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Romarias no Minho e a romaria do Bom Despacho: uma reflexão sobre a patrimonialização de romarias

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Academic year: 2020

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Paulo Moura Peters

Romarias no Minho e a romaria do Bom

Despacho: uma reflexão sobre a

patrimonialização de romarias

Dissertação de Mestrado

Património Histórico e Turismo Cultural

Trabalho realizado sob a orientação do

Professor Jean-Yves Durand

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DECLARAÇÃO

Nome_______________________________________________________________________________ Endereço electrónico: _______________________________Telefone:___________________________ Número do Bilhete de Identidade: ______________________

Título dissertação □/tese □

_____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ Orientador(es): _____________________________________________________________________________________ ___________________________________________________Ano de conclusão: ___________

Designação do Mestrado ou do Ramo de Conhecimento do Doutoramento:

____________________________________________________________________________________

Nos exemplares das teses de doutoramento ou de mestrado ou de outros trabalhos entregues para prestação de provas públicas nas universidades ou outros estabelecimentos de ensino, e dos quais é obrigatoriamente enviado um exemplar para depósito legal na Biblioteca Nacional e, pelo menos outro para a biblioteca da universidade respectiva, deve constar uma das seguintes declarações:

1. É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA TESE/TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

2. É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA TESE/TRABALHO (indicar, caso tal seja necessário, nº máximo de páginas, ilustrações, gráficos, etc.), APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

3. DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR, NÃO É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE DESTA TESE/TRABALHO

Universidade do Minho, ___/___/______

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Agradecimentos

Agradeço ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) por proporcionar a realização deste mestrado como uma forma de capacitação profissional do servidor. Também, a todos os colegas e amigos que trabalham ou trabalharam comigo no IPHAN pelo privilégio de aprender sobre o “Património” e compartilhar bons momentos. Especialmente à Sônia Rampim Florêncio, Coordenadora de Educação Patrimonial.

Agradeço ao orientador deste trabalho, Jean-Yves Durand, e também aos demais professores do Mestrado em Património Histórico e Turismo Cultural da Universidade do Minho.

Agradeço ao Sociológo, e meu irmão, Gabriel Peters, pela ajuda nesse trabalho e pela inspiração na dedicação às Ciências Sociais.

Agradeço, amorosamente, à Renata Cambraia, também pela ajuda e inspiração, assim como pela companhia no tempo que passei em Portugal.

Aos meus pais, Maria Helvécia Arruda Moura e Luís Antônio Schmitt Peters. À minha irmã, Luísa Moura Peters, a às suas filhas, Olivia Moura Peters Batista Vieira e Maria Moura Peters Batista Vieira.

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Romarias no Minho e a romaria do Bom Despacho: Uma reflexão sobre a patrimonialização de romarias

As romarias na região do Minho, no Norte de Portugal, são fenómenos culturais e religiosos que, dentre outras características, manifestam diversos aspectos identitários das comunidades locais. As suas mais variadas formas, expressões e aspectos evidenciam a permanência de tradições com significativo envolvimento comunitário. O presente trabalho descreve alguns dos processos sociais, políticos e culturais envoltos nos cenários das romarias no Minho, do Património Cultural e da ‘patrimonialização’ de expressões culturais. Tem como base o início das ações de “Património” sobre o universo sócio-simbólico dessas romarias religiosas e a mobilização de um conjunto variado de atores sociais, suas perspectivas e práticas. Desta forma, foi possível produzir uma análise do processo que pode ajudar, do ponto de vista teórico, na compreensão desses fenómenos sociais complexos, bem como contribuir, do ponto de vista prático, para uma visão crítica das políticas patrimoniais e para o reforço de sua importância. Este estudo inicia-se com uma abordagem mais geral da temática do Património Cultural, este visto como pano de fundo para contextualizar uma iniciativa patrimonial específica. Posteriormente, busca-se explicar a tal iniciativa, do que ela trata e quem são busca-seus principais atores. Na sequência, propõe-se apresentar um estudo de caso da romaria do Bom Despacho, realizada em Cervães, Vila Verde. Essa proposta visa articular uma forma de apresentar generalidades e especificidades de um caso delimitado, mencionando outros casos como elementos de comparação. Finalmente, o trabalho propõe uma análise de conjuntura desse cenário, como forma de discutir questões patrimoniais mais gerais e introduzir um estudo do património em uma perspectiva crítica.

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Pilgrimage in the Minho region and the Bom Despacho pilgrimage: A reflection on pilgrimage “patrimonialization”

The pilgrimages in the Minho region, in Northern Portugal, are cultural and religious phenomena that, among other characteristics, manifest diverse aspects of the identity of local communities. Their most varied forms, expressions, and aspects are evidence of the persistence of traditions involving significant involvement of the community. The present work describes some of the social, political, and cultural processes in the context of Minho pilgrimages, of Cultural Heritage, as well as the “patrimonialization” of cultural expressions. We start with the pioneering heritage actions on the social-symbolic universe of such religious pilgrimages and the harnessing of a varied set of social actors, their perspectives and practices. It was, thus, possible to produce an analysis of the process that may assist, from a theoretical viewpoint, the understanding of these complex social phenomena and contribute, from a practical viewpoint, to a critical account of heritage polices and the strengthening of their importance. The study begins with a more general approach to the theme of Cultural Heritage, seen as a backdrop for a specific heritage initiative. Next, we attempt to explain this initiative, what it is about and its main actors. In the following section, we present a case study of the Bom Despacho pilgrimage, which takes place in Cervães, Vila Verde. The proposed case study intends to articulate a way of presenting general and specific features of a delimited phenomenon by mentioning other cases for comparison. Finally, the work proposes a conjunctural analysis of this scenario as a way of discussing more general heritage questions and introducing a critical perspective on the study of cultural heritage.

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Índice

Capítulo 1 – Objeto, Método e o Património Cultural ... 1

1.1 O objeto deste estudo ... 1

1.2 O método deste estudo ... 3

1.3 Uma noção de Património Cultural ... 8

1.4 “Patrimonialização” do Património Cultural: processos de reconhecimento, valorização e memória. ... 17

Capítulo 2 - O Projecto “Romarias do Minho” e as instâncias de Património Cultural ... 22

2.1 “Projecto Romarias Minhotas”: O começo de um projecto de Património Cultural ... 22

2.2 A realização do “Projecto Romarias Minhotas” ... 29

2.3 Listas UNESCO: Contextos e requisitos ... 32

2.4 Políticas públicas de Património: Património Cultural e o Estado ... 36

Capítulo 3 – As romarias e o Minho: Fenómenos culturais ... 41

3.1 Romarias ... 41

3.2 Região do Minho ... 44

3.3 Romarias no Minho ... 47

Capítulo 4 - Estudo de caso: Romaria do Bom Despacho em Vila Verde ... 52

4.1 O concelho de Vila Verde ... 52

4.2 Romaria de Nossa Senhora do Bom Despacho ... 53

4.3 Outras romarias e festas – Um universo multifacetado, ou, o que nos une e distingue? ... 61

Conclusão ... 62

Referências ... 66

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Capítulo 1: Objeto, Método e o Património Cultural 1.1 O objeto deste estudo

O objeto desse trabalho é um estudo de caso de processos de patrimonialização baseado na investigação da Romaria do Bom Despacho como uma expressão cultural. O estudo é feito em conjunto com uma análise do contexto de processos mais amplos de inventário de património cultural que ocorrem na região do Minho, em Portugal. Além dessa perspectiva conjunta busca-se produzir uma reflexão teórica e descritiva sobre o tema do Património Cultural. Pois, a construção de uma contemplação mais alargada, porém baseada em contexto específico, permite acessar conhecimentos e significados que estão imersos no âmbito patrimonial estudado.

