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Dinâmica econômica e social na Amazônia rural : o Protagonismo do Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém - MMIB (PA)

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SILVANEIDE SANTOS DE QUEIROZ CÔRTE BRILHO

Dinâmica Econômica e Social na Amazônia Rural: o

Protagonismo do Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém

– MMIB (PA)

CAMPINAS-SP 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE ENGENHARIA AGRÍCOLA

SILVANEIDE SANTOS DE QUEIROZ CÔRTE BRILHO

Dinâmica Econômica e Social na Amazônia Rural: o Protagonismo do Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém – MMIB (PA)

Tese de Doutorado submetida à Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas, como requisito para obtenção do título de Doutora em Engenharia Agrícola, na área de concentração Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável.

Orientadora: Profa. Dra. Maristela Simões do Carmo

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA SILVANEIDE SANTOS DE QUEIROZ CÔRTE BRILHO, E ORIENTADO PELA PROFa. Dra. MARISTELA SIMÕES DO CARMO.

Assinatura da Orientadora

CAMPINAS-SP 2015

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vii RESUMO

A partir dos anos 1990 observam-se traços visíveis de uma nova ruralidade que vem alterando concretamente as condições de vida das famílias e das mulheres trabalhadoras urbanas e rurais no Brasil e no mundo. Na Amazônia é possível identificar traços dessa ruralidade nas relações produtivas e reprodutivas das mulheres por meio do trabalho coletivo de diferentes atores sociais e nas estratégias de produção desenvolvidas pelas famílias em sistemas agrários e florestais nos diferentes territórios. Assim, o objetivo desta pesquisa é apresentar o protagonismo do Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB) ao realizar atividades produtivas, reprodutivas e de serviços no rural do entorno da cidade de Belém-Pará, apontando traços de uma ruralidade até pouco tempo não vista neste rural belenense. O caminho metodológico se deu com aporte da economia feminista, onde se buscou estabelecer uma relação o mais próxima possível da realidade e do cotidiano das mulheres associadas. Conclui-se que o MMIB trata-se de um movimento endógeno de desenvolvimento por haver uma sinergia de forças sociais e produtivas, dando completa visibilidade às mulheres de Cotijuba.

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ix ABSTRACT

Visible traces of a new rurality, that have made concrete changes in the life conditions of families and urban working women in Brazil and the world, have been observed since the early 1990s. In the Amazon, it is possible to identify traces of this rurality in the productive and reproductive relations of women through the collective work of different social players, and in the strategies of production developed by the families in forest and agrarian systems at different territories. Thus, the objective of this research is to present the protagonism of Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB) (Movement of the Women from the Islands of Belém) to perform productive, reproductive activities, and services in the rural area around the city of Belém-Pará, showing traces of a rurality unseen in this region until recently. The methodological way occurred with the contribution of the women’s economy, where we sought to establish the closest possible relationship with the reality and everyday life of the associated women. We concluded that MMIB is an endogenous movement of development because there is a synergy of productive and social forces, providing a complete visibility to the women of Cotijuba.

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xi SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 01

2 ILHA DE COTIJUBA - O RURAL AMAZÔNICO NO ENTORNO DA CIDADE DE BELÉM: UMA VIAGEM PELO TERRITÓRIO ESTUARINO 07

2.1 Características gerais do estuário amazônico 07

2.1.1 O estuário amazônico e o colonialismo mercantil no contexto da

Ilha de Cotijuba 14

2.1.2 O moinho de arroz (Oryza sativa) na ilha de Cotijuba – 1784 15 2.1.3 Brigada Pernambucana de 1836 e o movimento da Cabanagem 19

2.1.4 O Educandário Nogueira de Farias Neto - 1933 20

2.1.5 A cooperativa agrícola japonesa de 1945 a 1950 22

2.2 A ilha de Cotijuba nos dias atuais 29

2.2.1 “Esse rio é minha rua”: o cotidiano no rio Pará até Cotijuba 29 2.2.2 Uma nova ruralidade em Cotijuba?: Movimento de Mulheres das

Ilhas de Belém (MMIB) 41

3 DESENVOLVIMENTO, MULHERES, TRABALHO E GÊNERO 45

3.1 Marco teórico Mulher e Desenvolvimento (MED) – 1970-1985 49

3.2 Mulher, trabalho, gênero e o patriarcado 53

3.3 Mulheres e a divisão sexual do trabalho: marxismo x feminismo 57 3.4 Mulher, divisão sexual do trabalho e o rural brasileiro 63 4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O MÉTODO DA PESQUISA: CAMINHO

