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A LEITURA EM PERSPECTIVA DIALÓGICA

Neste trabalho, compreendemos a leitura de texto sob a perspectiva dialógica, a qual será explicitada mais adiante. Essa perspectiva encontra-se baseada nos estudos de Bakhtin/Volochínov (2010a) e Bakhtin (2010b) sobre a concepção dialógica da linguagem. Entendemos que, nessa concepção, a linguagem se constitui como lugar de interação.

Rojo (2009b), em um estudo sobre o ensino de língua materna, realizou um apanhado histórico das concepções de leitura mais utilizadas em sala de aula, desde o início da segunda metade do século XX aos dias atuais. Nesse sentido, ela afirma que,

[...] no início da segunda metade do século XX, ler era visto – de maneira simplista – apenas como um processo perceptual e associativo de decodificação de grafemas (escrita) em fonemas (fala), para se acessar o significado do texto. Nesta perspectiva,

aprender a ler encontrava-se altamente equacionado à alfabetização (ROJO, 2009b, p. 75-76).

Portanto, apesar de ser uma concepção um tanto simplista, o seu uso em sala de aula, na educação básica, ainda é privilegiado, talvez, por ser a forma mais fácil de ensinar e/ou, até mesmo, por causa da falta de formação continuada do professor, que não percebe que, mesmo sendo essa uma forma válida de ensino, existem outras concepções que ampliam o ensino de língua materna, por exemplo, a concepção dialógica/interacional, que veremos mais adiante. Entendemos que, na perspectiva de decodificação, o sujeito é silenciado, é passivo, não precisa interpretar, compreender o que está escrito, é um mero decodificador.

Com o passar do tempo e o desenvolvimento das pesquisas linguísticas, segundo Rojo (2009b, p. 79, grifo do autor),

[...] passou-se a ver o ato de ler como uma interação entre o leitor e o

autor. O texto deixava pistas da intenção e dos significados do autor

e era um mediador desta parceria interacional. Para captar estas intenções e sentidos, conhecimentos sobre práticas e regras sociais eram requeridos.

Nessa concepção, o ato de ler é entendido como interação entre o leitor e o autor, mediados pelo texto. A pergunta mais comum feita pelo professor, em sala de aula, era (é): “o que o autor quis dizer?”. O sujeito-leitor não tinha (tem) uma participação ativa, como na concepção de leitura dialógica. Ele era (é) um sujeito- leitor passivo, pois sua função era (é) tentar “captar” o que o autor queria (quer) dizer no texto e isso era (é) feito por meio de “pistas” que o autor deixava (deixa) no texto. A língua, nessa perspectiva, é considerada neutra, diferentemente da concepção dialógica da linguagem, que compreende que a língua é, por natureza, ideológica.

A autora mostra outra concepção mais recente ─ e enfatizamos que é a concepção de leitura que assumimos neste trabalho ─, que tem sido divulgada nos documentos oficiais da educação brasileira, em livros didáticos, entre outros documentos que orientam o ensino de língua materna em sala de aula. A autora mostra que isso ocorreu

[...] a partir dos anos 1990, a leitura tem sido vista como um ato de colocar em relação um discurso (texto) com outros discursos anteriores a ele, emaranhados nele e posteriores a ele, como possibilidade infinita de réplica, gerando novos discursos/textos (ROJO, 2009b, p. 79, grifo do autor).

Compreendemos que a concepção de leitura dialógica/interacional está associada diretamente ao pensamento filosófico de Bakhtin (2010b) sobre a concepção dialógica da linguagem:

Os enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam cada um a si mesmos; uns conhecem os outros e se refletem mutuamente uns nos outros [...]. Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. Cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado campo (aqui concebemos a palavra “resposta” no sentido mais amplo): ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta. [...] cada enunciado é pleno de variadas atitudes responsivas a outros enunciados [...] (BAKHTIN, 2010b, p. 297).

