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O PROJETO NOVO RECIFE E A LUTA PELO CAIS JOSÉ ESTELITA:

2 CIDADES INVISÍVEIS X DIREITO À CIDADE

2.3 O PROJETO NOVO RECIFE E A LUTA PELO CAIS JOSÉ ESTELITA:

O Cais José Estelita, localizado no Bairro de São José, Centro Histórico do Recife, dentro do contexto até agora abordado, revela-se como ponto de encontro (e desencontro) de visões distintas de cidade.

Área76 “degradada” e “abandonada”77, há muito tempo subutilizada, mas, ao mesmo tempo, de alto valor urbanístico, tem sido objeto de interesse da indústria imobiliária que aposta modelo de negócios que começa, a meu ver e de muitas outras pessoas, a falhar e que reflete a incapacidade dos governos de regular os investimentos privados.

75 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34/Edusp, 2003. Disponível em: <http://www.ims.uerj.br/nupevi/desarmamento.pdf>. Acesso em julho de 2016.

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Esta área, de mais de 100 mil m², pertencia à Rede Ferroviária Federal e foi arrematada à União por um grupo de empresas em leilão realizado em 2008. O consórcio formado por Moura Dubeux, Queiroz Galvão e GL Empreendimentos pretende implementar um megaprojeto imobiliário na área, o chamado projeto Novo Recife, que prevê a construção de torres residenciais e comerciais, totalizando 13 prédios com cerca de 40 andares. 77

Palavras normalmente utilizadas pelo Consórcio Novo Recife e pelas pessoas/instituições favoráveis ao empreendimento.

O fato é que em 2008, exatamente neste sítio, deu-se início a um processo que, em pouco tempo, se revelaria como um lugar dos embates mais emblemáticos em torno do modelo-visão de cidade, de seu planejamento urbano.

A extensão de terreno, de mais de 100 mil m², pertencente à Rede Ferroviária Federal, foi arrematada, em leilão, por um grupo de empresas (Moura Dubeux, Queiroz Galvão e GL Empreendimentos), formando um Consórcio que objetivava implementar um megaprojeto imobiliário, o chamado Projeto Novo Recife, apresentado em Audiência Pública realizada na Câmara de Vereadores em 12 de março de 2012, este consistindo na construção de 13 torres entre 36 e 45 andares, divididas em cinco grandes quadras, num trecho de 1,3 quilômetros de extensão. Em seu memorial descritivo, o Consórcio Novo Recife justifica que:

O Empreendimento NOVO RECIFE está localizado no Núcleo da Região Metropolitana do Recife, no Centro do Recife. Trata-se de um vazio urbano relevante, posto que sua localização no território confere a gleba uma particular condição de ocupação vocacionada para por serviços do terciário moderno e habitação [...] A integração mundial, contudo, atribuiu um papel adicional às cidades, o de imprimir maior eficiência a suas atividades econômicas, sujeitas a acirrada competição. Neste sentido, o Recife apresenta vantagens competitivas que o colocam na trilha do desenvolvimento estruturado, dos quais destaca-se: vocação e liderança regional como centro de serviços de saúde, de turismo, especialmente de negócios, e de ensino e pesquisa; a disponibilidade e grandes áreas no centro revelam possibilidades para se acolher empreendimentos de porte; o tecido urbano e o ambiente natural são um convite a integração, resultando na valorização do seu sitio físico, com destaque para o manguezal do estuário dos rios Pina e Jordão. (CONSÓRCIO NOVO RECIFE, 2012).

Por esse discurso, a princípio, é possível perceber que o empreendimento está, muito mais, dentro de uma lógica da iniciativa privada que ver, na transformação desse espaço, uma mercadoria a ser valorizada, vocacionada a ser um produto explorado pelo setor de terciário. O próprio emprego do nome “novo” traz uma certa noção de contraposição ao “velho”, pensando a linha de borda em que está circunscrito, horizontal e decadente ainda que histórica e outra de borda, vertical, paradisíaca e moderna.

