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Programa "Cestas Verdes" : análise sociotécnica de uma política que conecta produção e consumo na cidade de Limeira, SP

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Ciências Aplicadas

BÁRBARA LELLIS DE SÁ FRIZO

Programa “Cestas Verdes”:

análise sociotécnica de uma política que conecta produção e consumo na cidade de Limeira, SP.

LIMEIRA 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS

BÁRBARA LELLIS DE SÁ FRIZO

Programa “Cestas Verdes”: análise sociotécnica de uma política que conecta produção e consumo na cidade de Limeira, SP.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Julicristie Machado de Oliveira Coorientador: Prof.º Dr.º Roberto Donato da Silva Junior

Dissertação de Mestrado apresentada ao Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, na Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas como recurso parcial para obtenção do título de Mestra em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

LIMEIRA 2018

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BÁRBARA LELLIS DE SÁ FRIZO

FOLHA DE APROVAÇÃO

BANCA EXAMINADORA

______________________________________

Orientadora: Profª Drª Julicristie Machado de Oliveira

(FCA/UNICAMP)

______________________________________

Membro Externo: Profª Drª Marina Vieira da Silva

(Esalq/USP)

______________________________________

Membro Interno: Profª Drª Milena Pavan Serafim

(FCA/UNICAMP)

A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

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AGRADECIMENTOS

Acredito que está nos agradecimentos parte importante da história de como nasce cada trabalho, a coleção de nomes que ajudou a compor a pesquisa por diferentes motivos e perspectivas, que impactaram a pessoa que escreve essas palavras e ressoa em cada palavra. Assim, transbordo aqui minha gratidão pela contribuição de cada um, por serem parte desta tessitura.

Meus pais Cristina e Marcelo que estavam presente na defesa, mas que apoiaram minha vontade em continuar estudando, em mudar de cidade, nos meses em que a pesquisa requeria dedicação exclusiva, mas eu não tinha como me manter e eles foram tudo que eu precisei. Obrigada! Ao meu irmão gêmeo Lucas que sempre está em tudo que faço, companheiro de jornada desde o útero e para sempre.

Aos que antecederam Limeira e que também sempre evoco porque fazem parte do que sou e da minha formação, como as amigas de longa data Caroline Esteves, Juliana Rodrigues e Ana Carolina (cabra), as que vieram com a UNIFESP como Juliana Andrade, parceria de risada e caminhada, Isadora e Camili, com tanto amor para dar e dado! Nossos caminhos se distanciaram logo no começo desta etapa, mas para chegar ao mestrado você foi essencial Eduardo, por isso um obrigado singelo.

E na ordem cronológica que remonto aqui, se tenho trabalho final para apresentar é porque minha orientadora decidiu apostar na forasteira que veio procurá-la perdida e sem rumo no que pesquisar. Juli, muito obrigada por ter compartilhado tanto comigo, pela generosidade, pela relação simétrica que temos e por muito mais. Agradeço também a aluna de iniciação científica que a Juli colocou na minha pesquisa, Mariana Grilo, de grande ajuda e de partilha do que desbravamos e conhecemos.

Ao professor Roberto também, pela coorientação, pelas discussões enriquecedoras no grupo de estudos CAI/CHS, bem como os estudantes que fizeram parte mais frequentemente dos debates e dúvidas sobre a pesquisa: Malu e Isa (queridas companheiras de festas juninas), Bruno, Chico (o “nativo”, que me ajudou a conhecer Limeira), Sayne (alpinista do Morro Azul), Dilan (um esperançoso), Priscilla e Daiane.

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Outros professores do nosso programa também colaboraram de alguma forma com a experiência que foi fazer parte do ICHSA: professor Eduardo Marandola, dos caminhos burocráticos à dissolução de tudo que trazíamos de bagagem em aula; professora Marta por mostrar novas abordagens na docência e ser tão acolhedora com nossos dilemas com a academia. Ao Willon, alunos de pós-doutorado que me ajudou a decifrar meus objetivos, sempre com seu bom humor.

De maneira geral, todos os estudantes que entraram na mesma turma que eu em 2016 foram marcantes, envolventes, bem-humorados, animados e sempre dispostos à camaradagem. A interdisciplinaridade se deu entre nós, comungamos dela em nossos diálogos, na partilha das angústias e alegrias. Carolina Freixo e Eugênio, diferentes gerações do ICHSA, foram nomes sempre citados e para sempre lembrados na memória e neste trabalho.

De maneira bem específica, dois nomes da minha turma merecem menção especial. Heitor e Luis, vocês foram/ são fortaleza em vários momentos, amizade verdadeira nascida em Limeira, obrigada!

A pesquisa só foi possível devido à abertura das diferentes profissionais que encontrei ao longo do traçado. Todas as funcionárias com quem conversei foram essenciais, generosas, abertas e dispostas, à todas, muito obrigada também! Aos cooperados e cooperadas da Cooperativa Maranata, aos que se dispuseram falar comigo, contar suas histórias, que aceitaram minha intromissão, com a melhor das intenções, agradeço imensamente.

Às professoras Milena Serafim e Marina Vieira por aceitarem a participação das bancas de qualificação e defesa, pelas contribuições, pela generosidade do tempo e pela dedicação que tiveram com este trabalho, obrigada!

É demasiado imperfeito tentar captar aqui todos que contribuíram. O que resta é gratidão.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar a experiência de implementação do programa "Cestas Verdes", uma vertente do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), implementada na cidade de Limeira, SP, de abril de 2015 a novembro de 2016. O PAA, na modalidade de Compras Diretas da Agricultura Familiar (CDAF), desenrolou-se de maneira particular no município, com a mudança ao longo de projeto, no sentido de realizar, além de distribuição de alimentos às entidades, um programa que beneficiava famílias vulneráveis em situação de Insegurança Alimentar e Nutricional (IAN) com "Cestas Verdes". Para tanto, estavam envolvidos o Centro de Promoção Social Municipal (Ceprosom), órgão responsável pela Assistência Social da cidade, bem como o acampamento rural Elizabeth Teixeira. Com todos esses atores, o que se pretendeu observar foi a rede sociotécnica que o programa foi capaz de articular, tendo o alimento distribuído como o fio condutor. Assim, o presente trabalho tem o objetivo de analisar o processo de implementação do programa “Cestas Verdes” nos eixos: I. produção do alimento; II. gestão pelas técnicas municipais e III. distribuição das cestas às famílias beneficiárias. Por meio de entrevistas semiestruturadas, observação participante e grupos focais, foi possível constatar nos três eixos, ao percorrer o caminho do alimento, que a experiência em Limeira garantiu a renda de famílias do acampamento que trabalham e se identificam com a agricultura, possibilitando a melhoria da SAN, uma vez que os alimentos que vendiam também eram para o autoconsumo. Para as gestoras, essa política representou um desafio possível, um novo modo de fazer o trabalho da assistência social mesmo com acesso limitado à discussão de SAN. Já para as famílias beneficiárias das “Cestas Verdes”, os alimentos que receberam representaram uma melhora significativa na alimentação, tanto para os que tiveram a contribuição das profissionais da nutrição no aprendizado de novas receitas e preparos, quanto para os que não passaram por um acompanhamento mais sistemático. Com efeito, o PAA mostrou-se burocrático na sua operacionalização, mas foi capaz de coadunar agentes humanos e não humanos em prol do desenvolvimento local e conjuntural de SAN.

Palavras chave: Segurança Alimentar e Nutricional; Programa de Aquisição de Alimentos; Cestas Verdes; Rede Sociotécnica. .