Com efeito, procura-se construir nesta perspectiva acadêmica um discurso de análise e interpretação oriundo de uma atitude crítica, pautada na atualidade, e de uma atitude reflexiva, construída em prospecção. Esse discurso reflexivo pretende produzir questionamentos das realidades existentes, enquanto ordenamentos socio-culturais, bem como avançar a análise crítica para o estudo dos sentidos mais profundos, históricos e filosóficos, do Património Cultural. Portanto, esse empenho enquadra-se numa Filosofia do Património, que surge de um posicionamento de conhecimentos em áreas da

Antropologia Cultural e da Etnografia. A influência destas últimas sobre o presente trabalho não se reflete apenas na sua metodologia, mas também no seu horizonte teórico e argumentativo mais abrangente. Isto dito, seria um exagero afirmar que o estudo aqui apresentado é etnográfico, apesar das auspiciosas possibilidades que esse ângulo

metodológico apresentaria se aplicado ao caso estudado. Em virtude de certas limitações que se impuseram à pesquisa, optamos por recorrer a “pinceladas etnográficas” que pudessem oferecer sugestões heurísticas para um estudo mais detalhado no futuro e, no caso do presente trabalho, fossem fontes de fatos e elementos sociais a serem analisados com uma postura Antropológica e Filosófica.

O esforço de investigação dos processos de patrimonialização do projecto “Romarias no Minho” conduz a um consequente exame sobre a política patrimonial de Portugal. Um exame de superfície, mas que está vinculado ao contexto de origem do pesquisador, o Brasil. Partindo de uma posição de investigador estrangeiro, porém oriundo de um país com profundas ligações históricas e sociais com Portugal, o autor procura constituir um eixo analítico de ligação dos diferentes cenários nacionais no que toca ao tema do Património Cultural.

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2 A experiência profissional do autor no Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (Iphan), no Brasil, foi de fundamental importância para o desenvolvimento da pesquisa e para construção das análises. Por isso, ao longo do presente trabalho, o contexto estudado é, muitas vezes, visto em contraste com alguns casos brasileiros citados de forma exemplificativa. Buscando fazer uso das virtudes heurísticas do método comparativo, o estudo sustenta que as experiências baseadas em instrumentos de patrimonialização no Brasil são relevantes para a elucidação de um caso português, já que permitem um inventário das diferenças e semelhanças existentes nos dois casos.

A proposta é de se pensar o Património Cultural, com uma postura acadêmica, relativa ao conhecimento disponível, e baseada na relação com as comunidades de sujeitos envolvidos no contexto social estudado. Ao mesmo tempo, em conexão com práxis profissional e os valores éticos do autor, está presente em todo o trabalho a noção de agir (d)o Património, atada a uma postura de sujeito engajado em práticas sociais (teorizar para agir) e que utiliza as práticas como elementos de reflexão (o agir como insumo da teorização).

A romaria religiosa. No caso em mira, busca-se a análise de um objeto de

estudo presente em uma variedade de contextos culturais e religiosos. Estes podem ser estudados com diferentes vieses analíticos, vários dos quais abrem vias fecundas de compreensão, ainda que nenhum deles seja capaz de reduzir a realidade social inteira da romaria religiosa a interpretações definitivas. Importa dizer que a escolha da Romaria mais estudada nesse trabalho tem o seu quê de arbitrária, mas derivou sobretudo da necessidade circunstancial de selecionar uma dentre as possibilidades que se alinhavam aos interesses da pesquisa. Por isso, o recorte descritivo da romaria do Bom Despacho, assim como de outras romarias de Portugal e também do Brasil, é de teor

exemplificativo. Os graus de penetração descritica e alcance comparativo também foram condicionados pelas limitações de pesquisa (calendário, cronograma, prazos etc.).

O projecto das “Romarias no Minho”. Portanto, esse trabalho visa fazer um

recorte analítico voltado a um conjunto de processos socio-culturais complexos e delimitados no tempo. Como de costume, a análise se baseia em um “vai e vem”

interpretativo entre os agentes e os seus contextos: as ações de determinados sujeitos só são inteligíveis à luz de seu contexto sociocultural, mas esse contexto é, por seu turno, uma realidade dinâmica que só continua a existir historicamente através daquelas ações. No caso aqui estudado, procuro observar como um conjunto de práticas de um conjunto

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3 de sujeitos estabelece um “processo de patrimonialização”. Em outras palavras, busco construir uma análise de como atores sociais estão dispostos num contexto social quando observados como parte de um processo patrimonializador. Ao conectar práticas de agentes específicos aos seus cenários socioculturais, o trabalho busca ser um

compêndio útil de informações. Espera-se que, desse modo, ele possa servir como introdução ou início de um estudo mais profundo da temática, ainda que baseada nos posicionamentos pessoais do autor, os quais são tanto de caráter analítico quanto ético-político.

Assim sendo, o objeto desse trabalho é um estudo de Património Cultural que busca a construção de uma reflexão interpretativa de um contexto cultural e suas relações com políticas públicas de Património. A reflexão sobre como se estabelecem essas relações compõe uma análise das práticas de valorização da cultura.

1.2 O método desse estudo

Esta é uma investigação acadêmica na área de Património Cultural e Turismo. Constitui-se como resultado de um projecto de pesquisa realizado e sistematizado à maneira de um trabalho acadêmico de caráter monográfico, para obtenção do título de mestrado. Na medida em que essa área acadêmica é ligada profundamente às Ciências Sociais, múltiplas possibilidades metodológicas se abrem a ela. Dentre as metodologias disponíveis no repertório investigativo das Ciências Sociais, privilegiamos uma

abordagem etnográfica e descritiva inspirada na Antropologia Cultural. Como já mostraram as correntes mais recentes da filosofia da ciência, no entanto, mesmo os enunciados relativos a observações de fenômenos particulares só adquirem sentido a partir de um quadro interpretativo. Nesse sentido, grande parte da pesquisa é resultado de pesquisa documental, bibliográfica e teórica. Para que a interpretação do caso concreto que mais nos preocupa fosse bem fundada, estudamos outras obras sobre o mesmo tema ou temáticas correlatas, assim como o estado da arte na reflexão teórica e na pesquisa empírica sobre Património Cultural. De modo complementar, foram realizadas observações de campo e entrevistas que contribuíram para a elaboração dos resultados. Nessa investigação, busca-se montar um conjunto reduzido, mas

diversificado, de relatos e informações. Diante de um fenômeno multifacetado, trata-se de apresentar, de forma dialógica, informações oriundas de diferentes discursos acerca das realidades sociais vividas pelas pessoas, sejam eles documentais, literários,

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4 Portanto, a metodologia empregada constitui um conjunto de instrumentos de coleta e construção de um discurso analítico e interpretativo. A coleta está baseada na experiência social do pesquisador como observador no contexto em foco, que o

interpreta a partir da sua posição de sujeito, mas se esforça por descrever com precisão elementos objetivos da sua relação com os sujeitos pesquisados. Já se disse vezes sem conta que a expansão do conhecimento caminha a par e passo com a consciência da própria ignorância. A pesquisa aqui realizada, combinando coleta de dados e reflexões interpretativas, engendrou uma série de sugestões de caminhos futuros de investigação. Isto imprime um caráter experimental ao presente trabalho, já que ele tende a abrir muitas possibilidades para pesquisas mais aprofundadas ancoradas em metodologias mais específicas. Ainda que reconheçamos as limitações dessa pesquisa, as afirmações aqui avançadas pretendem seguir certas exigências metodológicas de rigor de modo a serem tão pertinentes quanto possível.

