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Letras e números para representar o nome

4.1 O PERCURSO DOS SIGNIFICANTES E SUA RELAÇÃO COM O

4.1.7 Letras e números para representar o nome

A produção de Letícia, visualizada na figura 12, página 110, foi realizada em 16 de junho de 2009. Nesta produção, Letícia escreveu traços que se assemelhavam com algumas das letras do alfabeto, por exemplo,/O/, /I/, /U/, /L/, /K/ ou /V/. A transcrição completa do que foi falado pela criança pode ser conferida no apêndice AI. Conforme a transcrição, pode-se verificar que a informante usou letras para escrever o seu nome e, embora a grafia seja rudimentar, ela as nomeia convencionalmente. No quadro 10, pode-se conferira as letras que ela grafou e os numerais correspondem às caixas marcadas na figura 12.

1 - bola 2 - Letícia 3 - letra U

4 - letra I 5 - letra ISPILON 6 - letra U

7 - letra B 13 - Letícia. 14 - Letícia

Figura 12 - Produção de Letícia realizada em: 16/06/2009 - Idade: 3a:4m:16d

Embora Letícia não tenha trazido para o papel o nome de seus colegas e, sim, traçados com maior semelhança com as letras convencionais, o deslizamento metonímico é semelhante ao que ocorreu com Guilherme. Ela sabia que o nome é escrito com letras e procura fazer o traçado daquelas que imagina serem as do seu nome, ou as que já memorizou, mais fáceis para grafar. Na produção de Letícia, é possível constatar a repetição de pequenos traços, os quais remetem às formas das letras, nomeadas, por ela, pelos nomes convencionais.

Na figura 13, apresento as duas produções de Letícia, realizadas nos dias 31 de agosto e 11 de dezembro e 2009. As transcrições podem completas ser conferidas nos apêndices AJ e AL.

Pode-se afirmar que Letícia tinha conhecimento de que para escrever era necessário usar letras e procurava grafar essas letras de acordo com a imagem que formou delas. Sua produção não apresentou mudança significativa, pois Letícia se posicionou quase que do mesmo modo durante todas as gravações. Ela tentou chamar minha atenção e falava a respeito dos dilemas familiares, como se ela quisesse ser vista, olhada e mimada. Seu corpo se articulava com a linguagem e ela se mexia o tempo todo com movimentos de braços, de cabeça, de tronco, enfim, considero que Letícia inscrevia seu corpo no papel desenfreadamente, como podemos perceber pelos traçados soltos e desordenados, conforme o ir e vir de seu corpo no espaço.

Na última produção realizada por Letícia, em dezembro, ela usou alguns traços coloridos sem formas definidas. Iniciou sua fala respondendo ao cumprimento da professora com o que parece ser um lapso de fala ou um deslizamento metafórico: bum dinha, bo dinha, bom dia Claudia. É possível pensar que Letícia efetuou a troca de vocábulos de modo intencional, pois essa era uma brincadeira que estava presente entre as crianças e adolescentes nas escolas. Logo em seguida, ela tentou adequar sua fala e fez uso do termo de saudação convencional. A transcrição do que foi falado por Letícia pode ser conferida no apêndice AL.

Embora tenha estabelecido um dialogo com a criança, deixei-a divagar pelo imaginário. Em determinado momento, entre as linhas 166 e 173 da transcrição, ocorreu o seguinte diálogo:

157 L. hum ... eu tenho... eu tenho que pensa ... 158 P. você tem que pensa então pensa ...

159 L. sabe que os... os anõezinhos falam ... pensem ... pensem ... pensem ... 161 P. os anõezinhos falam pensem pensem pensem? então a Letícia vai

pensar ...

162 pensar ... pensar ...

163 L. pensar ... pensar ... pensim ...

Neste diálogo, Letícia realizou deslizamentos metafóricos e metonímicos com o significante “pensar”. Na linha 157, ela afirmou eu tenho que pensar e, após, na linha 159, ela substitui por os anõezinhos falam pensem, pensem, pensem. Ao retomar o mesmo enunciado, na linha 163, ela efetuou uma troca na desinência verbal, fato que sugere a tentativa de criar um tipo de trocadilho, então, no local onde deveria estar o verbo pensar aparece o termo pensim. No meu entendimento, é como se a criança estivesse criando rimas, buscando uma espécie de musicalidade com as palavras.

Não satisfeita com a interpretação feita por Letícia, continuei instigando-a a escrever seu nome e ela criou outros meios para tentar se esquivar da tarefa, pois sabia que não era qualquer coisa que eu esperava dela. Para auxiliá-la, mostrei o crachá de nomes e perguntei o nome das letras.

No decorrer da gravação realizada em dezembro, Letícia se esquivou da tarefa de escrever seu nome. Na caixa 4, da figura 13, podemos visualizar alguns traçados que foram lidos como sendo as letras /T/ e o /L/. Ao final da gravação, ela disse que seu nome estava escrito na figura com forma arredondada em vermelho, visível na caixa 5.

Em vista do que foi analisado até o momento, é possível afirmar que os processos metonímicos e metafóricos estiveram presentes durante todo o tempo. Letras e formas diversas foram grafadas nas produções, confundindo-se. Por conta da interpretação feita pela própria criança sobre aquilo que escrevera, tomamos conhecimento daquilo que era um desenho e do que era uma letra, diferenciando-os. Isso mostra que a interpretação que fazemos daquilo que a criança pequena escreveu e que se mostra na superfície textual, nem sempre é o representante fiel do que está escrito e do que ela tentou nos passar como a sua mensagem. O sujeito do conhecimento surge da diferença entre uma produção e outra, mostrando os efeitos do jogo dos significantes. A criança foi se apropriando dos significantes que lhes foram apresentados no dia a dia escolar e passou a participar de um jogo simbólico que lhe forneceu possibilidades de significar e ressignificar a relação com a linguagem.

A fim de que se possa conferir a função do Outro junto à criança, passo a apresentar fragmentos que ilustrem e esclareçam o modo como o discurso é capaz de causar efeitos sobre os informantes, de maneira que eles mudem ou não a sua posição relação ao escrito.