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ABSTRACT

This work aims to analyze the experience of implementing the "Green Baskets" program, a component of the Food Acquisition Program (PAA), implemented in the city of Limeira, SP, from April 2015 to November 2016. The PAA, in the modality of Direct Purchase from Family Farmers (CDAF, in Portuguese), was developed in a particular way in the municipality, with a change throughout the project, in order to realize, in addition to food distribution to the entities, a program that benefited vulnerable families in situations of Food and Nutrition Insecurity (IAN) with "Green Baskets". To that end, the Municipal Social Promotion Center (Ceprosom), the agency responsible for Social Assistance of the city, as well as the Elizabeth Teixeira rural encampment were involved. With all these actors, what was intended to be observed was the socio-technical network that the program was able to articulate, having the food distributed as the guiding wire. Thus, the present work has the objective of analyzing the process of implementation of the program "Green Baskets" in the axes: I. food production; II. management by municipal techniques and III. distribution of the baskets to the beneficiary families. By means of semi-structured interviews, participant observation and focus groups, it was possible to verify in the three axes, along the food route, that the experience in Limeira guaranteed the income of the families of the camp that work and identify with agriculture, making possible the improvement of SAN, since the foods they sold were also for self-consumption. For managers, this policy represented a possible challenge, a new way of doing the work of social assistance even with limited access to the SAN discussion. For the "Green Baskets" beneficiaries, the food they received represented a significant improvement in food, both for those who had the contribution of nutrition professionals in learning new recipes and preparation, and for those who did not undergo follow-up more systematic. In fact, the PAA proved to be bureaucratic in its operationalization, but it was able to coordinate human and non-human agents in favor of local and conjunctural SAN development

Key words: Food and Nutrition Security; Food Acquisition Program; Green Baskets; Sociotechnical Network.

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LISTA DE ABREVIATURAS BPC CAISAN CF CONAB CONSEA CRAS CREAS CREN DAP DHAA EBIA FAO FCA IAN IBGE INCRA ITESP LOSAN MDA MDS MST PAA PNAE POF PRONAF PT SAF SAN SESI SISAN TAR Uniara

Benefício de Prestação Continuada.

Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Constituição Federal.

Companhia Nacional de Abastecimento. Conselho Nacional de Segurança Alimentar. Centro de Referência de Assistência Social.

Centro de Referência Especializado de Assistência Social. Centro de Recuperação e Educação Nutricional.

Declaração de Aptidão ao Pronaf.

Direito Humano à Alimentação Adequada. Escala Brasileira de Insegurança Alimentar.

Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Faculdade de Ciências Aplicadas.

Insegurança Alimentar e Nutricional.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Instituto de Terras de São Paulo.

Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.

Programa de Aquisição de Alimentos.

Programa Nacional de Alimentação Escolar. Pesquisa de Orçamento Familiar.

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Partido dos Trabalhadores.

Secretaria da Agricultura Familiar. Segurança Alimentar e Nutricional. Serviço Social da Indústria.

Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Teoria Ator-Rede.

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LISTA DE IMAGENS E GRÁFICOS

Imagem 1 - Distribuição espacial dos principais equipamentos públicos estudados...p.62

Gráfico 1 – Frutas mais produzidas nos últimos seis meses/kg...p.43 Gráfico 2 – Legumes mais produzidos nos últimos seis meses/kg...p.44 Gráfico 3 – Verduras mais produzidas nos últimos seis meses/kg...p.44

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SUMÁRIO

1. Memorial ... 13 2. Introdução ... 18 2.1 Alguns instrumentos ... 22 2.2 Desenho metodológico... 30 3. A Produção ... 35 3.1 O acampamento ... 35

3.2 Olhares sobre o PAA ... 39

3.3 Alguns números do “Cestas Verdes” ... 42

3.4 Focalizando os agricultores do acampamento ... 46

4. A Gestão ... 53 4.1 A gestão em SAN ... 53 4.2 Tecer em Limeira ... 55 4.3 Ouvindo as gestoras ... 61 5. A Distribuição ... 67 5.1 As escalas da SAN ... 67

5.2 “Como estão as coisas em casa?” ... 70

6. Alinhavando ... 81

7. Referências ... 86

8. Apêndices ... 92

8.1 Apêndice 1 – TCLE dos produtores. ... 92

8.2 Apêndice 2 – TCLE das gestoras ... 96

8.3 Apêndice 3 – TCLE dos beneficiários ... 100

8.4 Roteiros das entrevistas ... 104

9. Anexos ... 106

9.1 Anexo 1 - Autorização Cooperativa ... 106

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Memorial

O que me trouxe especificamente à Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) foi uma insegurança com relação ao rumo que parecia que eu tomava. Minha formação ao longo da graduação em Ciências Sociais foi mais voltada aos estudos sobre alimentação e os estágios que tive oportunidade de trabalhar foram sempre no setor público. Entre esses dois polos que gostaria de seguir após a formatura, no entanto, trabalhos freelances e um emprego na área de Compliance foi o que surgiu. A carreira acadêmica ainda não tinha sido considerada uma opção até começar a frequentar eventos que discutiam exatamente o tema que tinha interesse. Foi em um desses que conheci a professora Julicristie.

Ao descobrir que estava neste programa e que assim existia a possibilidade de fazer algum trabalho na linha dela, com políticas públicas e comida, considerei uma nova perspectiva, a vida acadêmica. Quando nos conhecemos pessoalmente e ultrapassamos a barreira do e-mail, contei sobre meu Trabalho de Conclusão de Curso ela enxergou uma interdisciplinaridade que não me era óbvia. E continuou não sendo de maneira nenhuma. Meu projeto não foi escrito de maneira a convencer a banca nesse aspecto, queria que fosse uma pesquisa viável porque falar sobre comida não necessariamente encerra o assunto em uma disciplina. Parece que deu certo.

Relato um pouco aqui então como foi essa trajetória até o momento, como minha pesquisa foi modificando-se com as discussões em sala de aula, com as discussões pessoais com os amigos que sei que fiz.

Os primeiros meses ficaram marcados com intensos debates a cerca da interdisciplinaridade, ainda que as aulas das duas primeiras disciplinas obrigatórias tenham sido de grande valia para repensarmos a construção do pensamento ocidental, o que pairava muitas vezes nas entrelinhas do que conversávamos eram as questões: o que é e como fazer.

Ainda no primeiro semestre, o grupo de estudos Ciências, Ambientes e Interdisciplinaridades (CAI/CHS) trouxe a teoria de Bruno Latour para minha pesquisa, não considerada incialmente no projeto, mas mais que isso, trouxe a discussão da agroecologia. Vi teorizadas algumas coisas que vivi

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empiricamente na vida, especialmente em família, o imbricamento entre movimento social e teoria acadêmica é fascinante. Problematizei minha relação de consumo com os alimentos e minha própria posição enquanto vegetariana.

No segundo semestre de 2016, na maneira como foram pensadas as disciplinas do programa, a CH003 é bastante provocativa e questiona a posição do cientista, sua presença no texto e na ciência; a tábua da salvação que podemos recorrer existe, se sim, está nos métodos. Seriam essas as perguntas que nos ajudariam no caminho da interdisciplinaridade? Seria suficiente? Ainda no mesmo período, a CH006 mexeu muito comigo e com experiências próprias, discussões a cerca de agrotóxicos, transgenia e estudos de gênero não só nos mobilizam academicamente, mas também nos fazem repensar nossas posições pessoais, com questionamentos identitários na teoria feminista, sobre a militância, qualquer que seja. A suposta objetividade da Ciência foi quebrada aqui, as teias de conhecimentos pessoais que carregamos são inevitáveis, seja numa pesquisa militante, seja na pesquisa não declaradamente militante. As angústias acerca de assuntos tão pertinentes e próprios quanto alimentação causam desespero, mas descontente e desesperadamente grito em português angústias que parecem que nos colocam em um passado resignado, como o dos nossos pais.