O Projeto está localizado, como dito anteriormente, numa região estratégica, às margens da Bacia do Pina (estuário dos rios Jordão e Tejipió), e na linha de ligação entre os dois centros de economia dinâmica da Cidade, o Recife Antigo e o Bairro de Boa Viagem, na Zona Sul da cidade, como é possível acompanhar no mapa abaixo:

Figura 1 - Região em que o Projeto Novo Recife está situado

Figura 2 - Área em Projeto Novo Recife está situado

Fonte: Projeto Novo Recife Redesenho, apresentado em audiência pública realizada em 27 de novembro de 2014 (http://conselhodacidade.recife.pe.gov.br/audi%C3%AAncia-p%C3%BAblica-redesenho-do-projeto- novo-recife-0)

Fonte: UOL Notícias Cotidiano (disponível em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas- noticias/2015/06/01/obra-em-bairro-historico-inflama-debate-sobre-verticalizacao-do-recife.htm)

Trata-se, portanto, de um megaprojeto imobiliário que em linhas gerais pretende “requalificar” o antigo Cais José Estelita e transformá-lo em um conjunto de 13 prédios com 42 a 137 metros de altura, além de áreas de uso público com parque, praças, vias, ciclovias, calçadas e outros equipamentos, em conformidade ao panorama abaixo evidenciado:

Figura 3 - Região em que o Projeto Novo Recife está situado

Figura 4 - Caracterização e distribuição espacial do Projeto Novo Recife

Fonte: Projeto Novo Recife Redesenho, apresentado em audiência pública realizada em 27 de novembro de 2014 (http://conselhodacidade.recife.pe.gov.br/audi%C3%AAncia-p%C3%BAblica-redesenho-do-projeto- novo-recife-0)

Fonte: Projeto Novo Recife apresentado em audiência pública realizada em 27 de novembro de 2014 (http://conselhodacidade.recife.pe.gov.br/audi%C3%AAncia-p%C3%BAblica-redesenho-do-projeto-novo- recife-0)

O intuito passa, dessa maneira, pela transformação desse espaço em novas centralidades, sendo as opções culturais e de lazer acionadas como forma de apropriação e justificação, prometendo a “recuperação” de uma suposta vida local, dotando os espaços públicos de melhorias da infraestrutura, através de projetos envolvendo alta tecnologia. São espaços produzidos “por uma arquitetura espetacular e um urbanismo integrado aos padrões éticos e estéticos da mundialização” (SÁNCHEZ, 1999), como é possível observar:

Figura 5 - Panoramas do Projeto Novo Recife

Figura 6 - imagem ilustrativa da projeção do Projeto Novo Recife

Fonte: http://marcozero.org/tese-de-doutorado-fortalece-tombamento-do-estelita/

Fonte: Projeto Novo Recife apresentado em audiência pública realizada em 27 de novembro de 2014 (http://conselhodacidade.recife.pe.gov.br/audi%C3%AAncia-p%C3%BAblica- redesenho-do-projeto-novo-recife-0)

É possível observar pelas imagens, que a instalação do empreendimento, como nos lembra o Geógrafo Alexandre Sabino do Nascimento (2014), gera:

Mudanças substanciais na paisagem e estrutura urbana que geralmente implicam mudanças de conteúdos socioeconômicos em subespaços das cidades receptoras, mas não se limitam a estes subespaços, podendo influenciar na dinâmica de toda uma cidade. Mudanças essas que se relacionam com as mudanças no planejamento urbano moderno que, nas últimas décadas, passa a ser um planejamento estratégico empresarial, flexível, com intervenções urbanísticas pontuais, limitadas no tempo e no espaço (GPDUs), e orientadas pelo e para o mercado. (NASCIMENTO, 2014, p. 45)78.

Vale ressaltar, ainda, que projetos como este vinculam-se a um determinado padrão gestado e consumido na denominada “cultura de classe média” que envida esforços de estruturar representações legítimas do espaço baseando numa qualidade de vida urbana elaborada, nesse contexto, enquanto mercadoria para aqueles que possuem dinheiro, como tão bem não nos deixa esquecer David Harvey (2011):

A qualidade de vida urbana tornou-se uma mercadoria para aqueles com dinheiro, assim como para a própria cidade, num mundo onde o turismo, o consumismo, o marketing de nicho, as indústrias culturais e de conhecimento, e também a perpétua dependência em relação à economia política do espetáculo tornaram-se os principais aspectos da economia política do desenvolvimento urbano (HARVEY, 2011, p. 143)79.

Este modelo de representação, inclusive, traz fortemente uma perspectiva de “modelização” e “espetacularização” das cidades, gerando paisagens urbanas demasiado semelhantes, muitas vezes sem vínculo com a realidade imediata local.

O que percebo é a edificação de uma arquitetura uniformizada através das torres de concreto e vidro, buscando, desse modo, a vinculação a uma imagem e monumentalidade que geralmente estão presentes nas cidades globais, ou pelo menos nas que aspiram ser, como é possível notar no caso do Projeto Novo Recife:

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NASCIMENTO, Alexandre Sabino do. O novo Recife Identidade, espaço, cultura e as tramas do processo de requalificação e gentrificação de sua área central. In: Revista Eletrônica E-metropolis, ISSN 2177-2312, Publicação trimestral dos alunos de pós-graduação de programas vinculados ao Observatório das Metrópoles. Rio de Janeiro, 2014.