Ressaltamos alguns aspectos ─ importantes para a compreensão da perspectiva da leitura dialógica/interacional ─ contemplados pelo filósofo russo, tais como: a língua, que por natureza é ideológica e indissociável do contexto histórico- social-cultural, ou seja, o texto é um construto histórico-social-cultural revestido de ideologias, posicionamentos valorados do autor/falante; e a construção de sentido do texto, que ocorre por meio do encontro dos posicionamentos valorados, das ideologias, da interação do autor/falante e do leitor/ouvinte. É importante compreender que os sujeitos envolvidos na atividade de leitura são participantes ativos na comunicação e interação verbal e fazem parte do processo de construção de sentido do texto, os quais são sempre responsivos, posicionados axiologicamente. Nesse quadro, em concordância com Gege (2009, p. 64), entendemos que “viver é tomar posições continuamente, é enquadrar-se em um sistema de valores e, do interior dele, responder axiologicamente”.

Então, concebemos que em um texto/enunciado concreto o escritor/falante não é o único que constrói os sentidos do texto, uma vez que o leitor/ouvinte tem participação ativa, responsiva, tem voz. É no encontro das subjetividades do autor/falante e do leitor/ouvinte, na interação verbal, que os sujeitos-leitores constroem a produção de sentido do texto, pois as informações contidas no texto não são dados prontos e acabados do autor. Cada leitor/ouvinte, com suas singularidades, seu olhar exotópico, seu excedente de visão, dará o acabamento temporário, provisório, ao texto, no ato da leitura.

Portanto, concordamos com Rojo (2005, p. 207), quando declara que o ensino

[...] no campo da compreensão e da leitura ─ decorrentemente, da

formação do leitor ─, trata-se mais de despertar a réplica ativa e a flexibilidade dos sentidos na polissemia dos signos, que de ensinar o aluno a reconhecer, localizar e repetir os significados dos textos [...] (ROJO, 2005, p. 207).

É nessa direção que entendemos que os professores de língua portuguesa devem se basear para a prática de ensino de leitura, pois, dessa forma, podem proporcionar ao aluno a oportunidade de se transformar, sair da posição de um sujeito passivo para tornar-se um sujeito ativo, agente.

Como sabemos, a concepção de leitura que os professores escolhem para a sua prática de ensino em sala de aula está diretamente relacionada à sua escolha teórica da concepção de linguagem, que se apresenta de forma variada. Observamos que há teóricos que compreendem a leitura como um processo de decodificação; alguns, como processo interacional; e outros, como um processo complexo de decodificação e interação. A partir da concepção de leitura assumida por Garcez (2002, p. 23), depreendemos a sua concepção de linguagem:

A leitura é um processo complexo e abrangente de decodificação de signos e de compreensão e intelecção do mundo que faz rigorosas exigências ao cérebro, à memória e à emoção. Lida com a capacidade simbólica e com a habilidade de interação mediada pela palavra. É um trabalho que envolve signos, frases, sentenças, argumentos, provas formais e informais, objetivos, interações, ações

e motivações. Envolve especificamente elementos da linguagem, mas também os da experiência de vida dos indivíduos.

A partir do que foi exposto, entendemos que a teoria de linguagem assumida pela autora é uma mistura da concepção de leitura como processo de decodificação com a concepção de leitura interacional, em que ocorre a interação entre as subjetividades do leitor e do autor, por este expressar sua subjetividade no momento de produção e o texto retê-la, para que se contraste com a subjetividade do leitor.

A concepção de leitura de Paulo Freire (2008) é baseada no intercâmbio entre texto e contexto. Ele defende que a leitura do texto escrito é precedida pela leitura do mundo. O autor afirma que a leitura não se limita à simples decodificação de signos, mas que se expande para, a partir dela, melhorar a leitura que se faz do mundo. Dessa forma, a leitura é tida como libertação e meio de expandir horizontes, uma vez que ela é uma porta para decifrar o mundo.

Entendemos que a escolha da concepção de língua/linguagem que o professor de língua portuguesa faz para a sua prática de ensino em sala de aula é de extrema importância, uma vez que ela será o seu balizador de ensino de leitura e de escrita. Além disso, é ela que indicará se o professor agirá de modo excludente ou de forma inclusiva com os seus alunos.

