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MÍDIA E REBELDIA URBANA: REPRESENTAÇÕES EM CRISE

3 CIDADES REBELDES: “A CIDADE É NOSSA OCUPE-A”

3.4 MÍDIA E REBELDIA URBANA: REPRESENTAÇÕES EM CRISE

Como foi possível observar até o momento, a cidade representa um organismo vivo, complexo e desafiador. Ela é construída por sujeitos que não se esgotam numa dimensão biológica. A confiança e a pertença dos seus habitantes dependem, sobretudo, da relação de sentidos e representações, produzidos nas diferentes ações destrutivas e criativas que transformam ou preservam os espaços, a partir de inúmeras formas interativas de viver trajetórias coletivas e narrativas intra e intergeracionais. Ela presta testemunho de si mesma nas imagens pelas quais se oferece aos seus habitantes, e sua complexidade configura-se nas ações, nos pensamentos, nas mentes e nos corações da condição dos citadinos.

Constitui-se, portanto, como espaços materiais, simbólicos e funcionais, ao mesmo tempo, apresentando-nos uma realidade plural, pois os diferentes sujeitos e grupos sociais se apropriam desse espaço, o experienciam e produzem uma memória que procuram explicar a dinâmica própria do constituir-se. Uma trama, rede de relações sociais, econômicas, políticas, culturais, simbólicas e comunicativas, que vai definindo as marcações do tempo e do espaço e, principalmente, construindo as referências do lugar.

Nessa dinâmica, considerando o papel da cidade moderna que precisa estar apta a oferecer um leque de interpretações para que os seus diferentes habitantes ou visitantes, destaca-se o sistema comunicativo, acionado para construir imagens, representações, alicerçar valores e comportamentos. Nele, a cidade aparece como meio e como mídia, possibilitando sociabilidades e interações em constantes transformações, seguindo muitas vezes a dinâmica de construir para significar, fazer ver para simbolizar, ou seja, “os índices materiais e formais constroem as cidades e permitem que sua imagem constitua a mídia mais eloquente e eficaz”. (FERRARA, 2008, p. 41)170.

Por essa visão, a cidade é a imagem que seus cenários ajudam a constituir, mas é também o imaginário que o urbano a ela impõe. Assim, não basta considerá-la apenas como

170FERRARA, Lucrécia D’ Allesio. Cidade: meio, mídia e mediação. In: MATRIZes, N. 2, abril, p. 39-53, 2008.

unidade construída a partir de planejamentos político-econômicos. É necessário acompanhá- la, igualmente, enquanto fenômeno de comunicação, concretizado, em grande parte, pelo acionamento de uma imagem midiática, colocada em marcha pela apropriação e domínio do homem sobre o espaço social.

Entre construção e representação, misturam-se imagens e sensações, informações e discursos, que podem esconder ou revelar a cidade, “que se constroem com aspectos reais, mas que cria uma temporalidade e um sentido próprio descolado do sentido do vivido, e que retorna para o vivido redimensionando sua existência” (DUARTE, 2006, 108-109)171

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Desse modo, a “cidade é, ao mesmo tempo, objeto comunicativo e sujeito da própria interação que nela se desenvolve” (FERRARA, 2008, p. 43). Para apreendê-la é necessário:

Acompanhar sua circularidade comunicativa que nos leva a saber distinguir entre um sistema construído, o valor por ele emitido e a interação que permite que a cidade seja diferente de ambos. Como não é fruto de uma transformação que se processe de modo gradual ou harmônico, a cidade é teatro de impactos que ocorrem em velocidades distintas e de ambíguas

dimensões, mas com imediata consequência. (FERRARA, 2008, p. 43).

Essa percepção, ao meu ver, é central se quisermos acessar a lógica construtiva de uma cidade, seu substrato comunicativo, a base da identidade simbólica que a comunica, seu valor e escala social, percebendo-a como meio, mídia e mediação. É fundamental, também, para apreender o processo concorrente que se estabelece na construção de sua imagem, quase sempre carregada de controvérsias.

Penso que invocar essa questão nos ajuda, a princípio, na interpretação do objeto que estou inquirindo até o momento, ou seja, o processo de instalação do empreendimento imobiliário Projeto Novo Recife que, para sua legitimação, precisa construir imagens de marca tornadas dominantes, mediante estratégias discursivas, meios e instrumentos para sua difusão e legitimação em variadas escalas, valendo-se, para tanto, de propagandas que removem os elementos “indesejáveis”, da mesma forma, aspectos “desejáveis” são enfatizados.