Que considerações teóricas gerais devem ser mantidas em mente antes que tratemos do objeto de nossa pesquisa? Em primeiro lugar, urge reconhecer o caráter historicamente dinâmico do Património Cultural como fenômeno sociológico. Precisamente porque a noção de “património” evoca a ideia de algo que perdura e permanece ao longo do tempo, uma perspectiva das ciências sociais é obrigada a historicizá-la. A ideia de “patrimonialização” que mobilizamos no presente trabalho é um correlato conceitual dessa visão processual: patrimónios culturais não são simples perdurâncias do passado no presente, mas também apropriações e ressignificações que atores de contextos sociais presentes fazem de “heranças” passadas (Gonçalves, 1996). A referência a uma visão processual do património já sugere outros lembretes analíticos importantes. Em primeiro lugar, uma consciência daquilo que a teoria social

contemporânea caracterizaria como a dialética entre ação e estrutura (Alexander, 1987). Até certo ponto, as práticas de atores individuais se desenrolam em um “ambiente patrimonial” que eles não escolheram, mas que foi, como diz Marx (1974: 17), “legado e transmitido do passado”. Ainda que este cenário patrimonial seja encontrado pelos agentes no presente como um dado objetivo de seu cenário sócio-histórico, ele não é um dado da natureza, claro, mas o resultado sedimentado das iniciativas socioculturais de seus antepassados. Ao mesmo tempo, na medida em que um ambiente patrimonial é uma realidade histórica, a reprodução ou transformação de seus atributos depende do modo como os agentes nele imersos com ele se relacionam. Tais ações são moldadas

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5 pela herança histórica, mas também possuem um elemento de criatividade capaz de produzir mudanças significativas nos ambientes patrimonializados ao longo do tempo.

O reconhecimento da historicidade do Património Cultural como fenômeno sociológico deve levar, enfim, a uma consciência da dimensão agonística ou conflitual do mundo social. O que leva uma construção humana a receber o título honorífico de “Património Cultural” enquanto o rótulo enobrecedor é negado a outras? A

patrimonialização do mundo sociocultural é um processo permeado por disputas entre diferentes categorias de agentes, cada uma com seus próprios interesses estratégicos e recursos competitivos. Em termos teóricos, essa visão processual, dialética e conflitual do Património Cultural se afina àquela do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1990): o mundo social é estruturado em arenas de disputa (campos) em que os agentes competem por determinados fins (p.ex., o prestígio associado a uma certificação oficial do estado, como a de Património Cultural) com base em seus recursos competitivos (formas de “capital” no sentido lato da palavra, que podem ser tão variadas quanto propriedades materiais, expertise cultural ou amizade com políticos influentes). Quando se busca observar as dinâmicas das práticas sociais ligadas ao uso dos conceitos de Património Cultural, como um campo socio-cultural delimitado, ainda que esteja diluido em realidades mais abrangentes, é necessário deslocar entre as perspectivas locais

(microssociológicas), nacionais (mesossociológicas) e globais (macrossociológicas). Além de uma noção analítica do campo do Património Cultural, trabalha-se aqui também com a noção mais chã de “campo” presente nas perspectivas antropológicas, isto é, com a ideia metodológica de que a compreensão de um cenário sociocultural deve se beneficiar, tanto quanto possível, de uma “observação participante” desse cenário. Por um lado, a ótica interpretativa do campo patrimonial é mobilizada para a compreensão dos fenômenos observados via etnografia. Por outro, as preocupações teóricas com processos de patrimonialização ganham corpo, por assim dizer, ao serem conectadas ao contexto etnográfico concreto da Romaria do Bom Despacho.

Dessa forma, essa análise vagueia por uma hermenêutica da cultura, no sentido de não englobar somente textos escritos e discursos verbais, mas também os

significados ou “textos” encarnados em objetos, eventos e condutas humanas no mundo social. Em compasso com orientações hermenêuticas na ciência social (Geertz, 1989), a análise não se debruça apenas sobre os textos na vida societária, mas na vida societária

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6 Habermas, o trabalho procura capturar os significados de produtos culturais

genuinamente intersubjetivos. Com diz Harari (2015, p. 123):

“Intersubjetivo é algo que existe na rede de comunicação ligando a consciência subjetiva de muitos indivíduos. Se um único indivíduo mudar suas crenças, ou mesmo morrer, será de pouca importância. No entanto, se a maioria dos indivíduos na rede morrer ou mudar suas crenças, o fenômeno intersubjetivo se transformará ou desaparecerá. Fenômenos intersubjetivos não são fraudes malévolas nem charadas insignificantes. Eles existem de uma maneira diferente de fenômenos físicos como a radioatividade, mas seu impacto no mundo ainda pode ser gigantesco. Muitas das forças mais importantes da história são intersubjetivas: leis, dinheiro, deuses, nações.”

Parte fundamental do método é a pesquisa bibliografica, que envolve profundas dificuldades quando se busca investigar um contexto demasiado abrangente para os limites desse trabalho, como é o campo do Património Cultural. Por um lado, há uma abundância de fontes no que toca à reflexão teórica sobre os processos de

patrimonialização, abundância que torna impossível uma revisão exaustiva da literatura potencialmente pertinente. Já que não é possível esgotar a pesquisa bibliográfica das fontes pertinentes, há o risco de que muitas obras fundamentais para esse trabalho não tenham sido sido conhecidas a tempo. Por outro lado, se a pesquisa bibliográfica relativa ao Património Cultural per se revelou uma enormidade de fontes, a pesquisa bibliográfica do campo cultural da Romaria em particular logo deparou com limites, no sentido de ter revelado poucas fontes que sejam diretamente pertinentes ao trabalho.

Por esse motivo, muito desse trabalho se baseia em entrevistas e visitas de campo. As visitas de campo foram voltadas a uma observação atenta de fenômenos in

situ que pudesse servir a posteriores análises e reflexões. E as entrevistas foram,

efetivamente, conversas informais, pequenos diálogos realizados como forma de escutar de algumas pessoas o que elas estavam dispostas a falar. Não há espaço aqui para realizarmos uma discussão metodológica detalhada sobre as vantagens e desvantagens envolvidas na interpelação sociocientífica dos atores em situações formais ou informais. É suficiente dizer que, sendo a entrevista de pesquisa uma situação social, seus efeitos particulares sobre as respostas dos entrevistados têm de ser levados em consideração. Por exemplo, como mostrou Bourdieu (2003), situações formais de entrevista podem encorajar os respondentes a se comportarem de modo autojustificativo, isto é, menos

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7 propensos a revelar os motivos reais de sua conduta do que a oferecer as versões

socialmente aprovadas desses motivos (por exemplo, subestimando a importância da sua dimensão estratégica e autointeressada e superestimando a importância da sua dimensão normativa). Nesse sentido, ainda que as microentrevistas conduzidas em situação informal tenham suas desvantagens, elas permitiram interpelar pessoas em uma condição mais relaxada ou “desarmada”, o que possibilitou, acredito, respostas mais espontâneas e sinceras. Ao mesmo tempo, como se tratou de pesquisar a Romaria em sua realização, optou-se por não incomodar as pessoas com perguntas em momento inadequado, isto é, perturbá-las em relação ao foco primordial de sua prática. Por isso, juntamente com a interpelação etnográfica dos atores, a observação participante ou, melhor ainda, a participação observante foi a principal fonte de informações, ainda que tenha sido limitada.

Além disso, o presente trabalho contém algumas análises relativas aos discursos de determinados atores sobre a realidade observada, como, por exemplo, discursos presentes em jornais, revistas e páginas de internet que se debruçam sobre o tema das romarias e do Património Cultural. Tais elementos discursivos contêm informações que dizem muito sobre o contexto e sobre si mesmas. Em outras palavras, fontes que podem ser criticamente acessadas tanto quanto recursos de análise (i.e., fornecem dados

interessantes sobre o tema) quanto como tópicos de análise (i.e., já que os modos pelos quais as romarias são retratadas em veículos de comunicação refletem e/ou influenciam dinâmicas envolvidas na patrimonialização). Portanto, muito da estrutura dessa pesquisa está baseada na reunião de particulares pontos de vista subjetivos sobre as dinâmicas sociais estudadas. Ainda em compasso com a tradição interpretativa nas ciências sociais, busca-se estabelecer uma pintura global do fenômeno através de um conjunto articulado de perspectivas parciais, sendo uma delas a própria subjetividade

interpretativa do autor (alimentada pelos diálogos críticos com as demais). Uma vez mais, tal ponto de vista apoia-se tanto nas referências tematicas e teóricas estudadas no decorrer do mestrado, quanto nas experiências pregressas, também parciais e subjetivas, advindas da formação acadêmica e da atuação profissional do pesquisador.

