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5 METODOLOGIA

6.1 O TEMA, O ESTILO E A COMPOSIÇÃO DOS ENUNCIADOS

6.1.1 O tema dos enunciados

No enunciado 1, depreendemos como tema “a narrativa das “memórias de leitura” de um leitor tardio e que se tornou um leitor ativo, acima da média, que privilegiou a leitura de obras literárias prestigiadas pela cultura oficial”. O desdobramento desse tema, no enunciado 1, culmina na enumeração de livros e revistas lidos e na citação de nomes de autores de livros.

É possível perceber o início da construção do tema do enunciado1 a partir do título que o autor deu ao texto: “memórias de um leitor tardio”, marcado por meio dos itens lexicais “memórias” e “leitor tardio”, que indica um início de experiência de leitura depois do tempo esperado pela esfera escolar, que é entre o ensino fundamental e o ensino médio.

No texto, o autor afirma:

A década de 90 foi de rupturas para mim, com minha entrada no curso de Letras da UFRN e, consequentemente, a verdadeira descoberta da leitura. Nunca havia lido tanta literatura em minha vida! Creio que mais de 180 livros em quatro anos de curso. Comecei com alguns contos durante a disciplina de Teoria da literatura I. Uma espécie de ensaio para o que viria pela frente. Serviram, pois, de aperitivo.

Nesse trecho, o leitor 1 mostra o período que ele considera que iniciou a sua experiência de leitura, sua “verdadeira descoberta da leitura”, que foi na década de 1990, com a sua entrada no curso de Letras, da UFRN. Ainda afirma quantos livros acredita ter lido durante o curso: 180 livros. Na depreensão do tema do enunciado 1, essas informações foram essenciais.

Outra informação preciosa para entendermos o tema foi a numerosa citação de autores, no decorrer do texto, que o leitor 1 diz ter lido, por exemplo, na graduação:

[...] Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Drummond, Fernando Pessoa, Shakespeare, José Lins do Rego, Cecília Meireles, Dante Alighieri, Florbela Espanca, Menotti Del Picchia, Cassiano Ricardo, Rubem Fonseca, Lima Barreto, Manuel Bandeira, Fernando Sabino [...].

Jorge Amado, Bernardo Guimarães, Camilo Castelo Branco, Raul Pompéia, Lygia Fagundes Telles, Manuel Antônio de Almeida, Gustavo Flaubert, José de Alencar, Homero, José Américo de Almeida, Graça Aranha, Clarice Lispector, Mário de Sá-Carneiro, Franklin Távora, Goethe, Martins Pena, Gil Vicente, Artur Azevedo, Júlio Ribeiro, Franz Kafka, Álvares de Azevedo, Jean Paul-Sartre. Para não dizer que fiquei só de prosa, li verso a verso Cesário Verde, Antero de Quental, Gregório de Matos Guerra, Silva Alvarenga, João Cabral de Melo Neto, Tomás Antônio Gonzaga, Luís de Camões, Basílio da Gama, Cruz e Souza, Bento Teixeira, Castro Alves, Zila Mamede, Mário Quintana... Ufa! E, de quebra, dois livros de sermões selecionados do Pe. Antônio Vieira.

Esses autores citados foram lidos depois do término da graduação. Isso prova que ele não leu por obrigação, mas sim por livre escolha. Portanto, foi a partir dessas informações, dentre outras encontradas na íntegra no enunciado 1, do anexo 1, que compreendemos que ele se tornou um leitor ativo.

O tema do enunciado 2 que depreendemos, depois de várias leituras, foi “a narrativa das “memórias de leitura” de um leitor de leituras diversas, mas que priorizou a leitura literária”. Podemos observar o desdobramento dessa temática no enunciado 2, em que, inicialmente, o leitor 2 diz:

A primeira recordação que tenho de leitura é de minha “cartilha” onde aprendi a ler. Chama-se “O sonho de Talita”, nome que durante muito tempo quis que fosse o meu.

O primeiro contato com a leitura que o leitor 2 diz ter tido foi por meio da “cartilha”, que foi por muito tempo na educação brasileira um instrumento de ensino de leitura, como aponta Abreu (2003, p. 43), na introdução:

Pensa-se que o bom leitor é um devorador ávido de alta literatura, é alguém que transita com facilidade pela produção intelectual de ponta, que tem os livros como elemento fundamental de sua concepção de mundo. Quem partilha dessa imagem de leitor não se

animará muito com casas cheias de cartilhas e livros didáticos, com multidões de leitores de Bíblia na mão.

Depois, o leitor 2 mostra outras leituras que realizou no seu percurso de leitor:

Aos seis anos de idade, segundo meus pais, comecei a ler e papai passou a comprar gibis para que eu lesse, também comprava uns livrinhos que não tinham o que ler, era para serem pintados, e eu adorava colori-los.

Aos dez anos, na minha festa de aniversário, recebi de minha madrinha um livro que continha vários contos de fadas. Nunca esqueci disso, pois ganhei um concurso de redação na quarta série por produzir um texto e sei que essa leitura foi fundamental para a produção do texto solicitado pela professora.

