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4 A PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS SOBRE OS BENEFÍCIOS EVENTUAIS NO

4.3 A análise dos dados

4.3.1 Os benefícios eventuais e a legislação municipal: a incompreensão do objeto

O levantamento de dados para pesquisa se deu, primeiramente, através da investigação e análise da Lei Municipal aprovada em 2009, dois anos após a instituição do Decreto Presidencial n. 6.307/07 e três anos depois da orientação estabelecida através da Resolução n. 212/06 do CNAS.

Assim, no plano legal, os benefícios eventuais são regulamentados pela Lei Municipal n°. 976/09, entretanto, os equívocos no trato desse direito transparecem desde a própria normatização. A princípio, apontamos que a Lei dá mais ênfase à regulamentação da utilização dos recursos orçamentários, ao invés de se ater à definição dos benefícios eventuais ou ao estabelecimento de critério e prazos para sua concessão, conforme se observa na ementa da Lei:

Regulamenta a destinação e utilização de recursos orçamentários, para atender necessidades de pessoas físicas em situação de vulnerabilidade social, autorizando o

Poder Executivo Municipal a conceder benefícios eventuais e de caráter de emergência, institui normas para a concessão de auxílios e subvenções e dá outras

providências (SAPÉ, Lei Municipal 976/2009, grifo nosso).

Dessa forma, fica explícito que o objeto da referida lei são os benefícios eventuais e que, por essa denominação, bem como por outros elementos posteriormente explicitados, relacionam-se com a garantia da política de assistência social, no âmbito da proteção social básica.

Pela definição expressa na Lei, os benefícios eventuais se destinam ao atendimento de pessoas em situação de vulnerabilidade social, “visando suprir as necessidades consideradas

urgentes e de pequeno valor econômico” (SAPÉ, Lei Municipal 976/2009, Art. 1°, grifo nosso), denotando o estabelecimento de um suposto valor limite em um patamar rebaixado, desqualificando, portanto, a complexa vivência de situações precarizadoras, que possam vir a dar margem à necessidade do benefício.

Estipula-se como critério que a renda familiar mensal seja inferior ou igual a ¼ do salário mínimo, em conformidade com o que propõe a Resolução n°. 216/06 do CNAS, ressaltando que a normativa nacional apenas o sugere, não havendo impedimento para a ampliação deste patamar.

Entretanto, nessa direção, a situação de vulnerabilidade social é concebida apenas pelo viés da renda, seja por enquadrar-se no critério mencionado, seja por “não possuir meios para suprir suas necessidades”, desconsiderando o que preconiza o Decreto Presidencial n°. 6.307/07, que caracteriza vulnerabilidade temporária pelo advento de riscos, perdas e danos à integridade pessoal e familiar, podendo decorrer por fatores diversos, especificados no referido Decreto e no capítulo anterior.

É possível observar a não compreensão sobre a matéria dos benefícios eventuais, para não se cogitar a adoção de posturas oportunistas, pela especificação da destinação orçamentária de que trata a Lei, a qual se refere a responsabilidades de outras políticas públicas, tais como saúde, educação, habitação, infraestrutura e agricultura. Tal afirmação observa-se pela leitura do Art. 2°, transcrito abaixo:

O Chefe do Poder Executivo Municipal fica autorizado a realizar despesas com destinação de recursos especificamente destinados à finalidade desta Lei, para atender àquelas pessoas físicas que se enquadrem no § 2° do art. 1° desta lei, especialmente em relação a:

a) Pagamento de contas de água e luz, quando o não pagamento causar risco à sobrevivência;

b) Aquisição de material de construção, elétricos e hidráulicos para evitar ou diminuir riscos e danos e oferecer segurança para a família e sua vizinhança; c) Aquisição de gêneros alimentícios;

d) Medicamentos, consultas médicas especializadas, exames médicos e laboratoriais, intervenções cirúrgicas, próteses dentárias, aparelho de locomoção, aparelhos corretivos, cadeira de rodas e aquisição de óculos;

e) Viagens, estadia e alimentação em casos de deslocamento da zona rural para a sede do município e/ou para centros a fim de realizar tratamento médico cirúrgico, quando não disponível tal serviço no âmbito municipal ou estadual;

f) Fardamento e material escolar didático e pedagógico para alunos cuja renda não lhe permita pagar tais despesas sem prejuízo do sustento familiar;

g) Terreno para construção de habitação popular, desde que precedida a alienação de prévia autorização legislativa, materiais de construção, tais como: tijolos, barro, areia, cimento, cal, tinta, madeira, ferro, portas e janelas, instalação de água e energia; h) Aquisição de colchões, redes, agasalhos e vestuários;

j) Benefícios natalidade; k) Benefícios funeral;

l) Transporte e material esportivos para agremiações amadores de esportes, tais como: futebol de campo, voleibol, futsal, handebol, etc.;

m) Pagamento de aluguéis de pessoas reconhecidamente carentes; n) Auxílios para contratação de casamento civil ou religioso;

o) Auxílios e passagens para deslocamentos para outras cidades com objetivo de obter trabalhos;

p) Materiais e demais despesas destinadas a obras de interesse comunitário, tais como: poços, açudes, barragens, estradas, etc.;

q) Despesas com tratores equipados com grades e arados na preparação de terras para o plantio de pequenos agricultores, semente e outros insumos agrícolas;

r) Transportes das pessoas e utensílios, quando da mudança do local de moradia (SAPÉ, Lei Municipal 976/09, art. 2°).

