo, as informa- ções colhidas mostram que alguns legados têm impacto sobre os indivíduos ou em comunidades específicas, mas não está claro se impactam positivamente sobre a nação como um todo; além disso, é importante olhar para os impactos negativos do evento, como custos, utilização de espaço. Em cidades-sede como Cidade do Cabo e Durban, os entrevistados destacaram o fato de que os municípios e os contribuin- tes vão pagar pelos megaestádios.