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3 DESENVOLVIMENTO, MULHERES, TRABALHO E GÊNERO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

3.1 Marco teórico Mulher e Desenvolvimento (MED) – 1970-

Para Afshar e Luna (1999), Boserup oferece as bases para o enfoque chamado Mulher e Desenvolvimento (MED)46, que surge nos anos 1970 e pretende abordar o impacto negativo do desenvolvimento sobre as mulheres. O primeiro objetivo desta corrente é alcançar a visibilidade das mulheres como categoria nas investigações e nas políticas, com a finalidade de eliminar sua marginalização nos processos de desenvolvimento em benefício dos homens. Onde pela primeira vez se afirma que a posição subordinada da mulher é um obstáculo para o desenvolvimento, por outro lado,

46 “O MED é o marco do feminismo liberal com uma visão internacional, e o seu surgimento, nos

primórdios da década de 1970, é explicado por vários fatores, dentre os quais se destacam: o fracasso da primeira década de desenvolvimento das Nações Unidas, que põe em xeque o modelo de desenvolvimento dos anos 1950 e 1960; a pressão dos estudos que demonstram os efeitos negativos da modernização sobre as mulheres do terceiro mundo; o fortalecimento dos movimentos sociais contra o colonialismo, o racismo e a favor dos direitos das mulheres” (KUCERA, 2001) citado em Pereira; Rambla (2010, p.15.).

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segue-se sem questionarem-se os postulados de enfoque da modernização (RUBIO, 2003).

Beneria e Sen (1998), revisando o estudo de Boserup, sublinham o que consideram que de mais relevante a autora aportou para uma perspectiva de gênero no discurso do desenvolvimento. Boserup enfatiza gênero e geração como fatores da divisão do trabalho, tanto nas sociedades primitivas como nas chamadas sociedades desenvolvidas; enfatiza a crítica à explicação natural dessa divisão, percebida como óbvia e originalmente imposta pela divisão sexual per si. Por fim, enfatiza a universalidade da concentração das mulheres nos trabalhos domésticos. Uma lacuna importante entretanto é apontada pelas autoras nesse estudo, qual seja a desconsideração dos problemas da modernização propugnada pela orientação política liberal dos projetos analisados, problema decorrente da filiação teórico-política da própria Ester Boserup. Mesmo assim o estudo é considerado um marco na institucionalização da perspectiva de gênero nos processos de planejamento e implementação de projetos de desenvolvimento (CAMURÇA, 2000, p. 169).

As mulheres haviam ficado à margem dos processos em curso, porque não eram reconhecidas como “agentes econômicos produtivos” e as atividades reprodutivas que sempre desempenharam permaneciam desprezadas. Segundo Deere e León (2002, p. 152) apud Siliprandi (2009), se essas questões não fossem enfrentadas com o avanço das políticas “desenvolvimentistas” as mulheres progressivamente perderiam status e seriam ainda mais marginalizadas.

Ao se considerar as mulheres, enquanto sujeito político, especificamente, pode- se observar que a partir da década de 1970 os estudos acadêmicos, influenciados por demandas do movimento feminista, passaram a destacar a importância do trabalho feminino na economia em diferentes atividades, em áreas urbanas ou rurais. E logo em seguida priorizou-se academicamente a caracterização da divisão sexual do trabalho, conferindo visibilidade à definição rígida de postos masculinos e femininos (OLIVEIRA, 2006).

Segundo Rubio (2003), tanto Boseroup como o enfoque MED receberam duras críticas do marxismo feminista e que não se deve esquecer que os argumentos de Boserup são responsáveis por dar um impulso fundamental ao debate sobre os efeitos do desenvolvimento sobre a mulher no terceiro mundo. Todavia esta somente leva em consideração a repercussão da industrialização e do cultivo tem para o status das mulheres agricultoras no contexto das sociedades patriarcais sem incluir na sua análise a dimensão de classe social. Neste aspecto, não e que as mulheres não participem no processo de desenvolvimento, senão que esta integrada nele (BENERIA; SEN, 1983).

No âmbito das Nações Unidas, neste período, foi criado o Instituto Internacional de Pesquisa e Capacitação para as Mulheres (Instraw47), dedicado, entre outras atividades, a analisar o papel das mulheres na gestão da água e do saneamento ambiental em países da África, da Ásia e da América Latina. Uma parte dos

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Em inglês: United Nations International Research and Training Institute for the Advancement of Women foi criado em 1976, com sede na República Dominicana. Desenvolve pesquisas e atividades de capacitação com o objetivo de melhorar a participação das mulheres nas políticas de desenvolvimento. Suas áreas de trabalho são bastante amplas, com ênfase em metodologias para criação de indicadores de impacto das políticas globais sobre as condições de vida das mulheres (ver http://www.un-instraw.org).

