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Políticas públicas de Património: Património Cultural e o Estado

Capítulo 2 O Projecto “Romarias do Minho” e as instâncias de Património

2.4 Políticas públicas de Património: Património Cultural e o Estado

O contexto internacional de reconhecimento patrimonial, ou seja as conjunturas sociais, políticas e culturais presentes e atuantes na entidade da Unesco, configuram um campo de possibilidades para o fortalecimento de ações patrimoniais dos seus diversos

37 países membros. Os crítérios objetivos requeridos por essa instância de Património Cultural exigem o cumprimento de parâmetros gerais, e esses são analisados no sentido de que devem apresentar informações, documentações e conteúdos que satisfaçam os seus especialistas da área e representantes políticos. Por tudo isso, a exigência da realização prévia e contínua de inventários e do reconhecimento a nível nacional do Património se apresenta de forma imperativa para esse processo. Pois, são os Estados Nacionais as instâncias competentes para executar políticas efetivas de gestão

patrimónial. Além disso, parte do papel que se propõe a Unesco é a exigência de uma gestão eficiente por parte dos seus estados membros.

Dentro da esfera nacional de atuação, os trabalhos de Património Cultural muitas vezes estão estruturados de modo mais ramificado, onde grande parte das ações acontecem nas realidades locais e se realizam a partir desses contextos. Assim como, as formas de reconhecimento de Património no nível infra-nacional também contribuem de forma complementar à política nacional.

Logo, temos que a classificação de Património em Portugal e em suas subdivisões administrativas são o contexto mais efetivo de reconhecimento de Património para as romarias que acontecem na região do Minho. Isso porque é a

estrutura social e política do Estado, com seus recursos econômicos e profissionais, que tem competência atribuída para a proteção e valorização do Património. Ou seja, o inventário e a classificação do património no contexto português são importantes não somente por ser requisito necessário ao reconhecimento pela Unesco. Muito mais que isso, o reconhecimento oficial, assim como os trabalhos que o envolvem, são a principal forma de articular políticas públicas que promovam ações patrimoniais com resultados concretos. Dessa forma, é possível estabelecer um conjunto de práticas que vão além da mera declaração, assim como articular a participação de comunidades, grupos,

organizações e pesquisadores.

Portanto, nessa parte do presente trabalho são apresentadas de forma introdutória algumas informações acerca da Política de Património Cultural de Portugal. Com efeito, o texto da Constituição já determina a proteção e valorização do Património Cultural. Como encontra-se abaixo retirado do artigo 9º da Constituição de Portugal (2005):

São tarefas fundamentais do Estado: [...]

38 e) Proteger e valorizar o património cultural do povo

português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território; A área jurídico-normativa do Património Cultural é o conjunto de regras ou normas que tratam dessa temática. Além do ramo de Direito Constitucional que tange o tema, também tratam do tema esferas jurídicas do Direito Administrativo e do Direito Internacional. Esse trabalho não trata da área jurídica de Património, apenas aponta referências a legislações pertinentes ao tema das romarias do Minho. Dessa forma espera-se indicar um conjunto de instâncias governamentais que compõem esse cenário.

A Lei de Bases do Património N.º 107/2001 se apresenta como marco estruturante do trabalho com património em Portugal na atualidade.

A Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) assume nesse contexto a atribuição de órgão central da política nacional. Ou seja, “é responsável pela gestão do património cultural em Portugal continental”. Tem sede em Lisboa, e também está presente em Museus, Monumentos e Palácios localizados em diferentes pontos do país. (Website DGPC)

“As suas atribuições passam, entre muitos outros campos de atividade, pelo estudo, investigação e divulgação do Património imóvel, móvel e imaterial, pela gestão do património edificado arquitetónico e arqueológico no território e nas cidades, pela realização de obras de conservação nos grandes monumentos, pela gestão dos Museus Nacionais e dos monumentos classificados como Património Mundial, pela coordenação da Rede Portuguesa de Museus, pela documentação e inventário do património

imaterial, indo até às intervenções de conservação e restauro de peças de património móvel e integrado” (Website DGPC).

Outra importante entidade governamental que nos interessa aqui é a Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN). A DRCN “é um serviço periférico da administração direta do Estado, dirigido por um diretor regional. Estrutura-se numa unidade orgânica nuclear, designada por Direção de Serviços dos Bens Culturais,

dirigida por um diretor de serviços, cargo de direção intermédia de primeiro grau e em 7 unidades orgânicas flexíveis” (Website DRCN).

Além das atribuições do DGPC, e da presença da sua Direção Regional do norte do país, não podemos deixar de considerar a estrutura dos concelhos. As câmaras municipais se mostram como atores fundamentais na implementação das políticas patrimoniais. Por um lado isso demonstra uma capilaridade fundamental no trabalho

39 direto com as populações. Porém, por outro lado, também demonstra uma certa

sobrecarga de atribuições dadas às condições secundarizadas que algumas áreas da cultura recebem no nível municipal.

