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3 OS ESCRAVOS DA REPÚBLICA NA ILHA UPAON-AÇU OU SOBRE A RESISTÊNCIA AO APAGAMENTO DE VIDAS INDESEJÁVEIS

3.1 DA UPAON-AÇU À CIDADE DE SÃO LUÍS

A Ilha do Maranhão46, localizada no nordeste brasileiro, na porção norte do Estado do Maranhão, comporta a capital do Estado, São Luís, e outros três municípios47 (Figura 1). Segundo Araújo, Teles e Lago (2009, p. 4631)

A Ilha do Maranhão está situada ao norte do estado do Maranhão, região nordeste do Brasil. Está enquadrada pelas coordenadas geográficas 2º 24` 10” e 2º 46` 37” de latitude Sul e 44º 22` 39” e 44º 22` 39” de longitude Oeste, com área total de aproximadamente 831,7 Km2. Possui uma população de 1.067.974 habitantes. A Ilha é composta pelos seguintes municípios: São Luís (capital), São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa.

O professor Antônio José de Araújo Ferreira (2014, p. 21), do DEGEO/UFMA, ao tratar da localização geográfica de São Luís afirma que

é parte da mesorregião Norte Maranhense, ocupando o setor Oeste e parte dos setores Norte e Sul da Microrregião da Aglomeração Urbana de São Luís, sendo a mais importante entre as quatro unidades político-administrativas que a integram, estando localizada na costa setentrional do Brasil, mais precisamente numa faixa insular do Golfão Maranhense.

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“A denominação à cerca da Ilha em que se localiza a capital maranhense recebe três conotações: 1) ilha de São Luís por ressaltar a importância econômica da capital em relação aos demais municípios localizados na mesma; 2) ilha de Upaon-Açu em alusão à toponímia indígena e de acordo com o artigo 8º da Constituição Estadual/1989; 3) ilha do Maranhão, ..., devido à relevância do aspecto geográfico” (FERREIRA, 2014, p. 21). Para Feitosa (1990, p. 74) a “palavra Upaon-Açu, de uso corrente na linguagem aborígene e traduzida para o português com o significado de Ilha Grande” foi praticamente inutilizada pelos europeus colonizadores, “assim, surgiram nomes como: ilha Grande do Maranhão, ilha da Trindade, ilha das Vacas e ilha de São Luís”. Em meio às controvérsias na denominação da Ilha, neste trabalho, optamos em nomeá-la: Upaon-Açu ou Ilha do Maranhão.

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Até início da década de 1910, o município de São Luís correspondia a toda a área da Ilha do Maranhão. Somente com a emancipação política de Paço do Lumiar em 1911 (sendo que em 1994, Raposa se emancipou de Paço do Lumiar) e de São José de Ribamar em 1913 é que, de modo intermitente, os dados estatísticos aparecem separadamente, isso porque a divisão política-administrativa da Ilha somente se consolidou no início da década de 1950, com a definitiva emancipação do município de São José de Ribamar datada de 1952 (FERREIRA, 2014; IBGE- Cidades, 2016).

Segundo estimativa do IBGE para o ano de 2016, em informações contidas no seu sítio eletrônico48, a população da Ilha do Maranhão é de 1.409.162, sendo que a maior concentração encontra-se na Capital, com 1.082.945 habitantes distribuídos em uma área de 834.785 Km2 (Quadro 7).

Quadro 7 - População e área dos municípios da Ilha do Maranhão, estimativa 2016 MUNICÍPIO ÁREA (Km2) População (hab.)

São Luís (capital) 834,785 1.082935

Paço do Lumiar 122,828 119.915

Raposa 66,280 30.004

São José de Ribamar 388,371 176.008

Ilha do Maranhão 1.412,264 1.409.162

Maranhão 331.936,955 6.954.036

Fonte: IBGE-Cidades, 2016. Adaptado pelo autor.