O III Seminário do nosso programa também teve impacto na pesquisa e nas angústias. A apresentação foi atropelada, mas apenas uma pergunta trouxe inquietação suficiente: frente ao golpe ocorrido, frente aos problemas que já vínhamos enfrentando com as temáticas da agricultura familiar no Brasil e que possivelmente continuaremos enfrentando, como ficam as pesquisas que tratam de políticas públicas nessa seara, como continuar a labuta nessa via tortuosa? A resposta foi apenas posteriormente elaborada, uma vez que a primeira reação foi de desalento. Mas a mensagem mais difícil e a mais importante de perceber e de se passar é da visibilidade que a pesquisa pode trazer sobre o tema e a temática rural.

No início de 2017, a ocupação da sala UL78 trouxe uma aproximação muito boa com colegas que já eram amigos, boa parte do meu desenvolvimento teórico com a pesquisa ocorreu nesta sala em questão, em discussões com outros colegas, conversando a respeito do que ocorria com a pesquisa de cada um. Ouso dizer que no movimento de aproximarmos e

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estranharmos nossos conhecimentos, de repensar a abordagem disciplinar de origem do colega sobre o que fazíamos, de aceitar uma contribuição alheia; dos autores que cada um estava estudando e que falavam a respeito do que nos movia em pesquisa; dos autores em comum com conceitos ou obras não abordadas que podiam contribuir, seria isso então a nossa interdisciplinaridade encontrada. Mesmo que seja pela tangente, mesmo que não seja num molde pré-estabelecido, que talvez ainda não exista. Tanto foi o exercício que nesta sala organizado o I Colóquio Nacional Interdisciplinaridade nas Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (CONICHSA). Organização esta que pode trazer inúmeros trabalhos dos alunos do meu ano e foi de imensa riqueza a intersecção criada, os trabalhos em conjunto tão aparentemente sem afinidade, mas depois, com afinação e assiduidade, tomaram corpo para compor o evento.

O primeiro CONICHSA também deixa aqui um marco, pois foi minha primeira organização de evento em escala nacional, contudo, apesar de seguir uma linha sobre interdisciplinaridade sob a égide do nosso programa, a produção foi diversa e profícua, com abrangência realmente no país todo e, dessa forma, a troca alcançada com todos foi de suma importância para assentar tudo o que vinha estudando até então. O trabalho artesanal que é a pesquisa científica, na minuciosa atenção a todos os detalhes que compõe o trabalho final ganhou forma: a tapeçaria que quero entregar.

O Programa de Estágio Docente do qual fiz parte no primeiro semestre de 2017 trouxe uma dupla oportunidade para mim: aproximei-me da minha orientadora, de maneira a estreitar afinidades que já carregávamos anteriormente à Unicamp, e também me aproximei da área de Nutrição, mas com outro olhar. Apesar de termos na comida o mesmo objeto, foi um processo digno de uma experiência etnográfica, com o estranhamento de conhecer em campo a forma como outra disciplina trata do mesmo assunto, para além de discursos individuais ou mesmo na somatória do coletivo de vozes que já escutei, bem como o afastamento dos paradigmas que mediavam minhas vivências até então. Como afirma Rosana Guber, após a experiência antropológica, ainda que compulsiva e não deliberada, não retornamos mais os mesmo: repensamo-nos enquanto pesquisador, enquanto nativos e mesmo sobre a influência de novas culturas (mesmo que sejam as nossas culturas).

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Dei uma aula exatamente sobre a alimentação nas Ciências Sociais e ao fim pareceu-me uma abstração muito grande, no entanto, o argumento biológico de micronutrientes é uma alta racionalização que coloquei no extremo oposto do que tratei em aula. Assim, a aproximação entre as duas áreas fez-se essencial, um conciliatório entre quali-quanti, entre as Biológicas e as Humanas, se assim posso essencializar, no melhor estilo da ecologia dos saberes, exatamente o que busco construir na relação acadêmica com a professora Julicristie.

Nessa experiência, e com o CONICHSA, fui capaz de materializar o sentido de interdisciplinaridade que os professores Roberto e Álvaro colocaram em seu artigo. A contribuição da postura etnográfica em busca de um pluralismo paradigmático é essencial para a construção da interdisciplinaridade que busco.

Assim, com essa nova perspectiva, o que sei é que trilho ainda um caminho desconhecido, mas menos angustiante com o desenrolar da pesquisa, com os avanços do campo e com relações mais estáveis. O resto da história que ainda precisa ser contado fica para a dissertação completa, ao final de todos os semestres e com reticências sobre o futuro, sobre a interdisciplinaridade. Cada mestrando conta uma história diferente de como foi sua experiência no programa, seu desenvolvimento pessoal e profissional, mas poder contar junto com o resultado dos dois anos é um diferencial que reforça: nenhum ser humano é uma ilha, produzimos coletivamente e enquanto consequência de tudo que passamos.

Esse exercício proposto então pelos professores da última disciplina obrigatória do programa, a CH004, de escrever um memorial contando um pouco de nossa trajetória não só nos aproxima enquanto pesquisadora de nossa pesquisa, mas também me ajudou a romper, após esse um ano e meio de mestrado, com a noção de solidão na pesquisa. Evoquei vários personagens acima que foram essenciais para o texto que vou apresentar. E essas pessoas essenciais não se resumem apenas às ligadas à FCA, todos meus informantes estão presentes e contribuíram com reflexões pessoais e acadêmicas, se assim posso separar enquanto recurso explicativo a mim mesma.

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A parte de coleta de dados do meu campo propriamente dito e delimitado pelo comitê de ética trouxe informações oficiais, mas difícil afirmar que é esse período apenas que está relatado aqui. A escrita que faço aqui não começa aqui. Como ilustra Mia Couto, eu me tornei disponível para contar essa narrativa que já existia, esperando apenas uma ocasião.

A ocasião: sou de Guarulhos, grande São Paulo, e ao longo do Ensino Médio, estudei na capital. O que mais ouvia era que morava no interior, afinal o que resta além da capital é isso, com todas as conotações pejorativas dos sãopaulocêntricos. Já no mestrado, minha classificação foi oposta, que eu sou da cidade grande, acostumada com o algoz da poluição e com a movimentação da cidade grande. Desse limbo identitário que me vi, resolvi me apegar à imagem de “caipira” indo morar em Limeira, afirmando a história da família que vem de outras cidades do interior do estado de São Paulo, e abracei a vida aqui. Assim, a cidade de Limeira sempre fez parte do meu campo, desde que me mudei até o último dia que estarei aqui. Estudar na FCA só faz sentido pra mim porque estudo seu contexto, seu redor, enxergo a rede da qual faz parte e que não pode ser desconectada da cidade.

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Introdução

É possível observar que o estudo da alimentação humana esteve presente, em certa medida, na história da Sociologia, porém não ocupou ou ocupa posição de destaque. No processo de categorização disciplinar, desde a divisão ocorrida entre as Ciências Naturais e as Ciências Humanas e Sociais e, posteriormente, com as ramificações internas, a alimentação perpassou enquanto um objeto de estudo indexador. Temos campos de estudos derivados da Sociologia bem estabelecidos e que tratam do tema: Sociologia Rural, Sociologia do Trabalho, Sociologia da Religião, Sociologia Urbana, Estudos de Gênero (POULAIN, 2013, p. 150), ou mesmo na Antropologia, se estendermos a abrangência às Ciências Sociais. No entanto, a constituição de um campo de estudos estabelecido e bem delimitado enquanto Sociologia da Alimentação ainda está em construção, principalmente se considerarmos a hierarquia de prestígio com relação a certas temáticas, na qual essa é entendida algumas vezes como menor e menos nobre.