Por outro lado, em contraposição, há os movimentos e atos insurgentes, representados pelo MOE e DU, acionando novas práticas e plataformas comunicativas, produzindo

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DUARTE, E. Desejo de cidade – múltiplos tempos, das múltiplas cidades, de uma mesma cidade. In: PRYSTON, A. (Org). Imagens da cidade: Espaços urbanos na comunicação e cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2006.

discursos, narrativas e ações de contestação da ordem instituída, quer seja a partir de mobilizações iniciadas em redes sociais da internet, quer a partir da produção/divulgação de materiais audiovisuais de diversas fontes e ações diretas no espaço público (passeatas, ocupações, intervenções artísticas, dentre outros).

Com efeito, este é um cenário que vem colocando em disputa, para além do projeto, sua concretização ou não, a própria representação da cidade. Nesse contexto, por vezes, grupos dominantes perpetuam seu exercício de poder a partir de um jogo de representações, expresso em políticas, projetos e práticas de controle, buscando garantir a estabilidade social a partir do convencimento.

Assim, a criação do consenso, a modelização e a geração de um orgulho cívico da cidade, obscurecem problemas sociais e econômicos, produzem uma subjetividade coletiva, exercendo um efeito esmorecedor da capacidade crítica dos cidadãos, fazem aparentar a inexistência de jogos de interesses ou conflitos peculiares à produção do espaço urbano.

No plano local, o debate tem sido, exatamente, no tocante à luta não apenas pelo o espaço físico, mas, especialmente, do espaço comunicativo, colocando em oposição, os veículos e as lógicas tradicionais de comunicação (televisão, rádio, jornais e revistas) e as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs).

No primeiro caso, representada pela imprensa local alinhada, pelo que tudo indica, aos interesses de grandes grupos de empreendedores. No segundo, constituída pelo Movimento Ocupe Estelita e pelo Direitos Urbanos, promotores, a partir das redes sociais e dos blogs, de um ambiente virtual por meio dos quais as manifestações se articulam, aglutinando informações e pessoas, permitindo aflorar um verdadeiro sistema de comunicação interpessoal independente ao controle da “velha mídia”.

Sobre esse ambiente, inicialmente, apesar da “ocupação”, do volume de atividades e das múltiplas participações e adesões, geradas pela movimentação social e econômica em torno do Cais José Estelita, o que verifiquei foi, primeiramente, a ausência de visibilidade pública a inserção do tema no espaço formador de opinião, como nos mostra o relato de um dos participantes:

É estranha a omissão dos jornais no que diz respeito à divulgação de um dos maiores movimentos da história da cidade. Várias pessoas ocupando o cais Estelita, milhares de pessoas participando das atividades culturais, realizadas pelos Direitos Urbanos em parceria com outros atores políticos, como o Som da Rural e o movimento Ocupe Estelita, e a suspensão de um projeto

retrógrado para a cidade durante esses dois últimos anos, não podem ser negligenciados. A imprensa não precisa ser contra o Novo Recife (afinal não podemos esquecer de que o JC faz parte do grupo de JCPM responsável por várias construções irregulares), nem precisa ser imparcial. Ela só não pode ser indiferente.

Quando trata com indiferença o pleito por participação popular nas decisões da cidade, presentes tanto nas redes sociais quanto no movimento Ocupe Estelita, a imprensa assume que a liberdade de expressão é facultada apenas para mostrar um lado da história. Ela é livre apenas para ser unilateral. A liberdade da imprensa passa a ser uma forma de ditar um único discurso na esperança, nefasta, de expressar a opinião pública sem que o público se manifeste quanto à sua própria opinião.

Quando constrangida pela força notável das manifestações a imprensa continua agindo no sentido contrário à liberdade de expressão. Ela desqualifica, diminui os manifestantes e os reputa como defensores de ruínas e burgueses sem causa. Essa tática é um acinte a qualquer forma de diálogo porque desrespeita o interlocutor. Várias linhas foram gastas para inibir esse ataque gratuito e arbitrário. Aqui resumo no seguinte argumento. Caso a luta pelo Estelita se resumisse a um desvario juvenil, não teríamos tido a vitória de barrar a construção de uma catástrofe urbanística cujo despropósito começa pelo nome: Novo Recife, nem muito menos teríamos conseguido suspender o alvará de demolição dos armazéns. Mesmo com toda força do capital imobiliário conseguimos essas vitórias”. (Érico Andrade, Professor da UFPE, doutor filosofia pela Sorbonne e membro dos direitos urbanos, em 03 de junho de 2014)172.

