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Neste capítulo nosso objetivo é mostrar como podem ser compreendidos, a partir do

continuum colonial, os dramas, as lutas, as resistências da comunidade (ou povoado, ou bairro operário) Piquiá de Baixo, localizada no município de Açailândia, no Estado do Maranhão, em razão da convivência forçada com o distrito industrial da cidade, e em consequência disso, com as toneladas de poluentes tóxicos lançados todos os dias na atmosfera, nas águas e no solo.

Imagem 3 - Piquiá de Baixo entre as chaminés das indústrias de ferro

Fonte: Soares (2015)

Eu nasci aqui no Piquiá de Baixo, na cidade de Açailândia interior do Maranhão e vou contar a história desse bairro. Os moradores mais antigos falam que nosso bairro era um lugar bom para morar, o solo era fértil, o ar e o rio não eram poluídos, mas tudo mudou com a chegada da siderúrgica Viena, Simasa, Fergumar, Vale do Pindaré e Gusa Nordeste, essas empresas se instalam aqui no fim da década de 80 e desde então ficou impossível morar aqui (Narração de Yasmim da Conceição, divulgada por Soares, 2015).

Piquiá de Baixo conta aproximadamente 350 famílias (1.100 pessoas) que residem em um povoado cercado por cinco indústrias siderúrgicas de ferro gusa97, a Viena Siderúrgica S.A., a Siderúrgica do Maranhão S/A (SIMASA), a Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré, a Ferro

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Atualmente a FERGUMAR encontra-se desativada e a Gusa Nordeste e a Viena Siderúrgica foram incorporadas ao grupo Queiroz Galvão. Portanto, as siderúrgicas em operação hoje em Açailândia são a Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré, a SIMASA e a Queiroz Galvão.

Gusa do Maranhão Ltda. (FERGUMAR) e a Gusa Nordeste S.A., além da Estrada de Ferro Carajás, do entreposto de minério da Vale S.A. e, mais recentemente, de uma fábrica de cimento e de uma aciaria.

5.1 AÇAILÂNDIA, MARANHÃO, BRASIL

Para entendimento da realidade vivida por Piquiá de Baixo, carecemos, antes, situá-la em um contexto mais amplo, o que nos revelará informações capazes de comprovar que a atual situação de morte desta comunidade, assim como tantas outras com características semelhantes, resulta, em larga medida, de pelo menos dois aspectos do continuum colonial, o governo das populações e a expropriação das terras pelo par Capital-Estado.

Segundo consta da Biblioteca Virtual do IBGE98, o município de Açailândia derivou de um acampamento montado pelos trabalhadores da construção da BR-010, rodovia Belém- Brasília, no ano de 1958, junto a um riacho de nome Açailândia, pela predominância de palmeiras de açaí na região, o que depois nomeou o povoado, o distrito, a vila e mais tarde o município, criado pela lei estadual 4.295 de 1981, emancipado do município de Imperatriz. Os trabalhadores da rodovia perceberam que se tratava de terra com abundância de água potável e muito fértil para a agricultura, então logo montaram acampamento naquela altura.

Quanto mais as obras da rodovia avançavam mata a dentro, mais iam desvelando grupos sociais e povos originários que foram incluídos nos planos de desenvolvimento posto em marcha pelo Estado como sacrifícios do progresso, seus territórios eram tomados pelos bandeirantes e pioneiros como ocorrera em Açailândia, o próprio presidente, à época, afirmara que “na região, batizada com o nome de Açailândia, haviam sido encontrados vestígios de três tribos de índios” (KUBITSCHEK, 2000, p. 207).

Após o encontro das duas frentes de trabalho da construção da BR-010, a que partira de Belém (PA) e a que iniciara em Anápolis (GO), em 1959, no lugar sugestivamente chamado Ligação no município de Dom Eliseu (PA), a rodovia Belém - Brasília tornara-se realidade, embora até 1962 ainda se verificasse trabalhos de melhoria, adaptação e conclusão de alguns

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http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/maranhao/acailandia.pdf. Acessado em: 16 jun. 2016. Além das informações do IBGE, outros sítios eletrônicos, bem como em falas dos moradores de Piquiá de Baixo, a região que atualmente pertence ao município de Açailândia já era conhecida e utilizada por alguns grupos indígenas, como os Curia e Cocranum.

trechos ou pontes99. Entretanto, é certo que com a conclusão da rodovia um dos trabalhadores, sr. João Neves de Oliveira, então conhecido como João Mariquinha, “troca de profissão” e, com a sua família, retorna ao lugar Açailândia onde se instala definitivamente.

Açailândia, atualmente, possui uma população de 109.685 habitantes, estimativa IBGE para 2015, é o quinto maior PIB do Estado com R$ 1.578.986.000, e o quarto em renda per

capita, com R$ 12.865,82. Mas a cidade que gera tanta riqueza, por sua vez, gera na mesma medida, conflitos territoriais, desigualdades sociais e pobreza, que se podem observar no seu índice de “incidência de pobreza” do IBGE, que é de 58,66 %, intervalo imediatamente inferior àquele que classifica pobreza severa que é o superior a 59,17%. A cidade, segundo dados do datasus, possui 8.540 famílias eletivas para acompanhamento do programa de transferência de renda do governo federal, o Bolsa Família, e, ainda, 22,9% das pessoas com 15 anos ou mais de idade são analfabetas. Estas informações100, mesmo subestimadas e precárias, apontam para a comprovação da nossa proposição acima, de que o aumento da riqueza econômica em situação de coligação Estado-capital empresarial privado é proporcional ao empobrecimento da população e a precarização dos serviços públicos que deveriam ser fornecidos pelo Estado.

Figura 6 - Localização do município de Açailândia/MA Figura 5 - Traçado da BR- 01, Belém - Brasília

Fonte: http://migre.me/ucevm Fonte: http://migre.me/uceuS

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Somente entre os anos 1967 a 1970 é que a rodovia foi completamente asfaltada.

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Obtidas em: (1) PIB - Período 2010 a 2013, PDF. IBGE / IMESC (http://migre.me/vDPM6). (2)

http://migre.me/vDPMW. (3) http://migre.me/vDPNx. (4) http://migre.me/vDPNO. (5) http://migre.me/vDPOJ. Todos acessados em: 12 jun. 2016.

5.2 O PROGRAMA GRANDE CARAJÁS (PGC) E O PROJETO FERRO CARAJÁS (PFC)

O Programa Grande Carajás, que completou 30 anos em 2010101, foi lembrado com ações de reação por parte da sociedade organizada com a realização em cinco etapas (Santa Inês/MA, Imperatriz/MA, Marabá/PA, Belém/PA e São Luís/MA) do “Seminário Internacional Carajás 30 anos: resistências e mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na Amazônia Oriental”. A última etapa aconteceu no período de 05 a 09/05/2014, em São Luís, e reuniu mais de 1.200 participantes, entre movimentos sociais, órgãos dos governos, pesquisadores, e representantes de vários países atingidos, sobretudo, pelos impactos das atividades de mineração, com ênfase para as atividades da mineradora Vale S.A.102.

Figura 7 - Área do Programa Grande Carajás (PGC).

Fonte: Ferreira (1982, p. 32)

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Tomando como base o ano do decreto de criação nº 1.813, de 24/11/1980. Mas poderíamos evocar 1984, ano da conclusão da EFC (Estrada de Ferro Carajás), ou 1979, ano do início da invasão dos territórios das comunidades tradicionais pelo PFC com a construção da EFC e das logísticas portuárias e administrativas em diversos municípios da área de abrangência do PGC.