Mesmo assim, é possível observar em certas localidades uma consolidação e institucionalização maior desse campo de estudos, com trabalhos de levantamentos bibliográficos interessantes em relação ao que já foi produzido e que apontam caminhos para serem trilhados1. A polissemia a respeito da comida que comemos, como comemos, com quem comemos e indagações derivadas e infinitas sobre o tema é evidente.

Apesar do alcance da produção científica de fora do Brasil acerca desse tema ser maior se comparado ao da produção nacional, especialmente ao considerarmos o destaque de certos países na liderança de criação e perpetuação de epistemologias e na estruturação global da produção científica (SANTOS, 1989), no Brasil, a partir da década de 1980, começaram a surgir estudos mais focalizados na alimentação. Entre outros autores, Canesqui (1988) fez um balanço bibliográfico a respeito da alimentação no país, com um recorte entre as populações rurais e urbanas. Ainda que mais próxima da

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Principalmente na França é possível observar uma boa produção nos trabalhos de GRIGNON & GRIGNON, 1980, FISCHLER, 1990, POULAIN, 2003, 2014, RÉGNIER et al., 2006, e na Espanha com DÍAZ MENDÉZ & GARCÍA ESPEJO, 2014.

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Antropologia, a análise do estudo empreendido se deu desde a década de 1940, em diferentes regiões brasileiras, demonstrando uma característica dos estudos da área de alimentação: um elo entre outras atividades sociais, como ritos religiosos, festas e questões de gênero. Outro trabalho de esforço interdisciplinar é a obra Antropologia e Nutrição (CANESQUI, GARCIA, 2005), com a colaboração de diversas áreas para demonstrar primeiramente o caráter multifacetado da alimentação e questionar o biologicismo que podemos observar em algumas análises. Na área de Antropologia da Alimentação, de grande contribuição para a construção de uma autonomia desse tipo de empreendimento científico, temos obras que enfatizam ingredientes marcantes e constituintes da identidade nacional, como a farinha de mandioca, o dendê e o coco (LODY, 2008).

Ainda que seja esse um tema pulverizado em diversas áreas e subáreas e que exista um esforço disciplinar de criação de mais uma especialização sobre o tema, a alimentação precisa ser compreendida também através das estruturas sociais que a sustenta. O sistema capitalista sob a égide da geração de riquezas no qual vivemos passa por um momento de crise que afeta também este tópico tão íntimo à vida humana. Contudo, a crise não é do fracasso e sim dos triunfos; esse sistema foi bem sucedido em sua reprodução e observamos cada vez mais o que é sólido desmanchar-se no ar (BECK, 2013, p.13).

A fase da industrialização na qual estamos, denominada por Beck (2011) de modernização reflexiva, uma etapa do desenvolvimento do sistema econômico hegemônico caracterizada exatamente por incertezas e medo. Essa, por sua vez, cria condições para a emergência de uma Sociedade de Risco, onde nossa produção de riquezas ultrapassa nossa habilidade de prever os riscos engendrados nessa produção. E, segundo o autor, os riscos são globais, irrestritos e imprevistos, de consequências cada vez mais imprevisíveis.

Em um movimento crescente de tentativa de homogeneização e globalização de nossa alimentação, as características da Sociedade de Risco aplicam-se nesse tema também, entretanto, esse pode ser considerado uma forma curta de ler a história, como afirma Poulain (2013). Anteriormente aos processos industriais recentes envolvendo nossa comida, sempre fizemos

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ponderações acerca dos riscos que envolvem o ato de comer, essa constante na alimentação humana, então, atua com uma lógica própria na incorporação e no consumo, bem como marca identitária (POULAIN, 2013, p.93).

Assim, fora do contexto capitalista, temos, por exemplo, a maestria dos indígenas em desenvolver tecnologia e habilidades para lidar com a mandioca brava (Idem, p.95), ou mesmo na cosmologia de dadas comunidades em que as regras alimentares não estão cindidas da construção lógica do ordenamento social, com suas purezas e tabus (DOUGLAS, 1991). De fato, não importa em qual contexto decidimos estudar a alimentação, sempre haverá certo nível de reflexão. A questão notória a ser ressaltada aqui é que estão imbrincadas ambas as abordagens: tanto as características da sociedade do risco descritas acima na temática alimentar, enquanto vitórias do capitalismo e como estrutura social, quanto às noções de cunho mais particular e de identidade cultural.

Para além do que elencamos como elegíveis para nossa alimentação enquanto comunidade, muitos estudos surgiram para se debruçar àqueles que pouco ou nenhum acesso tem a alimentos adequados às suas necessidades. Assim, o paradigma da fome e da falta de acesso à comida é abordado no Brasil desde o final do século XIX por Rodolfo Teófilo, culminando na obra acadêmica mais conhecida sobre a realidade brasileira a respeito da fome com Josué de Castro, passando mais recentemente pelo diário de Carolina Maria de Jesus. No campo da literatura, (se é que podemos distinguir realidade de ficção) temos as obras O Quinze de Raquel de Queiroz e Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Além dos exemplos nacionais citados, a obra do economista Amartya Sen (1981) traz reflexões sobre grandes fomes em locais como Bangladesh e Etiópia. Aparentemente, nos últimos anos, a média do crescimento econômico mundial superavitário concomitante às políticas públicas de caráter mais progressista em certas localidades, foi possível observar a redução de estados de fome e desnutrição (FAO, 2014). Contudo, os números que foram postos como marcos de vitória há poucos anos atrás já começam a regredir, num cenário político de grande instabilidade, tanto no Brasil, quanto no mundo (FAO, 2017). Assim, é preciso questionar se o baluarte da discussão, que caminhava cada vez mais do polo da quantidade ao polo da qualidade, foi superado.

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Na intersecção desses dois polos e no cenário de incertezas difusas que a sociedade ocidental vive cada vez mais latente, intensificou-se o debate a cerca de ações de políticas públicas mais assertivas e que abrangessem ambas as preocupações. Para isso foi preciso conceituar o que é Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). No Brasil está definida da seguinte forma:

A Segurança Alimentar e Nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. (BRASIL, 2006, Lei 11.346, Art. 3º).

No texto jurídico acima, a conceituação de SAN tenta abarcar a totalidade do ato de alimentar-se em aspectos como produção, distribuição, biodiversidade de alimentos, suas condições higiênicas, o efeito na saúde e a regulamentação estatal, compreendendo de maneira mais global a rede em que cada alimento produzido pertence. O espaço na agenda do governo para esse tema foi uma conquista da sociedade civil, que sentia os efeitos das políticas neoliberais de privilégio exclusivo do capital (PINHEIRO, CARVALHO, 2010).

E no bojo das conquistas da sociedade civil, a população rural também teve um papel determinante neste período na esfera política, pois pressionou a criação de diversos programas federais (GRISA, SCHNEIDER, 2015), entre eles o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2006, através da Lei 10.696, enquanto ação estruturante dentro do Programa Fome Zero (BRASIL, MDS, 2006). A experiência do PAA em Limeira, objeto de estudo desta pesquisa, se deu na modalidade de Compras Diretas da Agricultura Familiar – CDAF, por meio da mediação da prefeitura municipal. O diferencial desta experiência foi ter sido desdobrado um novo público alvo ao longo do projeto que visava atender apenas entidades socioassistenciais conveniadas com a rede municipal de assistência social. Tendo em vista o volume sem precedentes que a produção da cooperativa do acampamento Elizabeth Teixeira alcançou e buscando atender um público em Insegurança Alimentar e Nutricional (IAN) mapeado na cidade, foi elaborado o projeto “Cestas Verdes”. O referido projeto consistia em remessas semanais, a princípio, dos alimentos

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produzidos, como legumes, verduras e algumas frutas às famílias vulneráveis acompanhadas em várias partes de Limeira.