O leitor 2 mostra outras leituras que realizou:

Na minha adolescência lia Júlia e Sabrina todos os dias, e mamãe reclamava muito, pois sempre que me procurava eu estava lendo e não cumpria meus afazeres domésticos.

Nesse trecho, observamos a citação da leitura literária de uma revista de romance de banca de revistas que o leitor realizou. Mais adiante, o leitor 2 apresenta outras leituras literárias:

No meu ginásio li um único livro, Don Quixote e fiquei encantada. A professora pediu que fizéssemos uma representação de trechos da obra e foi um sucesso.

O leitor 2 mostra o livro literário como único livro que leu durante o ginásio (o atual ensino médio): Dom Quixote, que faz parte da lista de livros considerados

valorizados pela cultura oficial. O leitor 2 continua a sua lista de leituras experienciadas:

[...] líamos várias obras, sempre de acordo com a Escola Literária que estávamos estudando. Foi quando li várias obras como: Sinhá Moça, O moço loiro, Senhora, Cinco minutos, A viuvinha, Navio Negreiro, O homem e o mar e outras que já nem me lembro mais. Já no terceiro ano a leitura inicial foi “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. Quase não consegui terminar de ler, pois as duas primeiras partes do livro eram bastante difíceis e só gostei quando cheguei à terceira parte. Depois quando já estava na universidade acabei relendo Os Sertões e não achei tão ruim como da primeira vez. Li também O Quinze, Vidas Secas e a Bagaceira, todos no terceiro ano.

As leituras citadas acima foram realizadas pelo leitor 2 no ensino médio, no segundo e terceiro ano. Observamos que as leituras citadas fazem parte das obras literárias valorizadas pela cultura oficial, privilegiadas pela escola. Em concordância com a crítica de Silva Neto (2007, p. 30) sobre a priorização desse tipo de ensino de leitura, compreendemos que eles são modelos de “texto exemplar da língua e da cultura letrada, como ainda insistem, em certos segmentos da Academia, algumas vozes guardiãs ciosas do preciosismo literário”.

Em outro momento da sua vida de estudante, mostra as suas experiências de leitura:

Quando cheguei na UFRN tive contato com outras leituras, li Iracema, O guarani e Ubirajara para realizar um trabalho e gostei bastante. Recordo-me também de ter lido Os de Macatuba, a pedido do professor Humberto. Foi a primeira obra que li de um autor do Rio Grande do Norte. Lia muitas apostilhas, umas interessantes, outras nem tanto.

Nesse trecho, compreendemos que a experiência de leitura do leitor 2 ocorreu com leituras diversas: literárias, apostilas ─ que provavelmente eram compostas de textos teóricos. Ainda em relação à diversidade das leituras realizadas

pelo leitor 2, observamos a citação de uma leitura que era(é) comum aos professores de língua portuguesa:

Ao começar a ensinar descobri que tinha que estudar a gramática, pois naquela época ou se sabia a gramática normativa ou não se era bom professor de Língua Portuguesa. Passei a estudá-la com perseverança, pois morria de medo de não saber responder aos alunos ou ficar insegura perante uma classe repleta de crianças prontas para me desafiar.

Por fim, o leitor narra as suas leituras na fase da escrita das “memórias de leitura”:

Hoje leio bem menos do que gostaria, pois o tempo é muito pouco e quando não estou ministrando aulas as estou preparando ou corrigindo as atividades feitas. Procuro ler jornais e revistas, até para informar-me dos acontecimentos. A última leitura que fiz foi O caçador de pipas, pois tenho conseguido ler os textos recomendados na pós-graduação. Espero que agora possa ter uma folga para ler alguma coisa nova e sem compromisso, acho que essa seja a melhor leitura, mesmo que muitas vezes não seja tão proveitosa para enriquecer meus conhecimentos. Gosto de ler sem ter dia e hora para terminar, na praia, dormir e acordar para continuar a leitura, sem preocupações.

Nesse trecho e em outros citados acima, compreendemos que o leitor 2, apesar de experienciar leituras diversas, prefere, prioriza a leitura literária, de deleite.

No enunciado 3, a temática que depreendemos foi “a narrativa das “memórias de leitura” de um leitor que teve uma experiência negativa de leitura na escola, mas positiva na esfera familiar e na universidade”. Podemos observar essas questões no decorrer da narrativa. Inicialmente, ele diz:

Durante o primeiro e o segundo grau não lembro de ter lido por obrigação nem tampouco de frequentar biblioteca. Existia uma, mas era um lugar onde ninguém entrava. Não foi, portanto, na escola que me apaixonei pelos livros.

O leitor 3 mostra que a sua experiência de leitura, no que hoje são denominados de ensino fundamental e médio, ocorreu de forma negativa e conclui esse trecho afirmando que não foi na escola que se apaixonou pelos livros ─ objeto símbolo universal de leitura, como se não existissem outras formas de experienciar a leitura.

