• Nenhum resultado encontrado

3 OS ESCRAVOS DA REPÚBLICA NA ILHA UPAON-AÇU OU SOBRE A RESISTÊNCIA AO APAGAMENTO DE VIDAS INDESEJÁVEIS

27 Anandiba Tanandiba Fonte: Sbrana (2015, p 11-12) Adaptado pelo autor.

3.3 A SÃO LUÍS DO CONTINUUM COLONIAL

São várias as possibilidades de se analisar, na atualidade, as marcas do continuum

colonial nessa cidade que se espraiou sobre a Upaon-Açu: a financeirização da formação do espaço urbano, a contínua e crescente desigualdade social e econômica, a ação seletiva e consorciada do Estado com o capital privado (FERREIRA, 2014).

Entretanto, Ferreira (2014) apresenta análise de Upaon-Açu que demonstra, de fato, uma espécie de continuum colonial quando sugere uma periodização histórica que demarca outras temporalidades que não aquelas laudatórias tradicionais vinculadas aos inícios e términos dos períodos colonial, imperial e republicano, nem mesmo os anos de exceção dos governos dos generais militares. Para ele a “periodização necessária”, que dá sentido à análise da aventura da Upaon-Açu no tempo seria: a “Emergência da cidade e primeiros indícios de crescimento (1612- 1875)” (p. 24); a “Diversificação do capital industrial, crises e intervenções urbanísticas

(1876-1950)” (p. 40); o “Crescimento e revalorização do espaço urbano (1951-1970)” (p. 45) e a “São Luís: cidade real e contraditória (1971-2012)” (p. 55).

O professor Ferreira (2014), apesar de assumir a fundação francesa como marco da origem de Upaon-Açu, admite e advoga que a Ilha ainda reflete as nuances da colonialidade tanto ao sugerir uma periodização longa e sem as quebras e rupturas próprias da historiografia tradicional, quanto nos argumentos, ao longo de toda obra, que sustentam as ações do Estado (União, Estado e Município) consorciadas ao capital.

Apesar de ratificarmos nossa negligência consciente quanto ao tempo marcado, evolutivo e linear (próprio da história como disciplina), “em que a maioria dos atores não teve a oportunidade de ser também narradores” (MIGNOLO, 2003, p. 41), que exclui as vivências dos povos e comunidades de ancestralidade indígena e/ou africana, enfatizaremos os dois últimos períodos sugeridos por Ferreira e faremos os recuos temporais quando necessários para compreender as nuances da resistência, no presente, dos grupos cujas vivências históricas foram excluídas.

Esses dois últimos períodos (1951-1970 e 1971-2012) marcados por Ferreira (2014) ganham relevância em função de que foi neles que o Estado (esferas municipal, estadual e federal) passou a transferir, de modo mais acelerado, as reservas de terras públicas, praticamente toda superfície da Ilha do Maranhão, para o controle privado de grandes corporações e especuladores em desfavor das populações locais já possuidoras e usuárias das terras, além de ser, quando se observou a intensificação de planos e projetos de urbanização e industrialização, conduzidos pelo par Capital-Estado que resultou no maior e mais significativo aumento demográfico já visto depois da emergência da colonização (= modernização) da Ilha. Os dados oficias dão conta de que, em 1950, São Luís contava com uma população de apenas 70.731 habitantes (SILVA, 2012, p. 152), passando a partir de então a surtos vertiginosos de aumento populacional, chegando a 449.433 em 1980 e a 696.371 em 1991, sendo que hoje (2016) sua população está estimada em 1.082935 e de toda a Ilha é de 1.409.162 (FERREIRA, 2014, p. 86; IBGE-Cidades, 2016).