Assim, seguindo o caminho do alimento, os capítulos foram divididos nos três eixos de análise. O primeiro capítulo trata da produção dos alimentos, da relação dos agricultores com o PAA, como foi para eles a experiência de participação. Para tanto, pretendeu-se compreender como se deu a escolha dos alimentos para venda, se eles se alimentam com outros alimentos além dos que plantavam; se possuem a noção de que sua produção ia para pessoas que não podiam comprar alimentos de qualidade e se essa concepção de qualidade rebate no que pensavam sobre alimentação saudável, se afeta seus próprios hábitos alimentares.

O segundo capítulo explicita a relação das gestoras municipais com o PAA, como foi trabalhar com esse programa federal. Buscou-se compreender também a rotina do processo de distribuição dos alimentos e, para tanto, levavam em consideração quais os alimentos que faziam sentido e sustentariam a fome das pessoas que iam recebê-los.

O terceiro capítulo versa sobre o encontro entre os alimentos e as famílias vulneráveis, trata-se, assim, do eixo da distribuição. Enquanto os beneficiários finais do projeto “Cestas Verdes”, neste capítulo buscou-se fazer uma avaliação da política pública e compreender o quão efetiva foi essa distribuição de alimentos às famílias que os receberam, como cozinharam e como comiam esses alimentos. Fazia sentido receber alimentos como raiz de mandioca, couve e abóbora?

Por fim, as considerações finais fecham este trabalho com algumas respostas para as perguntas levantadas e sinalizam alguns possíveis pontos cegos que o PAA como política de âmbito federal não consegue enxergar localmente.

Alguns instrumentos

Para tratar do programa “Cestas Verdes” em questão, da experiência do PAA em Limeira, foi escolhida a análise de redes sociotécnicas. Para compreender como essa política se desenvolveu e fazer sua avaliação, foi

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necessária uma habilidade tecelã. Desde o intuito inicial do projeto que versava sobre as compras diretas e, posteriormente, sobre a distribuição das “Cestas Verdes”, foram engendradas possibilidades para traçar essa rede, essa trama, que, outrora, eram apenas fios desvinculados, relações difusas e desencaixadas.

“A Moça Tecelã”, de Marina Colasanti (2004), elucida o procedimento que será necessário fazer para evocar todos os fatores importantes nessa política. A moça acorda cedo para, em seu tear, fazer existir o sol e a chuva. Com sua vontade, tece sua realidade, cumpre com as necessidades vitais a partir do tear. Com os fios e na tapeçaria, constrói e desmonta castelos.

O empreendimento para tecer esta rede sociotécnica é similar ao da personagem, dadas as relações já existentes e o emaranhado teórico para sustentação e fabrico das linhas que contarão a experiência em Limeira. Assim, foi necessário um esforço para entender o que era imprescindível para tecer, compor a tapeçaria, como os fios, as cores, o material... Elementos fundamentais que conectam, definem, materializam, montam a trama e contam a história.

Um dos fios da meada para a tessitura está na obra de Deleuze e Guatarri (2017). O pano de fundo de toda a obra de Mil Platôs passa pela discussão sobre a filosofia da diferença, sobre a binaridade do pensamento ocidental, polarizado e compartimentado. Como aponta Ferreira (2008), o paradigma imperativo na maneira como pensamos e agimos está localizado em Platão, nas classificações, oposições e hierarquizações do pensamento (p. 29). A produção científica consolida-se conforme estes parâmetros platônicos a partir do século XIX, no auge de nossa busca por um projeto de modernidade.

No enfrentamento das caraterísticas dominantes na epistemologia ocidental, o que Deleuze e Guatarri buscam é uma proposta que se afaste dessa dicotomização, das categorias binárias que produzem e reproduzem o que chamam de pensamento arborescente, stunk e pré-moldado. A imagem da partitura do músico Sylvano Bussoti, logo no começo do volume I, pode ilustrar um exemplo para a narrativa a respeito do oposto ao pensamento arborescente, o rizoma: diferentemente da “realidade espiritual” da árvore-raiz, no seio da produção hegemônica como já colocado, o sistema do rizoma busca fazer o múltiplo (DELEUZE, GUATTARRI, 2017, p.21), longe da linearidade e

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trabalhando sempre na conjunção, somando novas possibilidades nos fios que podem parecer soltos.

Os princípios elencados pelos autores são importantes para compreendermos o rizoma, e, por sua vez, a construção da Teoria Ator-Rede (TAR). Os princípios de conexão e heterogeneidade dizem a respeito das ligações improváveis que o rizoma pode fazer se nos ater em como nosso pensamento está fixado na binaridade; os vínculos mais diversos são possíveis e uma prerrogativa desse sistema, sempre “efetuando um descentramento sobre outras dimensões e outros registros” (Idem, p.23). O princípio da multiplicidade elucida sobre uma multiplicidade diferente daquela em oposição ao todo, ao uno, essa por sua vez não se deixa codificar, foge das classificações, é indefinida e indefinível. O princípio de ruptura assignificante estabelece uma característica do rizoma de possibilidade de ser rompido e retomado a partir de qualquer outra parte e, em consonância com os outros princípios, a partir da multiplicidade, a ruptura opera em qualquer parte desterritorializando qualquer significação que pudesse ocorrer. Por fim, os princípios de cartografia e decalcomania são ainda relacionados com os princípios anteriores, na qual o pensamento arborescente possui a mesma lógica do decalque, nos moldes pré-estabelecidos e pré-estruturados, fechados; o rizoma, no entanto, é um mapa aberto, “(...) conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. (...) adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social” (Idem, p.30).

Um fio puxa outro e logo chegamos a Bruno Latour. É possível observar nas obras do autor, inicialmente em Jamais Fomos Modernos (LATOUR, 2012a), um desdobramento convergente do pensamento de Deleuze, que vai ao encontro do postulado construído de modernidade, pois apesar de operarmos na lógica compartimentada, nossa vida não funciona por meio de subdivisões. O argumento é que o projeto alexandrino de expansão do pensamento helenístico teve grande força para nos estruturar enquanto ocidente, bem como nossa produção epistemológica. Porém, no apontamento acima com o pensamento arborescente, no entanto, dificilmente nos enxergamos agindo dessa forma. Essencialmente, o ocidente “moderno”

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dividiu-se entre discurso, fato e natureza, separados formalmente em suas especialidades. Enquanto antropólogo, o que Latour afirma é que não conseguimos enxergar em nossa sociedade o nosso próprio tecido inteiriço, o entrelaçamento dos mais diferentes temas da vida. E assim, a modernidade nunca chegou de fato. Ao considerarmos esta premissa de Latour, o que é possível observar, cada vez mais acontecendo nessa incongruência de compartimentação e binarismos é a proliferação de híbridos, categorias que vão se recombinando entre natureza, fato e discurso, mas não transicionam entre si, apenas vão cruzando de maneira indisciplinar barreiras firmemente construídas quase espontaneamente (BACHUR, 2016).

A exemplo das notícias de jornal que Latour (2012a) narra, ao nos depararmos com os alimentos enquanto objeto de estudo, também podemos observar esse comportamento indisciplinar: as barreiras disciplinares não conseguem ser respeitadas, os alimentos protagonizam escândalos globais de contaminação, são alvos de polêmicas quanto às suas propriedades nutricionais (que diga o ovo!), são motivo de revoltas, são oferendas, são identitários. Enfim, o que não são definitivamente é assunto exclusivo de um único tipo de especialista que podemos encontrar no jornal, em livros e redes sociais.