Ou como podemos ver novamente em Harari (2015, p.119):

“As humanidades e as ciências sociais dedicam a maior parte de suas energias a explicar exatamente como a ordem imaginada é tecida na trama da vida. No espaço limitado à nossa disposição, só podemos arranhar a superfície”.

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8 Por último, tem-se por pressuposto que muito dos rigores e requisitos do método e da escrita academicamente aceitos podem ser herméticos e excludentes para além da sua justa necessidade. Ainda que surja da busca de análises rigorosas dos fenômenos estudados, uma terminologia excessivamente técnica carrega o inconveniente de dificultar o acesso de agentes potencialmente interessados nas questões discutidas, mas não dotados do treinamento para entendê-los. Por isso, o trabalho poderia ter sido estruturado de modo a privilegiar o ideal de romper as fronteiras acadêmicas,

construindo uma escrita para fora dos limites universitários. Não penso que isso tenha sido plenamente alcançado, mas ao menos é importante citar tal intento programático como um ideal futuro para os estudos sobre Património Cultural.

1.3 Uma noção de Património Cultural

Nos dias atuais, em Portugal assim como em outros países do mundo, é perceptível o crescimento das ações de proteção, valorização e produção de

conhecimentos sobre o Património Cultural. É possível notar um fortalecimento de intrumentos legais, ações governamentais, participação social, entre outros indicadores relevantes da consolidação do campo do Património Cultural no contexto mundial, ainda que se leve em conta as diferentes realidades nacionais e as diversas conjunturas internacionais. Porém, sabendo-se da sua grande importância, não convém deixar de considerar que o campo do Património Cultural tem origens em contextos históricos ainda relativamente recentes.1 Além disso, as fragilidades estruturais que o campo ainda

apresenta têm demandado um grande esforço das várias partes envolvidas no intuito de consolidar o “Património Cultural” enquanto prática social e política voltada para a garantia de interesses coletivos.

Com efeito, para os mais diversos atores e agentes nele engajados de um modo ou de outro, o Património Cultural se evidencia como algo conflitivo e heteregêneo, repleto de disputas internas e externas. Tal dimensão agônica pode ser vista, por exemplo, na constante disputa por recursos, visibilidade e direitos entre os grupos interessados em recorrer a políticas públicas de Património Cultural. Essas disputas ocorrem nos domínios social, económico e político, assim como nas esferas semântica e

1 Recentes no sentido das ações de valorização e organização do campo do Património Cultural

nos termos próximos aos mais atuais. Tomando as primeiras cartas patrimoniais editadas de encontros internacionais podemos contar menos de um século. São recentes, portanto, no sentido de fenómeno presente na história conhecida. Ver mais em Funari, 2006.

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9 do conhecimento. Por tudo isso, o Património Cultural é um conceito historicamente aberto, em (re)construção contínua e que engloba aspectos transversais da vida humana.

Sobre o conceito de Património Cultural. Um espectro ronda a Europa (e o

mundo) – o espectro do Património Cultural! Diferentemente do comunismo para os adversários de Marx e Engels, no entanto, tal “espectro” não é visto, de modo geral, como algo ruim, uma nova ameaça, capaz de ser usado como rótulo pejorativo nas trocas de acusações entre governantes, líderes e intelectuais. Pelo contrário, é usado como signo de uma “modernidade”, de um olhar com vistas à construção do futuro e à preservação do passado, como o trabalho dos “bons” cidadãos que protegem “nossas raizes históricas”, seus haveres e, dessa forma, produzem valor cultural e turístico.

A atual noção de Património Cultural envolve diferentes tipologias, as quais são capazes de atuar com enorme abrangência nas diferentes esferas da vida contemporânea. São inúmeras as possibilidades de significação e ressignificação de aspectos culturais segundo a grade do Património Cultural, já associado a um repertório de categorias tipificadoras para as mais diversas perspectivas de valoração da cultura. Obviamente, várias outras ainda podem ser criadas, seja por meio de um novo enfoque ou por separação de algum já existente.

Além da grande abrangência, o Património Cultural atua hoje com crescente visibilidade nos meios de comunicação, na esfera pública, nos debates políticos, entre os movimentos sociais e os cidadãos interessados. O discurso sobre o Património Cultural pode ser visto como uma instância daquilo que Anthony Giddens denominou de “dupla hermenêutica” (1978: 170) entre a reflexão especializada, de um lado, e o saber de senso comum, de outro. Em outras palavras, a noção de “Património Cultural” e os conceitos a ela articulados não são mais somente termos técnicos utilizados somente por arquitetos, cientistas sociais ou atores envolvidos em políticas públicas. Direta ou indiretamente, um número crescente de pessoas fora dessa alçada lidam com o termo. O próprio crescimento das ações de reconhecimento, articulado ao envolvimento crescente de comunidades nesses processos, acarreta uma maior percepção desse fenómeno entre pessoas que não estão diretamente envolvidas com ele. Portanto, a divulgação das noções de Património Cultural vem aumentando e, com ela, cresce também a sua visibilidade pública.

Além disso, guardados os devidos cuidados, pode-se dizer que há algo próximo a um consenso, nos dias atuais, em torno da importância da patrimonialização de fenômenos culturais. Pois, apesar das críticas e preocupações que acompanham o

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10 desenvolvimento desse campo, as quais aparecem quando o investigamos mais de perto, é justo afirmar que o que é mais divulgado para um público amplo são os aspectos positivos desse fenômeno. Melhor dizendo, é perceptível uma grande aceitação popular da necessidade e da finalidade das políticas de proteção e valorização do Património Cultural - inclusive, e principalmente, quando esta é criticada por não cumprir apropriadamente seus objetivos (i.e., a crítica a políticas de patrimonialização mal conduzidas depende de uma aprovação prévia da sua importância e necessidade).

Com efeito, em tempos de crises do sistema financeiro, é comum perceber que os usos e práticas relativos ao Património Cultural são apresentados como uma área com potencial de crescimento econômico e como fonte de alternativas viáveis de circulação de riquezas e propulsão da económia. Contudo, a popularização de um termo não opera no sentido de sua definição se tornar mais clara e objetiva. Pelo contrário, processos de estabelecimento de um “senso comum” podem muito bem estabelecer uma perda de coerência no uso do termo. Diante dessa dificuldade, vale a pena mapear o espectro amplo de usos da noção, a começar pela reconstrução histórica da origem do termo, a qual já traz alguns entendimentos possíveis sobre as suas utilizações.

O “Património” do Património Cultural. O “Património” é um termo que

aparece já bastante carregado de sentidos e associações. Tal multiplicidade de sentidos, associada a uma variedade de utilizações práticas, é enormemente ampliada quanto o termo é atrelado à “cultura” em “Património Cultural”, a ponto de transformar a própria noção do que é “patrimonial”. Uma maneira de principiar a exploração do termo é através de suas definições dicionarizadas, que costumam capturar os sentidos correntes de uma expressão. Em definições diretas (dicionário), o património é: 1. Bem que vem do pai e da mãe. 2. Conjunto de bens, direitos e obrigações de uma pessoa. 3. (A mais próxima do sentido que nos interessa aqui) O que é considerado como herança comum. (Dicionário Priberam online). O termo “Património” pode ser preliminarmente

compreendido, então, como herança comum. Essa definição ainda bastate frouxa se alarga se a aproximarmos de possíveis sinônimos, os quais ajudam a perceber como esse termo varia de acordo com o contexto. Nesse sentido, ao lado de herança, encontraríamos termos como “legado”, “recursos”, “riqueza” e meios.