METODOLÓGICO 72

4.1 Mulheres, trabalho produtivo e reprodutivo: um aporte da economia

feminista 85

5 O PROTAGONISMO DAS MULHERES DO MOVIMENTO DE

MULHERES DAS ILHAS DE BELÉM (MMIB) 92

5.1 Mulher e trabalho no contexto amazônico da cidade de Belém: uma

introdução 92

5.2 APIC/GMAPIC - Histórico e desenvolvimento das ações coletivas

do MMIB 100

5.2.1 Projetos sociais e de geração de trabalho e renda no contexto do

desenvolvimento do MMIB 108

5.3 Caracterização das mulheres associadas/os do MMIB 114 6 ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA E DE SERVIÇOS MOVIMENTO DE

MULHERES DAS ILHAS DE BELÉM (MMIB) 122

6.1 O associativismo no contexto do MMIB 122

6.1.1 Associativismo e gestão no MMIB 127

6.1.2 Projeto produção da priprioca – MMIB 130

6.1.3 A produção orgânica da priprioca e a participação das mulheres 131

6.1.4 O Turismo de base comunitária (TBC) 140

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 145

REFERÊNCIAS 147

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Às mulheres e aos homens, idosas e idosos, jovens e crianças do MMIB e da ilha de Cotijuba, Belém-Pará-Brasil.

Aos meus avós maternos, Manoel Luis dos Santos (in memoriam) e Minervina dos Santos (in memoriam). A minha mãe Sebastiana Santos de Queiroz, que sempre acreditou que este poderia ser o melhor caminho e ao meu pai Raimundo Mesquita Queiroz (in memoriam).

Ao filho Dimitri Queiroz Nery, à filha Mariana Queiroz Côrte Brilho e ao companheiro e amigo Alberto Guilherme Côrte Brilho.

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AGRADECIMENTOS

Antes de tudo às mulheres e aos homens do Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB), que me acolheram no seu tempo de trabalho e de vida. Sobretudo o desafio de no convívio das suas atividades trocarem e dividirem experiências do saber fazer. Assim como às famílias das associadas que pacientemente suportaram minhas muitas perguntas. E a todas as pessoas da ilha de Cotijuba que entrevistei ou com quem conversei, em especial as idosas e os idosos do Projeto Vida e Companhia (PVC).

Agradeço profundamente a minha orientadora Professora Maristela Simões do Carmo pelo respeito, confiança e orientação, minha gratidão.

Às professoras e pesquisadoras da Pós- Graduação da Feagri, em especial as Professoras Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco, Julieta Teresa Aier de Oliveira e Maria Ângela Fagnani.

Agradeço ainda a amizade e o respeito das amigas e amigos da Pós-Graduação, Delmonte Roboredo, Vanilde Esquerdo, Iris Cecilia Ordoñes Guerrero, Taíssa Brosler, Lourival Fidelis, Ana Luisa de Oliveira, Francine Procópio, Fernando Rabello e Wagner Pereira.

Agradeço a equipe da Comissão de Pós-Graduação (CPG), especialmente a Rita de Cassia Ferreira e Claudio Mariano, assim como, a bibliotecária Elisangela Aparecida Souza, da Biblioteca da área de Engenharia e Arquitetura – BAE, sempre dispostos a auxiliar com as informações necessárias.

Agradeço também, a pesquisadora colaboradora do programa da Pós- Graduação da Feagri, Drª Valéria Comitre pelas contribuições no exame de qualificação.

Não posso deixar de expressar minha gratidão à irmã, amiga e comadre Anne Patrícia Santos de Queiroz pelo carinho, incentivo e amizade em todas as etapas da vida cheia de surpresas e também aos meus irmãos Jânio Queiroz e Giselle Queiroz.

Agradeço a todas as pessoas da cidade de Campinas/SP que conheci e pude dividir um pouco da vida, especialmente a querida Jane Santos e sua família (Vó e Ti), gratidão.

A amiga Satya Caldenhof Silva, minha gratidão pelas inúmeras conversas, apoio e visitas na casa de Campinas/SP.

À amiga e irmã com quem venho compartilhando a trajetória de vida e trabalho há muito tempo, Maria Madalena Freire, tão generosa sempre. A amiga Elén Pessoa que dividiu muitos momentos desta etapa, obrigada. Ao amigo Eduardo Gomes com quem dividi momentos importantes de trabalho e companheirismo no MMIB. Meu muito obrigada ao amigo Henderson Nobre e Aparecida Soares pela amizade e solidariedade nesta nova fase da vida na UFRA, assim como, a todos os novos amigos de trabalho da instituição.

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À Tereza Lopes Cardosa, amiga que passou a dividir comigo as responsabilidades do dia a dia de uma rotina intensa em “Belém das ilhas”, sem a qual muito não poderia ter acontecido no caminho de finalização deste trabalho, minha sincera gratidão.

Sou também profundamente grata a todas e todos que de alguma forma contribuíram com a realização deste trabalho.

E principalmente minha gratidão a vida repleta de possibilidades e aprendizado.