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movimentos de mulheres lutava então para que se reconhecesse o papel das mulheres na gestão desses recursos, e, portanto, se desenvolvessem políticas de capacitação para que elas pudessem melhor desempenhar esse papel (SILIPRANDI, 2009).

Estas políticas de "integração" das mulheres contrapunham-se outras posições, que viam vários problemas na aceitação acrítica dos paradigmas de modernização que estavam na base das políticas de desenvolvimento e de bem estar social: em primeiro lugar, porque somente o acesso a educação, a empregos ou a tecnologias modernas não seria suficiente para enfrentar os preconceitos e iniquidades que as mulheres eram submetidas; segundo lugar, porque essas posições aceitavam a divisão sexual do trabalho como um dado, sem problematizá-la; e, ainda, porque essas propostas não davam o devido valor para o fato de que as mulheres sempre haviam desempenhado papéis produtivos e reprodutivos ao longo da história (SILIPRANDI, 2009).

Na Terceira Conferência da Mulher, em Nairóbi, em 1985, já era evidente a desconfiança com relação ao enfoque "integrar as mulheres no desenvolvimento", cujos resultados concretos haviam sido poucos: os projetos para mulheres contavam com recursos escassos, geravam rendas pequenas e marginais; provocavam o aumento da carga de trabalho das mulheres; e reforçavam funções de gênero estereotipadas (com atividades que eram meras extensões do papel de esposas e mães), entre outros problemas. Estas questões eram trazidas principalmente pelas organizações de mulheres e movimentos feministas que participavam do Fórum Paralelo (espaço de participação da sociedade civil nesse tipo de conferência), porém, exercendo também influência nas discussões oficiais, formadas por representantes dos governos (SILIPRANDI, 2009, p. 89).

Ao longo das décadas de 1980 e 1990, introduzem-se propostas teóricas mais elaboradas, que recorrem ao impacto diferencial dos programas de desenvolvimento sobre homens e mulheres, devido à existência dos roles distintos entre os gêneros. E neste sentido, se bem se constata, os programas de desenvolvimento incidem positivamente sobre as necessidades das mulheres (moradia, saúde, educação, alimentação etc.), mas seguem sem avançar nos seus interesses no longo prazo (divisão sexual do trabalho, acesso a terra e a crédito, igualdade política, superação da violência de gênero, decisão livre da maternidade, e alivio das cargas domésticas), pois que estes têm a ver com as posições das mulheres nas relações de gênero e com o modelo de desenvolvimento (LUNA, 1999, p. 70). Para as autoras, a tão alardeada “integração do desenvolvimento” que propunha o enfoque MED se converteu em uma “integração a exploração”; por que já não lhes preocupam tanto a exclusão das mulheres do processo de desenvolvimento, como as relações de desigualdade de poder – classe e gênero que freiam um desenvolvimento igualitário (AFSHAR, 1999, p. 95) (RUBIO, 2003).

As mulheres foram convertidas em beneficiárias passivas dos programas assistenciais, podendo concluir-se que o enfoque que o bem-estar assume é o da mulher passiva do desenvolvimento, sem autonomia e direitos, cujo papel principal seria o voltado para a reprodução (ZABALA, 1999; MASSOLLO, 1999) citado em (RUBIO, 2003), uma vez que o termo desenvolvimento – em geral – era pensado como um

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processo linear e benigno de crescimento econômico, impulsionado pelo incremento de projetos produtivos geradores de renda (SILIPRANDI, 2009, p. 79).

As mulheres passam a ser vistas sobre a égide da necessidade de integrá-las ao processo de desenvolvimento, para resolver tanto questões de justiça social como de eficiência econômica no combate à pobreza, já que estas representavam a metade da população. Estes davam ênfase no incremento do papel produtivo das mulheres, por meio do apoio a projetos geradores de renda no tripé capacitação/treinamento/crédito, levando em consideração as limitações devidas ao seu envolvimento nas atividades domésticas e de cuidado com os filhos (SILIPRANDI, 2009, p. 78).