Nesse contexto, versando sobre a cobertura online dos acontecimentos, as jornalistas, Mariana Martins e Mariana Moreira, em matéria intitulada “O que a imprensa do Recife não conta sobre o Estelita”, publicada na Revista Carta Capital em 29 de maio de 2014, nos fazem perceber sobre a posição ocupada pela imprensa local:

Seguindo a linha da falta de informação dos jornais locais, nacionalmente as notícias sobre os manifestantes que montaram acampamento na área a ser demolida foram insignificantes, para não dizer inexistentes – visto que não houve, a princípio, um monitoramento dos veículos, mas também não há notícias de que o fato foi noticiado nacionalmente pelos principais veículos tradicionais. Dentro e fora do Recife, com exceção das redes sociais e blogs da imprensa alternativa, as pessoas seguem desinformadas sobre o que acontece em uma das áreas mais emblemáticas da cidade.

Vale também uma contextualização sobre os principais veículos de mídia do Recife, e da força política que esta capital tem para a estrutura de comunicação regional de grandes emissoras do país. É no Recife que se encontra a sede da Rede Globo Nordeste, que é uma das cinco concessões da Rede Globo de Televisão no país, a única na região. São três os principais jornais locais: Jornal do Commercio, ligado ao grupo João Carlos Paes

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Disponível em: https://direitosurbanos.wordpress.com/2014/06/03/a-imprensa-classe-media. Acesso em: 10 de agosto de 2014.

Mendonça (JCPM), um dos maiores grupos econômicos do Estado; Diário de Pernambuco, ligado aos Diários Associados; e a Folha de Pernambuco, ligada ao grupo EQM, que tem suas bases no setor sucroalcooleiro.

O Jornal do Commercio, único dos três principais jornais locais a noticiar o fato em sua versão eletrônica, deu ao todo, desde o último dia 21, cinco matérias em sua página na internet, sendo uma no dia 21, três no dia 22 e uma no dia 23.

Nas edições eletrônicas dos jornais Diário de Pernambuco e Folha de Pernambuco, as buscas pelas palavras-chave “Estelita”, “Cais José Estelita” e “Ocupe Estelita” não obtiveram como respostas matérias entre os dias 21 e 27 de maio.

As únicas cinco matérias do Jornal do Commercio, por sua vez, passam longe de informar sobre o que está acontecendo no Cais José Estelita e a mobilização contra o projeto Novo Recife. Apenas uma matéria tem um vídeo que mostra pessoas que estão no movimento “Ocupe Estelita”, mas o texto não traz uma declaração sequer de qualquer integrante do movimento. Uma das matérias afirma que os manifestantes não quiseram dar entrevista. Contudo, matérias do mesmo dia no site do G1 Pernambuco trazia declarações e documentos publicados pelo grupo. De uma forma geral, as matérias do JC são curtas e citam apenas o IPHAN, a exposição de motivos do órgão para suspender as obras, e o Consórcio Novo Recife por meio de notas emitidas pelo grupo. O mesmo não foi feito com as notas divulgadas pelo outro lado.

Apesar de não ter sido pauta de nenhum dos jornais locais, no domingo o Cais foi ocupado por dezenas de pessoas e foram organizadas atividades lúdicas e shows com apoiadores da ocupação. Outro fato importante ignorado pelos jornais foi a campanha que artistas locais estão promovendo nas redes sociais, com cartazes em apoio ao movimento e em defesa do patrimônio histórico.(Mariana Martins e Mariana Moreira).173

O que os relatos acima apontam, no primeiro momento, é a dificuldade encontrada pelos atores políticos de obtenção de uma “voz pública”, ou seja, canais para se expressarem. A despeito da ampla diversidade de opiniões, havia uma “indiferença” em relação à causa, aos questionamentos jurídicos e técnicos, ao debate necessário à formação de opinião.