O ensino de língua portuguesa – língua/linguagem, leitura e escrita – nas escolas de ensino básico é pautado, principalmente, por um dos métodos tradicionais da linguística: o pensamento filosófico-linguístico, “objetivismo abstrato”, que teve como um dos representantes Ferdinand de Saussure. Por muito tempo, nas universidades, esse pensamento filosófico-linguístico vigorou privilegiadamente na formação inicial e continuada de professores de língua materna. Assim, ainda que ao longo do tempo tenham surgido outros estudos linguísticos que complementam ou mesmo que se contrapõem, em parte ou completamente, a esse pensamento filosófico-linguístico, há uma forte resistência de complementação ou de mudança teórica por parte dos professores de língua portuguesa (linguistas), pois, conforme afirmam Bakhtin/Volochínov (2010a, p. 146): “O linguista sente-se mais à vontade quando opera no centro de uma unidade frasal. Quanto mais ele se aproxima das fronteiras do discurso, da enunciação completa, menos segura é a sua posição”.

Apesar dessa resistência, o ensino de língua portuguesa por meio dos gêneros discursivos/textos tem ganhado cada vez mais destaque – ainda que muitas vezes sejam utilizados somente como pretexto para o ensino puro das normas da língua padrão.

Geraldi (apud SUASSUNA; MELO; COELHO, 2006), do ponto de vista metodológico, propõe, a partir de três eixos teóricos ─ concepção de linguagem como interação, as variedades linguísticas e as teorias do texto/discurso ─, um ensino de língua através de três práticas articuladas, que são: a leitura, a produção de textos e a análise linguística, entendidas da seguinte forma:

a) leitura ─ como um trabalho de compreensão dos sentidos de um

texto, que corporifica o dizer de um sujeito de linguagem;

b) produção de textos ─ como a expressão da subjetividade de um

autor, registro de uma certa compreensão ou visão de mundo para o outro;

c) análise linguística ─ como um trabalho de reflexão sobre os

modos de funcionamento dos recursos expressivos da língua, em cujo centro estariam o texto e suas operações de construção (GERALDI apud SUASSUNA; MELO; COELHO, p. 229).

Afirmamos que essa metodologia, alinhada ao pensamento bakhtiniano de língua/linguagem, é muito atual e produtiva e deveria ser seguida pelos professores de língua materna.

Compreendemos que o ensino de língua materna por meio de gêneros discursivos – a enunciação completa, o enunciado concreto – é uma das formas mais eficazes e dinâmicas, na atualidade. No entanto, essa é uma realidade que ainda está muito no âmbito da teoria e os profissionais da área de linguagem estão se adaptando a esse direcionamento, orientação de documentos oficiais de ensino, como veremos adiante, por exemplo, nos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) de língua portuguesa. A esperança, com esse modelo de ensino, é que os alunos- cidadãos possam vivenciar as variadas práticas sociais por meio da leitura e da escrita de textos diversos, que circulam nas mais diversas esferas da sociedade, bem como possam tomar decisões, conscientes das consequências, nos âmbitos escolar, político, de trabalho, familiar, entre outras esferas de atividade humana.

Os PCN3 de língua portuguesa, um dos documentos oficiais que tratam do ensino de língua portuguesa, têm como uma das orientações a prática de ensino de língua materna por meio do texto, dos gêneros do discurso, embora haja discussões, críticas, pesquisas científicas sobre o modo como esse tema é abordado nesse documento.

Martins (2008, p. 1) critica a forma como esse documento foi elaborado e afirma que chegou “às escolas como parâmetro advindo das instâncias administrativas, e não proposta previamente discutida, mesmo que de forma mínima, entre os professores”. Assim, provocou dúvidas entre os professores sobre as questões teóricas diversas tratadas no documento e o modo como colocá-las em prática. A autora mostra, de maneira crítica, como os gêneros do discurso são praticados atualmente nas escolas:

[...] a concepção de gêneros do discurso hoje praticada nas escolas é resultado de uma série de transformações, incluindo-se nelas o casamento com práticas pedagógicas bastante tradicionais. Lembremos, no entanto, que não são os professores os únicos responsáveis por essa bricolagem: ela vem se dando com a interferência de instâncias administrativas (MARTINS, 2008, p. 5-6).