Em outra parte do enunciado, o leitor 3 afirma:

Nesse exercício gratificante de fazer emergir um tempo que consegui guardar e que agora ressurge, lembro ter vivenciado as minhas primeiras experiências de leitura através do universo dos quadrinhos, que com a sua linguagem gráfica e todos aqueles recursos usados para dinamizar as histórias e definir as emoções das personagens muito me encantava.

O leitor 3 relembrou que as suas primeiras experiências de leitura ocorreram por meio da leitura de quadrinhos, também conhecidos como gibis. Ele dissociou esse tipo de leitura das leituras prestigiadas pela esfera escolar, até porque diz que não teve nenhuma experiência de leitura na escola.

Porém, já em outra fase da sua vida, mostra a influência positiva da esfera familiar no seu percurso de leitor:

O tempo foi passando, a adolescência chegando e surgiu o desejo de novas leituras. Por influência de minha avó materna, fui despertando para a leitura de romances. Ela lia apaixonadamente e a partir daí manifestou-se o desejo de penetrar também naquele mundo que a embevecia e cujo encanto eu também terminava participando. Diante desse despertar para a leitura de romances lembro muito bem o primeiro que li, foi Pássaros Feridos de Mecellouch

Colleen, best-seller da época, que tratava da história do padre que se apaixonara por uma menina. Envolvi-me com a trama, viajava na história. Depois veio Se houver amanhã de Sidney Sheldon, que falava a respeito de uma moça que trabalhava em um banco e foi acusada de roubo, foi presa, cumpriu pena e quando saiu passou a fazer o que nunca tinha feito: roubar. Essa história me fez refletir um pouco a respeito dessa situação. Desde então, comecei a despertar para um mundo de viagens inusitadas, surpreendentes e prazerosas. Mergulhava na leitura que me conduzia a universos fantásticos, viajava conduzida pela imaginação a lugares nunca antes visitados. Um mundo novo magicamente foi aberto e penetrei no fascinante mundo dos livros.

A pessoa da sua família que o incentivou nessa fase foi a sua avó materna, que lia romances. A partir dessa influência familiar, ele passou a lê romances best- sellers da época, leitura desprezada pela esfera escolar.

Depois, as pessoas que influenciaram o leitor 3 na sua experiência de leitura foram seus filhos, como podemos observar no trecho abaixo:

Meus filhos foram crescendo e, através deles, passei a realizar leituras que não fiz na época “devida”. Conheci Bagdá com Aladim, fui à terra do nunca com Peter Pan, refleti a respeito da mentira com Pinóquio e, assim, através deles, fui participando daquele mundo mágico. Percorri caminhos desconhecidos que só a leitura me possibilitaria trilhar. Meus filhos fizeram-me sonhar e desejar saber mais, pois a leitura me permitia vislumbrar outras perspectivas além do meu cotidiano. Sem me perceber eles iam interferindo na minha formação enquanto leitora, pois participando da formação deles li: Sonho de uma noite de

verão, Pequeno Príncipe, Odisséia, As mil e uma noites,

depois as obras clássicas da literatura brasileira, e a partir daí fui cada vez mais me interessando pela leitura.

Portanto, foi no período escolar dos seus filhos que o leitor 3 experienciou leituras que, para ele, eram para ter sido vivenciadas na época em que estava na escola, porém não foi o que aconteceu. É importante observar que, até esse

momento, as leituras que o leitor 3 citou são da esfera literária, que tem como objetivo “sonhar”, “viajar”, uma leitura de deleite.

No decorrer da narrativa, o leitor 3 faz referência a um momento importante da sua experiência de leitor:

Seduzida pela leitura resolvi estudar e enfrentei o meu primeiro vestibular para o curso de Letras e contrariando todas as expectativas passei. Os livros abriram-me as portas. Novas leituras, até então desconhecidas, surgiram, onde não apenas lia por prazer, mas com responsabilidade, com disciplina. Através da literatura somada à leitura de textos teóricos passei a ter acesso a uma leitura considerada mais complexa, que exigia repertório, releituras para que pudesse atingir um patamar de exigências e, assim, realizar uma leitura mais completa. Passei a ter contato com Eça de Queiroz em O crime do

Padre Amaro, onde o mesmo focaliza criticamente a igreja

e o celibato clerical; Incidente em Antares, de Érico Veríssimo; Capitães de Areia, com Pedro Bala pelas ladeiras da Bahia, de Jorge Amado; O quinze, de Rachel de Queiroz; Vidas Secas, de Graciliano Ramos [...].

Na universidade, a sua experiência de leitor foi também positiva. O leitor 3 diz que, na graduação, além de literatura, leu textos teóricos. Portanto, concluímos afirmando que o tema do gênero “memórias de leitura” é “a narrativa das memórias de leitura”. As temáticas de cada enunciado são as atualizações do tema geral, citado acima, que foram depreendidas a partir da leitura integral dos enunciados. Assim, como Bakhtin/Volochínov (2010a, p. 133) ensinam, “[...] Vamos chamar o sentido da enunciação completa o seu tema. O tema deve ser único. O tema da enunciação é na verdade, assim como a própria enunciação, individual e não reiterável”. Então, foi dessa forma que depreendemos o tema de cada enunciado.