Apesar do tema delicado e difícil, a cobertura insistiu em ignorar as vozes dissonantes. Esse processo, inclusive, fez gerar um conjunto de denúncias e críticas às omissões, à

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Em “O que a imprensa do Recife não conta sobre o Estelita”, publicada na Revista Carta Capital, em 29 de maio de 2014. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/cronica-de-uma-morte- anunciada-a-cobertura-do-ocupeestelita-em-pe-3964.html. Acesso em: 30 de maio de 2014.

acusação dos jornalistas e ao “direcionamento editorial”, como é possível acompanhar nas publicações abaixo copiadas, jogando luz sobre a complexa e dinâmica relação que envolve o jornalismo, a política e a democracia:

Figura 16 – Publicações que denunciam o direcionamento editorial

Fonte: MOE174.

Noutros momentos, somavam-se denúncias contra a “censura” da imprensa local às opiniões, mesmo qualificadas, divergentes, como explicitou o pesquisador e professor Clóvis Cavalcanti175, um antigo colaborador do Diário de Pernambuco:

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Imagens publicadas no Facebook do MOE em junho de 2014. Disponível em: https://www.facebook.com/MovimentoOcupeEstelita/photos/a.320104821469838.1073741828.320033178143 669/338598959620424/?type=3&theater. Acessado em: 15 de julho de 2014.

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Disponível em:

https://www.facebook.com/656041921137604/photos/a.656091467799316.1073741828.656041921137604/6676 67343308395/?type=3&theater. Acessado em: 15 de julho de 2014.

A respeito desses aspectos e fazendo uma análise acerca da negligência e omissão, Mariana Martins e Mariana Moreira, em mesma matéria evidenciada anteriormente, chega a sentenciar a “morte do jornalismo” e a registrar a “censura” com a qual os profissionais locais são submetidos:

Uma breve análise sobre a infeliz constatação da morte do jornalismo pernambucano passa, logicamente, por uma leitura política dos fatos, mas, sobretudo, por uma leitura econômica do modelo de negócio do jornalismo. Esse modelo, que já dava sinal de inanição, deu sinal de falência, perdeu por completo a linha e sobrepôs desmedidamente o financiamento à atividade fim dos veículos, que é a notícia. Aqui, vale ressaltar, que não apenas o jornalismo pernambucano sofre desse mal, é verdade, mas este episódio foi capaz de revelar um amadorismo e uma subserviência inaceitáveis até mesmo ao que se pode chamar de padrões mínimos (se é que isso existe) do jornalismo.

Não dar nenhuma linha sobre o ocorrido em suas páginas na internet (pois nesse veículo não se tem sequer a desculpa do espaço), como aconteceu em dois jornais citados, é deliberadamente o maior vexame que um veículo de comunicação pode acumular em sua história (vide contos da ditadura). Veicular descontextualizada e propagandisticamente a notícia, como fizeram dois outros veículos, é o segundo maior vexame que um veículo de comunicação pode dar. Nem mesmo a sofisticação da censura de outrora foi reivindicada por estes míseros e submissos veículos de propagada. A cobertura foi tão amadora que uma abordagem parcial passou a ser quase que louvável diante do silêncio. Constrangedor até para quem admite tal feito.

Felizmente, muitos comunicadores e jornalistas, censurados e mutilados nos veículos em que trabalham, estão bravamente apoiando a ocupação nas redes sociais e produzindo para sites alternativos. E, para além dos jornalistas, cidadãos/as do Recife que apoiam a causa tornaram-se cada um e cada uma produtores e difusores de informação em uma escala de dignidade incalculável pela mídia tradicional.

Enquanto isso, o silêncio dos veículos da capital pernambucana segue diretamente proporcional à quantidade de anúncios das imobiliárias nos classificados e por todos os lados, cantos e recantos dos folhetins do Recife. (Mariana Martins e Mariana Moreira)176.