Por fim, a Fundação Capes pela bolsa de estudo concedida durante o doutorado.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Mapa do estuário amazônico no entorno do município de

Belém, com a localização da ilha de Cotijuba ... 8

Fotografias 1 e 2 - Palmáceas no entorno da ilha de Cotijuba, com destaque para os açaizeiros ... 10

Fotografias 3 e 4 - Habitação ilha de Jutuba com açaizeiros no entorno ... 12

Fotografias 5 e 6 - Praia na ilha de Cotijuba, à frente à direita a ilha de Paquetá e à esquerda, a ilha de Jutuba ... 13

Fotografias 7 e 8 - Ruínas do Engenho Fazendinha, comunidade do Poção ... 17

Fotografia 9 - Prédio da “Colônia Reformatória para Menores”, década de 1970 ... 21

Fotografias 10 e 11 - Ruínas do Educandário Nogueira de Farias Neto ... 25

Figura 2 - Mapa da Região Metropolitana de Belém ... 30

Fotografias 12 e 13 - Trapiche e orla do Distrito de Icoaraci ... 32

Fotografias 14 e 15 - Embarcações que fazem trajeto Cotijuba-Icoaraci- Cotijuba... 32 Fotografias 16 e 17 - Embarcações de família ribeirinhas à esquerda e comercialização de combustível a direita... 33

Fotografias 18 e 19 - Embarcação da PMB à esquerda e embarcação da Cooperbic à direita ... 33

Fotografias 20 e 21 - Embarcações de grande e médio porte de passageiros de turismo ... 34

Fotografias 22 e 23 - Escola pública de ensino fundamental na ilha de Jutuba e embarcação para coleta de lixo das Ilhas... ... 34

Fotografias 24 e 25 - Habitações de famílias nas ilhas do entorno de Cotijuba ... 34

Fotografias 26 e 27 - Concentrações de habitações na ilha de Paquetá a esquerda e barco de pesca artesanal a direita... 35

Fotografias 28 e 29 - Trapiche de embarque e desembarque de passageiros e cargas na ilha de Cotijuba ... 36

Fotografias 30 e 31 - Placas de localização na chegada da Ilha de Cotijuba... 36

Fotografias 32 e 33 - Charrete, um dos transportes utilizados em Cotijuba desde 1992 ... 37

Fotografias 34 e 35 - Margem do rio Piri à esquerda e áreas de habitações com espécies frutíferas... 38

Fotografias 36 e 37 - Palmácea do açaizeiro e coleta do fruto por uma moradora da ilha ... 38

Fotografias 38 e 39 - Principal rua na praia do Vai-Quem-Quer ... 39

Fotografias 40 e 41 - Pousada na praia à esquerda e concentração de banhistas na praia do farol à direita ... 40

Fotografias 42 e 43 - Sede do GM/APIC e “Projeto Sons da Ilha”1999 ... 104

Fotografias 44 e 45 - Sede do MMIB ... 108

Fotografias 46 e 47 - Logomarca do MMIB e produto comercializado ... 109

Fotografias 48 e 49 - Barracão de produção do MMIB em construção ... 110

Fotografias 50 e 51 - Flores Tropicais cultivadas pelas mulheres do MMIB ... 111

Fotografias 52 e 53 - Área de produção de hortaliças orgânicas a esquerda e comercialização da produção na feira de orgânicos ... 112

Fotografias 54 e 55 - Entrega da primeira produção de priprioca em 2005 ... 113

Gráfico 1 - Associadas/os entrevistados e não entrevistados ... 115

Gráfico 2 - Associadas/os entrevistados no MMIB... 116

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Gráfico 4 - Escolaridade das associadas do MMIB ... 117

Gráfico 5 - Local de nascimento das associadas do MMIB ... 117

Gráfico 6 - Ultimo local de moradia das associadas do MMIB ... 117

Gráfico 7 - Principal ocupação/profissão associadas do MMIB ... 119

Gráfico 8 - Estado civil associadas do MMIB ... 119

Gráfico 9 - Tipologia familiar das associadas do MMIB ... 120

Gráfico 10 - Renda média mensal das associadas do MMIB ... 120

Gráfico 11- Renda média familiar das associadas do MMIB ... 121

Gráfico 12- Atividades realizadas no MMIB pelas mulheres ... 125

Fotografias 56 e 57 - Área de produção familiar de priprioca do Sr. Jorge ... 134

Fotografias 58 e 59 - Priprioca recém-retirada da área de plantação e tanques de lavagem da priprioca na casa do agricultor Sr. Miguel ... 135

Fotografias 60 e 61 - Espaço destinado à seleção e limpeza da priprioca ... 136

Fotografias 62 e 63 - Priprioca após limpeza e seleção em sacos padronizados ... 136