As divergências de informações entre o quadro acima e o trabalho de Araújo, Teles e Lago (2009) sobre a área total da Ilha do Maranhão se dá em razão de aqueles autores considerarem apenas a área de terra firme e desconsiderarem que a ilha de Tauá-mirim, formalmente, pertence ao município de São Luís.

Figura 1- Mapa da Ilha do Maranhão, com seus quatro municípios.

Fonte: Espírito Santo (2006, p. 10).

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O debate historiográfico ainda vivo sobre quem teria, de fato, colonizado a Ilha Grande do Maranhão, se os portugueses (LACROIX, 2006; 2008) ou franceses (BETTENDORFF, 2010; FEITOSA, 1990; MEIRELES, 2012; 2015a; 2015b), talvez se constitua em uma vigorosa chave analítica capaz de nos ajudar a reconhecer os aspectos da colonialidade (= modernidade) que demonstram o continuum colonial na São Luís de então, tomada como um dos típicos empíricos desta tese.

O que se sabe é que, no tempo das grandes navegações corsárias, as terras dos tupinambá foram apetecidas por muitos impérios coloniais, dentre eles Portugal/Espanha49, França e Holanda, e nessa corrida pelo controle da Ilha Grande algumas datas históricas foram sendo consensuadas: oito de setembro de 1612, chegada dos franceses; dois de novembro de 1915, tomada pelos portugueses; 1641 ocorre a ocupação holandesa e em 1644 a sua expulsão, com a retomada pelos portugueses (ALENCASTRO, 2000; LACROIX, 2012; FERREIRA, 2014).

Para Lacroix (2012, p. 17; 23) o marco da chegada dos súditos dos Bourbon a Upaon- Açu foi o 6 de agosto de 1612 e a data de 8 de setembro daquele ano, que perdura como o dia da fundação oficial de São Luís, corresponde à reza de uma missa realizada pelos padres capuchinhos, o que, para ela, constituiu-se na “celebração do mito da fundação francesa”.

Lacroix (2006; 2008), mesmo propugnando a fundação lusitana, reconhece a precedência dos gauleses. Certo é que a querela, sobre quem teria de fato fundado a cidade, se dá em torno de a quem é legítimo impingir, no mito de origem, as características do seu legítimo fundador.

Seja como for, o que se observa é a invisibilização dos nativos ou a naturalização da sua incapacidade de ocupar e usar o território de modo ordenado e com finalidades próprias. Não se aventa a possibilidade de que a “cidade” foi fundada pelos nativos e expropriada pelos colonizadores. Essa opção de invisibilizar os nativos tem sido uma técnica que perdura. Atualmente, em tempos de grandes projetos intensivos em terra, capital e trabalho, os grupos e povos tradicionais, aqui compreendidos como os de ancestralidade indígena e/ou africana, além daqueles historicamente empobrecidos e despossuídos de poder político e econômico, são concebidos pelo par Capital-Estado como incapazes de gerir, usar e ordenar os seus territórios (SANT’ANA JÚNIOR et. al., 2009, GEDMMA, 2014).

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Nos referimos à união das dinastias portuguesa e espanhola entre 1580 a 1640, em função da morte de d. Henrique, então rei português, quando seu sobrinho Filipe II da Espanha passou ao controle dos dois reinos, já que as disputas entre ibéricos e gauleses pela posse de Upaon-Açu coincidiram com esse período (MEIRELES, 2015b, p. 67).

Ferreira (2014, p. 25) até discute essa polêmica acerca da fundação da cidade se por gauleses ou lusitanos e, referindo-se ao historiador Mário Meireles, afirma que ele

“prudentemente advoga que o mais correto era sobressair que São Luís é uma cidade portuguesa que nasceu francesa”. Entretanto, é patente perceber como a maioria dos autores, das mais variadas colorações políticas e de status acadêmico, sequer cogita a possibilidade de que Upaon-Açu (Ilha Grande) já era um núcleo humano, com o nome ou não de cidade, erguido pelo povo tupinambá antes da chegada dos corsários europeus. Revela-se nitidamente a impressão, já bastante combatida pelas ciências sociais e humanas críticas, de que é inconcebível admitir que índios fossem capazes de ocupar, usar e ordenar racionalmente seu território, o que lembra bem a ideia corrente de que esses povos seriam primitivos e bárbaros, portanto, sem lei, sem rei, sem estado, sem escrita (MEIRELES, 2015b).

