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quando 58 operários da Central Engenharia foram resgatados durante a operação “Asfalto

2.5 O DESENVOLVIMENTO COMO EXPRESSÃO DO CONTINUUM COLONIAL

Nos dias atuais, o desenvolvimento em geral e o desenvolvimento econômico, em invólucro de sustentável, em particular, passam a ser, no discurso do continuum colonial, o que justifica o avanço das grandes corporações nacionais ou internacionais nos territórios colonizados ou recolonizados.

Esteva (2000, p. 60) ao apresentar o uso ideológico do termo desenvolvimento pelos países autodenominados desenvolvidos, recorre à análise do discurso de posse de Truman, na presidência dos Estados Unidos, realizado no ano de 1949:

Ao usar pela primeira vez em tal contexto a palavra “subdesenvolvimento”, Truman deu um novo significado ao desenvolvimento e criou um símbolo, um eufemismo, que desde então, passou a ser usado para, discreta ou inadvertidamente, referir-se à era da hegemonia norte-americana.

A colônia britânica, uma vez emancipada e transubstanciada em metrópole, põe em marcha, de modo aperfeiçoado, o receituário da relação colonial com os países por ela agora denominados subdesenvolvidos, evoluindo do status de colonizados para o de subdesenvolvidos, atrasados, pobres, portanto dependentes dos autodenominados desenvolvidos.

Esteva (2000, p. 60) segue dizendo.

O subdesenvolvimento começou, assim, a 20 de janeiro de 1949. Naquele dia, dois bilhões de pessoas passaram a ser subdesenvolvidas. Em um sentido muito real, daquele momento em diante, deixaram de ser o que eram antes, em toda sua

diversidade, e foram transformados magicamente em uma imagem inversa da realidade alheia: uma imagem que os diminui e os envia para o fim da fila; uma imagem que simplesmente define sua identidade, uma identidade que é, na realidade, a de uma maioria heterogênea e diferente, nos termos de uma minoria homogeneizante e limitada.

Assim como, a partir de 1492, o velho mundo se faz conhecer pelo novo mundo40 e a ele denominou sua colônia e aos seus habitantes seres inferiores, sem alma, sem regra, sem lei, sem sequer direitos a suas terras, “uma imagem inversa da realidade alheia”, cuja sina era servir aos forasteiros em todos os sentidos e meios; também, numa operação de “diplomacia”, o novo império circunscreve sua base territorial de exploração: o mundo por ele denominado subdesenvolvido. Agora a expropriação se dá sob o comando da elite herdeira colonial, com seu aperfeiçoado sistema colonial de produção, o capitalismo produtivo, financeiro e especulativo, com toda sua estrutura de saquear territórios, libertar força de trabalho, espoliar recursos, regular o preço dos salários, influenciar ou mesmo criar suas leis e normas que regulam as relações no continuum colonial.

Nessa direção, Esteva (2000, p. 63) é categórico ao afirmar que “a metáfora do desenvolvimento deu hegemonia global a uma genealogia da história puramente ocidental, roubando de povos e culturas diferentes a oportunidade de definir as formas de sua vida social”, e segue afirmando que, com a história reformulada nos termos do ocidente, a metáfora do desenvolvimento

absorveu um poder colonizante súbito e violento, logo utilizado pelos políticos da época. Converteu a história em um programa: um destino necessário e inevitável. O modo de produção industrial, que era nada mais que uma entre as muitas formas de vida social, tornou-se por definição o estágio final de um caminho unilinear para a evolução social. Esse estágio, por sua vez, passou a ser visto como a culminação natural de potenciais já existentes no homem neolítico e como sua evolução lógica. No entanto, a pista mais robusta encontrada no trabalho de Esteva (2000, p. 64), como inspiração para a proposição da noção de continuum colonial, é quando ele trata da relação britânica com suas colônias

Na terceira década do século [1930], a associação entre desenvolvimento e colonialismo estabelecida um século antes adquiriu um novo significado. [...]. Com a intenção de dar à filosofia do protetorato colonial um sentido positivo, os britânicos sustentavam que seria necessário assegurar níveis mínimos de nutrição, saúde e educação aos nativos. Um “duplo mandato” começou a ser esboçado: o conquistador deveria ser capaz de desenvolver a região conquistada economicamente e, ao mesmo tempo, de aceitar a responsabilidade de cuidar do bem-estar dos nativos. Quando o nível de civilização passou a ser identificado como o nível de produção, o duplo mandato deu lugar a apenas um: o desenvolvimento (ausente de destaques no original).