Apesar da Lei não determinar a fonte específica dos recursos ficou entendido que seu objeto se trata de uma provisão da política de assistência social. As possibilidades para compreensão do que é apresentado indica para o entendimento equivocado da matéria dos benefícios eventuais, o que não exclui as demais possibilidades como consequência; a utilização de recursos da assistência social de forma subsidiária e subalterna a outras políticas; bem como pode representar a tentativa de justificar a alocação de recursos de outras fontes para realizar as referidas “doações”, sob a justificativa dos critérios atribuídos aos benefícios eventuais.

Todavia, de acordo com a Lei, o local indicado para o cadastro prévio dos beneficiários é a Secretaria de Promoção e Assistência Social. Esse ponto apresenta-se contraditório também porque, considerando que os benefícios são de caráter eventual e visam atender também situações emergenciais, não há como prevê toda ocorrência.

Ainda no sentido do entendimento sobre o pertencimento do objeto da lei ao âmbito municipal da política de assistência social, adiante é referida a necessidade de submissão da utilização dos recursos destinados à finalidade da Lei ao controle e fiscalização por parte do CMAS.

Além de toda a irregularidade observada na Lei é, ainda, por força desta conferido ao beneficiário a obrigação de informar à Secretaria de Promoção e Assistência Social os casos de cessão da “situação de carência prevista na Lei [...] para fins de que seja baixado o seu cadastro, ou a fim de que nele conste informação de que não mais tem direito aos benefícios eventuais previstos nesta Lei, sob pena de ser punido civil e penalmente” (SAPÉ, Lei Municipal 976/2009, Art. 5°, § 3°).

Tal atribuição tem por objetivo limitar a concessão dos benefícios eventuais, porém, os benefícios de prestação compulsória em si (natalidade e funeral) são devidos à família em

número igual ao da ocorrência desses eventos (o que é explicitado, posteriormente, na própria Lei) e, no caso dos demais benefícios, não está excluída sua concessão pelo número de vezes em que se façam necessário.

Além disso, a referida incumbência desvincula a concessão dos benefícios eventuais da necessidade do acompanhamento familiar e da integralização às demais garantias do SUAS, responsabilizando punitivamente os usuários por uma atribuição que deve ter o caráter protetivo e emancipatório, inerente à proteção social básica da assistência social.

Quanto aos benefícios natalidade e funeral, três aspectos merecem destaque. Primeiramente nos referimos à vinculação da concessão desses benefícios que, ressalte-se, é compulsória, à disponibilidade orçamentária. Nesse sentido, desconsidera-se a necessidade do exercício racional da gestão, da vigilância socioassistencial e o princípio daconstituição de provisão certa para enfrentar com agilidade e presteza eventos incertos.

O segundo aspecto destacado diz respeito à necessidade de comprovação imediatada situação de vulnerabilidade, de acordo com enquadramento do usuário nos critérios adotados pela Lei, inclusive no ato de requerimento do benefício funeral, o que contraria o princípio de desvinculação de comprovações complexas e vexatórias de pobreza.

Por último, ressalta-se que a Lei garante a existência de uma unidade de atendimento 24 horas para o requerimento e concessão do benefício funeral, o que, adiante-se, não se verifica na prática.

No mais, ao tratar sobre a forma de prestação80, bem como dos prazos para requerimento e concessão dos benefícios natalidade e funeral81, a Lei Municipal está em consonância com o que é preconizado nas normativas nacionais, porém em nada se referindo aos demais tipos de benefícios.

Quanto à “distribuição” dos benefícios previstos na Lei, fica a cargo do Poder Executivo através de seu órgão ou Secretaria competente, não se referindo aí, especificamente à Secretaria de Promoção e Assistência Social.

80Em pecúnia ou em bens de consumo e, no caso do benefício funeral, prevendo, também, a forma de ressarcimento.

81 No caso do benefício natalidade o requerimento deve ser realizado até 90 dias após o nascimento e a concessão deve ser prestada até 30 dias após o requerimento. Quanto ao benefício funeral, deve ser requerido imediatamente após o falecimento, ou, no caso de ressarcimento, pode ser requerido até 30 dias após o óbito, devendo ser pago no prazo de até 30 dias após o requerimento.

É ainda observada na Lei, mais uma vez, a confusão em relação ao seu objeto específico, no caso os benefícios eventuais, pois ainda vem a tratar dos critérios para o repasse de verbas públicas para entidades privadas sem fins lucrativos, referindo-se às entidades culturais, educacionais e assistenciais.

De modo geral, percebe-se, pelo explícito na Lei, que há uma compreensão bastante equivocada sobre a matéria dos benefícios eventuais, sobrecarregando a assistência com responsabilidades que não são da sua alçada, cujo atendimento pode vir a comprometer a satisfação de suas demandas específicas.

Observa-se também a utilização de termos que remetem a compreensão dos benefícios eventuais ao âmbito da ajuda e da doação, tais como “auxílio” (SAPÉ, Lei Municipal 976/2009, Art. 1°, § 1°) e “distribuição dos serviços, produtos, gêneros e demais benefícios” (SAPÉ, Lei Municipal 976/2009, Art. 9°, grifo nosso). Distanciando a compreensão dos benefícios eventuais da condição de direito social assegurado no âmbito de uma política pública.

Sendo esta a compreensão mais ampla verificada pela análise do documento legal que regulamenta a concessão dos benefícios eventuais no município de Sapé, na seção seguinte são apresentadas as primeiras impressões sobre sua oferta pela gestão municipal da política de assistência social, obtidas por meio da análise do cadastro dos beneficiários.