A despeito das dissensões sobre os verdadeiros fundadores de São Luís, portugueses ou franceses, nossos dois autores beligerantes Meireles (2015a; 2015b) e Lacroix (2006; 2008) concordam em um ponto: para ambos as terras de Upaon-Açu eram, por direito, da coroa portuguesa, afinal assim previa Tordesilhas50.

3.1.1 O continuum colonial da disputa: Upaon-Açu (São Luís) francesa ou portuguesa

Julgamos necessário, para nosso argumento, aludir algumas das principais querelas em torno da disputa sobre quem teria fundado São Luís, uma vez que servirão para demonstrar que nessas narrativas há muito mais de colonialidade (= modernidade) do que se supõe e se quer admitir. Permaneceremos guarnecidos pelas contribuições dos historiadores Lacroix e Meireles51, pelo que julgamos ser suficiente para nossos propósitos, uma vez que esses professores, em seus trabalhos, acionam documentos e outros trabalhos clássicos da historiografia brasileira, portuguesa e francesa de modo muito mais satisfatório que um sociólogo.

Lacroix nas obras “Jerônimo de Albuquerque Maranhão: guerras e fundação no Brasil Colonial” (2006), “A fundação francesa de São Luís e seus mitos” (2008) e “São Luís do

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Aqui nos referimos ao Tratado de Tordesilhas, de 7 de junho de 1494, celebrado entre os reinos de Portugal e Castela, que dividia as terras descobertas e ainda por descobrir, fora da Europa, entre as duas Coroas.

51Um importante trabalho que situa a obra do professor Mário Meireles é a dissertação de mestrado de Ana Ládia

Conceição Silva (2008), “Falas de decadência, moralidade e ordem: a ‘história do Maranhão’ de Mário Martins Meireles”.

Maranhão: corpo e alma” (2012), a partir de informações de documentos, revistas, jornais, livros, painéis, advoga a fundação portuguesa ao mesmo tempo que convenceu-se ter demonstrado que a fundação francesa de São Luís não passa de um mito52 criado com as festas do terceiro centenário e consolidado da metade do século 20 para cá.

O que pretendemos argumentar é que a elite herdeira colonial maranhense ao inventar mecanismos via ritos oficiais, paradas militares, desfiles, festas, festejos, produções históricas, literárias, artísticas consolidou argumentos que mantiveram viva a memória da colonização como sendo um grande feito dos europeus (seja português/espanhol, francês, holandês), inescusável inclusive, segundo essa noção, para livrar os povos originários das suas amarras do atraso e da ignorância e colocar as terras de aqui na rota do progresso, desenvolvimento e civilidade.

Para se ter ideia, a consolidação do mito de fundação francesa se deu, segundo Lacroix (2008, p. 117) com a destacada participação do chefe oligarca maranhense, José Sarney53.

Em fins da década de 1960, o governador José Sarney encomendou ao conceituado artista plástico, Floriano Teixeira, uma pintura de gênero, versando sobre a fundação de São Luís. A tela Fundação da Cidade de São Luís viria cumprir a função das artes plásticas, da cultura visual, configurando-se tão importante e eficaz quanto a História escrita.

A autora em tom de queixa e ressaibo pela substituição do mito de fundação portuguesa pelo francesa ainda diz:

Não obstante e inexplicavelmente, por todo o século XX permaneceu na memória coletiva uma origem francesa: o ludovicense faz questão de passar de geração para geração a fundação de São Luís pelos franceses e não por portugueses, como aconteceu com a maioria das cidades brasileiras (LACROIX, 2008, p. 38).