Os principais indutores dessas mudanças, sobretudo no último período, foram os grandes projetos de desenvolvimento intensivos em terra e capital, que contaram com força de trabalho farta e barata. Nesse sentido, é o próprio Ferreira (2014, p. 85) que constata

que apesar de instituições da esfera estadual defender o contrário... o efeito multiplicador urbano de tais projetos é reduzidíssimo, pois os mesmos concentram- se na fabricação de produtos intermediários, que têm os principais mercados localizados no Sudeste do Brasil e no exterior. Por isso, esse “núcleo industrial” de São Luís revela-se enquanto “enclave”, à medida que ainda apresenta peculiaridades de “modelo colonial”, considerando “uma fonte de matéria-prima no interior, um sistema de transportes definido em função do porto e da fonte de matéria-prima, uma atividade de beneficiamento primário junto ao porto, centros de decisão e mercado externos ao local”..., além do baixo efeito multiplicador da cidade.

Como já apresentamos nos capítulos precedentes, não é somente essa forma clássica que demonstra as continuidades da colonialidade (= modernidade), São Luís foi ao longo da década de 1970 até hoje reengendrada por uma elite herdeira colonial, que qual seus ancestrais, concebe, planeja e executa o espaço urbano e rural em função de forças e interesses que exploram, expropriam e excluem os grupos por eles tornados sem poder, sem direitos (os escravos da

república) com a finalidade única de lhes servir com seus braços e suas vidas.

Por toda década de 1970 até agora, o condomínio Capital-Estado atualizou as ações de colonização (= modernização) na Upaon-Açu. Duas obras foram fundamentais para espraiar o domínio da elite local consorciada com a nacional e internacional sobre os territórios dos grupos de ancestralidade indígena e/ou africana. A construção da ponte São Francisco (1970) (Imagem 1), sobre o rio Anil, que uniu o centro antigo da cidade à ponta do São Francisco, onde se desenhava a cidade nova, e a barragem do Bacanga (1973) (Imagem 2), sobre o rio de mesmo nome, que favoreceu o acesso à parte sudoeste da Ilha onde se localiza o porto do Itaqui58 (cuja construção se iniciara em 1966).

58

“A área onde atualmente está localizado o Porto do Itaqui já era conhecida como ponto de fundeio de embarcações antes do século XIX. A primeira tentativa de construir um grande porto na área do Itaqui foi em 1918, quando o Governo do Maranhão deu concessão de obras à companhia inglesa C.H. Walker & Co. Limited, porém a companhia não obteve êxito e a concessão foi extinta. Em 1939 iniciaram os estudos técnicos pelo Departamento Nacional de Portos, Rios e Canais- DNPRC para a construção do Porto do Itaqui. As obras foram iniciadas em 1966 com a construção do berço 102 e prosseguiram até 1972. Em 1976 foram concluídos os trechos dos berços 101 e 103. Em 1994, a extensão do cais foi ampliada com a construção dos berços 104 e 105. Em 1999, foram realizadas as obras do berço 106 ” (MARANHÃO, 2016).

Imagem 1 - Ponte do São Francisco - São Luís (MA)

Fonte: Foto Estúdio Edgar Rocha (In: SILVA, 2012, p. 173). Imagem 2 - Barragem do Bacanga - São Luís (MA)

Fonte: Silva (2012, p. 166).

O desenho da cidade, que passa a se materializar no final da década de 1960 e início de 1970, foi idealizado pelo engenheiro Ruy Ribeiro de Mesquita (1958), ainda uma década antes, em seu “Plano de Expansão da Cidade de São Luís” (Figura 3). Embora o engenheiro tenha passado por desentendimentos com o então governador do Estado, Newton de Barros Belo, parte do plano foi implementado nos anos seguintes, como a ponte do São Francisco (1970), a barragem do Bacanga (1973) e o porto do Itaqui (1966-72) (SILVA, 2012; 2013; FERREIRA, 2014).

Figura 3 - Plano de Expansão da Cidade de São Luís.

Fonte: Mesquita (1958). Adaptado pelo autor.

Legenda: 1. Ponte do São Francisco sobre o rio Anil. 2. Barragem do Bacanga sobre o rio de mesmo nome.

