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Antes de detalhar as duas experiências escolhidas para compor este trabalho, segue o diário de campo que relata o processo de conhecimento de toda a rede de assistência social que capilarizava a distribuição das “Cestas Verdes”. A rede que o alimento traça é nosso principal foco com este trabalho, no entanto, a rede paralela de Assistência Social é também de grande importância para a articulação do projeto e conhecê-la de perto foi fundamental, em todos os territórios que o município é dividido.

O início do campo se deu por meio dos próprios funcionários da gestão, partindo de manhã logo cedo com o carro do Ceprosom ao acampamento, para recolher os alimentos, em um caminhão que partiam juntos outros funcionários. A relação dos funcionários com os agricultores do acampamento pareceu, à primeira vista, ser amigável, especialmente com o resultado das urnas depois da eleição em outubro de 2016. Esse sentimento parecia ser reforçado pelos agricultores, que faziam questão de estreitar esses laços, pensando que o projeto poderia estender-se, que com a nova administração municipal poderia haver uma melhora para a vida deles, com uma renovação das compras públicas. A falta de equipamentos, como as cestas para o carregamento dos alimentos, a balança e o caminhão, faz com que seja um impeditivo para que possam participar de outras compras públicas, como o PNAE, por exemplo.

Os encontros se davam para a coleta dos alimentos, pesagem e entrega dos recibos de compra, logo após, os funcionários encarregados seguiam com os alimentos em caixas também do Ceprosom até o banco de alimentos da cidade, para separação e montagem das cestas. No banco de alimentos pareceu existir um problema com o quadro de funcionários, com cargos de

confiança instáveis, ou concursados que atuam no improviso. Para as atividades operacionais de separar e montar as cestas estavam alguns moradores dos abrigos da cidade trabalhando como eventuais, que podiam ser empregados efetivamente, talvez fechando ciclo do “assistencialismo”.

Mesmo com um olhar não técnico voltado ao banco de alimentos, a estrutura do equipamento deixa a desejar: manejando todos os produtos no chão (pobre coluna), com um prédio quente e chão escorregadio. Sem muita infraestrutura no equipamento e com a capacidade máxima de produção relatada de três toneladas recolhidas em uma semana, talvez ajude a explicar esse modo de fazer improvisado.

No começo do PAA, o objetivo do programa era atender apenas as entidades filantrópicas conveniadas com o Ceprosom para atender idosos, crianças em vulnerabilidades, no entanto, com a produção do acampamento claramente superando a demanda existente e após fazer um breve mapeamento sobre IAN em alguns CRAS, uma das gestoras, mais diretamente envolvida com o planejamento, resolveu incorporar essas famílias mapeadas e distribuir as “Cestas Verdes”. O PAA, ao final, mudou os rumos de sua proposta uma vez que, como afirma Arretche (2001), ao longo da fase de implementação de um política pública quem faz a política de fato são os agentes e suas decisões.

Antes de conversar com cada coordenadora de cada CRAS e compreender a experiência de cada território do município, a operacionalização do programa parecia confusa. Como as cestas são montadas? Qual a participação de cada tipo de profissional para pensar a composição das cestas? Cestas essas que são montadas em sacos plásticos, prejudicando a durabilidade dos alimentos, especialmente em dias mais quentes. Em entrevistas com duas gestoras que participaram de todo o projeto, foi ressaltado que o material para distribuição das cestas deveria mudar, como sugestão de melhoria.

No banco de alimentos, as necessidades de cada instituição ficavam estampadas em uma planilha colada na parede, mas nem sempre foram atendidas à risca, pois quando a produção do acampamento foi muito superior, se diziam que 8 quilos de mandioca eram suficientes por semana, a técnica mandava 20 quilos, pois precisava escoar a produção. Certa vez ouvi que se

espera que eles congelassem esse alimento para conseguir reaproveitar e não ter prejuízo.

Após seguir algumas vezes com as técnicas do Ceprosom o caminho do alimento até o final, foi essencial apresentar-me em todos os pontos de entrega das cestas para conhecer cada realidade, como operacionalizavam, se era uma diretriz única para atuação ou se era descentralizada e autônoma as ações. Os pontos de entrega eram na própria rede de assistência social, a partir dos CRAS, em cinco dos sete no município e em seus respectivos Centro Comunitários, assim como no CREAS (Centro de Referência Especializado da Assistência Social) e no CREN.

No CREN, até o final do de 2016 o enfoque foi atender as famílias de seu entorno com vulnerabilidades detectadas, no entanto, em 2017 a creche abriu seus serviços para atender as outras crianças que frequentam outros estabelecimentos da rede. O atendimento do CREN foi de 30 famílias, contudo, apenas 27 recebem, tendo uma das beneficiárias se recusado a receber as cestas alegando ser inviável ter que carregar no ônibus.