Fotografias 64 e 65 - Limpeza e seleção da priprioca realizada na casa de outra produtora associada ... 137

Fotografias 66 e 67 - Mutirão para a entrega da priprioca saindo do Porto da Faveira com destino ao Porto da 7ª Rua de Icoaraci ... 138

Fotografias 68 e 69 - Sacas recém-chegadas ao Porto da 7ª Rua de Icoaraci com especificação do produtor ... 139

Fotografias 70 e 71 - Sacas de priprioca depositadas no caminhão da empresa no Porto da 7ª Rua de Icoaraci ... 139

Fotografias 72 e 73 - Priprioca na empresa de beneficiamento pesadas sobre a presença das associadas do MMIB ... 140 Quadro 1 - Dinâmica e operacionalização do TBC, “Trilha MMIB”, Cotijuba, Pará, 2013 ... 144

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Tipos de grupos de turistas, Ilha de Cotijuba, Pará, MMIB, 2013 ... 141 Tabela 2 - Transporte terrestre, Ilha de Cotijuba, Pará, MMIB, 2013 ... 142 Tabela 3 - Pessoas ocupadas no TBC, Ilha de Cotijuba, Pará, MMIB, 2013 ... 142

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACE Agência Comunitária de Ecoturismo

Amicia Associação de Moradores da Ilha de Cotijuba e adjacências APIC Associação de Produtores Rurais da Ilha de Cotijuba

Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CAUP Centro de Agricultura Urbana e Periurbana

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Codem Coordenadoria de Desenvolvimento Municipal Conaes Conferência Nacional de Economia Solidária Cooperbic Cooperativa de Barqueiros da Ilha de Cotijuba Cpaor Capitania dos Portos da Amazônia Oriental CTBel Companhia de Transporte de Belém

Daout Distrito Administrativo de Outeiro

DPMR Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais EES Empreendimentos Econômicos Solidários

FAO Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação - Food and Agriculture Organization FBES Fórum Brasileiro de Economia Solidária

FNO Fundo Constitucional de Financiamento do Norte

FNS Fundação Nacional de Saúde

FSC Forest Stewardship Council

FSM Fórum Social Mundial

Gamapic Grupo de Mulheres da Associação de Produtores Rurais da Ilha de Cotijuba

GDI Gender-related Development Index

GEM Gender Empowerment Measure

GMB Grupo de Mulheres Brasileiras

IBD Instituto BioDinâmico

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDG Índice de Desenvolvimento de Gênero

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IDS-gen Índice de Desenvolvimento Social - gen

IFPA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará

IMO Institute for Marketecology

Incra Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Instraw Instituto Internacional de Pesquisa e Capacitação Iterpa Instituto de Terras do Pará

LBA Legião Brasileira de Assistência

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

Megam Projeto Mudanças no Estuário Amazônico pela Ação Antrópica MMIB Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém

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OIA Organización Internacional Agropecuaria

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PIB Produto Interno Bruto

Pitcpes Programa Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares e Empreendimentos Solidários

PMB Prefeitura Municipal de Belém

PNAD Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

RMB Região Metropolitana de Belém

Saaeb Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Belém

SAN Sustainable Agriculture Network

Secon Secretaria Municipal de Economia/Belém Senaes Secretaria Nacional de Economia Solidária

SIES Sistema Nacional de Informações de Economia Solidária

TBC Turismo de Base Comunitária

UFPA Universidade Federal do Pará

Unisol União e Solidariedade das Cooperativas e Empreendimentos de Economia Solidária do Brasil

WEDO Organização de Mulheres pelo Meio Ambiente e

Desenvolvimento – Women’s Environment and Development Organization

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1 1 INTRODUÇÃO

O interesse pela temática principal deste trabalho percorreu muitos caminhos até o encontro com a Universidade, por outro lado, foi durante as atividades de pesquisa e extensão universitária desenvolvidas, a partir de 2001 na Universidade Federal do Pará (UFPA), como estudante do curso de Ciências Econômicas que muitos dos temas aqui abordados passaram a fazer parte da realidade de vida e de trabalho da autora. A experiência teve início na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares e Empreendimentos Solidários (Itcpes)1- UFPA que despertou o interesse pela organização coletiva de trabalhadores e trabalhadoras no meio rural e urbano. Entrar em contato com os mais diferentes e variados espaços de produção amazônica (agricultores familiares, extrativistas, quilombolas, caboclos, ribeirinhos, etc.) ampliou o olhar sobre o modo de viver, produzir e distribuir na região, o que possibilitou também uma visão mais interdisciplinar da economia para a região.