Lacroix (2008, p. 75) lembra que as influências francesas não se deram exclusivamente no Maranhão e que “todo o ocidente e até mesmo boa parte do Oriente foram influenciados pelos ditames da França, depois do 1789”, e que no Maranhão essas influências levaram à celebração do “culto da fundação de São Luís pelos franceses”.

Para ela, o avanço do pensamento e de políticas gestadas em França, na passagem do século 19 para o 20, coincidiu com um momento de grandes transformações políticas e sociais no Brasil, o que exigia mecanismos que dessem conta de garantir e confirmar uma identidade nacional com coesão social. Para tanto, “os métodos do recém-instalado governo republicano incluíram feriados, cerimônias e heróis”. Sendo que, “no Maranhão, La Ravardière, suposto

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“Considerada por cronistas e historiadores até o final do século XIX como fundada pelos portugueses, a cidade de São Luís veria a invenção de uma tradição, na expressão consagrada de Eric Hobsbawm, com a celebração do mito da fundação francesa em 1612, cerimônia de posse transformada séculos depois em símbolo da fundação”

(LACROIX, 2012, p. 23, nota 11).

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fidalgo francês, transformado em novo herói, passou a fundador da cidade, sendo subtraída de Jerônimo de Albuquerque Maranhão, o valente mestiço de português com índia – símbolo da incivilidade – a honra da fundação de São Luís” (LACROIX, 2008, p. 82).

Nessa direção, a obra “Jerônimo de Albuquerque Maranhão: guerra e fundação no Brasil colonial” constitui-se um verdadeiro tributo e louvação de Lacroix (2006, p. 15) à família dos Albuquerque de Portugal, que no dizer dela mesma trata-se de “uma das mais antigas famílias de Portugal, unida a várias outras, inclusive com as de sangue real das casas de Castela e Portucalense”. A autora ainda sublinha as deferências e exaltações feitas por figuras de relevo nas artes e na religião à família Albuquerque, enfatizando àquelas prestadas pelo Bispo Dom João Ribeiro Gajo e pelo poeta lusitano Luís de Camões (p. 16). E, por fim, a autora manifesta aprazimento ao escrever que:

Matias de Albuquerque Maranhão foi o único filho de Jerônimo que deixou descendentes e, hoje, a família Maranhão se encontra espalhada por vários estados brasileiros, muitos deles conservando a vocação de seus ancestrais, de senhores de engenho e usineiros, os Maranhão de Cunhaú e Matary54 (LACROIX, 2006, p. 21). Para Lacroix (2008, p. 38) “a fundação de uma cidade não se resume à celebração de uma Missa, procissão, Te Deum Laudamus, sermão e benção da Cruz”, pelo que ela afirma que

Não podemos dizer que os franceses “fundaram” algo no Maranhão, seja uma colônia ou uma cidade. O termo fundar remete a estabelecer, construir, lançar os alicerces, base da continuação da entidade, cuja vida é redigida por um conjunto de instituições reguladoras de seu próprio funcionamento. A rigor nada disso fizeram os franceses (LACROIX, 2008, p. 139).

Com essa compreensão, a historiadora passa, ao seu julgo, a narrar como se dera a “verdadeira” fundação da cidade de São Luís pelos seus patrícios lusitanos. Vejamos:

As primeiras providências lusitanas para a fundação da nova Colônia foram a organização física e institucional da cidade de São Luís. Para tal, foi traçada pelo militar e Engenheiro-Mor do Estado do Brasil Francisco Frias, a primeira planta da cidade com duas grandes praças, atuais D. Pedro II e João Lisboa, de onde partiram algumas ruas traçadas em quadras regulares (LACROIX, 2008, p. 44).

