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O processo de simbolização: o Édipo estruturalista

1.2 O PROCESSO DE SIMBOLIZAÇÃO

1.2.2 O processo de simbolização: o Édipo estruturalista

Nos estudos freudianos, o pai ocupa um lugar central. Freud fundamentou as manifestações do complexo de Édipo partindo da sua observação em relação a sentimentos de amor pela mãe e de ciúme pelo pai. Essa regulação do complexo de Édipo explica o princípio do desejo. É o pai, pela proibição, que desperta no filho o interesse pela mãe como objeto desejável. É no complexo de Édipo que se dá a passagem do imaginário para o simbólico.

A primeira formalização lacaniana do complexo de Édipo dá-se a partir do enunciado “o inconsciente está estruturado como uma linguagem” (LACAN, 1957, p. 498), neste conceito, ele toma o inconsciente como sede dos instintos e das pulsões. Sendo a pulsão uma função da linguagem, ela se relaciona com a instância da letra, designada por Lacan como “o suporte material que o discurso concreto toma emprestado da linguagem” (ibid., 1957, p. 498).

Lacan (1958) buscou nos estudos de Freud os questionamentos sobre o pai, fazendo uma releitura dos mesmos, procurando fundamentar a função paterna. Ele relaciona o mito de Édipo com significantes que sustentarão o sujeito na ordem simbólica. Para tratar do Édipo,

ele toma da fórmula da metáfora paterna na qual o pai se reduz ao significante do Nome-do- Pai. A metáfora paterna pode ser entendida como uma substituição de significantes que coloca o Outro da linguagem no lugar do significante do desejo.

Ao discorrer a respeito da metáfora paterna, Lacan (1958) deixa claro que ela é concernente ao lugar da função do pai, que se encontra no centro do complexo de Édipo. Para ele, o complexo de Édipo possui uma função normativa e a função do pai é essencial como interventor na relação mãe-filho, na proibição do incesto. O pai é o representante dessa proibição. A castração ocorre no plano imaginário, pois o pai é uma metáfora: “é um significante que substitui um outro significante” (ibid., 1958, p.180). A metáfora paterna desempenha o papel que se espera de uma metáfora: “leva à instituição de alguma coisa que é da ordem do significante, que fica guardada de reserva, e cuja significação se desenvolverá mais tarde” (ibid., 1958, p. 201).

Lacan (ibid., p.188-203) divide o complexo de Édipo em três tempos, que são tempos lógicos e que representam as diferentes relações que se instituem no campo do Outro e, por conseguinte, com a castração:

 1º tempo: na relação mãe-filho há predomínio de uma relação fusional. Imaginariamente, ela faz do bebê o objeto do seu desejo. Neste primeiro tempo, o pai aparece na relação de modo velado, difundido como significante pelo discurso da mãe;

 2º tempo: o bebê percebe que a mãe deseja outra coisa, ou seja, o objeto do desejo da mãe é o falo. No plano imaginário, o pai entra na relação como o Outro que intervém na relação mãe-filho, proibindo, ao filho, o objeto de seu desejo [a mãe] e privando a mãe de seu falo imaginário [o filho]. A função do pai é, portanto, proibir o incesto; e,

3º tempo: A criança reconhece o pai como o possuidor do falo, então, o pai não será mais um rival. A figura paterna aparece na relação como mediador entre a mãe e o filho. Ele é investido pelo significante do Pai e fala em seu nome como o portador da lei. O pai é aquele que sustenta a filiação. Esse terceiro momento simboliza a lei e a criança passará a identificar-se com o pai, internalizando-o como Ideal do [eu]10. Nas palavras de Lacan,“El Shaddaí é

10 O ideal do eu corresponde a adoção da imagem corporal pelo sujeito, a partir da própria imagem que é

aquele que elege, aquele que promete, e que faz passar por seu nome uma certa aliança, que é transmissível de uma única forma, pela baraka paterna” (LACAN, 1963, p. 82). Após, ao aceitar o pai como a lei, a criança passa ao [eu] ideal11.

Em outras palavras, o primeiro momento do Édipo lacaniano é calcado pelo imaginário. A criança estabelece uma relação imaginária na qual se identifica com aquilo que imagina ser o objeto de desejo da mãe. Ela se assujeita ao desejo da mãe. Esse ser, a mãe, é essencial no desejo próprio da criança. Podemos dizer que há, nesse primeiro tempo, uma primeira simbolização da mãe, simbolização que apresenta para a criança a possibilidade de imaginar que a mãe pode desejar outras coisas diferentes. Nas palavras de Lacan, “o amor é a fonte de todos os males. O amor de mãe é a causa de tudo (ibid., 1962, p. 158).

O segundo tempo, pode ser entendido como o início do processo de simbolização. A intrusão do pai na relação com a mãe causa o registro da castração, privando a mãe do objeto do seu desejo. Segundo Lacan (1958, p. 178), “a castração é um ato simbólico cujo agente é alguém real, o pai ou a mãe, que lhe diz Vamos Mandar cortá-lo Nesse o momento, o pai desempenha um papel essencial do complexo de Édipo, privando alguém de “algo” que ele não tem, fazendo com que esse “algo” passe a ter existência como símbolo. Para Lacan,

[...] toda privação real exige a simbolização. É no plano da privação da mãe que num dado momento da evolução do Édipo, coloca-se para o sujeito a questão de aceitar, de registrar, de simbolizar, ele mesmo, de dar valor de significação a essa privação da qual a mãe revela-se o objeto. (LACAN, 1958, p. 191)

No terceiro tempo, o pai entra em cena, “como aquele que é culturalmente o portador da lei, o pai investido pelo significante do pai” (ibid., 1958, p.194). Nesse tempo do Édipo lacaniano ocorre a simbolização propriamente dita. Ocorre uma mudança de posição da criança em relação à imagem fantasiosa que ela possui do pai, como aquele que rouba o objeto do desejo. Ela deixa de ser o falo para ter o falo, possibilitando a substituição do desejo que lhe foi interditado pelo significante que levará à simbolização e, consequentemente, ela poderá emergir como sujeito desejante.

Em vista do que foi abordado é possível afirmar que a passagem do imaginário para o simbólico se dá em um processo de identificação e castração, no qual a criança necessitará internalizar a lei e aceitá-la como um ideal. Segundo Lacan (1963, p. 33), “entre uma relação limites. Para Chemama (1995, p.67), o eu ideal é “a formação psíquica pertencente ao registro do imaginário, representativa do primeiro esboço do eu investido libidinalmente”

imaginária e a relação simbólica, há toda a distância que há na culpa”, ou seja, para que ocorra uma transformação do sujeito é necessário que ele perca algo, e essa perda não ocorre sem um sentimento de culpa, que é um registro da lei. Em outras palavras, o processo de simbolização ocorre quando a criança consegue compreender o pai como símbolo, como nome, como aquele que o inscreveu na relação geracional. Nas palavras de Lacan,

O símbolo do objeto é justamente o objeto-aí. Quando ele não está mais aí, é o objeto encarnado em sua duração, separado de si próprio e que, por isso mesmo, pode estar de certa forma sempre presente para você, sempre ali, à sua disposição. (LACAN, 1963, p. 36)

Tendo explicado os três tempos do Édipo lacaniano, dou prosseguimento e procuro compreender a passagem do imaginário para o simbólico.