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Ao mantermos, neste trabalho, essa nomenclatura clássica da historiografia eurocêntrica, velho mundo e novo mundo o fazemos de modo eminentemente jocoso, uma vez que sabemos das implicações políticas, sociais, culturais dos referidos termos, como a pretensa superioridade do primeiro sobre o segundo, assim como da suposta humanidade e civilidade do primeiro contraposta à selvageria e indolência do segundo.

Com o avanço da noção de desenvolvimento vinculada à produção industrial, e desta com níveis de civilização – quanto mais industrializado mais civilizado seria o grupo ou país – até a suposta obrigação moral do colonizador com os colonizados (nativos) em termos de garantias básicas e mínimas é superada, uma vez que se o colonizador ou corporação econômica ajuda41 a colônia ou o grupo, comunidade ou país desenvolver-se economicamente já seria o suficiente, vez que nessas circunstâncias o grupo, comunidade ou país já teria alçado ao nível de civilizado, desenvolvido e, consequentemente, atendido ele mesmo as primeiras necessidades de nutrição, saúde e educação da sua população, para que, no continuum colonial, na prática, o centro expropriador das riquezas dos nativos se isente de quaisquer obrigações.

Os povos e comunidades tradicionais (sobretudo os de ancestralidade indígena e/ou africana) são compreendidos como constituídos de seres pela metade, subumanos, que, ainda em maturação, não são reconhecidos como detentores de direitos, mas como detentores da falta, do não ser. Os quilombolas, indígenas, ribeirinhos, extrativistas, camponeses dentre tantos outros, são classificados pela lógica perversa do continuum colonial como pobres, analfabetos, desempregados, desqualificados, invasores dos seus próprios territórios.

Quando a coligação Capital-Estado chega para expropriar suas terras e recursos associados, faz uso de códigos, legislações, decretos, leis que justificam lhes arrancarem dos seus territórios e, como contrapartida, apresentam planos de reassentamento, de qualificação, de acesso ao emprego, só não há a opção do grupo espoliado ser o que ele é. O que é isso, senão colonização das mais violentas? E como outrora, em troca da riqueza da sua terra e, se não foram descartados, dos seus braços para os meses de trabalho forçado na etapa de construção do empreendimento, que poderia ser ainda hoje chamada de casa grande.

Sendo assim, ao analisar, os casos empíricos típicos, nos capítulos 3, 5 e 7, será possível identificar aspectos da herança colonial. E a apresentação conceitual/operacional de continuum

colonial nos auxiliará na compreensão das expropriações, explorações, saques e ataques à dignidade humana nos processos de expulsão de grupos locais e da instalação e operação de empreendimentos públicos e/ou privados financiados com capital nacional e/ou internacional. Dois aspectos serão tratados com maior atenção, a expropriação dos territórios, que, em regra, geram: (1) deslocamentos compulsórios e (2) governos das populações realizado pelo Estado, hegemonicamente controlado pela elite herdeira colonial. Nesta direção, conforme assume Carneiro (2013, p. 171), para boa parte das populações de alguns municípios maranhenses, pelo menos da região dos cocais, as limitações de acesso ao mercado de trabalho

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e de garantia da propriedade da terra, faz com que encarem “o deslocamento como uma alternativa inescapável, face as dificuldades de reprodução econômica no Maranhão”.

Na pegada de Prado Jr. (2011), poderíamos perguntar: o que fariam, com o apoio do Estado, os especuladores, grileiros, empresários nas comunidades tradicionais da RESEX Tauá-Mirim, em São Luís/MA (ver capítulo 3), as gusarias nas terras da comunidade Piquiá de Baixo, em Açailândia/MA (ver capítulo 5); os latifundiários nas terras dos camponeses de Buriticupu/MA (ver capítulo 7); senão em busca de ampliação dos seus negócios e aumento dos seus lucros, mediante exploração da força de trabalho, da expropriação desses territórios e saque dos seus recursos? Tais casos expõem faces indeléveis do continuum colonial.

3 OS ESCRAVOS DA REPÚBLICA NA ILHA UPAON-AÇU OU SOBRE A