Após a conclusão do curso de Economia em 2002 deu-se continuidade às atividades acadêmicas no campo da pós-graduação que despertou o interesse pela temática “homem-trabalho-natureza”, considerando agora a interdisciplinaridade como elemento importante nas abordagens de observação e análise das diferentes realidades sociais e de organização produtiva. Como mencionado, iniciou-se nas atividades de extensão universitária, até então voltadas para as relações no mundo do trabalho, mais especificamente para as causas e os efeitos das mudanças ocorridas a partir dos anos 1990.

Pensar a realidade dos grupos sociais a respeito do que produzem? Como produzem? Para quem? Quer dizer os problemas apresentados pela ciência econômica e abordada nos principais manuais de economia do mundo passou a ser motivo de curiosidade e maior proximidade com a realidade. Ao observar estas realidades somos forçados a pensar outro modo de viver e de fazer Economia, cuja racionalidade permeia as relações de produção e supera a lógica estabelecida pela Economia que se conhece dos manuais. Os laços familiares, de parentesco e de amizade se apresentam como estratégias de reprodução da vida e do trabalho. Quando produzir, distribuir e comercializar são atividades que fazem parte do cotidiano, em que a vida e o trabalho dependem diretamente da natureza para a sua manutenção.

O acompanhamento técnico junto a cooperativas, associações, grupos familiares, quilombolas, assentados de reforma agrária, de mulheres e outros atores causou inquietação ainda mais sobre a invisibilidade dada a estes grupos pela economia de mercado. A relação destes com a natureza, com o trabalho e os meios de trabalho, o excedente produzido e o próprio mercado motivaram a fazer indagações acerca do papel das organizações na vida das famílias e na economia local. Assim como sobre o papel das políticas públicas pensadas para o rural amazônico em

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Programa de ensino, pesquisa e extensão vinculado à Pró-Reitoria de Extensão da UFPA e ao Programa de Economia Solidária da Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (Unitrabalho).

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decorrência das políticas desenvolvimentistas que pela lógica de mercado priorizam o grande capital.

Nesta perspectiva, procurando entender a dinâmica social e econômica dos diferentes grupos sociais e de produção houve uma maior proximidade com esta realidade durante o trabalho de mestrado realizado no Programa de Pós-Graduação em Planejamento de Desenvolvimento (Plades) do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal do Pará. Foi possível então, conhecer a dinâmica das relações de produção e distribuição realizadas no Quilombo do Curiaú – Macapá – Amapá. As práticas de uso comum dos recursos naturais pelas famílias quilombolas estabelecidas por laços de solidariedade e trabalho sinalizam a existência de uma lógica contrária à unicamente de mercado.

Esta pequena, mas significativa trajetória aproximou da realidade agora do Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB) na proposta desafiadora de elaborar um trabalho de tese de doutorado. As crises sucessivas e recorrentes do sistema capitalista de produção nas diferentes esferas da sociedade – econômica, social, ecológica, política, cultural – abrem espaço para se pensar alternativas de desenvolvimento rural com destaque para o lugar das mulheres. Pois, entende-se que as atividades econômicas desenvolvidas pelas mulheres e suas famílias são vinculadas à localidade. Isto porque seus sujeitos sociais mobilizam recursos econômicos, tecnológicos, ecológicos e institucionais, e podem acessar serviços públicos essenciais ao desenvolvimento econômico com inclusão social.

As mulheres rurais e suas famílias vêm, com suas estratégias econômicas e sociais, reconstituindo ecossistemas, a partir da agroecologia e da reversão de processos de erosão, de assoreamento e poluição dos rios, da monocultura e, ao mesmo tempo, da introdução de culturas das práticas consorciadas na cadeia produtiva agrícola. Essas novas práticas sociais estão ancoradas na compreensão do esgotamento do ecossistema, particularmente, pela destruição ambiental imposta pela produção capitalista em busca da lucratividade.

Por outro lado, em relação ao Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB), ilha de Cotijuba, Belém (PA), e como este vem desenvolvendo suas atividades produtivas e de serviços neste agroecossistema tão específico como o insular do entorno da cidade de Belém. Haja vista que desde os anos 1990, são observados traços visíveis de uma ruralidade que vem alterando concretamente as condições de vida das famílias rurais, em particular das mulheres. Isto tem instigado reflexões teóricas com base na realidade prática dos sujeitos que mobilizam esse território, em especial as mulheres do MMIB. Essas reflexões se ativeram nas práticas produtivas e reprodutivas realizadas pelas mulheres e suas famílias com destaque para aquelas relacionadas à produção e aos serviços, tanto na agricultura como no turismo que estas realizam na ilha.