Entendemos que para tentar solucionar, em parte, esse problema é imprescindível que os professores ─ principalmente os que concluíram a formação inicial há bastante tempo e ainda não realizaram uma formação continuada que as universidades oferecem. Nesses cursos, geralmente, são apresentadas as teorias de linguagem mais atuais e, então, os professores de língua materna podem refletir a respeito das suas práticas de ensino em sala de aula e, se necessário, modificá- las. Ademais, as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Letras regulamentam:

[...] O profissional de Letras deverá, ainda, estar compromissado com a ética, com a responsabilidade social e educacional, e com as consequências de sua atuação no mundo do trabalho. Finalmente, deverá ampliar o senso crítico necessário para compreender a importância da busca permanente da educação continuada e do

desenvolvimento profissional (BRASIL, 2001, p. 30-31).

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Portanto, o professor de língua portuguesa deve compreender que para atuar na sua área de trabalho é preciso compromisso, o qual envolve a percepção da necessidade de se atualizar constantemente, pois a área educacional está sempre se modificando, devido à evolução da sociedade e das demandas que os sujeitos/alunos têm para agir no mundo.

No que se refere ao ensino de leitura em sala de aula, observamos que o livro sempre esteve atrelado à história da leitura, isto é, sempre esteve associado à elite, como podemos ver em Fischer (2006, p. 206):

Em quase toda a Europa, do século XV ao XVIII, a maioria dos leitores de livros era composta por médicos, nobres, ricos comerciantes e integrantes do clero, assim como na Idade Média. Negociantes, artesãos e comerciantes comuns às vezes liam, ainda que com imperfeição. Estes quase sempre preferiam livretos de baladas e contos, livros de horas baratos e os livros elementares que seus filhos talvez usassem nas escolas locais, se houvesse alguma. Podia-se contar nos dedos o número de pequenos proprietários rurais, camponeses e operários que soubessem ler. Possuir e ler um livro de verdade [...] era privilégio dos ricos e daqueles de elevado

status social. A cultura da leitura de livros solidificou a divisão entre

as classes sociais, destacando e apoiando os poucos que ainda controlavam os muitos.

Observamos, a partir do que foi dito acima, que poucas mudanças ocorreram na história da leitura, especificamente da leitura de livros, que era reconhecida como o meio mais importante de acesso ao conhecimento, na sociedade culta. Assim como nos séculos que o autor destacou, atualmente ainda impera o ranço da dominação da elite sobre a população menos privilegiada por meio da leitura de livros, particularmente de obras clássicas da literatura universal, que leva à diferenciação entre o verdadeiro leitor e o não leitor. É certo que, na contemporaneidade, as classes trabalhadoras têm mais acesso à escolarização, à aprendizagem da leitura (embora o ensino tenha como objetivo, geralmente, a decodificação), aos livros, porém, assim como nos períodos destacados pelo autor, atualmente a população, mesmo tendo acesso às obras clássicas da literatura

universal, prefere ler livros mais baratos, muitos denominados de best-sellers, encontrados em bancas de revista, considerados leitura desvalorizada pela cultura oficial. Talvez isso continue ocorrendo pelo fato de os livros, denominados best- sellers, serem mais baratos, de fácil acesso e leitura, e a leitura de obras clássicas da literatura universal continuar sendo mitificada como difícil, destinada para os poucos favorecidos economicamente.

Destacamos, nessa discussão, uma questão em relação à leitura que vem sendo discutida já por muito tempo: “a crise da leitura no Brasil”, que foi construída pela sociedade, ao perceber que, principalmente, as crianças e os jovens não liam livros como antes. Sobre essa questão, Theodoro da Silva (1986, p. 61-62) assevera:

Quando falamos em crise do livro e da leitura no Brasil, devemos deixar bem claro que se trata de uma crise no seio da classe trabalhadora, que indiscutivelmente representa a maioria da nossa população. E por que essa classe não tem acesso ao livro? Minha resposta é a seguinte: não é interessante que o hábito da leitura seja democraticamente incentivado e implantado à medida que pode levar ao questionamento do regime de privilégios, próprio das sociedades de classes. [...] relembro que o analfabeto boia-fria sempre foi sinônimo de mão de obra facilmente explorada e o semianalfabeto, o “inocente útil” em período de eleições.