Como vimos, se já não cabemos na boca de um tipo de especialista, e se a vida não é compartimentada, binária e cindida como somos estruturados a pensar e agir, se à maneira das comunidades estudadas pelos antropólogos na categoria de “outro” temos também imbricados todos nossos aspectos da vida um no outro, a proposta teórica e metodológica de Bruno Latour é encararmos o social da maneira mais simétrica possível, sem hierarquias valorativas dadas a priori. Por mais difícil que seja desvincularmo-nos de nossos valores “modernos” ao estudarmos nossa sociedade, Latour (2012b) sugere três incertezas, três suspeitas que devemos ter com binarismos muito fortes e enraizados: as noções de erro e certeza; a oposição modernidade e tradição, e os polos colocados como distantes e díspares de sociedade e natureza. Todas essas categorias são estruturantes e perpetuamente estruturadas em nossa sociedade, com a preponderância sempre do ser humano, com certos adjetivos mais “adequados” no polo positivo. O que é essencial na premissa da simetria

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do social é ter o intuito de dar agência também ao não humano, afinal produzir existência não é primazia nossa.

Fazer ciência não significa, então, desvelar um mundo de coisas independentes do homem, mas relatar e organizar as articulações em um coletivo, redefinindo funções e recolocando as possibilidades de ação de humanos e não humanos. (GONZALES, BAUM, 2013, p. 148).

O trecho acima traz a dimensão do papel do cientista, mas especialmente daquele envolvido com essa teoria, da importância de saber articular todos os fios já existentes, de compreender as associações e suas possibilidades. Além dos conceitos deleuzianos apresentados aqui, parte importante da constituição de uma rede sociotécnica está nos fundamentos da Sociologia das Associações de Gabriel Tarde (2003). Ao contrário do que ocorreu para a consolidação da cátedra de Sociologia, com o afastamento rigoroso da Filosofia, entre outras disciplinas, Tarde buscou justamente no campo da filosofia a teorização do social, mais especificamente nas mônadas de Leibniz. Essas são estruturas pensadas como um átomo, a matéria última e indivisível do século XVIII, mas que para Tarde trouxeram reflexões a respeito do social, da divisão acadêmica entre indivíduo e sociedade. O argumento do autor é de que as mônadas não se encerram em si, não são microcosmos, elas trazem o Universo em si e estão relacionadas coletivamente (VARGAS, 2003). Os estudos do filósofo alemão não estavam relacionados necessariamente aos humanos, mas aí está a reinvenção que Tarde pôde proporcionar, ao estudarmos as coisas colocamos cargas valorativas diferentes, assumimos uma posição superior e dizemos que o que não conhecemos é muito mais simplista. É chamado de neomonismo esse desdobramento realizado por Tarde, que traz consigo o que Vargas chama de miriateísmo (Idem, p. 27), uma miríade de possibilidades cabidas em humanos e não humanos; pregando inclusive contra o antropocentrismo nas ciências humanas.

Outros nomes importantes também trouxeram contribuições, como John Law e Michel Callon. Em consonância com o conceito de simetria apresentado, Law defende que à TAR cabe tratar da mecânica do poder, não assumindo hipóteses a priori em busca de causalidades, mas sim as origens dos desníveis sociais, da compreensão de interações mais bem estabelecidas e rigorosamente mais fortes, ou seja, “(...) como tamanho, poder e organização são gerados.” (LAW, s/d, p.3). Outro aspecto importante que o autor ressalta é

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o carácter heterogêneo da rede, da importância de entender que para analisarmos uma rede a noção de social é composta de diferentes materiais e é essencial percebermos a justaposição de elementos diferentes dos humanos envolvidos. Para além da racionalidade humana na produção do conhecimento, o contexto social precisa ser incorporado, sem, no entanto, nos esquecermos do papel fundamental dos computadores, dos livros, de instituições de ensino e fomento, etc., e assim, a TAR seria para o autor, portanto, uma “engenharia heterogênea”.

Se a observação que mais pudemos notar sobre a TAR é que não se pode fazer nenhuma afirmação apriorística, ela é colocada, então, radicalmente como empírica e o tecer das redes é, assim, um fazer conjuntural, localizado e variável em sua significação (LAW, s/d). Ainda para o autor, existem quatro estratégias para que ocorra a tradução, um verbo essencial na TAR e que “implica transformação e a possibilidade de equivalência, a possibilidade de uma coisa (por exemplo, um ator) representar outra (por exemplo, uma rede).” (LAW, s/d, p. 10). As duas primeiras estratégias dizem a respeito de tempo e espaço, versam sobre a durabilidade de diferentes materiais envolvidos em nosso social, sempre considerando essa duração enquanto um efeito relacional; e sobre a espacialidade dos acontecimentos, na relação centro e periferia e o poder de ação em longa distância, sob a égide de vigilância e controle, especialmente com os avanços tecnológicos. A terceira estratégia coloca com maior grau de efetividade a tradução quando antecipa as reações dos materiais no processo de tradução, fugindo, no entanto, de determinismos e entendendo também enquanto efeitos relacionais2. A última estratégia, por sua vez, reforça o objetivo da rede que é localizado, muito embora uma rede não seja isolada e ramifica-se através de outras, o que pode ajudar a tecer a realidade macro.

Assim como foi observado, os antropólogos, e cientistas sociais como um todo, ao debruçarem-se para suas próprias sociedades “se apequenam” diante de uma dita complexidade da modernidade e por não conseguirem desvincular-se de seus valores. Contudo, o que os teóricos da TAR nos

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Dois outros autores de grande relevância apresentados no argumento de Law são Michel Foucault e Max Weber, cada um abordando de certa forma tanto a questão da transmissão do poder quanto as relações sociais enquanto teias (redes!) de conhecimento.

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mostram é que podemos ter deixado passar, desde Thomas Kuhn, a noção de controvérsia. Essa compreende que para cada novo paradigma que se estabelece, em qualquer área da ciência, existe um conflito de interesses que vai além dos humanos envolvidos, uma rede de apoio que possibilita a consolidação ou não de dado projeto. Perceber de outra forma o contexto social implicado na produção de conhecimentos retoma a atitude sugerida de desconfiança com relação às hierarquias pré-estabelecidas. Assim, a rede pode trazer uma diluição no sentido em que “(...) representa uma terceira via, a que reconcilia modernização e tradição, a que torna compatíveis ação individual e projeto coletivo, a que nos faz entrar em um mundo que partilhamos pacificamente com as coisas que criamos” (CALLON, 2013, p. 79).

Dessa forma, numa teoria que parece ser de reconciliação, que reconstrói laços desfeitos no projeto de modernidade, “(...) a teoria do ator-rede não abre mão do hífen entre seus termos: só existem atores articulados em rede; a rede articula a ação.” (BACHUR, 2016, p. 7), e assemelha-se então com a metáfora da erva-daninha que surge nos espaços menos esperados, aparentemente impossíveis da vida acontecer, preenche vazios; se dá no meio, entre as coisas (DELEUZE, GUATTARI, 2017, p.40). Por fim, caracterizada assim, retomamos na agulha a linha que define de outra forma o rizoma, que “não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo” (Idem, p. 48).

Posto os principais elementos da teoria que entrelaça humanos e não humanos, a TAR tem dupla função, pois se qualifica também enquanto metodologia. As redes sociotécnicas são exatamente a expressão dessa metodologia, da tessitura entre a natureza, o social e o discurso, da reconstrução do tecido inteiriço social, de inspiração etnográfica, pensando na trajetória dos autores apresentados. O desafio é reter na pesquisa e na pesquisadora a qualidade desenvolvida pelos antropólogos no olhar ao que foi classificado socialmente enquanto “outro”, seja o outro uma coisa, uma tecnologia, ou mesmo uma pessoa percebida enquanto parte de outra rede. É possível, inclusive, questionar o posicionamento clássico entre sujeito-objeto que, de certa forma, Latour não levou até às últimas consequências (BANCHUR, 2016), mas que tenta diluir ao propor agenciamentos não antropocêntricos. Por mais que se proponha rizomática uma narrativa à luz da

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TAR, está estabelecida essa hierarquia, a posição do pesquisador acaba sendo ainda principal, uma vez que é ele o detentor do discurso que tece tal rede, que finca o começo e o fim da história.

