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Capítulo 2 O Projecto “Romarias do Minho” e as instâncias de Património

2.3 Listas UNESCO: Contextos e requisitos

Como vimos acima, o projecto estudado nesse trabalho iniciou-se por traçar como objetivo uma candidatura de Património mundial, ou seja, a candidatura à lista de Património da Unesco. Muitas vezes esses termos são citados superficialmente por jornais ou outras midias. Isso pode muitas vezes gerar falhas de entendimento e alguma confusão com os termos, as competências e os diferentes atores. Por isso, julga-se necessário fazer aqui fazer um apanhado geral da linha de Património da Unesco, como forma de contextualizar os objetivos do projecto das romarias e as suas ações

decorrentes. Também, para indicar de modo explícito algumas análises possíveis da relação entre as realidades patrimonializáveis e entidades patrimonializadoras.

33 A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

(UNESCO, http://whc.unesco.org) é um orgão internacional que faz parte da Organização das Nações Unidas (ONU). A Unesco surge portanto no contexto pós segunda guerra mundial, concentrando atribuições ligadas ao cenário internacional em diferentes frentes de atuação.

As Linhas de Património da Unesco surgiram no contexto das discussões internacionais sobre os aspectos e especificidades da perspectiva patrimonial. Dessa forma surgiram primeiro algumas linhas de proteção e valorização, e no decorrer dos anos foram incluidas novas possibilidades de práticas de Património Cultural.

É significativa para este trabalho a ampliação do conceito de Património que envolveu a perspectiva do Património Cultural Imaterial. A Convenção da Unesco de 2003 produziu um documento que fortaleceu e definiu bases para o trabalho com o Património Cultural, com foco em sua dimensão intangível, em complementação ao património tangível.

Dessa forma, foram definidas três diferentes listas para a classificação em nível internacional para a Linha de Património Intangivel da Unesco. Ou seja, existem hoje três listas que atendem ao Património Cultural Imaterial.

As três listas seguintes:

 Urgent Safeguarding List (Lista de Salvaguarda Urgente)  Representative List (Lista Representativa)

 Register of Best Safeguarding Practices (Registro das Melhores Práticas de Salvaguarda)

Considerando a intenção inicial do projecto Romarias Minhotas, e descartando a Salvaguarda Urgente pelo que se conhece das romarias no presente momento, apresento abaixo os critérios do processo de inscrição na Lista Representativa. Onde os estados devem demonstrar que o Bem Cultural proposto para incrição cumprem os seguintes pontos:

Critérios para inscrição na lista representativa:

“R.1 O elemento constitui patrimônio cultural intangível conforme definido no Artigo 2º da Convenção.

R.2 A inscrição do elemento irá contribuir para garantir a visibilidade e conscientização da importância do patrimônio cultural intangível e incentivar o diálogo, assim refletindo a diversidade cultural mundial e testemunhando a criatividade humana.

34 R.3 Medidas de salvaguarda foram elaboradas para proteger e promover o elemento.

R.4 O elemento foi nomeado após a maior participação possível da comunidade, grupo ou, se aplicável, indivíduos envolvidos, com seu consentimento prévio, livre e informado.

R.5 O elemento está incluído em um inventário de patrimônio cultural intangível no(s) território(s) do(s) Estado(s) Parte que

realizaram a submissão, conforme definido no Artigo 11º e no Artigo 12º da Convenção.”

(Tradução nossa – “Procedure of inscription of elements on the Lists”, 2017)

Sendo os artigos citados da Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial os seguintes:

“Artigo 11º: Funções dos Estados Partes Compete a cada Estado Parte:

(a) tomar as medidas necessárias para garantir a salvaguarda do património cultural imaterial presente no seu território;

(b) entre as medidas de salvaguarda mencionadas no parágrafo 3 do Artigo 2º, identificar e definir os diferentes elementos do

património cultural imaterial presentes no seu território, com a participação das comunidades, grupos e organizações não governamentais pertinentes.

Artigo 12º: Inventários

1. Para assegurar a identificação com vista à salvaguarda, cada Estado Parte elabora, em moldes que se adaptem à sua situação, um ou vários inventários do património cultural imaterial presente no seu território. Estes inventários são objecto de actualização periódica.

2.Cada Estado Parte, aquando da apresentação periódica do seu relatório ao Comité, em conformidade com o Artigo 29º, presta

informações pertinentes sobre os referidos inventários” (UNESCO, 2003).