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Figura 7 - Imagens ilustrativas da projeção do Projeto Novo Recife

Ademais, inserido ao contexto do “empresariamento urbano” (HARVEY, 1996)80

que se articula a partir do sistema investimento-produção-consumo, o empreendimento “Novo Recife” alega, em sua justificativa, a geração de empregos e uma maior qualidade de vida, refletindo, assim, uma visão do crescimento econômico como sinônimo ou condição necessária de desenvolvimento81. Essa narrativa, inclusive, permeou as várias falas que vislumbravam apenas positividades, como é possível notar:

Ninguém ergue, nem torna sustentável, um empreendimento desse porte sozinho. Para se ter ideia, o investimento que vamos realizar em toda a obra é de R$ 1,5 bilhão. Por isso mesmo, o nosso projeto oportunizará durante a sua construção cerca de seis mil empregos, entre diretos e indiretos, e depois de pronto estão previstos mais dois mil empregos fixos. Na área, serão construídos prédios empresariais, residenciais e hoteleiros. Oportunidades à

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HARVEY, David. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. São Paulo, Espaço e Debates, nº 39, 1996, p. 48-64.

81 É importante registrar que este empreendimento traz relações diretas com as propostas como o Metrópole 2010, plano diretor de 1998, e o Metrópole Estratégica, de 2002, que serviram de referência, pois já identificavam a região como um território de oportunidades para a atração de empreendimentos. Outro trabalho que serviu de ponto de partida foi o Plano do Complexo Turístico Cultural Recife-Olinda, de 2003, que visava transformar completamente a frente atlântica entre os centros históricos das duas cidades pernambucanas.

Fonte: Projeto Novo Recife apresentado em audiência pública realizada em 27 de novembro de 2014 (http://conselhodacidade.recife.pe.gov.br/audi%C3%AAncia-p%C3%BAblica-redesenho-do-projeto-novo- recife-0)

vista, principalmente, para os moradores das comunidades no entorno do Cais José Estelita”. (Augusto Saboia, em 18/08/201682).

Sobre essa perspectiva, ainda, traduzido em seu slogan, “bom para a cidade, bom pra você”, o Consórcio Novo Recife argumenta que:

A geração de empregos, durante o período da construção do empreendimento, e permanentes, após a sua conclusão, vai beneficiar milhares de pessoas nas comunidades do entorno da obra. O Consórcio pretende implantar uma escola de formação de mão de obra no local para garantir a contratação dos moradores/alunos no canteiro de obras. A unidade também teria a preocupação de capacitar a população para ocupar as vagas que vão surgir com a implantação do projeto, como serviços gerais, porteiros, atendentes, camareiras, recepcionistas. Ao todo serão oferecidos vinte e quatro mil empregos diretos e indiretos durante a construção e mais dois mil empregos diretos ao final da obra. (Consórcio Novo Recife, em 25 de junho de 201483)

Somando-se, continuam, na construção da narrativa, a oferecerem diversos outros argumentos e imagens, na tentativa de posicionar o empreendimento como parte do processo de “evolução” da cidade (histórica e cultural), buscando, assim, construir um consenso em torno da necessidade de sua aprovação e efetivação:

O Recife é marcado por grandes intervenções urbanas durante toda a sua história, como o exemplo da Avenida Guararapes e, recentemente, o projeto Porto Novo, que promoveram o crescimento da cidade. O Novo Recife tem potencial para contribuir largamente com essa evolução, trazendo para a cidade modernização aliada à valorização cultural. (Consórcio Novo Recife, em 14 de setembro de 2014, postado no Facebook do Projeto Novo Recife84).

Para tanto, procuram, igualmente, reforçar a tese de que a área, com o novo uso, será destinada publicamente à valorização da cultura e dará um impulso ao turismo, como é possível notar nos trechos abaixo evidenciados:

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SABOIA, Augusto. Projeto Novo Recife, geração de oito mil empregos diretos e indiretos para a

população. Matéria publicada no Blog das PPPs – Parcerias Público-Privadas em 18 de agosto de 2016.

(http://www.blogdasppps.com/2016/08/projeto-novo-recife-geracao-de-oito-mil-empregos-diretos-e-indiretos- para-a-populacao.html)

83

Disponível em: http://www.dev.agenciairis.com.br/novorecife/geracao-de-empregos/. Acesso em: 15 de junho de 2014.

84 Disponível em:

https://www.facebook.com/novorecife/photos/a.645952672155395.1073741828.449825248434806/6945207639 65252/?type=3&theater. Acesso em: 15 de junho de 2014.