A simetria radical de Latour que Bachur (2016) critica será levada em consideração na redação deste texto. Como recurso analítico, a redução em três essências de nossa sociedade dita moderna que Latour faz em fato, natureza e discurso, aqui já apresentadas, será também um norteador para compreendermos os diferentes elementos nessa pesquisa. As entrevistas feitas com as pessoas elencadas como atores importantes ao longo da rede são o discurso preponderante. Por isso, o esforço engendrado foi de saber dar vida a uma rede e materializar as relações ainda não descritas, aos modos da moça tecelã trazer todos esses elementos que em suas miríades de possibilidades e características desvelam-se em Limeira sob essa política pública.

Objetivo

O objetivo desta pesquisa foi analisar o processo de implementação do programa “Cestas Verdes”, uma vertente do PAA de Limeira, SP, nos eixos: I. produção do alimento; II. gestão pelas técnicas municipais e III. distribuição das cestas às famílias beneficiárias.

Objetivos Específicos

De forma específica, ao percorrer o caminho do alimento nos três eixos, esta pesquisa buscou responder:

1. Para os agricultores, quais são os alimentos para serem vendidos? Como esses alimentos são produzidos? Há diferença entre os alimentos para vender e para consumo próprio?

2. Para as gestoras e executoras, como foi trabalhar com uma política de SAN? Como esses alimentos foram distribuídos? Quais foram os maiores desafios ao trabalharem com a alimentação das famílias? 3. Para os beneficiários, quais são os alimentos que fazem sentido

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contribuiu para a amenização da pobreza, da IAN e a promoção de hábitos alimentares saudáveis? Como os alimentos são apropriados e incorporados no cotidiano alimentar dos beneficiários? Quais modos de cozinhar e armazenar são empregados?

Desenho metodológico

Para a análise do programa “Cestas Verdes” em questão, desenvolveu-se um dedesenvolveu-senho metodológico com diferentes ferramentas de coleta de dados, adaptadas para cada eixo em que foi dividida a política.

Em primeiro lugar, a TAR tem forte inspiração etnográfica e exige um exercício difícil ao pesquisador para deslocar-se de suas certezas e desconfiar de informações apriorísticas em seus estudos, especialmente naqueles que envolvem a “nós mesmos”. Assim, os primeiros dados a serem apresentados em cada um dos capítulos são do diário de campo da pesquisa elaborado a partir de observações participantes realizadas nos três eixos pelos quais percorreu o alimento, entre Outubro e Dezembro de 2016. Segundo Minayo (2014), a observação participante ampara-se em um amplo debate teórico e é uma das metodologias de coleta de maior importância na área qualitativa, pois possibilita uma inserção na “realidade”. Longe de determinar o que é a realidade, a participação nesse caso serve para posicionar a pesquisadora, colocar-me in loco, e o diário de campo foi um instrumento de registro, uma vez que “é exatamente esse acervo de impressões e notas sobre as diferenciações entre falas, comportamentos e relações que podem tornar mais verdadeira a pesquisa de campo” (MINAYO, 2014, p. 295).

Para o primeiro eixo, foram pensadas entrevistas semiestruturadas com uma amostra de cinco produtores vinculados à cooperativa e que participaram efetivamente desse projeto do PAA no município. No entanto, ao propor e tentar realizar a coleta de dados dessa forma houve uma contraproposta de realização de uma entrevista coletiva pelos próprios agricultores, reunindo-se alguns deles entre os pré-selecionados e outros não previstos para uma única conversa. Conforme é explicado no capítulo um, uma série de fatores contribuiu para a mudança dessa parte do desenho, porém não causou

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maiores prejuízos à pesquisa e aos participantes. A entrevista coletiva, por fim, foi bastante profícua para ouvir de todos como foi a experiência do PAA, ocorrida no dia 18/09/2017, com a duração de 39 minutos.

A princípio, para a construção dessa parte da amostra da pesquisa, foram levantados os dados quantitativos de toda a produção no período de abril de 2015 a novembro de 2016, a partir das planilhas de prestação de contas fornecidas pelo Ceprosom – Centro de Promoção Social Municipal, órgão responsável pela área de Assistência Social e pela gestão do projeto. Assim, ao analisar toda a produção, foram elencados para compor a amostragem quatro agricultores, duas mulheres e dois homens, dois que não conseguiram e dois que conseguiram alcançar a meta colocada no projeto inicial, e um coordenador. Assim, foram agendadas as entrevistas, porém houve uma entrevista coletiva, quando foi possível captar seus relatos e impressões a respeito da participação no projeto, bem como fazer a avaliação a partir da perspectiva desse grupo. No dia da conversa, foram ouvidos sete agricultores, quatro mulheres e três homens, sem maior controle se tinham ou não alcançado a cota de produção.

Para o segundo eixo, na gestão municipal, as entrevistas semiestruturadas também foram eleitas para a coleta dos dados, tanto para as gestoras que ajudaram a elaborar a política e colocá-la em prática, quanto para as que estavam na operacionalização e materialização de todo o processo, desde a coleta, montagem e distribuição das “Cestas Verdes”. A amostra foi pensada exatamente para captar as vozes de funcionárias (todas as ouvidas foram mulheres) ao longo de toda a capilaridade da instituição do Ceprosom. Assim, foram realizadas entrevistas com duas gestoras de maior influência, que participaram na elaboração do projeto e colocaram-no em prática; outra gestora com menor participação nos trâmites burocráticos, mas profundamente envolvida na gestão e operacionalização de todo o projeto. Ademais, foram entrevistadas duas assistentes sociais com envolvimento direto com os beneficiários, de dois territórios distintos do município, com experiências diferentes. Ao todo, foram cinco entrevistas, realizadas no mês de abril de 2017, com durações variadas, entre 30 a 90 minutos de conversa.

Para o terceiro eixo, exatamente no momento da observação participante, foram realizadas visitas em todos os Centros de Referência à

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Assistência Social (CRAS) do território de Limeira que faziam a distribuição das cestas, através da capilaridade característica de seu atendimento. Sendo estes o CRAS Nossa Senhora das Dores, CRAS Presidente Dutra, CRAS Casa das Famílias, CRAS Cecap, além do CREN (Centro de Reabilitação Nutricional) e o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). Ficaram marcantes as diferentes experiências em cada equipamento, mas foi preciso escolher dois locais para aprofundar a coleta de dados da pesquisa, especialmente com os beneficiários finais.

Para a amostra desse eixo, ocorreram duas etapas. Inicialmente, aplicamos apenas no Centro Comunitário Odécio Degan os mesmos questionários que os gestores do Ceprosom elaboraram para a compreensão da situação de IAN das famílias que potencialmente poderiam receber as cestas, já com o PAA em andamento, mas antes de colocarem em prática as “Cestas Verdes”. Tais questionários foram aplicados pela gestão municipal quase no final do projeto e o intuito era de compreender quais os perfis das famílias que recebiam as cestas. Depois, após escolhidos o centro comunitário Odécio Degan, referenciado ao CRAS Casa das Famílias, e o centro comunitário Morro Branco, referenciado ao CRAS Nossa Senhora das Dores, foram recolhidas as informações documentadas de todos os beneficiários que receberam as cestas, como nome, endereço, quantas vezes recebeu as cestas e se e quando houve descontinuidade do recebimento. Com esse levantamento de todo o período, foi decidido que seria melhor avaliar a partir apenas dos últimos seis meses, uma vez que a última entrega foi em novembro de 2016 e conversar com as pessoas que recebiam os alimentos no começo do projeto poderia ser infrutífero.