Vale dizer que ao tomar as características da perspectiva patrimonial do projecto em foco a categoria vislumbrada para festas e romarias é a de Práticas Sociais, Rituais e Eventos Festivos (c - social practices, rituals and festive events).

35 Sobre as recomendações de processos de savaguarda, além da Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, de 2003, também existe a Recomendação de Paris, de 1989, da UNESCO sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular (UNESCO, 1989).

É significativo informar outros Bens Culturais que já foram incluidos na lista representativa. Sejam por serem de Portugal ou por pertencerem a uma mesma categoria, como é o caso do Círio de Nazaré, no Brasil.

De Portugal: - Fado

O Fado foi a primeira expressão cultural em Portugal a ser declarada Património Imaterial da Humanidade. O seu reconhecimento ocorreu no ano de 2011.

- Culinária Mediterranea (Portugal, Chipre, Croácia, Espanha, Itália, Grécia, Marrocos)

“No início de dezembro de 2013, a dieta mediterrânica foi aprovada pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade, no decorrer da 8.ª sessão do comité intergovernamental da organização, que decorria em Baku, capital do Azerbeijão” (“A dieta mediterrânica”, 2013).

- Cante alentejano

O reconhecimento do Cante Alentejano como Património Mundial Imaterial da Humanidade por parte da UNESCO aconteceu no ano de 2014.

- Falcoaria (Portugal, Emirados Árabes Unidos, Áustria, Bélgica, República Checa, França, Alemanha, Hungria, Itália, Casaquistão, República da Coreia, Mongólia, Marrocos, Paquistão, Qatar, Arábia Saudita, Espanha, República Árabe da Síria)

A falcoaria entrou para a Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da UNESCO em 2010, resultado de uma candidatura liderada por Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos). Em 2015 Portugal se juntou aos 13 países onde a prática já era

reconhecida como Património da Humanidade.

Além dos bens acima apontados, Portugal possui dois bens culturais inscritos na Lista de Salvaguarda Urgente da Unesco: Manufatura de Chocalhos em Vila de

Alcáçovas e Olaria negra de Bisalhães.

Além do exposto, importa apontar também um Património Cultural Imaterial que não é de Portugal. O Círio de Nazaré, expressão religiosa do Brasil está incluida na Lista Representativa da Unesco. “O Círio de Nossa Senhora de Nazaré é uma

36 inscrita na Lista Representativa do Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco, em dezembro de 2013, durante a 8ª. seção do Comitê Intergovernamental para a

Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, realizada em Baku (capital do Azerbaijão). Considerado uma das maiores concentrações religiosas do mundo, o Círio tem como ponto alto a procissão da qual participam mais de dois milhões de pessoas do Estado e de diversas partes do Brasil. Os paraenses consideram essa festa um grande momento anual de demonstração de devoção e solidariedade, de reiteração de laços familiares e manifestação social e política.” (IPHAN, 2004)

Portanto, foram apresentado até aqui os critérios da Unesco e alguns Patrimónios reconhecidos. Isso visa contribuir para uma aproximação comparativa dos temas

estudados, além de apontar referências para estudos mais aprofundados. Desse modo, temos um panorama mais geral sobre a patrimonialização na esfera internacional.

Apesar do fato de que seria profícuo um estudo mais aprofundado sobre o desenvolvimento histórico das considerações levantadas nos documentos apresentados, considero suficiente a abordagem apresentada. No entanto, vale salientar que para uma possível continuidade do presente trabalho é imprescindível buscar um aprofundamento do estudo de Património no contexto intenacional. Logo, essa foi uma leitura inicial e direta sobre a instância de patrimonialização da Unesco, com o intuito de contextualizar a perspectiva do “Projecto Romarias Minhotas” dentro de um processo formalizado de reconhecimento de Património.

A Lista representativa é uma lista de reconhecimento que vem ganhando notoriedade, mas ainda apresenta discussões válidas sobre o seu sentido e suas consequências práticas (Carvalho, A., & Barata, F. T., 2017).

Por isso, é interessante não descartar outras possibilidades de reconhecimento da instância internacional de Património. No caso das romarias, não parece ser o caso de Salvaguarda Urgente. Mas a possibilidade, ainda pouco contemplada, de almejar a inscrição na Lista de Boas Práticas de Salvaguarda parece um objetivo a ser

considerado. Pois, nesse caso, o objetivo seria menos o de buscar atrair atenção para as “romarias” e, com efeito, criar um plano de Salvaguarda que fosse reconhecido como um prática efetiva, podendo, inclusive, servir de modelo para outros contextos e países.