O Projeto Novo Recife vai oferecer à cidade uma grande praça de 15.000m², quase 1.000m² de área verde a mais que a Praça de Casa Forte. E tem um charme a mais: a brisa e a paisagem do Capibaribe! (Consórcio Novo Recife, em 22 de novembro de 2014).

Dentro do terreno do Projeto Novo Recife, 10.600 m² serão dedicados a atividades de comércio e serviços. Essa área equivale a quase três Mercado de São José, que todo recifense conhece!. (Consórcio Novo

Recife, em 5 de dezembro de 2014).

Uma das capitais nordestinas mais procuradas pelos turistas, o Recife ganhará mais um cartão-postal com o projeto. A área, hoje pouco explorada pelo setor, será um novo polo turístico em potencial. (Consórcio Novo Recife, em 14 de setembro de 2014).

É possível observar que na maior parte do material produzido pelo Consórcio, há, fortemente, a tentativa que criar um dilema entre manter a área “abandonada”, “esquecida”, símbolo de atraso, e a efetivação do empreendimento, sinônimo de modernidade, permitindo o “avanço” e a inauguração de um “novo cartão postal para a cidade”. Segundo o material publicitário85 compartilhado no ano de 2014, existiriam 10 motivos que demonstram que o Projeto Novo Recife seria bom para a cidade, a saber:

1. Construção de um parque público de 90.000 metros quadrados, o equivalente a 1,2 Parques da Jaqueira;

2. Construção de uma biblioteca pública para atender às comunidades da região;

3. Impacto positivo no perfil socioeconômico do bairro de São José;

4. Geração de 24 mil empregos, diretos e indiretos, ao longo das obras, além de 2 mil permanentes após sua conclusão;

5. Criação de uma ciclovia que vai interligar a Via Mangue à Av. Norte; 6. Restauração da Matriz de São José, uma das mais importantes da cidade; 7. Criação de novas vias de acesso ente a Zona Sul e o Centro do Recife; 8. Preservação dos armazéns da antiga rede ferroviária federal, criando assim um centro cultural e um novo polo de atividades para a cidade;

9. Demolição do Viaduto de Cinco Pontas e construção de um túnel, que vai devolver ao Recife a integridade visual e histórica do Forte de Cinco Pontas; 10. Aumento da arrecadação de impostos para a Prefeitura do Recife, que terá mais recursos para investir em outras áreas da cidade.

85

Disponível em: http://www.dev.agenciairis.com.br/novorecife/dez-motivos-que-mostram-por-que-o-novo- recife-sera-bom-para-a-cidade/. Acesso em: 15 de junho de 2014.

Especialmente durante o ano de 2014, a Rede Social (Facebook) do Projeto Novo Recife funcionou ativamente no compartilhamento-venda de uma imagem que procurou legitimar o discurso de um empreendimento imobiliário “bom para a cidade”:

Figura 8 - Cards compartilhados na página do Projeto Novo Recife

Ademais, foi possível, também, observar uma ação “promocional” que procurou demonstrar como o projeto teria adesão por toda a população recifense, sendo, portanto, favorável:

Fonte: Consórcio Novo Recife (https://www.facebook.com/novorecife)

Figura 9 - Depoimentos compartilhados na página do Projeto Novo Recife

Além da sociedade civil, de uma maneira geral, o Consórcio Novo Recife procurou, por outro lado, trazer depoimento de especialistas e representantes de instituições, como é possível acompanhar:

O presidente do Recife Convention Bureau, Bruno Herbert, acredita no Novo Recife como potencializador do turismo no Centro. “A revitalização do Cais José Estelita é primordial para a cidade. A área tem a melhor vista do Centro e está carente de valorização há anos. Certamente, será um motivo a mais para que o turista estique sua visita ao Centro e ao Bairro do Recife, que fica do lado. O hotel previsto no projeto pode ser um novo espaço para o turismo de negócios que é crescente na cidade” (Consórcio Novo Recife, em 14 de julho de 201486).

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Disponível em:

https://www.facebook.com/novorecife/photos/a.645952672155395.1073741828.449825248434806/66126754729 0574/?type=3&theater. Acesso em: 20 de maio de 2014.