É nesta perspectiva que se deparou com a problemática a respeito do método que mais se aproxima da essência do nosso objeto. Segundo a hipótese desta tese, as mulheres do MMIB realizam na ilha de Cotijuba, por meio do trabalho produtivo e de

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serviços, uma economia para além da visão econômica de que trabalhar é somente produzir mercadorias e riquezas. Ou seja, uma economia (oikonomia) da “provisão social” (social provisioning), que está para além das relações de produção e distribuição que ocorrem no mainstream econômico neoclássico. Assim também como o trabalho reprodutivo realizado por elas. Por isso, quem são as mulheres do MMIB? Como surgiu o movimento de mulheres na ilha de Cotijuba? Qual a história destas mulheres? Qual a trajetória delas e de suas das famílias? O que e como produzem, quando e para quem? Desde quando estão neste território? Como, para quem, com quem e quando realizam os trabalhos da casa? Quem fica com seus filhos para realizarem as atividades produtivas e de serviços no MMIB? Ou seja, como se dá no cotidiano destas mulheres a divisão entre o trabalho produtivo e reprodutivo no território rural insular?

Como dar conta e abordar esta realidade de forma que minimamente se possa fazer justiça à experiência desenvolvida pelas mulheres do MMIB? Por onde começar? Foi quando se deparou com dois aspectos da pesquisa que fizeram atentar ainda mais para o campo da teoria e da questão do método. O primeiro seria pelo lado do trabalho produtivo e de serviços, quando no trabalho coletivo as mulheres realizam as atividades econômicas e oferecem seus produtos e serviços no mercado, escolhendo suas formas de distribuição e comercialização sem a interferência direta dos homens nas principais tomadas de decisão, que se explica na trajetória histórica do MMIB. Esta realidade demonstrou a forma de produzir e comercializar onde a visão utilitarista do trabalho, da natureza e da vida parecia não se aplicar - mesmo diante das relações com o mercado. O segundo aspecto se apresentou pelo lado do trabalho reprodutivo realizado pelas mulheres associadas, pois, desde as primeiras inserções no movimento era comum nas conversas mantidas com elas, a exposição dos motivos que fizeram com que se atrasassem para determinada atividade, faltassem ou simplesmente o quanto tinham que trabalhar em casa um dia antes para estarem ali, ou ainda, porque não tinham com quem deixar os filhos ou estavam com algum membro idoso da família com a saúde debilitada.

O trabalho se propõe, portanto, a analisar o protagonismo das mulheres do Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB), ilha de Cotijuba, Belém (PA) na dinâmica econômica e social de uso dos recursos naturais levando em conta sua relação com o mercado. Ademais, observou-se que os recursos florestais não madeireiros (palmito, frutos, plantas, sementes e óleos medicinais), o turismo de base comunitária e o plantio da priprioca orgânica certificada, no caso específico da ilha de Cotijuba, destacam-se como atividades importantes desenvolvidas pelas mulheres do MMIB e suas famílias. E se mostram estratégicas para a mobilização produtiva destes atores no território, que tem produzido ações coletivas, unificando economia, política e sociedade como possíveis eixos de desenvolvimento rural.

O papel das mulheres no campo do desenvolvimento, e especificamente do desenvolvimento rural, passou a ser discutido apenas recentemente, apesar da sua presença permanente no processo produtivo e reprodutivo. Assim, afirma-se que é inegável a participação das mulheres e de suas famílias no processo de

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desenvolvimento rural, uma vez que os seus patrimônios natural e cultural são seu maior meio para garantir a elevação dos seus padrões de qualidade de vida, e reprodução.

Além do mais, a sua participação é básica para construir alternativas capazes de sustentar meios de vida em contexto ainda considerado adverso, tendo em vista o isolamento e a segregação dos sujeitos vinculados à dinâmica econômica e social relativas ao meio rural, em especial, as mulheres na invisibilidade do seu trabalho.

A temática de estudo se fundamenta na realidade das populações rurais particularmente do estuário amazônico, que se configuram como ribeirinhas, caboclas, quilombolas, indígenas, extrativistas ou outras que mantiveram a manutenção da sua reprodução social a partir do aproveitamento dos recursos extrativistas e agrícolas existentes na região (ACEVEDO MARIN; CASTRO, 1998; BRASIL, 2000; SIMONIAN, 2004). O enfoque é dado ao trabalho realizado por mulheres e homens do Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém, mas principalmente ao trabalho produtivo e reprodutivo que as mulheres realizam cujo protagonismo vai além destes, se estendendo para o cuidado e o afeto.

Os estudos sobre as famílias rurais amazônicas sinalizam que as mesmas possuem na base de reprodução um modo de produção doméstico ou familiar em que a organização do trabalho entre os membros da unidade familiar tem sido responsáveis para garantir também a produção e a reprodução dos recursos naturais locais (ACEVEDO MARIN; CASTRO, 1998) ao qual se quer destacar o trabalho das mulheres, cuja invisibilidade torna-se presente nas reações familiares nos espaços de produção e reprodução do rural.

