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Grande parte das ações de proteção social destinados aos cidadãos não inseridos formalmente no processo produtivo, mais especificamente aos pobres, necessitados e carentes, foi atribuída à assistência social. Entretanto, o caminho percorrido se mostrou sinuoso, pois as ações eram eventuais, subsidiárias e de área de atuação indefinida, sem o necessário trato de política pública.

O fato de se estratificar um público específico ao qual se destinavam às ações de assistência social a tornava uma política de abrangência indefinida.

[...] como se a sociedade dividida “em castas” exigisse um “governo especial” para um determinado segmento tido como população de risco ou vulnerável. [...] Assim, eles [os órgãos de assistência] se expandem através de um leque extenso de programas assistenciais que buscam responder às necessidades de saúde, abrigo, trabalho, alimentação, subsistência dos excluídos (SPOSATI, et al., 2003, p. 82, grifo da autora).

A exemplo disso, Sposati (2009) cita que o processo de alfabetização assumido pelo Estado com o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)23 fora inserido no âmbito da assistência social, assim como as creches, os medicamentos e as próteses.

Em 1938 a assistência social pública foi iniciada formalmente com a instituição do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), vinculado ao Ministério da Educação e Saúde.

23 Durante o período da Ditadura Militar.

O CNSS era competente por definir as “demandas da assistência” e verificar a adequação das entidades sociais e suas solicitações de subvenção ou isenção (SPOSATI, 2012).

O que se pode constatar nesse primeiro passo dado para uma assistência social pública é que as pessoas que definiam as ações eram as “personalidades” que dialogavam com as entidades sociais, ao invés da participação da então “população-alvo”, totalmente inviável na conjuntura da época. Há de se apontar também que já se indicava o pressuposto essencial da assistência social do período: o apoio às entidades sociais privadas.

Em 1942 foi criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA), primeira grande entidade nacional de assistência social24. Com o objetivo inicial de atender as famílias cujos homens eram combatentes na II Guerra Mundial, a LBA foi criada a partir de iniciativa privada, com caráter filantrópico, sendo prontamente assumida e financiada pelo governo como “[...] órgão de colaboração com o Estado no tocante aos serviços de assistência social” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 251).

A LBA era também patrocinada por grandes corporações patronais e tinha o apoio das senhoras da sociedade, sendo sua presidência reservada às primeiras damas do país, ocupada no momento de sua criação pela Sra. Darcy Vargas. Constava dentre seus objetivos básicos a “congregação de brasileiros de boa vontade”, organizando suas ações (no sentido de uma coordenação) com o intuito de prover serviços de assistência social (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005).

Logo a LBA estendeu seu atendimento à grande totalidade das famílias não filiadas à previdência social, atuando também na ocorrência de calamidades. Pode-se perceber até aí a presença dos traços clientelista e caritativo e do caráter emergencial e circunstancial pertinentes à trajetória da assistência social.

Apenas em 1975, já na ditadura militar, foram criados o MPAS e sua Secretaria de Assistência Social (SAS), a qual estava destinada a coordenar os vários setores da ação governamental voltados à atividade assistencial pública.

24 São exemplos de outras grandes instituições criadas no Estado Novo a Fundação Leão XVIII e o Serviço Nacional do Comércio (SENAC).

No entanto, permaneceu inexistente uma política efetiva de prestação de serviços com competências e recursos definidos para as três esferas do governo. Assim, continua a prevalecer o repasse da execução das ações de assistência social para as entidades privadas, que, por sua vez, demonstravam uma forte dependência financeira em relação ao poder público.

A própria SAS atribuía à LBA o papel de grande executor dos serviços assistenciais. E, nesse sentido, “a relação que se desenvolve entre ambos, instituição pública e entidade privada, é quase sempre permeada por processos de manipulação, favoritismo e ausência de cobrança de qualidades” (SPOSATI, et al., 2003, p. 90).

Diante da impossibilidade das instituições, por si só e fragmentadamente, viabilizar uma assistência social uniformizada e integrada na perspectiva dos recursos e serviços, as ações resumiam-se ao atendimento paliativo e pontual ou até mesmo à concessão dos “auxílios”.

De acordo com Bovolenta (2010), os auxílios (materiais, financeiros e, até mesmo, morais) estavam previstos na gama de ações da maioria das instituições assistenciais e seu pleito se dava pelo atendimento da “clientela” através dos denominados “plantões sociais”, local onde se realizava o processo de triagem para a concessão, ou não, de auxílios, benefícios e atenções.

Por isso, a autora relaciona essa prática, ainda, ao surgimento das escolas de Serviço Social no Brasil a partir de 1936, uma vez que

A inexistência de políticas sociais fazia do Serviço Social ao mesmo tempo uma profissão e uma atenção. O paradigma era a profissão, a ação especializada dirigida ao indivíduo, ao pequeno grupo e não, propriamente, à sociedade ou à questão social. Via de regra, a presença do Serviço Social e de assistentes sociais em prefeituras, governos estaduais, entre outros, antecipou a introdução de burocracias voltadas para a promoção social, bem-estar social, entre outras nomenclaturas (BOVOLENTA, 2010, p.42).