Além das Câmaras Municipais podemos citar Museus, instituições culturais, associações, grupos, entre outros, como atores possíveis e relavantes para a

implementação de políticas patrimoniais. Isso tendo como pressuposto que as escolas, professores e demais profissionais de educação tem papel fundamental para uma boa política de educação patrimonial, logo, uma boa política de Património cultural.

Dentre diversos intrumentos dessas estruturas de Património existe um que se aplica mais ao contexto que estamos a analizar. O inventário nacional de Património Cultural Imaterial, o INPCI.

Inventário Nacional de Património Cultural Imaterial. A inventariação,

como registo patrimonial, é a única forma de proteção legal dos bens culturais imateriais de nos termos da Lei de Bases do Património Cultural. Isso por que ao património cultural imaterial (PCI) não se aplica os níveis de proteção estabelecidos para o registo patrimonial de “classificação”, aplicável unicamente aos bens materiais (móveis e imóveis).

“Assim, a forma de protecção legal do PCI juridicamente válida a nível nacional consiste na inscrição de uma expressão imaterial no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, o que decorre do quadro legal instituído pela Lei de Bases do Património Cultural desenvolvido pelo Decreto- Lei n.º 149/2015, de 4 de agosto, que institui o regime jurídico para a

salvaguarda do PCI” (Website DGPC).

Desse modo, o processo de inventário, ou a inventariação, assume um conjunto de prerrogativas que constituem a salvaguarda do património cultural imaterial à escala nacional. De modo geral, a documentação etnográfica, levantamentos bibliograficos, produção e levantamento de registros audiovisuais, elaboração de textos descritivos e analíticos e a publicização de parte desses materiais integram um todo que compõe o inventário. Além disso, esse deve ser um procedimento participativo, que resulta do consentimento e do envolvimento ativo das comunidades, dos grupos e dos indivíduos que são detentores da manifestação do património cultural imaterial inventariada.

A inventariação do PCI tem como recurso fundamental uma base de dados em linha de acesso público, universal e gratuito, o MatrizPCI. Esse é um sistema de informação que, desde 2011, dá suporte e promove a realização do procedimento de

40 protecção legal do património cultural imaterial. Essa base de dados possui, em termos da sua estrutura básica, um modelo padronizado de organização e apresentação das informações (MatrizPCI).

Nesse sentido, as orientações quanto à forma do inventário a ser produzido seguem um modelo de preenchimento de campos pré-estruturados. Para tal tarefa existe um “Kit de Recolha de Património Imaterial”.

Além de campos pré-estruturados que permitem que a pesquisa resulte em uma base de dados acessível na internet, a Inventariação também possui orientações sobre o processo de pesquisa e recolha de dados. De modo geral, essas orientações sevem mais como indicações sobre o que é recomendado para realizar o trabalho satisfatóriamente. Nesse sentido, se torna necessário para uma equipe de inventariação um certo grau de treinamento e expertise.

Logo, dentre as diferentes possibilidades de formação de equipes de pesquisa, e dentre as diferentes possibilidades de características do contexto a ser pesquisado, tem- se recomendações mais gerais.

Uma recomendação bastante significativa é a formação de equipes com formação multidisciplinar. Que justifica-se por o inventário exigir especialidades profissionais diferenciadas, por exemplo uma pessoa habilitada para realizar recolhas audiovisuais não necessáriamente possui conhecimentos de cartografia.

Portanto equipes multidisciplinares são uma recomendação válida. Outra

indicação que podemos levantar que também se refere à formação profissional é sobre a importancia da Antropologia enquanto disciplina com profundas ligações com pesquisas da cultura. É claro que esse não é um requisito inflexível, dado que existem outras formações acadêmicas que possam apresentar profissionais com competências de certa forma equivalentes. Como a História, Geografia, Sociologia, etc. O ponto relevante dessa orientação é o protagonismo de uma perspectiva etnográfica. Onde o inventário de património é um trabalho que demanda, entre outras capacidades, treinamento em elaboração de documentação da etnografia.

Também é significativa a orientação que afirma que o trabalho de inventário estabelece uma visão do presente, ou seja, como registro atual de determinada realidade socio-cultural. Isso é reafirmado para que uma perspectiva histórica e relativa a

tradições não corra o risco de se tornar somente um resgate de memórias perdidas no tempo. Em outras palavras, o património cultural imaterial deve ser apresentado em uma perspectiva realista e atualizada. Pois, o seu valor reside justamente na sua permanência

41 no tempo, incorporando transformações e resignificando a si mesmo - não como uma idealização de uma forma estática e rígida, e sim como expressões do seu tempo.

Desse modo, o inventário deve basear-se na busca e registro dos significados de uma prática cultural para a comunidade que a realiza, descobrindo e revelando

elementos de identidade, de emoção e de saberes que possam ter o seu valor reconhecido.

Capítulo 3 – As Romarias e o Minho: Fenómenos Culturais