Para Silva (2013, p. 2-4), o Plano de Ruy Mesquita se enquadra na cena de modernização59 e desenvolvimento pela qual passava o país em meados do século 20.

Nos anos de 1950, São Luís, capital do estado do Maranhão, contava com uma população de 70.731 habitantes, e os discursos, fossem eles oficiais ou simplesmente de articulistas demarcavam uma necessidade intrínseca de mudar o perfil da cidade, considerada velha e imprópria (SILVA, 2012). Como um dos caminhos para redefinir seus espaços o poder público formulou, em 1958, o Plano de Expansão da Cidade de São Luís.

O documento é dos elementos emblemáticos do movimento de modernização da capital, assinado pelo, então, engenheiro e diretor geral do Departamento de Estradas e Rodagens do Estado do Maranhão (DER-MA), Ruy Ribeiro Mesquita (sic).

Mesquita refletia a dialética do urbanismo racionalista moderno, encontrava-se inteiramente inserido ao discurso do capitalismo de sua época e em perfeita consonância com a política do governo popular de Juscelino Kubitschek (1956- 1961). Logo, o Plano de Expansão da Cidade de São Luís, é, também, um instrumento de modernização do Brasil. E Mesquita (1958), na condição de diretor do DER-MA, aparece como a pessoa mais indicada para elaborá-lo, uma vez que, possuía o conhecimento necessário para pensar as grandes artérias que abririam o caminho do desenvolvimento da capital.

Nas palavras do próprio Ruy Mesquita (1958, p. 1) “é fácil concluir que boas estradas de rodagem, ligando as zonas rurais com a cidade e em articulação com os demais sistemas de viação (férrea, fluvial e marítima), constituirão um sistema básico para o desenvolvimento e o progresso da Ilha de São Luís”.

59

Segundo Silva (2012, p. 166)

Na constatação de Mesquita, expandir em direção ao Itaqui representava a conquista de uma nova faixa de terra, como se uma lacuna houvesse sido deixada desde os primeiros colonizadores (os portugueses) sendo inadiável seu preenchimento no século XX. Nela se organizariam novas indústrias, mais próximas do continente, “mais perto do Brasil”. Dela partiriam estradas do progresso em direção a São Luís. O fetiche do progresso, do desenvolvimento e modernização que guia todo o Plano de Ruy Mesquita (1958) celebra novos horizontes e formas de colonização dos territórios dos grupos de ancestralidade indígena e/ou africana e daqueles despossuídos econômica e politicamente, no longo processo de acumulação de riqueza pela elite herdeira colonial em São Luís.

Para Silva (2012) a personagem que poderia levar a cabo tal projeto era a figura do jovem político José Ribamar Ferreira Araújo da Costa, o José Sarney, que, ao se aliar ao sistema empresarial-militar instaurado pelo golpe de 1964, derrotou, em 1965, a então oligarquia vitorinista e passou a comandar uma nova oligarquia, o sarneísmo.

A ascensão de José Sarney ocorreu mediante o forte apoio do regime militar, instaurado em 1964, principalmente, do general Castelo Branco, na ocasião investido no cargo de Presidente da República. Prometendo a construção de um novo Maranhão, o político buscou a efetivação de suas promessas de campanha por meio da implementação de grandes obras públicas, que seriam capazes de consolidá- lo no imaginário social como o grande reformador do Estado, dando especial atenção às condições estruturais da capital. Coube ao seu governo a construção da Ponte do São Francisco, da Barragem do Bacanga, do Parque da Cidade, hoje Parque do Bom Menino, e do Porto do Itaqui (SILVA, 2012, p. 151-52).

José Sarney, em 1966, aos 35 anos de idade, tomou posse do Governo do Estado do Maranhão, elegendo-se pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA) com o apoio do Presidente Castelo Branco, primeiro general a governar o Brasil pós golpe de 1964. Antes, tinha sido, pela União Democrática Nacional (UDN), Deputado Federal por três mandatos (1955-1965), o primeiro exercido no Rio de Janeiro, quando ainda era a Capital Federal.