Com base na citação, compreendemos que a “crise da leitura no Brasil” sempre esteve diretamente relacionada à leitura de livros, em tempos passados e no presente. É importante também lembrar que essa “crise”, discutida pelo autor, na década de 80 do século XX, era(é) inerente à classe trabalhadora, aos menos favorecidos economicamente, que não tinham(têm) condições financeiras de adquirir livros impressos. Sem dúvida, o trabalhador brasileiro é o mais afetado por essa “crise”. Entretanto, observamos que a “crise da leitura” está associada a um mito criado pelas elites, o de que um “bom leitor” é aquele que se dedica à leitura de obras clássicas da literatura universal, em detrimento de textos variados que circulam nas diversas esferas da sociedade. Portanto, se esse é o parâmetro (ou o principal) para distinguir os sujeitos como leitores e não leitores, realmente existe uma “crise da leitura” em todas as classes sociais.

Contudo, entendemos que essa concepção de leitura também é uma forma de opressão, pois privilegia somente um tipo de leitura, como se fosse a mais correta, a mais útil para lutar contra os domínios dos dominadores/elites, que, por sua vez, não têm interesse que os trabalhadores leiam (textos variados que despertem a consciência reivindicatória) para não questionarem os privilégios das elites e, consequentemente, reivindicarem os seus direitos. Então, é necessário entender que as obras clássicas da literatura universal são muito importantes para a nossa cultura geral, no entanto não é a única fonte de texto que pode ser utilizada em sala de aula, nas aulas de leitura e escrita, as quais, muitas vezes, são utilizadas somente como pretexto para ensinar regras gramaticais. Ademais, as obras clássicas da literatura universal não devem ser consideradas como única fonte para medir o nível de leitura dos alunos. É necessária a compreensão de que, para os sujeitos se tornarem leitores proficientes, é imprescindível a prática da leitura de textos diversos, de gêneros discursivos variados que circulem nas diversas esferas da sociedade; e de que eles consigam depreender os sentidos do texto construídos na interação verbal a partir do ativamento de conhecimentos4.

Outro mito construído pela sociedade é o de que para escrever bem é necessário ser um bom leitor das obras valorizadas pela cultura oficial, as quais devem servir como modelo, conforme afirma Lajolo (1991, p. 57):

Outra forma de exemplaridade desempenhada pelo texto é sua dimensão de repositório de ocorrências linguísticas que seguem à risca as normas gramaticais cultas. Rui Barbosa, Euclides da Cunha, Vieira e até Machado de Assis costumam ser as vítimas preferidas dos que veem no texto pretexto para sapecar na criançada regências, colocações e concordâncias em desuso. E, de vítima, estes autores transformaram-se em algozes: castigam professores e alunos, fazendo-os deter-se em normas intrincadíssimas e de aplicabilidade bastante discutível.

Com base nessa discussão, questionamos: qual a concepção (ou concepções) de leitura e escrita que os professores têm se baseado para a sua prática de ensino em sala de aula: a escrita de codificação e a leitura de decodificação (que ainda são privilegiadas nas salas de aula)? Compreendemos que

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se os professores se basearem somente nessas concepções de leitura e escrita, na sua prática de ensino, o intuito de libertação do povo dos poderes dominadores das elites (THEODORO DA SILVA, 1986) estará fadado ao fracasso, pois o ensino somente desse tipo de leitura e escrita é uma forma de perpetuar a dominação, porque não é exigida do leitor uma leitura reflexiva, crítica. Assim, “por conta desta concepção equivocada a escola vem produzindo grande quantidade de ‘leitores’ capazes de decodificar qualquer texto, mas com enormes dificuldades para compreender o que tentam ler” (BRASIL, 1998, p. 42).

Na contemporaneidade, com o crescente acesso às novas tecnologias da informação e da comunicação, a forma de ver a leitura tem se modificado, havendo