Seguindo o caminho que vai do sentido mais básico possível do termo “património”, podemos enveredar por direções mais filosóficas e antropológicas ao explorar tal noção. Como este é um trabalho acadêmico, essa exploração já significará a entrada no tema substantivo de nossa pesquisa. O campo lexical de termos relacionados

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11 com o “património” permite examinar alguns de seus alargamentos de sentido e, com isso, chegar a algumas noções que não são somente úteis, mas estruturantes desse trabalho. Tais noções não são originais, mas ancoradas em reflexões já feitas no mesmo sentido. Ainda que não queiramos fazer um inventário exaustivo, eis algumas ideias relevantes:

 Património é um bem ou conjunto de bens dotado de valor.  Património é o valor e propriedade, ou seja, a posse de valores.

 Património é a posse, por direito reconhecido socialmente e muitas vezes assumido como algo inquestionável.

Está óbvio que um estudo da noção correlata de propriedade, ela própria extraordinariamente polissêmica, teria de ser levado a cabo para alcançarmos o questionamento mais extremo do que é “património”. Não cabe aqui enfrentá-la. Sigamos daqui.

Património é o valor que se possui, posse que pode ser “realizada”. O filósofo Sartre diria que com “um punhado de dinheiro eu compro uma bicicleta, mas é

necessária uma vida para realizar essa posse” (Sartre, 1997, p. 723). Em outras palavras, um património pode ser não apenas possuído (p.ex., tenho uma bicicleta), mas

ativamente utilizado de acordo com os propósitos nele encarnados (p.ex., locomoção) ou a ele atribuído por seu(s) usuário(s) (p.ex., ir todos os dias ao trabalho de bicicleta). Em outro contexto, a posse também pode se realizar quando transmitida, isto é, passada de uma pessoa ou grupo a outra pessoa ou grupo. Essa posse herdada de um valor é “património”, como o é também aquela que é deixada. Estas qualificações relacionam as noções de posse e propriedade de valores a conotações mais processuais, associadas às utilizações efetivas das posses e às formas pelas quais elas são herdadas e deixadas como herança.

Isto dito, aqui não se pretende falar de “património” no sentido em que o termo é costumeiramente utilizado, grosso modo, pelas ciências contábeis, pela economia ou pelos operadores de direito (com o perdão da generalização). Não pretendemos dizer, aqui, algo sobre grandes fortunas monetárias, os meandros do direito (civil, comercial, internacional etc), o Produto Interno Bruto dos estados-nação e similares. O Património que nos interessa, como é óbvio, é o Património Cultural, mas este pode ser

especificado de muitas outras formas: histórico, artístico, etnográfico, industrial, arquitetónico, arqueológico, ético, simbólico, representativo, social, moral, técnico, legal, dentre outras compreensões possíveis. De certo modo, com certas ressalvas,

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12 podemos ver todas essas qualificações como desdoboramentos do conceito de “cultura”, portanto compreendidos neste.2 O “Património Cultural” não é, portanto, o mesmo

“património que costumam guardar os bancos”: a moeda ou representação abstrata de valor comum (dinheiro). Mas é possível questionar se essa diferença é sempre clara e evidente; em outras palavras, perguntar o que tem o “Património cultural” de

Património.

O Património Cultural pode ser uma parte do que é todo o “Património” em suas possibilidades etimológicas. Nesse sentido, tal como o gênero homo inclui a espécie

homo sapiens, o gênero Património incluiria a espécie Património Cultural. Segundo

essa linha de raciocínio, nem todo património seria cultural. No entanto, poder-se-ia pensar no “património cultural” não como uma espécie particular dentre outras de património, mas como um aspecto de qualquer património: terras, moeda, saberes, tradições, genética, ambiente, etc. Essa é uma forma possível de investigar esse tema.

O Património pelo que não é património. Todo património é posse,

propriedade, mas nem toda propriedade é em si mesma “Patrimonial”. Pois, nem tudo é “Património” (diriam os donos de tudo), ainda que toda, ou melhor, qualquer

propriedade seja “patrimonializável”. Seguindo uma via dialética, poderíamos começar a definir “património” pelo inventário do que ele não é. O que não é propriedade, o que é não meu (não nosso), não é património? Isso é válido somente em certo sentido, pois, se todo património é propriedade, o que não é propriedade não pode ser património. Porém, conquanto o património implique em propriedade, esta última propriedade pode ser estendida ou partilhada. E se considerarmos o “outro” como parte de um conjunto maior de análise, a humanidade por exemplo, o Património de alguém pode ser meu também. Não por acaso, os valores de Património Cultural remetem à diversidade e à pluralidade de culturas, na qual a propriedade de alguém, em última instância, pode ser uma forma de meu “Património” (ver Unesco, 2002).

Não é património o que é também do “outro”? Aqui, é melhor encurtar a reflexão. Vale apenas dizer sobre as possibilidades de definição da propriedade e das entidades proprietárias. Ficamos simplesmente com a saída de que o património pode ser propriedade coletiva. Logo, ser património de alguém não exclui a possibilidade de

2 Cultura como conceito fundamental no campo da Antropologia e Ciências Sociais. Não será

profundamente debatido ou questionado neste trabalho. Mas aqui é usado apoiado por todo um campo de conhecimentos e práticas científicas. Ver mais em Laraia, R. de B., 2001. Desta forma também se busca evitar uma polarização de natureza e cultura. Assim, mesmo a noção de património natural pode ser vista como uma perspectiva da cultura.

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13 ser de outrem. E essas entidades podem ser arranjadas de diferentes formas

simultaneamente. Logo, camadas e fragmentações de identidades implicam em definições do que é ou não património, e isso se dá de formas complexas. Do mesmo modo, definir o que não é património pela não-identidade parece ser demasiado

improdutivo. Se muitas identidades são constituídas em relações de oposição, pensar o património nos mesmos termos é como ser Salomão a decidir quem é a mãe da criança. Ainda que partir patrimónios no meio seja menos chocante do que fazê-lo com crianças.

Então, o que não é Património é o que se perde no tempo? Ou, sartreanamente, aquilo que não tem sua posse realizada (p.ex., a bicicleta abandonada na garagem). Concluir-se-ia daí: o património ou a perda! Sim, mas somente se deixarmos de considerar que se perde Património no tempo. Afinal, tudo passa, quase tudo se perde ou se perderá um dia. Dessa reflexão, é melhor concluir que “Património” é aquilo o que se quer guardar, em meio a tanto que se perde, e desse modo passar às novas gerações. E Património é também o que se quer achar e guardar das velhas gerações. Nessa perspectiva, não é património o que não queremos guardar, ou não precisamos guardar. Vê-se que, como um conceito que articula passado e futuro, a

patrimonialização já se apresenta como uma via de mão dupla, incluindo tanto o esforço das gerações passadas em transmitir patrimónios aos seus sucessores quanto a

empreitada de gerações presentes ocupada em resgatar e preservar os patrimónios do passado. Por consequência, a intencionalidade é um elemento definidor do que é Patrimonial.

O Património é o que se quer guardar, daquilo que é preciso guardar. É

Património o que se escolhe guardar para não ser perdido. Essa noção de património parte do dado de que coisas são agrupadas e separadas na passagem do tempo. Diante do fato de que a vida e o mundo estão constantemente em processos de transformação, é o esforço humano em perdurar coletivamente - em meio a esse contínuo fluxo de

passagem do tempo, vida e morte - o que dá a razão de ser da noção de Património. No tempo histórico do qual faz parte, o Património Cultural, tal como trabalhado hoje, é um conceito não muito antigo. Na medida em que os seres humanos vivenciam sua

historicidade de modos variados, as formas assumidas por essa ideia (i.e., a escolha de guardar algo na passagem do tempo) surgem em contextos socio-históricos específicos. Com efeito, é perceptível que existiram algumas noções parecidas quando se trata das primeiras noções de parentesco, cultura e sociedade. Mas hoje herdamos e acessamos um conjunto de pensamentos sobre o Património Cultural que é fruto de contextos

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14 históricos mais próximos de nós do que o são das primeiras noções de património. Em outras palavras, hoje utilizamos a noção de património cultural que surgiu há pouco tempo, muito tempo depois do que a noção de património como herança.