Em seu discurso de posse do governo do Maranhão, em 31 de janeiro de 1966, assim dizia:

Recebo na praça pública o direito de governar o Maranhão, direito que me foi dado pela vontade soberana do povo...

O Maranhão não suportava mais e nem queria o contraste de suas terras férteis, de seus vales húmidos, de seus babaçuais ondulantes, de suas fabulosas riquezas potenciais com a miséria, com a angústia, com a fome, com o desespero...

O Maranhão, não quer a desonestidade no Governo, a corrupção nas repartições e nos despachos. O Maranhão, não quer a violência como instrumento da política para banir direitos dos mais sagrados, que são os da pessoa humana... O Maranhão, não quer a miséria, a fome, o analfabetismo, as mais altas taxas de mortalidade infantil, de tuberculose, de malária de cinetossoma como exercício do cotidiano.

O Maranhão não quer e não quis morrer sem gritar, não quis morrer estático de olhos parados e ficar caudatário marginal do progresso olhando o Brasil e o Nordeste progredir enquanto nossa terra mergulhada na podridão não podia marchar nem caminhar, como iremos abrir novas estradas, como iremos formar nossos técnicos,

como iremos construir os nosso portos, como iremos industrializar o Maranhão e criar novos empregos como iremos mudar a face do Maranhão 100% pobre quanto a habitação, vestiário e alimentação? Temos uma reserva humana de uma força muito grande (Sarney, em discurso de posse, divulgado por ROCHA, 1966).

Passado meio século, José Sarney segue achando, ou querendo fazer que achem, que mudou a face do Estado do Maranhão em termos de melhorias das condições de vida da população, de maior segurança política. Senão, vejamos:

Há 50 anos recebi, na praça Pedro II lotada por uma multidão vinda de todo o estado, o governo do Maranhão. O caminho que eu tinha trilhado tinha sido difícil. Era o primeiro governante do Maranhão não originário das famílias ricas e latifundiárias. Nasci numa família de classe média, integrante do meio intelectual. Havia o desejo de um Maranhão melhor, com o Estado a serviço da comunidade, com a vida pública estruturada em termos altos, o desejo de um governo mais humano e mais justo.

O símbolo do vergonhoso sistema que derrotei eram os famigerados “troncos”, ainda existentes em alguns municípios do interior: correntes de ferro cravadas em pesados troncos de árvores ou esteios onde se acorrentavam os presos. Tratava-se de uma reminiscência dos tempos coloniais e da escravidão, que perdurava no Maranhão em pleno ano de 1966. Eleito, mostrei na televisão aquelas correntes, macabra imagem daquilo que havíamos erradicado” (SARNEY, 2016, s/p).

A despeito do seu reiterado artifício de uso retórico das noções de progresso, de desenvolvimento e modernidade, o líder da oligarquia reputa a si mesmo até a hercúlea tarefa de ter erradicado as heranças coloniais do Estado. Quando, na verdade, seu grupo reeditou novas formas de manutenção do continuum colonial, tal qual chamar o golpe de 1964 da “Revolução de março de 1964” e celebrar as “Gloriosas Forças Armadas do meu Brasil” (O Imparcial, 17 jan. 1970).

Cinquenta anos de mando do grupo por ele comandado, guarnecido pelo que há de mais autoritário e violento em termos de espoliação via controle dos governos e da “economia do bem comum”, que resultaram nas mais profundas das transformações da fisionomia espacial, ambiental, econômica e política refletidas no aprofundamento das desigualdades e da concentração de riqueza social.

Decerto que o Maranhão gerou riqueza nesse período, chegando a figurar entre as 16 maiores economias do país, com Produto Interno Bruto (PIB) de 58 bilhões de reais no ano de 2012 (Tabela 1), entretanto, mais uma vez, às custas da exploração da força de trabalho e da espoliação das riquezas naturais e dos territórios dos escravos da república.