Benería e Sen (1983, p. 110) argumentam que o papel da mulher no desenvolvimento tem que se estudar a partir da conexão existente entre as desigualdades de gênero e de classe, posto que são as mulheres pobres as mais oprimidas pelo capitalismo. O que permite com esta contestação superar tanto o enfoque funcionalista da modernização que ignora ambas as dimensões, como o enfoque da dependência, que focaliza sua atenção somente na dimensão de classe. Os teóricos da dependência e dos sistemas mundiais baseiam suas argumentações nas relações de subordinação entre o centro e a periferia e defendem, seguindo os esquemas da teoria marxista, que a dominação do homem sobre a mulher se supera mediante a transformação das relações sociais de produção. E consideram que para a opressão da mulher se encontra na esfera econômica e das relações sociais. Ou seja, que as mulheres vão participar do desenvolvimento na medida em que se incorporem na esfera pública. Porém, de pouco serve por ênfase nas contradições de classe e da necessidade de incrementar a participação na área não doméstica da produção, sem fundamentar a análise das relações do patriarcado que sustentam o modo de produção capitalista.

A categoria gênero é essencial para compreender a dinâmica do desenvolvimento em todas as suas dimensões, já que revela aspectos básicos da organização e distribuição da produção e do trabalho, entendido em sua concepção mais ampla, que inclui tanto o trabalho remunerado e também o trabalho doméstico não remunerado. As mulheres dos países pobres ou periféricos são as principais perdedoras, resultado da justaposição de sua posição subordinada no sistema econômico mundial e de sua condição de mulher, no contexto do patriarcado (PEREIRA; RAMBLA, 2010, p. 48).

Sobre os efeitos do patriarcado nas relações de gênero, Boff (2010) chama atenção para o que relata Elizabeth Schusser Fiorenza em seu livro, “Mas, ela disse: práticas feministas de interpretações bíblicas” (1992), sobre um inquérito das Nações Unidas de 1980, abrangendo 86 nações, incluindo Estados Unidos.

(...) descobriu que as mulheres e as meninas, embora, perfaçam metade da população mundial, realizam dois terços das horas de trabalho do mundo e recebem um decimo de renda mundial, sendo proprietárias de menos de uma centésima parte da renda mundial. De cada três analfabetos no mundo, dois são mulheres. A importação da tecnologia e do “desenvolvimento” não melhorou o status econômico da mulher. E

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diferentemente solapa seus recursos econômicos tradicionais e sua influência junto ao público. O sistema patriarcal econômico é além do mais estigmatizado pelo racismo. Pois, todas as estatísticas demonstram consistentemente, que as mulheres de cor ganham menos que suas irmãs brancas. Sofrem pela opressão patriarcal três vezes mais, pois o racismo e a pobreza são economicamente aprovados pelo sexismo, uma vez que todos os homens americanos ganham mais que todas as mulheres americanas (BOFF; MURARO, 2010, p. 52).

A busca pelo desenvolvimento igualitário permanece atualmente nas agendas das instituições internacionais que realizaram alguns ajustes, principalmente nas metodologias e estudos sobre desenvolvimento, mulheres e gênero. Mas, estas continuam perseguindo as transformações necessárias sobre a diminuição da desigualdade na esfera econômica48. Recentemente na agenda de desenvolvimento Pós-2015 realizada durante encontro na sede da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) da ONU, em Santiago, no Chile, no diálogo “Desafios para a igualdade, o empoderamento econômico das mulheres na agenda de desenvolvimento: a construção de novas respostas para a América Latina e a Europa” foi reforçada a necessidade de incluir a igualdade de gênero49, não só como um objetivo específico, mas com uma perspectiva transversal que aumente a capacitação econômica das mulheres. Segundo o diretor da Divisão de Planejamento de Programas e Operações da CEPAL, Raúl Gárcia-Buchaca, uma em cada três mulheres na América Latina, cerca de 30,8% do total, não tem renda própria. Deste total, 51,6% das mulheres afirmaram que isto ocorre por ter que cuidar das tarefas domésticas. Além disso, para cada 100 homens que vivem na pobreza, há 117 mulheres. Sobre esta situação, a diretora da Divisão de Assuntos de Gênero da CEPAL, Sonia Montaño, disse que é necessário que haja uma distribuição equitativa das tarefas domésticas e uma redistribuição dos benefícios de proteção social para garantir a igualdade de gênero em todos os âmbitos da vida (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - CEPAL) da ONU, em Santiago, no Chile, 12.01.2015).