Isso porque, atualmente se passa a dar visibilidade ao papel das mulheres nas lutas por melhoria das condições de vida, inclusive, por meio do uso e da transformação dos recursos em produtos para comercialização (ALMEIDA, 1995; CAMPBELL et al., 1996; SIMONIAN, 1996; SIMONIAN; 1998) seja devido às atividades econômicas diferenciadas que as mulheres desenvolvem juntamente com as famílias, e ainda devido às relações institucionais com empresas privadas, Organizações Não Governamentais (ONG) e instituições de ensino e pesquisa que têm fomentado de forma mais propositiva a participação das mulheres em projetos de desenvolvimento, assim como, sobre a questão de gênero.

As discussões acerca do desenvolvimento e no que diz respeito às demandas de mulheres e gênero são relativamente recentes enquanto um conjunto de preocupações. Isto porque segundo Garcia (2013) o interesse por este campo de estudo em que as mulheres são sujeitas particularmente na historiografia ocidental não teria se produzido até a metade do século XX, mais exatamente quando as mulheres conquistaram o direito a voto, resultado de um extenso trabalho do feminismo histórico. Por isso, o objetivo principal dos primeiros estudos sobre as mulheres fora torná-las visíveis, realçando as funções que haviam desenvolvido nas diferentes sociedades históricas.

Segundo Luna (1989), os estudos históricos sobre as mulheres teriam para este período da metade do século XX, poucos anos, e haviam sido precedidos de mais de

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uma década de investigações de caráter sociológico, antropológico e econômico. Nesta perspectiva, a investigação sobre as mulheres na América Latina não surge como nos EUA e na Europa do impulso do movimento feminista, mas em projetos de investigação para o desenvolvimento, assim como em centros de investigação não institucionais, o que durante o desenvolvimento dos projetos teria provocado um impacto do feminismo nas próprias investigadoras. O que levaria estas a uma busca pessoal e intelectual para a consolidação de um arcabouço teórico que abarcasse a problemática das mulheres juntamente com as questões de classe, gênero, raça, entre outros tantos aspectos contraditórios do modelo de desenvolvimento na América Latina.

Leacock ([1975] 1981) e Nash (1975) apontaram a ausência das mulheres nas preocupações do Estado e/ou das agências de desenvolvimento privadas, na elaboração de planos econômicos e na implementação de projetos. Os programas de desenvolvimento não consideravam os interesses das mulheres, pois autoridades e planejadores da época entendiam que ao tratar de beneficiar a sociedade com as políticas e programas estariam atendendo aos interesses de homens e mulheres. Esta discussão teria uma repercussão imediata, tanto no campo acadêmico, quanto no político, responsável por envolver simultaneamente, as mulheres de grande parte dos países, independentemente do seu grau de crescimento econômico ou desenvolvimento, quando considerada a escala de Rostow (1960) (SIMONIAN, 2001, p. 23). Neste contexto, a partir de 1975, se dá a institucionalização do tema na esfera das organizações internacionais de caráter governamental a respeito da desigualdade que afeta as mulheres. A Organização das Nações Unidas (ONU) passa a prestar atenção no que as mulheres feministas da Europa, da América Latina e de outras partes do mundo estão reivindicando.

Neste sentido, esta tese está dividida em quatro capítulos que tratam da caracterização do território insular, dos aspectos teóricos metodológicos da pesquisa assim como, do histórico do movimento de mulheres e do protagonismo das ações coletivas realizadas por mulheres e homens, com ênfase nas mulheres, nos últimos dez anos na ilha de Cotijuba/PA.

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2 ILHA DE COTIJUBA – O RURAL AMAZÔNICO NO ENTORNO DA CIDADE DE BELÉM: UMA VIAGEM PELO TERRITÓRIO ESTUARINO

NORTE DO MEU AMOR Vovô, dá-me tua benção! Vou falar de ti,

Norte do boi-bumbá, do putirum, do coco, da pimenta e do mel, do cabra e do caboco, da mixira, do angu, do aluá, do açaí, da fibra de uacima, do sebo de uccuba, da baunilha, do uirapuru, do bacuri, do Jesus vegetal – a carnaúba; simbiose de raças e de zonas,

Norte da Paulo Afonso, Norte do Marajó, assombros naturais ultrapassados só pelo titã das águas: o Amazonas; Norte da pororoca e do crivo de rendas, de mulheres fecundas e dos corcéis sem brida, de existência.