Em alusão, ainda, a esse mesmo enfoque, em matéria intitulada “Sobre o Novo Recife e o modo de ‘fazer de otário’ toda uma cidade”, assinada pelo jornalista Renato Feitosa,

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Em “O que a imprensa do Recife não conta sobre o Estelita”, publicada na Revista Carta Capital, em 29 de maio de 2014. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/cronica-de-uma-morte- anunciada-a-cobertura-do-ocupeestelita-em-pe-3964.html. Acesso em: 30 de maio de 2014.

veiculada, inclusive, em espaço alternativo, chama atenção para o comportamento omisso e não democrático da mídia local e, igualmente, para os interesses econômicos que se estabeleceram entre as construtoras e os principais jornais:

Temos todo conhecimento dos argumentos que têm sido difundidos para deslegitimar o movimento contra o Novo Recife. Desde 2012, expomos os fundamentos que nos guiam nessa luta para todos, porém, o alcance deles é restrito e depende totalmente da vontade daqueles que os leem em compartilhá-los. Tudo seria mais fácil se tivéssemos em Pernambuco uma mídia democrática e plural, mas esse não é o caso. Dos jornais impressos (que são propriedades particulares por natureza) até as emissoras de rádio e TV (que só atingem a audiência por terem a permissão de utilizar um bem público, administrado pelo Estado, que são os canais de radiofrequência), todos, estão nas mãos de empresas privadas, seus donos e acionistas.

Queremos pedir um momento de reflexão da parte de todos (apoiadores e contrários) para essa situação. Não há um único participante do movimento que tenha condição de bancar um anúncio de rodapé na imprensa e muito menos na TV. Por outro lado, todos estão acostumados a ver as marcas da Moura Dubeux e Queiroz Galvão em todos os veículos de comunicação, anunciando constantemente seus empreendimentos.

E eis um fato incontestável, cidadãos, nossos iguais:

As empresas do Consórcio Novo Recife são clientes usuais das empresas dos jornais, das rádios e das TVs. Se os negócios vão bem para as primeiras, melhoram para as últimas. Isso para não dizer que, por exemplo, o proprietário do Jornal do Commercio, João Carlos Paes Mendonça, é ele mesmo um “empreendedor” imobiliário, fazendo muito mais fortuna com isso do que com o próprio jornal, tendo, nas apresentações do seu RioMar a investidores, vendido em conjunto o Novo Recife como local de residência de “um segmento com alto poder aquisitivo”, isso ainda na época em que o projeto sequer havia sido aprovado pela Prefeitura do Recife.

Portanto, é incontestável que a mídia que faz a cobertura das questões envolvendo o Novo Recife é a mesma mídia que ganha com a continuidade do projeto e não tem nenhum benefício com o cumprimento das leis; em publicar informações sobre o pedido feito pelo Ministério Público Federal para anulação do leilão da área do Cais José Estelita pela Caixa Econômica Federal; em citar os depoimentos de técnicos do IPHAN e RFFSA que atestam irregularidades nos autos desse processo; em confirmar que não houve qualquer espaço de discussão com a sociedade como está registrado nos processos administrativos da Prefeitura do Recife; em dizer que a destinação de áreas como o Cais em outros lugares do “primeiro mundo” nunca seria feita a um projeto do tipo, que anunciam como ícone “do futuro e do crescimento econômico”; em revelar números de quantos investimentos e empregos também seriam gerados pela construção de qualquer outro projeto que respeitasse as necessidades da cidade e sua memória; em mencionar a participação de integrantes da Ocupação do Estelita em reuniões oficiais, que somente foram realizadas por exigência deles, ou sequer citar suas falas em matérias que abordem o assunto; ou seja – apenas para não tornar esta lista maior com numerosas outros pontos tão pertinentes quanto os citados – NENHUMA QUESTÃO QUE NÃO LEGITIME O NOVO RECIFE é apresentada pela mídia.

Esses veículos de comunicação, que deveriam nos informar corretamente para o desempenho da cidadania e contribuir para a formação da visão da população sobre sua própria realidade, acabam, afinal, tratando seu público com total desrespeito ao ocultar fatos e distorcer a verdade.

De forma bem grosseira: eles querem, realmente, nos fazer de otários, para aceitarmos e apoiarmos uma iniciativa que prejudicará a maioria da população da cidade, privando-a de direitos, enquanto ganham rios de dinheiro – e o Capibaribe – com toda estaca que é batida no solo desregulado do nosso Recife.

Você pode criticar o #OcupeEstelita, sim! Mas se é para ser crítico, que seja por completo.177

Aprofundando essa discussão em torno dos movimentos sociais e da cobertura midiática, Rafael Salviano Marques Marroquim, em dissertação intitulada “Jornalismo e deliberação: luta por reconhecimento e o não-outro generalizado na mídia impressa pernambucana”, defendida em 2012, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, aguça-nos a perceber como os “jornais reiteram, em situações determinadas, a generalização de um ‘não-outro’, isto é, como imprimem lacunas na