Os dados oficias do IBGE (Tabelas 2, 3, 4 e 5) mostram a situação do Estado do Maranhão em relação à Região Nordeste e ao Brasil. Em todos os indicadores (renda, escolaridade e trabalho) o Estado figura com o pior desempenho.

Tabela 1 - Produto Interno Bruto e participação das Grandes Regiões e Unidades da Federação - 2012

Tabela 2 - Rendimento nominal mensal domiciliar per capita da população residente, segundo as Unidades da Federação - 2015

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua - 2015.

Tabela 3 - Arranjos familiares residentes em domicílios particulares, total e respectiva

distribuição percentual, por classes de rendimento mensal familiar per capita, segundo as Grandes Regiões, as Unidades da Federação e as Regiões Metropolitanas - 2013

Tabela 4 - Pessoas de 25 anos ou mais de idade, total e respectiva distribuição percentual, por grupos de anos de estudo, segundo as Grandes Regiões, as Unidades da Federação e as Regiões Metropolitanas – 2013.

Tabela 5 - Pessoas de 16 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, total e proporção em trabalhos formais, por sexo, segundo as Grandes Regiões, as Unidades da Federação e as Regiões Metropolitanas - 2013

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013 (IBGE, 2014, p. 136).

O Rendimento nominal médio mensal domiciliar per capita do maranhense em 2015 foi o mais baixo do país, ficando em R$ 509,00 (quinhentos e nove reais), muito abaixo da média nacional que foi de R$ 1.113,00; o segundo colocado, o Estado do Amapá, teve rendimento de R$ 671,00, enquanto que o Distrito Federal apresentou o maior desempenho, com rendimento de R$ 2.254,00 (Tabela 2). Sendo que 72,3% das famílias maranhenses vivem com menos de 1 (um) salário mínimo por mês (Tabela 3).

Em 2013, o Maranhão contava com 26,1% das pessoas com mais de 25 anos analfabetas ou com menos de 1 (um) ano de instrução (Tabela 4), e somente 27,7% das pessoas maiores de 16 anos estavam incluídas no mercado formal de trabalho, ou seja, 72,3% das pessoas maiores de 16 anos ou estavam desempregadas ou submetidas à informalidade (Tabela 5).

Sob o comando do grupo Sarney, o Estado do Maranhão e a Ilha Upaon-Açu, a partir da década de 1970, viram se fortalecer o consórcio Capital-Estado que sob o signo do progresso e da modernidade (= colonialidade) fez aumentar a especulação imobiliária, grilagem de terras e conflitos na área rural, a exploração, expropriação e expulsão de povos e comunidades de ancestralidade indígena e/ou africana, deslocamentos de milhares de pessoas das áreas urbanas e rurais (GISTELINCK, 1988; SILVA, 2012; FERREIRA, 2014).

A espoliação dos territórios dos escravos de república, chegou ao extremo no Maranhão das oligarquias. Tanto que, em várias comunidades rurais, a exemplo dos municípios de Timbiras e Codó60, os territórios ficam arrasados, qual cena de guerra, sobrando somente crianças, mulheres e idosos, vez que os homens adultos são obrigados a migrarem de março a dezembro para o corte na safra de cana, principalmente, nas plantações do interior de São Paulo (NOVAES; ALVES; VIDAL, 2007).

...cerca a terra, não produz nada, mas também não querem uma pessoa lá pra trabalhar. Eu conheço pessoa que tinha dez léguas de terra, botou os moradores tudinho pra fora, eles estão tudo aqui em Timbiras, tudinho aqui nessas pontas de rua, não tem pra onde ir, o jeito que tem é sair fora... (José Ribamar, relato divulgado por NOVAES; ALVES; VIDAL, 2007)

Aqui fica só o buraco, só o oco, fica muito ruim... aqui é fica só os meninos e as mulheres... só os velhos aposentados que não saem... é ruim ficar aqui sozinha, cuidando de menino, servindo de mãe e pai. (Paula e Tereza, relato divulgado por NOVAES; ALVES; VIDAL, 2007).