E será com essa concepção de fundação de cidade que Lacroix (2008, p. 139) passa a enaltecer uma vez mais Jerônimo de Albuquerque:

Imediatamente pós a expulsão dos franceses, Jerônimo Albuquerque Maranhão mandou traçar um plano para a cidade, substituiu as casas de palha em desalinho deixadas pelos invasores por casas de madeira e barro em ruas projetadas e melhorou o forte. Com essas providências, estavam lançadas as bases da vida colonial do Maranhão.

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Cunhaú é uma região de praia localizada no município de Canguaratema, no Estado do Rio Grande do Norte, que também corresponde ao nome de engenho da família Maranhão naquele Estado, e Matary trata-se de uma usina de beneficiamento de cana da mesma família, fundada em 1912 por Serafim Velho Camello Pessoa de Albuquerque e seus filhos, derivada dos engenhos. “Atualmente, a usina da família Maranhão, encontra-se entre as maiores usinas do Estado de Pernambuco” (GASPAR, 2009, p. s/p).

A autora (2008, p. 41) parte do pressuposto de que os franceses não foram fundadores, mas invasores das terras que, por direito, pertenciam aos portugueses e que, graças ao heroísmo de Jerônimo de Albuquerque, foram reavistas.

Lacroix, em suas três obras (2006, 2008 e 2012), recorre a documentos, discursos de autoridades, cronistas e historiadores consagrados com o intento de demover o que ela nomeia de mito da fundação francesa de São Luís. Entretanto, embora os lusitanos tenham reavisto sua colônia em Upaon-Açu, foram os gauleses que passaram para a história (oficial dos vencedores) como símbolo de fundadores da cidade.

Dentre os contentores, o historiador Mário Martins Meireles (1915-2003), nas obras “França Equinocial” (2012), publicada originalmente em 1962; “História de São Luís” (2015a), obra póstuma publicada inicialmente em 2012, e “História do Maranhão” (2015b), que teve sua primeira edição em 1960, como que ignorando as “evidências” alegadas por sua colega, escreve

E na praça arroteada entre as construções, foi chantada, a 8 de setembro, defronte do forte, uma grande cruz de madeira, em meio à solene cerimônia religiosa com a qual se deu por conquistada aquela terra pagã para a Igreja de Cristo e, consequentemente, ali, a França Equinocial que, como permitia a concessão real, poderia ter a extensão de 50 léguas em torno (MEIRELES, 2015a, p. 26).

E depois sentencia: “a 8 de setembro de 1612, foi por fim, solenemente fundada a colônia” (MEIRELES, 2015b, p. 50).

Embora Meireles apresente cautela sobre a veracidade dos fatos narrados em crônicas e documentos oficiais, são essas fontes que dão ainda hoje status de verdade às mais variadas narrativas historiográficas e, presos nelas, os dois blocos de historiadores se debatem sobre a fundação europeia de São Luís. Para nós a querela é pouco profícua. Para se ter ideia, dentre as supostas controvérsias sobre o nome de São Luís, Lacroix (2008, p. 87) expõe uma que faz acalorar debates entre historiadores, “convém grifar que o nome da cidade invoca o querido santo francês Luís IX, canonizado muito antes do descobrimento do Brasil, muito reverenciado pelos fiéis portugueses, e não uma homenagem prestada a Luís XIII”, o chamado rei menino de

França.

Seja como for, para afirmar a fundação europeia de São Luís, portuguesa ou francesa, mobilizaram-se instituições como a, então (1908), recém-criada Academia Maranhense de Letras (AML), um grupo de intelectuais reunidos no chamado Grupo dos Novos (1901); o Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), com seu periódico científico; jornais diários ou semanais; escolas como o Liceu Maranhense e praticamente toda a burocracia dos governos estadual e municipal (LACROIX, 2008, p. 96-103).

Lacroix (2008) afirma que após instauração do mito da fundação francesa, por ocasião do terceiro centenário de São Luís (1912), houve uma retração no que tange aos atos comemorativos oficiais, mas as comemorações dos 350 anos (1962) reavivaram os paráclitos da cidade de origem francesa.