O Projeto Novo Recife é uma ideia brilhante para a nossa cidade. Ele vai trazer vida a dois bairros que há muito vivem praticamente desertos mesmo em dias úteis, que são os bairros de São José e o bairro do Cabanga, Elísio Junior, Presidente da Sevoci-PE. (Consórcio Novo Recife, em 20 de julho de 2014).87

Excelente medida para toda a cidade, inclusive onde toda a gente vai não só a recuperação do bairro de São José, mas também utilizar toda uma área de grande beleza”, José Luiz da Mota Menezes, arquiteto. (Consórcio Novo Recife, em 30 de junho de 2014).88

Seguindo essas narrativas e mensagens, percebo claramente a construção de imagens, mediante estratégias discursivas, meios e instrumentos para sua difusão e legitimação em variadas escalas. As “propagandas”89 são produzidas para que a cidade seja vendia para um público especifico. Para tanto, desponta uma cidade segura para o turista, para o capital estrangeiro, para empresas e provedoras de serviços de luxo, ou seja, baseada num planejamento estratégico que vende a cidade para um grupo que exclui desta, os cidadãos que a ela pertencem.

Nesse contexto, Vainer (1999)90 menciona a importância de uma “higienização” da cidade para o mercado internacional, ambiente em que a pobreza e a miséria são aspectos, a julgar por estes padrões, negativos para a cidade mercadoria e espaços que representam aeroportos, serviços de telecomunicações e tecnologias avanças, hotéis de luxo, shopping centers etc., fazem parte das estruturas consideradas principais no planejamento estratégico em detrimento de espaços de atendimento de necessidades da população local que passa a ser marginalizada.

Trata-se, portanto, de uma associação entre infraestrutura e dinâmica imobiliária, resultando na “hierarquia das localizações sociais”, uma vez que a existência de infraestrutura valoriza o solo, exercendo impacto sobre os grupos sociais e sua possibilidade de se apropriar

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Depoimento postado na página do Facebook do Projeto Novo Recife em 20 de julho de 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ThpTS8SGhQM&list=UUO2mEzDqv7JSQcPnb7DTsvg>. Acesso em: 20 de maio de 2015.

88

Depoimento postado na página do Facebook do Projeto Novo Recife em 30 de junho de 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=gB_eJGtD_aQ>. Acesso em: 20 de maio de 2015.

89

Em 24 de fevereiro de 2013, os empreendedores divulgam maciçamente o projeto em encarte de doze páginas como Informe Publicitário nos maiores jornais em circulação do Recife, sob o título “Presente e futuro no Cais José Estelita” (INFORME PUBLICITÁRIO CONSÓRCIO NOVO RECIFE, 24/02/2013).

90

VAINER, Carlos. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: VIII ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 1999, Porto Alegre. Anais eletrônico, Porto Alegre: PROPUR – UFRGS, 1999.

daquele espaço (VETTER, 1979)91. Claro que a forma como as pessoas se distribuem no espaço, necessariamente, implica uma localização, que, como nos lembra Priscilla Rodrigues Fonseca (2017), remetem a fatores cruciais: “(i) as possibilidades financeiras do indivíduo em se fixar diante da valorização desigualmente produzida nos espaços e (ii) o modo desproporcional com que os locais recebem investimentos, fenômeno que influi diretamente na qualidade de vida e, por conseguinte, no valor do solo”. (FONSECA, 2017, p. 17)92. Por isso, corroboro a afirmação de Vetter e Massena (1982, p.57) sobre o fato de que “a apropriação dos benefícios líquidos gerados pelos investimentos do Estado torna-se uma das variáveis mais importantes na determinação da estrutura interna da cidade”93.

Ao acessar estes conteúdos, criados e posto em circulação, penso que o Projeto Novo Recife se trata de uma iniciativa exemplar que põe em marcha um processo de remodelação de cidades, implicando, por sua vez, na camuflagem e remoção de elementos “indesejáveis”; da mesma forma, aspectos “desejáveis” são enfatizados ou simplesmente inventados, sem qualquer relação com a história e cultura locais. A criação dessas novas paisagens para o consumo turístico toca em uma delicada questão: até que ponto tais empreendimentos contribuem para a manutenção e sobrevivência da paisagem e da cultura local? E ainda mais: qual o limite a ser imposto entre o “real / autêntico” e o “imaginário / falsificado”?

No entanto, foi exatamente nesse território, aparentemente condenado ao destino de tornar-se mais um espaço de consumo, que emergiu um dos principais exemplos de inquietudes urbanas que passaram a reivindicar, por outro lado, um espaço público de expressão coletiva. (RIBEIRO, 2000, p. 6).

Desde sua apresentação, em 2012, o empreendimento recebeu inúmeras críticas e fez com que reascendessem questionamentos sobre o modelo de negócios de como a indústria da construção civil vinha operando no Recife.

Protestando, a princípio, acerca dos reais benefícios sociais e econômicos de tais iniciativas, que tendem a mascarar a realidade, desviando a atenção das pessoas dos