Além de serem expulsos das suas comunidades, são acometidos por doenças no trabalho de corte de cana e, em casos extremos, à morte por exaustão.

Eu vi um homem morrendo siô, lá [no corte da cana], um homem novinho que nem barba ainda não tinha, o encarregado mandando, que ele ainda não sabia cortar cana... e o caboco véi suado, saudo e tinha casado tava com três meses, aí eu vi ele sentar assim perto de mim, se sentou assim numa moita, aí eu disse assim: o que que tu tem rapaz? “ô rapaz eu tô ruim”, aí eu socorri ele com água e esse homem começou a suar... fiz tudo, esse homem botou a derradeira gota de suor, e o encarregado dizendo que ele tava era com manha. “Com manha não, não tá vendo que o homem tá morrendo aí rapá”, aí que ele saiu e nós ficamos cuidando dele, mas ele morreu, lá dentro do campo mesmo (Antônio, relato divulgado por NOVAES; ALVES; VIDAL, 2007).

60

Timbiras e Codó são dois municípios maranhenses, constituintes da microrregião de Codó e localizados na mesorregião Leste Maranhense, regiões com altos índices de trabalho análogo à escravidão (MOURA, 2009; RODRIGUES, 2016).

É desse progresso que se vangloria o bastião da oligarquia instaurada a 31 de janeiro de 1966, sob o título de “Novo Maranhão”.

Analisando os desdobramentos das grandes transformações desse período, Ferreira (2014, p. 59) afirma que a “SURCAP61 apresentou-se como uma empresa imobiliária, possibilitando a ação de apropriadores de terras... dos grandes grileiros que espoliaram e continuam espoliando o patrimônio da União Federal... na Ilha do Maranhão”.

Em 1968, o governo do Estado criou a Comissão de Transferência de População (CETRAP), e como uma das primeiras ações executou o remanejamento de “‘2.000 famílias’ que se localizavam nas palafitas do Goiabal e que pela proximidade, ‘enfeava’ o Centro Histórico”. Aquela área do Goiabal, há época, que depois de revitalizada foi “reservada para efeito de instalação do distrito industrial” (FERREIRA, 2014, p. 55-56). Gistelinck (1988, p. 30-31) também deu conta que “no fim da década de 60, para fins de urbanização da cidade, mais de 1.800 famílias pobres foram transferidas do centro para uma área próxima ao Porto do Itaqui”.

Já na década de 1980, por ocasião da instalação da planta da fábrica da ALUMAR, a irmã Ann Bárbara English (1984, p. 41) denunciava que o “CDI indeniza arbitrariamente 17 povoados, num total de 20 mil pessoas, recebendo da ALCOA 10 por cento de cada compra”. E Gistelinck (1988) escrevia sobre as especulações, as indenizações e os despejos das comunidades realizados pelo Estado em acordo com a ALUMAR e Vale.

Sobre o símbolo maior da modernização (= colonização) desse período, a ponte do São Francisco, batizada pelos seus idealizadores como a “ponte da esperança”, Silva (2012, p. 181-82) afirma que

a rotina dos moradores foi alterada, mas longe de melhorar suas condições de vida... Muitas famílias que residiam no lugar foram obrigadas a deixar suas casas, sendo poucas as que receberam indenização. Com o passar do tempo e o aumento da especulação imobiliária, a União, proprietária das terras da ponta do São Francisco, passou a reclamar a posse definitiva.

Quanto a José Sarney saiu vitorioso nas eleições para senador pelo Estado do Maranhão. Em 1971 foi para Brasília e em 1985 tornou-se Presidente da República, deixando para os pobres da ponta do São Francisco apenas a vaga lembrança