O Estado do Maranhão naquela ocasião era chefiado pelo governador Newton de Barros Belo, período dominado pela oligarquia vitorinista que seria, em 1965, suplantada pela eleição de José Sarney, marco da emergência do sarneísmo, novo grupo oligárquico maranhense por ele comandado, que se mantém vivo até hoje, embora tenha sido derrotado nas últimas eleições para o governo do Estado (2014) por um outro grupo de figuras históricas na arena política maranhense liderado por Flavio Dino do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Foi no período de transição oligárquica (década de 1960), em pleno regime de exceção mantido pelos generais militares e frações conservadoras da sociedade nacional, principalmente empresarial, que um e outro grupo investira no fortalecimento daquilo que Lacroix (2006; 2008 e 2012) chama de mito: a fundação de São Luís por franceses. Como vimos, José Sarney, quando govenador, encomendou uma peça de arte plástica com tal intento, enquanto que o grupo que o antecedeu fizera “a festa dos 350 anos”.

Lacroix (2008, p. 107-08) assim descreve o evento:

Em 1962 foi realizada a “Semana da Fundação”, em comemoração pelos 350 anos da cidade de São Luís. O governo do Estado, os intelectuais, outras instituições e o próprio povo careciam de festa naqueles tempos de conturbações políticas e dificuldades econômicas.

Em reportagem ao O Imparcial de 7 de setembro de 1962, o Secretário de Finanças do Estado falou de grande interesse do Governador em dar àqueles festejos “um brilho todo especial...”. Incumbiu a Academia Maranhense de Letras de constituir a Comissão Executiva dos Festejos... o Estado destacou uma verba de 7 milhões de cruzeiros para o “brilhantismo necessário aos festejos”... Oito dias de festas... O Secretário de Educação e Cultura do Estado finalizou seu discurso, dizendo: “Agradecemos à França 350 anos de civilização, 350 anos de glória, 350 anos de história e tradição! À França, o Governo do Estado” (destaques presentes no original).

E diz que o acontecimento culminou com o evento do dia 5 realizado pela Biblioteca Pública que “promoveu o lançamento e a distribuição dos livros A França Equinocial, de Mário Martins Meireles, e História das Ruas de São Luís, de Domingos Vieira Filho” (LACROIX, 2008, p. 108).

Entretanto, foi no dia 8 que se concentraram as mais variadas manifestações, bandinhas despertaram a população em vários bairros; flores foram deitadas no busto de Daniel de La Touche; Missa solene rezada por todos os bispos do Maranhão reunidos na Catedral Metropolitana; atividades desportivas para milhares de estudantes no Estádio Municipal; solenidade de Fundação da Aliança Cultural Franco-Brasileira com a presença do Embaixador,

militares e intelectuais, desfile alegórico, militar e salva com queima de fogos de artifícios; bailes nos principais clubes da cidade (LACROIX, 2008, p. 108-113).

Enquanto (segunda metade do século 20) todo o arsenal burocrático dos governos municipal e estadual, com o apoio de setores militares, como também as universidades, escolas, museus, academia de letras e a elite conservadora, com investimentos de recursos públicos nas comemorações, exultavam a França e deferiam seu embaixador no Brasil, por terem civilizado a Ilha Upaon-Açu, várias colônias francesas em África (Quadro 5, acima, p. 64) eram sangradas, nas guerras de libertação, por essa mesma França, que se quer democrática e republicana, que queria mantê-las sob seu jugo. E, ao passo que os intelectuais maranhenses e suas instituições acadêmicas e de letras festejavam e regozijavam o vínculo colonial com a França, outros intelectuais mundo afora, a exemplo de Fanon (1968), se engajavam nas lutas e denunciavam a carnificina das armas francesas nessas colônias em guerra por libertação.

Em 2012 nova festa, embora não tenha se estendido por uma semana inteira, foi precedida de muita propaganda e envolvimento das instituições públicas e privadas que