Os equipamentos municipais para a assistência social foram pensados de maneira descentralizada desde a Constituição Federal de 1988 para que o atendimento visasse as realidades locais e específicas de cada região. Assim, as pessoas que são atendidas nos CRAS estão referenciadas no território de abrangência, no entanto, por mais capilarizado que seja o atendimento, é preciso pensar também na locomoção das pessoas, especialmente quando precisam carregar peso. Considerar o meio de transporte que utilizam, na malha viária do transporte público e dos pedestres, nessa outra rede de transportes que tanto pode viabilizar, quanto inviabilizar um projeto como no caso da beneficiária acima.

A primeira reunião para conhecer as diferentes experiências ocorreu no bairro Presidente Dutra, com a coordenadora e com uma assistente social do centro comunitário, existente desde 1988. Ao perguntar sobre critério para seleção das famílias que receberam as “Cestas Verdes”, ambas informaram que passaram por um treinamento, no início da implantação das cestas no PAA. Foram passadas instruções que diziam a respeito das prioridades, como: famílias numerosas, com pessoas enfermas, idosos e crianças. Assim, no território foi feita uma busca ativa e levantadas 86 famílias que entrariam nos

critérios de IAN. Dessa busca ativa realizada por cartas, apenas uma família retornou. De novo, outro processo precisou ser feito entre os usuários de outros programas para conseguir encontrar as 20 famílias que inicialmente receberiam os alimentos. Em meados de 2016, esse número de famílias teve que ser reduzido devido a uma baixa na produção do acampamento. A assistente social chegou a afirmar que tinham muitos problemas com a qualidade dos alimentos no começo, problemas com a aparência (“a casca da berinjela era estranha, de aparência diferente”) e com o estado das verduras mais frescas, também devido ao calor e forma de transporte e distribuição. O relato de ambas as profissionais é que é frequente também alguns beneficiários não aparecerem para buscar as cestas, alegam a distância e o peso para não aparecerem. No entanto, apesar do número oficial ter sido reduzido, alguns casos eram mantidos “na manga”, para quando sobravam cestas. As profissionais acabaram criando estratégias próprias, que não tinham sido passadas em nenhum treinamento, para aproveitar as cestas e suprir a demanda de famílias que gostariam/ necessitavam dos alimentos.

O treinamento que o CRAS Presidente Dutra afirmou ter tido logo no começo do projeto não foi unanimidade. No CRAS Nossa Senhora das Dores, por exemplo, não foi realizado um questionário de SAN antes do início do programa “Cestas Verdes”. Os critérios de participação no projeto costumam ter pequenas variações e pequenos ajustes em cada território, de acordo com a sua realidade específica. Os critérios desenvolvidos pelo CRAS em questão para selecionar as famílias que receberam as cestas foram: famílias participantes do Programa Bolsa Família, e pessoas que apresentam algum agravante de saúde. A lista de espera também era praticada nesse bairro.

Um diferencial que o CRAS Nossa Senhora das Dores apresentou foi que contaram com o trabalho de duas nutricionistas que realizaram com as famílias palestras de educação alimentar e nutricional. Vários temas foram trabalhados: pirâmide alimentar, como preparar os alimentos recebidos nas “Cestas Verdes”, aproveitamento integral dos alimentos, receitas, etc. Esses encontros aconteceram nos dias em que as cestas eram distribuídas, e a presença nas palestras era obrigatória. As profissionais envolvidas com as “Cestas Verdes” relataram as experiências dos beneficiários, com novas experimentações de preparações, alimentos que antes não comiam (como

berinjela). Um dos objetivos descritos pela assistente social diretamente envolvida é o de reeducar o paladar. Ela ressaltou também que a partir de julho de 2016 foi percebida uma maior procura das famílias pelas cestas, e uma maior responsabilidade (de ir buscar, ou então avisar que não irá buscar as cestas para que seja repassada para outra pessoa).