Contudo, património cultural é uma noção que se desenvolveu cada vez mais nos ultimos anos, ganhou abrangência, novos entendimentos, novos valores. Dessa forma, o que surgiu como a indicação de um conjunto de bens valorados por grupos de pessoas sensíveis a esses valores, deixou de ter um sentido único e passou a acumular diferentes valores culturais de seu tempo. Incluindo a participação de mais atores no sentido da valoração e preservação de elementos culturais.

Contextos históricos favoráveis e as transformações no pensamento dominante da época são fatores de condição e influência para as primeiras perspectivas

patrimoniais. Essas, nas suas expressões iniciais, foram alimentadas pelo surgimento dos ideais de “humano universal”. Assim, o reconhecimento dos valores culturais ganhou novos sentidos que não eram tão significativos em outros momentos da história. O que chama-se de pensamento iluminista e renascentista foram etapas de

transformações que hoje acessamos e reproduzimos suas consequências quando pensamos algumas noções patrimoniais. Pois, surgiu e se consolidou de modo efetivo uma maior consideração sobre os processos de perda e de esquecimento. Mesmo se considerarmos que várias culturas humanas já operavam com formas de evitar esses processos, como podemos supor sobre o surgimento da escrita ou de técnicas de mumificação, ainda assim não é possivel afirmar que se trata do mesmo fenómeno. Então, a noção da intencionalidade da memória, da forma que surgiu e com os efeitos que alcançou, foi algo com características próprias. Em certo sentido, surgiu como herdeiro de outras tradições, mas com justificativas e parâmetros ligadas a momentos históricos radicalmente diferentes. Esses momentos podem ser vistos como estando circunscritos aos processos da modernidade e do estabelecimento do humano como sujeito da escolha dos valores e da memória. Françoise Choay, entre outros autores, fala na questão da intencionalidade em certos processos memoriais, como na produção de “monumentos”, por exemplo (Choay, 2001). O tema merece certamente ser revisitado e aprofundado em possíveis futuros trabalhos, à luz das dinâmicas patrimoniais atuais.

Dos Patrimónios de outros tempos o que temos é o que ficou por que resistiu, ou por acaso, sobrou. Desse modo, as perspectivas patrimoniais surgem com muitas

possibilidades de intencionalmente moldar a construção da memória, no presente. Pois, se o passado pode ser visto como fator causal do presente, ainda assim o presente é

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15 determinante na construção do passado. Ou seja, o património cultural é um elemento presente que faz referência ao passado, tornando os efeitos de uma causalidade passada o símbolo da sua historicidade. Onde o valor atribuido a determinado bem cultural está, também, na sua relação com o tempo.

Nesse sentido, somente nas realidades presentes que é possível valorizar (ou não) elementos culturais com referência à sua existência no tempo. Como as condições do momento atual envolvem sujeitos que detêm diferentes culturas e processos

históricos, a valoração da cultura se faz em relação a esses sujeitos. Por isso, no processo de estabelecimento das noções de Património Cultural ganhou força a sua condição intrínseca de processos identitários. Só há património quando há identidades. Ou seja, as identidades individuais e coletivas com suas estruturas simbólicas de

pertencimento são a condição necessária para ações de valoração de elementos culturais. Pois, nos processos dinâmicos das relações interculturais o valor de um Bem Cultural emana da sua presença e significado para os sujeitos dessas culturas. Onde a identidade é uma marca das relações dos sujeitos com sua cultura e com os limites desta (Moreira, 1996).

Dentre as várias possibilidades de relações identitárias estabelecedoras de noções patrimoniais a que se mostra mais determinante são as da relação dos sujeitos com os “estado-nação”. O Património Cultural enquanto prática institucionalizada se estabelece numa perspectiva nacionalista, como fonte e resultado de processos sociais de construção e resgate de símbolos de nacionalidade. Essas entidades centralizadas, essas comunidades imaginadas (Anderson & Bottman, 2008), tem por atribuição

unificadora a definição e a busca por elementos de construção de identidades comuns. O Património Cultural serve, nessa perspectiva, a toda uma elaboração e referência às identidades nacionais – ainda que sejam identidades fundamentadas nas diferenças e na pluralidade.

Portanto, se a definição do que é Património Cultural passa por questões de identidade cultural importa saber quais os Bens culturais são referência dessa cultura-identidade (Fonseca, 2001). E, mais importante, saber para quem os Bens Culturais são referência de identidade e cultura. Pois, o Património Cultural é uma Referência Cultural de uma “cultura”, ou seja, é um elemento destacado de um contexto cultural, mas que é valorizado em referência a esse contexto maior. Em outras palavras, a referência cultural, que pode ou não se tornar património, é o elemento ou aspecto da cultura que se pretente definir como uma parte de um todo, onde o sentido de valor da

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16 parte é dado pelo seu todo. E a importância do todo é representada pela seleção de elementos referenciais, ou seja, pela patrimonialização.

Buscando uma maior aproximação com as especificidades decorrentes da temática em foco é imprescindível ver quais enfoques patrimoniais estão mais

implicados nos processos de patrimonialização de romarias. Assim como, contextualizar as possibilidades abertas com as linhas de Património Cultural Imaterial no

entendimento deste processo. Para tanto, é significativo perceber o alargamento do conceito e da atuação das perspectivas patrimoniais com relação ao Património imaterial, ou intangível. Com o surgimento dessas novas categorias de Património Cultural tem-se um aprofundamento das possibilidades de identificação de referências identitárias e também de patrimonialização. Como vemos descrito por Simone Toji (2011) sobre a distinção entre o imaterial e o material no contexto dos orgãos de Património Cultural no Brasil.

“Os termos “material” e “imaterial” tornam-se definitivamente as denominações por meio das quais as práticas de patrimonialização se consolidarão. Tal terminologia não se mostra cuidadosa quando se avalia que os chamados “bens culturais de natureza imaterial” só podem se realizar mediante suportes e agências materiais. Ao público em geral, não haveria nada mais “material” do que degustar um pedaço de queijo de Minas Gerais ou de apreciar as cores vivas e sonoras de uma roda de samba do Recôncavo Bainano. Porém, a terminologia “material” e “imaterial”, em realidade, irá expressar as diferentes posturas das ações de patrimonialização. Se o termo “material” irá se reportar à atuação tradicional dos órgãos de patrimônio com relação ao reconhecimento de edificações,

monumentos e centros históricos, o termo “imaterial” irá se referir ao reconhecimento oficial de manifestações que sempre estiveram alijadas desse processo, como as ligadas a grupos populares e minorias étnicas. De fato, as denominações “material” e “imaterial” são muito mais um posicionamento político e histórico por parte dos órgãos de patrimônio, do que categorias coerentes para designar os bens culturais.” (Toji, 2011, p. 60).

Partindo-se da perspectiva acima descrita, seja denominando de Património Etnográfico ou Património Imaterial, essa “nova” abertura de possibilidades traz uma

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17 série de especificidades de entendimento e práticas. Dessa forma, as “Comunidades” (Leal, 2015), povos, populações, grupos, coletivos, etc. são inseridos nos processos de patrimonialização de modo mais enfático. Ainda que isso resulte em maiores

dificuldades de operar conceitos mais abstratos e articular um conjunto maior de pessoas envolvidas.

Além disso, as noções pré-existentes de “tradição”, folclore, cultura popular, entre outras, tiveram que ser, em certo sentido, harmonizadas com as novas noções de Património Imaterial. Pois, entre as suas diferenças e semelhanças, houveram processos de influência mútua, que acarretaram em modificações no entendimento dessas noções. (p.ex. a noção de dinamicidade, que a perspectiva patrimonial reforçou na perspectiva de folclore. E, por outro lado, os trabalhos de cultura popular que perspectivas

folclóricas realizaram e hoje são foco de perspectivas patrimoniais). Além do que foi exposto, o próprio Património Cultural, como uma noção única que engloba todas as suas dimensões, teve de se sofisticar no sentido de aproximar suas diferentes

perspectivas. Pois, nas realidades socio-culturais concretas as distinções entre material x imaterial não estão separadas. Por isso, ao lidar com aparentes contradições e com os processos dinâmicos da cultura toda a noção de património é transformada.

