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Os ethe de leitor construídos no enunciado 2

5 METODOLOGIA

6.3 Os ethe de leitor construídos nas “memórias de leitura”

6.3.2 Os ethe de leitor construídos no enunciado 2

O leitor 2 inicia o seu enunciado falando sobre o início do seu contato com a leitura (grifos nossos):

Aos seis anos de idade, segundo meus pais, comecei a ler e papai passou a comprar gibis para que eu lesse, também comprava uns livrinhos que não tinham o que ler, era para serem pintados, e eu adorava colori-los.

Nesse trecho, o leitor 2 mostra que começou a ler com seis anos, idade considerada normal para o início de leitura, e que os seus primeiros contatos com a leitura ocorreram por meio de gibis e livros para serem pintados, materiais comuns nessa fase. Portanto, entendemos que o leitor 2 revela uma prática de leitura fora das leituras oficiais, à revelia da escola.

O leitor 2 fala a respeito da sua experiência de leitura na fase da adolescência (grifo nosso):

Na minha adolescência lia Júlia e Sabrina todos os dias, e mamãe reclamava muito, pois sempre que me procurava eu estava lendo e não cumpria meus afazeres domésticos.

A leitura predileta do leitor 2, nessa fase, fora do espaço escolar, era a de romances vendidos em bancas de revistas, os quais fizeram muito sucesso entre as adolescentes e jovens na década de 1980. Esse tipo de leitura é considerada uma leitura desvalorizada pela escola, não fazendo parte da lista de livros que essa instituição espera que os alunos leiam, no entanto, fazia muito sucesso entre as adolescentes. Ao citar tais leituras, o leitor 2 mostra-se um leitor de literatura à revelia da escola (MAFRA, 2003). De acordo com Mafra (2003), em um dos seus estudos, citado na introdução deste trabalho, os alunos participantes da sua pesquisa que mostraram desinteresse pelos textos escolares tradicionais geralmente conversavam e tinham nas suas mochilas romances de banca, ou seja, eram leitores, só não liam de acordo com a expectativa da escola. Marucci (2009, p. 185, grifos nossos) afirma que, por causa do discurso que a escola sustenta, de que somente algumas obras devem ser lidas, e “enquanto a escola rejeitar a participação da cultura de leitura provinda da comunidade escolar, o distanciamento entre o brasileiro e a leitura permanecerá”.

O leitor 2 mostra outro momento da sua vida e uma experiência distinta de leitor (grifos nossos):

Já no terceiro ano a leitura inicial foi Os Sertões, de Euclides da Cunha. Quase não consegui terminar de ler, pois as duas primeiras partes do livro eram bastante difíceis e só gostei quando cheguei à terceira parte. Depois quando já estava na universidade acabei relendo Os

Sertões e não achei tão ruim como da primeira vez. Li

também O Quinze, Vidas Secas e A Bagaceira, todos no terceiro ano.

Foi no terceiro ano, do atual ensino médio, que o leitor 2 afirma ter lido a obra literária Os Sertões, de Euclides da Cunha, a qual quase não conseguiu ler, pois a considerou de difícil leitura. Porém, já na universidade, a leu novamente e não teve o

mesmo sentimento negativo da primeira vez. Isso provavelmente ocorreu porque, na universidade, já estava mais amadurecido e leu com outro olhar. Nesse fragmento, além de citar o livro de Euclides da Cunha, faz referência a outras obras literárias que fazem parte da lista de obras valorizadas pela escola. Assim, entendemos que o leitor 2, ao narrar tais leituras, deseja ser visto como um leitor de leitura valorizada pela escola.

Na continuação da tessitura da sua experiência de leitor, o leitor 2 mostra a fase da leitura na universidade (grifos nossos):

Quando cheguei na UFRN, tive contato com outras leituras, li Iracema, O guarani e Ubirajara para realizar um trabalho e gostei bastante. Recordo-me também de ter lido Os de

Macatuba a pedido do professor Humberto. Foi a primeira

obra que li de um autor do Rio Grande do Norte. Lia muitas apostilhas, umas interessantes, outras nem tanto.

O leitor 2 apresenta as leituras que realizou na universidade: leituras literárias prestigiadas pela sociedade e leitura de apostilas. Compreendemos, portanto, que o leitor 2, nesse trecho, procurou mostrar-se um leitor eclético. Observamos que, ao final do trecho, o leitor 2 colocou a imagem do livro Os de Macatuba, possivelmente, para reforçar, provando que realmente o leu.

O leitor 2 também revela a sua experiência de leitura quando começou a ensinar (grifo nosso):

Ao começar a ensinar descobri que tinha que estudar a gramática, pois naquela época ou se sabia a gramática normativa ou não se era bom professor de Língua Portuguesa. Passei a estudá-la com perseverança, pois morria de medo de não saber responder aos alunos ou ficar insegura perante uma classe repleta de crianças prontas para me desafiar.

A leitura que também fez parte do repertório do leitor 2 foi a gramática ─ instrumento bastante utilizado, embora, muitas vezes, no ensino de língua materna,

de forma equivocada ─ assim como no repertório do leitor 1, reforçando a imagem que quer construir de leitor eclético.

Por fim, apresenta as leituras que tem realizado na atualidade (no momento da escrita das memórias) (grifos nossos):

Hoje leio bem menos do que gostaria, pois o tempo é muito pouco e quando não estou ministrando aulas as estou preparando ou corrigindo as atividades feitas. Procuro ler jornais e revistas, até para informar-me dos acontecimentos. A última leitura que fiz foi O caçador de

pipas, pois tenho conseguido ler os textos recomendados

na pós-graduação. Espero que agora possa ter uma folga para ler alguma coisa nova e sem compromisso, acho que essa seja a melhor leitura, mesmo que muitas vezes não seja tão proveitosa para enriquecer meus conhecimentos. Gosto de ler sem ter dia e hora para terminar, na praia, dormir e acordar para continuar a leitura, sem preocupações.

O leitor 2 mantém uma prática de leitura, apesar do pouco tempo que lhe resta por causa das suas responsabilidades como docente, embora desejasse mais tempo para se dedicar à leitura por prazer. Apresenta as leituras que faz: jornais, revistas e livros. O leitor 2, dessa forma, tenta construir uma imagem de leitor ativo e eclético, mas que privilegia a leitura literária.

Por fim, compreendemos que o ethos pré-discursivo do professor de língua portuguesa, de sujeito não leitor, não se confirma nesse enunciado. O leitor 2, apesar do pouco tempo de que dispõe por causa das atividades da docência, consegue ler. Notamos, também, que o leitor 2, assim como o leitor 1, se considera um leitor de leituras diversas. A esse respeito, nós entendemos que o leitor 2 deseja construir uma imagem de leitor de leituras diversas, mas prefere as leituras literárias: as leituras valorizadas ou não pela cultura oficial.