Ao fim desse levantamento de dados, um grupo focal para cada território elencado foi convocado, com apenas a realização de um encontro, visando amenizar a expectativa com relação à volta do programa “Cestas Verdes” que para os beneficiários poderia parecer eminente. A estratégia de grupo focal, compreendendo esse enquanto “um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir e comentar um tema, que é o objeto de pesquisa, a partir de sua experiência pessoal” (POWELL, SINGLE, 1996, apud GATTI, 2012, p. 7), foi importante para se alcançar o objetivo dessa seção da pesquisa. Esse é um método que permite compreender práticas

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cotidianas, comportamentos e atitudes, uma vez que se consegue colocar uma série de indivíduos dos quais se quer obter as informações em interação, possibilitando um melhor diálogo e amenizando também a hierarquia que possa existir entre pesquisador e pesquisado. Ao optarmos por essa ferramenta para a construção coletiva das opiniões a respeito da política pública da qual participaram, utilizamos um método de coleta que pode ser considerado intermediário entre as entrevistas e a observação participante (GONDIM, 2002, apud TRAD, 2009, p. 781), amplificando as formas de coleta de dados.

O grupo focal no bairro Odécio Degan ocorreu em dois de junho de 2017 e contou com a participação de 11 pessoas, além das pesquisadoras presentes, e teve a duração de 42 minutos. O grupo focal no bairro Morro Branco ocorreu em 19 de julho de 2017 e contou com a participação de sete pessoas, excluindo as pesquisadoras presentes, e teve a duração de 32 minutos.

A participação de todos os sujeitos de pesquisa mencionados só foi possível por meio da mediação dos funcionários do Ceprosom, que foram abrindo os caminhos e recebendo a proposta de pesquisa de maneira receptiva, na esperança de uma contribuição ao trabalho deles. As etapas de trabalho de campo, realizadas com os agricultores, com gestores e técnicos e com os beneficiários foram tranquilas e propiciaram um bom ambiente para a observação participante. Parte considerável dos dados coletados veio das observações feitas durante alguns momentos considerados exploratórios, de conhecimento da política e das pessoas envolvidas, para então traçar-se a rede sociotécnica.

Os instrumentos de campo utilizados como roteiros, tanto nas entrevistas como para os grupos focais, os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), bem como as autorizações, seguem nos apêndices e anexos, respectivamente, e foram todos submetidos ao Comitê de Ética em Pesquisa e aprovados, sob o número do processo 64438316.5.0000.5404, dia 23 de abril de 2017.

Os áudios de todas as entrevistas, individuais ou coletivas, e os grupos focais foram gravados com auxílio de smartphones e tablets. Os referidos

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áudios foram transcritos e armazenados em arquivo do tipo texto para, então, serem interpretados. Todas as coletas de dados foram realizadas pela autora dessa dissertação, com apoio de mais duas pesquisadoras (uma aluna de iniciação científica da FCA/Unicamp e a professora orientadora).

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A Produção

O presente capítulo aborda o processo produtivo dos alimentos que eram distribuídos às famílias que receberam as “Cestas Verdes”. Inicialmente, serão descritos os dados coletados com o diário de campo para uma caracterização local do acampamento. Posteriormente, serão expostos alguns olhares sobre o PAA, no qual as “Cestas Verdes” estavam inseridas, por meio de um breve levantamento bibliográfico sobre essa política pública federal, especialmente no que se refere à população rural. Em seguida, serão apresentados os dados quantitativos sobre a produção no acampamento Elizabeth Teixeira, o que ajuda a nortear a sessão a respeito dos beneficiários, bem como sobre os próprios agricultores participantes da pesquisa. E nesse ensejo, por fim, serão apresentados os dados coletados na conversa com os agricultores e agricultoras.

O acampamento

A observação participante foi feita nos últimos meses de 2016, no final do ciclo de dois anos para este projeto do PAA. Foi uma coleta de dados mais exploratória, para compreender a dinâmica do programa, conhecer os diferentes atores humanos e não humanos envolvidos e quais matizes seriam mais interessantes de abordar no segundo momento de entrevistas mais aprofundadas. Assim, segue a parte do diário de campo com as observações feitas com relação a essa etapa, que diz respeito ao acampamento, mas inevitavelmente acaba se entrelaçando com as linhas dos outros eixos.

Às sete da manhã era o horário combinado com as funcionárias da prefeitura para ir ao acampamento em dia de coleta do PAA. Como já ressaltado anteriormente, a viabilidade da pesquisa em muito se deu à receptividade das funcionárias do Ceprosom, que abriram os caminhos para conversar e conhecer todos os espaços e todas as pessoas envolvidas no PAA. Dessa forma, as primeiras visitas ao acampamento também ocorreram por intermédio delas. Das falas que pude presenciar em uma das ocasiões, algumas foram marcantes a respeito do Elizabeth Teixeira: primeiramente, no

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último dia do projeto, em que a gestora das funcionárias que estavam semanalmente envolvidas compareceu e descreveu o perfil dos agricultores da cooperativa como “a maioria analfabeta e sem condições mínimas para manterem-se”. O que condiz, inclusive, com o que relatou na entrevista cedida à pesquisa:

Na verdade, foi muito importante pro município, pras famílias que receberam, pra entidades que receberam, pro assentamento Elizabeth Teixeira, que na verdade eles não tinham renda nenhuma, né. Não tinham com o que sobreviver e esse era um dinheiro que entrava mensalmente, ou mesmo que não fosse mensalmente, porque tínhamos muitos problemas com prestação de contas por parte deles, tendo em vista até a falta de organização deles e planejamento, mas assim, era um dinheiro que entrava na conta e a maior parte deles sobrevivia com essa, esse valor. Então acho que foi muito produtivo, pra todo mundo. Infelizmente agora, nós estamos num processo que o governo federal não renovou, né, o assentamento Elizabeth Teixeira também está com pendência com relação à documentação, problemas deles, eles e prefeitura e INCRA, então por isso a gente não conseguiu dar continuidade. (...) Todo o atendimento do assentamento, na verdade, a gente fez um trabalho que era pra eles fazerem e eles não davam conta de fazer. Então, no PAA eles teriam que entregar esses alimentos pra gente já pesados, limpos e organizados. Eles nunca conseguiram fazer isso, então o município se disponibilizou a pegar caminhão, equipe, embaixo de sol, embaixo de chuva, sem local, ir lá, pesar, separar as brigas deles que também são muitas, e fazer toda essa articulação. Então todo o trabalho que era pro assentamento fazer, o município fez. Pra que a gente conseguisse cumprir, né, o que a gente tinha se proposto fazer. (Gestora L., 2017).

Como meu acesso inicial se deu por meio dessas trabalhadoras, suas falas foram o rascunho que tive para compreender o acampamento. Em outra entrevista, uma das gestoras que estava mais diretamente envolvida na elaboração da política pública afirmou que o PAA começou a ser gestado também para atender o acampamento Elizabeth Teixeira. A história do acampamento é de conflitos com a gestão municipal desde sua chegada e estabelecimento no Horto Florestal (apesar do que foi afirmado pelos participantes do grupo focal, como veremos mais adiante). Assim, esse convênio estabelecido, de acordo com a entrevistada, foi de serventia para “acalmar os ânimos”. Com alguns pré-requisitos burocráticos atendidos pelos cooperados, toda a infraestrutura para a concretização da política foi fornecida pela prefeitura: caminhão para escoamento e transporte até o banco de alimentos, vasilhames para o carregamento, balança para pesar a produção, etc.

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