Logo, as culturas são vivas, se fazem, se adaptam, se transmutam e transformam. A dialética da transformação está presente em todas as esferas de análise, do geral ao particular, do coletivo ao individual, do campo ao habitus, da sociedade ao indivíduo, da estrutura à agência, da memória à ocorrência, etc. O movimento contínuo da existência, na história, é uma criação criadora que é criada pela criação criada. No contínuo da vida, o que é considerado como Património Cultural tem de ser

contemplado como relativo, ao passo que é sujeito-objeto e objeto-sujeito das culturas.

1.4 “Patrimonialização” do Património Cultural: processos de reconhecimento, valorização e memória.

“Patrimonialização”. As ações de patrimonialização podem surgir de diferentes

formas. Nos mais variados contextos sociais, as conjunturas que favorecem iniciativas de património podem ocorrer de modos diversos e peculiares. O intuito aqui é apoiar-se numa certa popularidade do termo para observá-lo em ação e investigar as suas práticas.

Para tanto, é prudente restringir uma noção de “tornar algo património”. Não diz-se aqui da simples alegação, como gritar ao vento: - Isso é importante pra nós! Mas sim, resultantes de estruturas socio-culturais que, por meio de instituições e trabalho especializado, são indicadores de crédibilidade na construção de valor simbólico

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18 reconhecido socialmente. E, portanto, com resultados válidos e efetivos no contexto social que está contido.

Instâncias oficiais reconhecimento e agentes de património. As pessoas que

conduzem as práticas sociais associadas ao Património Cultural o fazem de muitas formas aprendidas e aplicadas. Saberes discursivos e saberes práticos estão operando nas realidades sociais onde o termo “Património Cultural” é empregado. Muitos dos instrumentos formalizados de ações patrimoniais são normas, leis, ritos processuais e meios de comunicação desenvolvidos em cada contexto para tornar algo Património e indicar o seu valor simbólico. A capacidade de operar os trâmites, a boa organização e arquivo são características de agências patrimoniais eficientes. Porém, ainda assim, essas podem se encontrar distanciadas das pessoas que mais visa beneficiar. Mesmo tendo-se em conta que é comum nessas práticas a busca de diminuir essa distância entre os “agentes de património” e população envolvida nos processos.

Ainda que existam requisitos e procedimentos a serem cumpridos, o processo de patrimonialização não é algo totalmente inflexivel e previsível. O próprio sentido da construção e definição de uma perspectiva patrimonial da cultura exige um trabalho que só pode ser configurado caso a caso. Isso por que o Patromónio Cultural é uma

construção cultural (Arantes, 1984), e não uma “essência” da “cultura”.

Se considerarmos que não existem fórmulas prontas de patrimonialização, em outras palavras, uma “linha de montagem” do “produto” patrimonial, o conjunto de requisitos e orientações são vistos como parâmetros gerais para elaboração e avaliação de construções patrimoniais. Inclusive, faz parte das orientações técnicas e

procedimentais do campo patrimonial (ver Unesco, 2003) que esse não seja um

processo mecanizado de atribuição de valor. Além de que a participação dos detentores do Património é tida como fundamental, o que implica na necessidade de consolidar instâncias participativas. Logo, o processo deve sempre definir estratégias e resoluções específicas para o caso em foco. Isso ocorre até mesmo na definição do que é o Bem Cultural.

Portanto, baseado-se em uma reflexão genérica sobre processos de

patrimonialização é possível se inserir no campo de discussão sobre os sentidos e valores que estão em movimento no conjunto das diferentes realidades. Por outro lado, se buscamos uma análise sobre a objetividade de práticas patrimoniais é preciso focar sobre contextos específicos.

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19 No presente trabalho, os processos de patrimonialização estão imersos no

contexto nacional de Portugal, assim como, no contexto dos distritos, concelhos e freguesias implicados. Então, são as instituições de cultura dessas localidades as

principais mediadoras e operadoras das políticas públicas de Património Cultural. Nesse sentido, uma análise objetiva de processos de patrimonialização passa pelo estudo das estruturas socio-culturais que tem legitimidade na execução das suas competências para atuar em determinado contexto.

Vale mencionar que a determinação de competências a que me refiro não visa restringir um conjunto amplo de possibilidades de atuação de outras instâncias. Organizações, Associações e outras iniciativas de caráter privado são bastante significativas junto às políticas públicas tendo em vista a proteção e valorização de Patrimónios Culturais. O que se pretende destacar na presente reflexão são as

qualificações e características de ações de Património Cultural no âmbito do Estado. No qual a delimitação de competências visa estabeler uma capacidade de atuação técnica e especializada, o que pode contribuir para evitar usos distorcidos, ou de má-fé, das políticas públicas de Património.

Portanto, tem-se no conhecimento acumulado no campo do Património Cultural experiências que demonstram que somente uma mera “declaração” não basta para cumprir as perspectivas de reconhecimento, proteção e valorização. Os problemas do uso de alegações baseadas na terminologia patrimonial, como a simples “nomeação” de caráter espetacularizado, sem critérios de análise e sem o conjunto de práticas que deveriam acompanhar os reconhecimentos de Património Cultural (p.ex. salvaguarda), podem contribuir para a perda do sentido das políticas patrimóniais. Esse é um dos pontos que gera grande debate, ainda assim, é importante salientar que quando se diz sobre os processos de patrimonialização na continuidade do trabalho se considera os processos que implicam em salvaguarda ou em outras formas de proteção. Ou seja, processos de patrimonialização são feitos por instituições mediadoras qualificadas, que fazem parte de uma rede de diferentes agentes (pesquisadores, universidades,

associações, museus, coletivos organizados, pessoas interessadas, etc) que, após a elaboração de trabalhos coletivos, encaminham um processo formal de reconhecimento.

E de quem é o Património? Nos contextos das políticas patrimoniais é uma

discussão bastante presente os entendimentos sobre os diferentes níveis de relação com o chamado Património Cultural.

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20 Quem detêm o património? Quem guarda e transmite? Como devem ser os direitos autorais de patrimónios coletivos? Essas perguntas trazem no presente momento discussões que ainda não estão resolvidas. As novas perspectivas desdobradas na

ampliação do espectro patrimonial, na sua dimensão imaterial, contribuiu para o aprofundamento dessas discussões. Os processos de patrimonialização, ou seja, o

conjunto de práticas e saberes que visam o reconhecimento de elementos culturais como Património Cultural, apoiam-se em algumas noções de propriedade, pertencimento e participação.

Existem, portanto, diferentes níveis de relação com o Bem Cultural. Esses diversos níveis estão dispostos por toda a tecitura social dos contextos culturais. Assim, as possibilidades de ligação vão desde os detentores mais diretamente ligados ao Bem Cultural até aos cidadãos que se encontram somente indiretamente implicados (que a relação com o Bem Cultural se dá somente enquanto parte do Património do seu país).

Além disso, a expressão “detentores” é mais voltada para a perspectiva do património imaterial. Isso por que os bens culturais estão presentes na vida de determinadas pessoas que detêm os conhecimentos, sentidos e valores que são referências de identidade para determinado grupo social.

Procurando não alongar muito a presente explanação, vale citar a Convenção de Faro (Concelho da Europa, 2005) como um documento que traz algumas definições importantes para o trabalho patrimonial em Portugal e outros países. Ainda assim, no sentido de contribuir para a busca constante para aperfeiçoamento de entendimentos patrimoniais, essa discussão não pode ser encerrada.