O CRAS Casa das Famílias, cujo local de distribuição aos beneficiários é de incumbência do centro comunitário Odécio Degan, distribui 40 cestas (30 no bairro Odécio Degan, e dez no bairro Ernesto Kuhl). No começo do projeto, um critério de seleção era o recebimento de cestas básicas, mas ao final do projeto elas eram escolhidas de acordo com a quantidade de crianças, idosos e pessoas com problema de saúde nas famílias. Quando uma pessoa ficava sem buscar as cestas por até três vezes, os funcionários investigavam os motivos, para saber se poderiam repassar para outra família. O bairro foi colocado pela coordenadora do CRAS como uma das regiões mais vulneráveis de Limeira. As famílias receberam uma palestra sobre SAN no começo do Programa e uma palestra sobre a preparação de alimentos com uma nutricionista, em parceria com a área da Saúde. Contudo, apenas uma pequena parte das famílias atendidas (8-12 famílias) compareceu. Além de terem sido atendidos com relação aos alimentos das cestas e de como prepará-los de forma mais saudável, a assistente social que esteve mais próxima das famílias relatou que foram oferecidos cursos eventuais de culinária, a pedido dos próprios beneficiários, como cursos profissionalizantes sobre doces de festas, salgadinhos, etc.

A assistente social do centro comunitário Odécio Degan discorreu sobre outra rede, à parte do PAA, de abastecimento mais formal e perene, de locais no bairro onde as pessoas podem comprar alimentos frescos, como os que vêm nas cestas: uma senhora que tem uma horta e vende seus produtos, existem alguns varejões pelo bairro, mas a partir de sua própria experiência em compras de alimentos, considera um pouco caro fazer refeições sempre “adequadas”:

Eu acho assim, nós temos vários varejões, nós temos três, dois varejões aqui no território, né. Então, eles espera e nós temos ofertas daqui do varejão, do Qualimais, que as vezes abaixa o preço de dia de terça-feira, mas é uma forma que tem da economia mesmo, deles não ter pra comprar toda semana, né? Mas eles costumam tá... pelo menos eu vejo, a sacola, né, mas não nem de todos, tá? Às vezes é o

arroz feijão, é a salsicha, ou então a linguiça, ou então o hábito. E a gente tem também uma senhora que planta e faz horta aqui embaixo. (CRAS Casa das Famílias, Gestora P., 2017).

No CRAS Cecap também ocorreu uma parceria nesse projeto, com a Secretaria de Educação, para atender as crianças da rede pública de ensino no contra turno da escola. Assim, a assistente social ouvida explicou a experiência que teve com o programa: os critérios de escolhas das famílias estavam atrelados diretamente à frequência assídua das crianças nas atividades extracurriculares oferecidas. Para esse território, foram disponibilizadas 34 cestas, destinadas a algumas famílias certas, mas houve um caso de recusa em que a família reconheceu que não precisava ou afirmava que não teria tempo para o preparo dos alimentos recebidos. Novamente, é possível observar a relativa autonomia do território na escolha dos critérios de inclusão no projeto, muito alinhados com o propósito do CRAS para a comunidade. A assistente social parecia ter grande preocupação se as crianças de 6 a 14 anos que recebiam estavam gostando dos alimentos, e elas diziam que a mandioca frita era a melhor parte.

As funcionárias dos centros comunitários, de maneira geral eram bastante próximas das pessoas que lidavam, não só dos beneficiários das “Cestas Verdes”, que eram beneficiários de outros programas, mas de toda a comunidade. Ao ouvi-las e conhecê-las, o discurso de seu ofício era sempre voltado para a comunidade e para os resultados.

Como em todas as visitas realizadas, no CREAS a assistente social que estava disponível para conversar foi bastante receptiva e informou que fazia pouco tempo esse equipamento realizava a distribuição de um número reduzido de cestas, cerca de 10, para famílias que não eram fixas, em estado de risco iminente. Ela explicou que esse tipo de benefício é da alçada da Proteção Social Básica, realizado nos CRAS, mas para algumas famílias com perda de vínculos eles começaram a distribuir esse benefício também, para amenizar pelo menos essa violação de Direito Humano à Alimentação Adequada. A dinâmica é diferente no CREAS, uma vez que é apenas um para todo o território do município: nos dias de coleta dos alimentos, um motorista próprio deles vai até o banco de alimentos e leva a cesta na casa de cada família; nesse dia também são feitas algumas visitas para o acompanhamento

da situação da família, mas sem um viés nutricional. Os critérios elencados além do risco iminente é a quantidade de membros que a família possui.

Uma característica que ficou bastante marcada é que a política parece ser burocrática e complicada para todos os envolvidos, em seu funcionamento e operacionalização. Não são todos os agentes que compreendem bem sua existência e sua função. E ao longo de toda a cadeia que o alimento engendra é possível observar que as assistentes sociais diretamente envolvidas com a distribuição das cestas, por vezes, têm à sua disposição apenas informações imprecisas para relatar aos beneficiários - esses acreditam em uma política de governo, atrelada a gestões específicas, não relacionando diretamente com o nível nacional de governança; da mesma forma foi possível observar no acampamento.