Nessas circunstâncias, as ações se davam pelo método de abordagem do Serviço Social de Caso25, que entende que o sujeito e a sociedade são interdependentes, onde o primeiro é o centro do problema e, ele próprio, o agente de sua transformação. O auxílio deveria ser compreendido e justificado pelo próprio indivíduo em seu processo de superação, cabendo à

25 Juntamente com as técnicas de Serviço Social de Grupo e de Serviço Social de Comunidade, o Serviço Social de Caso formava a metodologia de ação do Serviço Social Tradicional, superado após o Movimento de Reconceituação do Serviço Social, que trouxe para a profissão uma fundamentação baseada na Teoria Social de Marx, dando início a um projeto político profissional comprometido com as lutas sociais, compreendidas como expressões da luta de classes.

intervenção profissional ajudá-lo a descobrir suas potencialidades e a melhor solução para o problema.

Para além das intervenções pontuais, o reducionismo no atendimento assistencial era devido, também, pela exigência da comprovação ao poder público dos gastos despendidos pelas entidades sociais, fator que estimulava a burocracia, dificultando o acesso da população.

Assim, percebe-se que a história da assistência social enquanto provisão estatal está repleta de arranjos institucionais a fim de eximir o Estado de sua responsabilidade. Essa “responsabilidade estatal”, que mais parece governamental, apenas se apresentava quando da incapacidade da família em prover o bem-estar de seus membros no campo privado, e, ainda, através de práticas e ações fragmentadas e clientelistas, dando forma à “face caridosa” dos governantes.

Ao lado do seguro social associado à necessidade de vínculo de trabalho formal, o simples “amparo” constituiu o modo de operar predominante na trajetória da proteção social não contributiva brasileira, característica que se altera, juridicamente, de forma profunda com o reconhecimento da assistência social enquanto política pública integrante do sistema de seguridade social, com a previsão de oferta de serviços e benefícios sob a lógica do direito.

2 A ASSISTÊNCIA SOCIAL NA PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRA

No capítulo anterior observou-se a trajetória da proteção social no Brasil sob a ótica da instituição dos direitos sociais e de sua efetividade em cada governo até o período que precedeu a promulgação da Constituição atualmente vigente. Destacaram-se as áreas da previdência e assistência social, tendo em vista que os benefícios eventuais mantém ali seus fundamentos históricos.

Neste capítulo, dá-se ênfase ao reconhecimento do estatuto de política pública atribuído à assistência social pela Constituição Federal de 1988 enquanto integrante do sistema de seguridade social, que, juntamente com as políticas públicas de previdência social26 e saúde27, forma o atual sistema de proteção social básico. Nesses termos, de acordo com Jaccoud (2009, p. 62),

Sejam decorrentes de riscos sociais [...], sejam decorrentes de situações econômicas como desemprego, pobreza e vulnerabilidade, as privações econômicas devem ser enfrentadas pela via da política de seguridade social, pela oferta pública de serviços e benefícios que permitam um conjunto de circunstâncias a manutenção de renda, assim como o acesso universal à atenção médica e socioassistencial.

A Constituição Federal trouxe em seu corpo as bases legais para se projetar e implementar uma assistência social que se efetive sob a responsabilidade do Estado de forma não contributiva, prevendo a oferta de serviços socioassistenciais públicos e benefícios no âmbito dessa política pública sob a lógica do direito, o que rompe, formalmente, com o casuísmo das ações executadas até então.

É nesse contexto que hoje se encontram legalmente respaldados os benefícios eventuais, a serem ofertados de forma articulada às demais garantias da política de assistência social.

Portanto, esse capítulo trata especificamente da assistência social, propondo elementos para a análise de sua efetivação enquanto direito social, considerando, para tanto, os dispositivos legais e normativos e a análise dos elementos teóricos necessários, e conjugando- os com os elementos apresentados na realidade brasileira.

Sobre os elementos teóricos analisados, foram considerados aqueles essenciais para a compreensão da dinâmica em que está inserida tanto a criação das leis e normativas quanto as

26 No campo da previdência houve a ampliação dos benefícios previdenciários, como o reconhecimento do seguro- desemprego, e a instituição do salário mínimo como piso para os benefícios, sendo vedada sua redução. Para os trabalhadores rurais a extensão das garantias se deu com algumas peculiaridades, tais como a redução do limite de idade e a instituição de um regime diferenciado para o agricultor em regime de trabalho familiar, com direito à aposentadoria (JACCOUD, 2009).

27 A saúde pública passa a se constituir como de natureza não contributiva e universal, devendo abranger todos os níveis de complexidade e ser gerida por meio de um Sistema Único.

iniciativas governamentais na área no período pós-CF/88, situando a política (social) de assistência social nos limites do capitalismo sob os ditames neoliberais.

Por isso, são debatidos temas relacionados a posição ocupada pela política de assistência social no sistema de seguridade social e as peculiaridade decorrentes da influência das tendências internacionais no cenário brasileiro, expressa pela focalização do atendimento na extrema pobreza e na prevalência dos programas de transferência de renda.

Tais elementos se entrelaçam com os aspectos apresentados pela análise da possibilidade de efetivação do direito à assistência social através, principalmente, da implantação e implementação do SUAS como materializador da PNAS.