Como o Património não é determinante de exclusividade, qualquer pessoa que tem interesse nele e queira realizar ações públicas sobre o Património está em condições de se inserir no conjunto de agentes que se encontram nas dinâmicas patrimoniais. Mesmo assim, muito ainda tem que ser alcançado em termos dos direitos dos grupos menos favorecidos e mais diretamente implicados na realização de expressões culturais.

Comunidades, cidadãos, indivíduos que criam, mantêm e transmitem, as

comunidades envolventes, as pessoas a quem o bem cultural é significativo, entre outras categorias de pertencimento e relações com o Património tem de ser melhor

compreendidas. As Redes de agentes (Detentores, mediadores, stakeholders, etc.) são, portanto uma forma de pensar o conjunto não homogeneo de pessoas e coletivos ligados às questões patrimoniais.

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21 Assim como podemos ver na entrevista de Mark Jacobs3, em Carvalho, A., &

Barata, F. T. (2017).

“On the other hand, I see “heritage community” as a network of actors around heritage – and these could be private persons, they could be museums or other organisations. Basically, we are thinking in terms of networks and not just in terms of a village community, a small, supposedly closed or homogeneous group. By using the word “network”, you can move it to include also experts, centres of expertise and so on.”4 (Carvalho & Barata, 2017, p. 178).

De quem é a iniciativa de patrimonializar? Como foi visto acima, uma rede de

diferentes atores está conectada aos processos de patrimonialização. Esses diferentes atores estão distribuidos pela estrutura social de formas que podem variar em termos de classe social, escolaridade, idade, entre outras formas de estratificação. Esse ponto é relevante para trazer de modo superficial outra questão problemática dos processos de patrimonialização.

Como ocorrem as iniciativas de Patrimonialização? “De cima pra baixo, de baixo pra cima?” Ou para trazer a expressão em língua inglesa, bottom-up, ou seja, de baixo para cima é quando as ações patrimoniais são estruturadas e articuladas desde o seu princípio junto as pessoas ligadas diretamente ao Bem Cultural, seus detentores.

Como vemos em Leal, 2015:

De facto, o PCI surge associado desde o seu início a ideias e uma aproximação bottom up (de baixo para cima) em relação a este tipo específico de património. Assim o Artigo 24 da Convenção da UNESCO de 2003 sobre a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial estabelece que os estados nacionais devem

3 “Marc Jacobs (1963) é Professor de Estudos Críticos de Patrimônio na Vrije Universiteit Brussel. É

desde 2008 diretor da Faro (Flemish Interface Centre for Cultural Heritage), uma organização belga para o setor do patrimônio cultural (material e imaterial). É desde 2014 o coordenador da UNESCO Chair em Critical Heritage Studies na Vrije Universiteit Brussel. Participou na qualidade de representante da Bélgica na redação da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003) e em vários grupos de trabalho durante o primeiro Comité Intergovernamental da Convenção (2006-2008).” Carvalho, A., & Barata, F. T. (2017).

4 Tradução do autor: “Por outro lado, eu vejo a “Comunidade do Património” como uma rede de atores ao

redor do Património – e esses podem ser entidades privadas, podem ser museus ou outras organizações. Basicamente, nós estamos pensando em termos de Rede e não somente em termos de comunidade local, pequena, um grupo supostamente fechado ou homogêneo. Utilizando o termo “rede”, pode-se incluir também especialistas, centros de excelencia e assim por diante.”

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22 assegurar a mais larga participação possível das

comunidades, grupos e, quando aplicável, indivíduos que criam mantêm e transmitem esse património [cultural imaterial] e implicá-los activamente na sua gestão (Blake 2006: xiv).

Surgindo em lugar destacado nesta enumeração inicial dos detentores do PCI, as comunidades continuaram a figurar em plano de relevo em documentos posteriores da UNESCO (ver Blake 2006), onde repetidamente são definidas como as principais stakeholders (para citar uma expressão recorrentemente utilizada nos documentos da UNESCO) do PCI” (Leal, 2015, p. 145).

O caso oposto, “de cima para baixo” é quando forças políticas ou interesses particulares se impoem no sentido da patrimonialização. Ou seja, interesses que podem não estar claros agem no sentido de fazer a máquina estatal operacionalizar a

patrimonialização de determinado entendimento do Património Cultural.

Portanto, entende-se que as orientações visam oferecer uma perspectiva mais acertada na execução de projectos de património. Porém, essas formas só podem ser plenamente operacionalizadas nos casos concretos. Por isso, é grande a importancia de agentes culturais, pesquisadores, educadores patrimoniais e articuladores da cultura. Pois, são esses atores que normalmente estão mais disponiveis a fluir por diferentes esferas de influência. E, portanto, podem construir processos que estejam estruturados em trabalhos de base, ou seja, junto e a partir das comunidades.

Capítulo 2 - O Projecto “Romarias do Minho” e as instâncias de Património Cultural

2.1 “Projecto Romarias Minhotas”: O começo de um projecto de Património Cultural

“Romarias Minhotas” é um termo ainda não-oficial oriundo de um projecto ligado a área de Património Cultural. Este projecto visa, de modo progressivo, o

reconhecimento/classificação de algumas Romarias que acontecem na região do Minho, em Portugal, como Património Cultural Imaterial e sua inserção na lista de patrimônios mundiais, da UNESCO. Possivelmente para a Lista Reprentativa de Património

Intangível.

Esse projecto pode ser visto como uma iniciativa provocadora, dado as suas características iniciais de uso de referência dos seus objetivos finais. Ou seja, o projecto

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23 como um todo implica em uma série de etapas e processos, mas já inicialmente se justifica e se organiza para uma etapa final. Quando se diz etapa final não se refere a uma ação conclusiva, tendo em vista toda a continuidade após um suposto

reconhecimento via Unesco, mas é uma etapa final no sentido de ser uma maior instância de reconhecimento, dentre aquelas que existem. Logo, o uso de ações de articulação política, em conjunto com formas de divulgação, comunicações e

publicidade constituem o início do projecto. Em certa perspectiva, tem-se uma atitude de construção de um objetivo que adere mais facilmente aos consensos, para dessa forma criar um movimento cooperativo e organizado.

Em analogia poderíamos falar da faísca que pode começar um grande fogo. Onde a faísca é o status e capital simbólico atrelado à imagem de “património mundial”, quando usado como o objetivo almejado por muitos, ou o que tem poucos antagonismos ou críticos. E o grande fogo é toda uma série de ações organizadas, de processos

diversos e de esforços conjuntos por uma patrimonialização adequada.

Desse modo, foi apresentada inicialmente somente a intenção de classificação Romarias do Minho como Patrimônio Mundial, na lista de Património Imaterial da Unesco. E os principais articuladores dessa primeira intenção são pessoas envolvidas com expressões culturais das localidades de Braga e Viana do Castelo. Portanto, são pessoas ligadas a organização de festas e romarias dessas duas cidades da região do Minho, sendo elas o São João de Braga, e a romaria de Nossa Senhora d'Agonia de Viana do Castelo.

Contudo, logo de início, estas iniciativas tornaram-se duas intenções paralelas e concorrentes. Pois, o desejo de candidatura dos representantes de Viana do Castelo tem claramente recusado a juntar-se ao projecto Romarias do Minho, de modo a conservar uma imagem particular e independente. Esse é um lado abertamente “estratégico” da posição assumida por Viana do Castelo. Na qual já se encontra em execução ações como a realização de registros das festas do concelho, entre outras iniciativas (p. ex. “Recolha feita para Museu do Traje”, 2017).

De modo diferente, os representantes de Braga acreditam que um projecto mais amplo, que inclua outras expressões da região do Minho seja mais efectivo. É bastante relevante perceber que existe o interesse por parte de agentes ligados à organização de expressões culturais específicas em incluir outras expressões e promover a participação de outros conjuntos de festas e romarias em uma candidatura conjunta. Pois, alega-se que desse modo terão mais “força”, talvez no sentido de maior influência política e

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