Antônio Tavernard, 1931

2.1 Características gerais do estuário amazônico

A ilha2 de Cotijuba, com 1.595,29 hectares (15,92 km²), é uma das 39 (trinta e nove) ilhas situada na porção oriental do estado do Pará. No cenário regional possui um dos principais corpos de água doce que se comunicam com a grande baía de Marajó, território importante do estuário amazônico. Está localizada a 22 km da sede municipal de Belém, entre o arquipélago da ilha do Marajó e as ilhas de Jutuba e Paquetá, à margem direita do estuário do rio Pará entre as baías de Guajará e Marajó como se pode constatar na Figura 1. Situa-se na faixa equatorial, aproximadamente a 160 km do Equador geográfico a 1º 28’ 03” latitude Sul. e a 48º 29’ 18” Longitude Oeste. Apresenta 18 km de trilhas e ruas que se divide entre os territórios urbano e rural. A localidade é alcançada apenas por barco, principalmente a partir do trapiche do Distrito de Icoaraci3 com o qual a Ilha mantém relações diretas e se comunica cotidianamente guardando uma distância de 9 km em linha reta em relação à terra.

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Para Diegues existe a necessidade de se distinguir insularidade e isolamento, visto que as ilhas ainda que parcialmente isoladas não se desenvolvem em sistemas fechados. Vivem, ao contrário, em formas alternadas de abertura e fechamento, segundo as formas pelas quais estão ligadas à sociedade continental ampla (DIEGUES, 1997, p. 12). A ilha além das representações simbólicas, que delas fazem os continentais, é também uma porção de território onde os ilhéus exercem praticas sociais e simbólicas, e portanto, é sempre um território particular construído. Que dentro desta perspectiva não é apenas um espaço sagrado ligado nas várias mitologias dos inícios dos tempos (de que se ocupa a análise junguiana), mas é também um espaço historicamente produzido e continuamente sacralizado por diferentes práticas simbólicas. Além de ser também um território produzido socialmente dentro e fora da ilha, segundo ciclos e práticas econômicas que se alteram continuamente, ainda que frequentemente, num ritmo menos rápido que no continente. “O mundo insular é um símbolo polissêmico, com vários conteúdos e significados que variam de acordo com a história e as sociedades. Mundo em miniatura, centro espiritual primordial, imagem completa e perfeita do cosmos, inferno e paraíso, liberdade e prisão, refúgio e útero materno, eis alguns significados que o homem atribuiu a esse microcosmo” (DIEGUES, 1998, p. 13).

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Figura 1 – Mapa do estuário amazônico no entorno do município de Belém, com a localização da ilha de Cotijuba. Fonte: Sánchez (2005).

Na parte do imenso estuário denominado Pará, a cobertura vegetal do município de Belém4 compõe-se de floresta secundária ou capoeiras. O clima quente e úmido apresenta precipitação média anual de 2.834 mm com temperatura em fevereiro de 25ºC e 26ºC. Em novembro assume uma umidade relativa do ar em que varia entre 84% a 93%. O município, portanto, está localizado em região tropical úmida à margem do rio Pará, e possui como território uma região continental e uma região insular5. Por outro lado, este não é exatamente um rio, mas um conjunto hidrográfico, sem nascente própria e enseadas, que se estendem da costa sul da ilha do Marajó a costa sul da cidade de Belém, até desaguar no oceano (SILVA, 2010).

O rio apresenta o formato de um “Delta Invertido” na conformação de um estuário comum a vários rios. Sofre a influência da maré e o efeito da água do mar, recebe a deposição de material transportado por toda a rede fluvial que o compõe, definindo um

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Segundo Moreira (1966, p. 69), nenhuma cidade do Brasil apresenta um número tão grande de ilhas. Essas ilhas são detentoras de significativos ecossistemas, os quais reúnem uma variedade de espécies da fauna e da flora amazônica, além de comportar um contingente populacional que não para de aumentar (MELO, 2010, p. 67).

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O Brasil, com seus quase 8.000 quilômetros de litoral, apresenta uma variedade de ambientes insulares e arquipelógicos ainda que em pequeno número quando comparados a países como o Chile. As ilhas portanto, mais importantes sobre o ponto de vista da ocupação humana, são aquelas situadas próximas ao continente como as de São Luiz (MA), Santa Catarina (SC), Ilha Grande (RJ), Ilha do São Sebastião e do Cardoso (SP), a ilha de Marajó (PA) e ilha Grande (RJ), entre outras (DIEGUES, 1997, p. 5).

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ambiente próprio, de grande dimensão, que possui a cidade de Belém e toda a região insular. A maior parte das ilhas é formada por sedimentação recente, encontrando-se, em alguns locais, material mais antigo. A condição do clima e da diversidade biológica permite a densa povoação de espécies vegetais, e resulta na manutenção do sedimento no local e formação do solo (SILVA, 2010).

Nos estudos de Sánches (2005), o estuário amazônico é aquela área da influência das marés que vêm do oceano Atlântico e que morfologicamente se dividiria em subestuários: o do rio Amazonas de águas barrentas, do rio Tocantins de águas brancas, do rio Pará de águas misturadas e dos rios Moju e Guamá de água preta. No que se refere à área continental o estuário se constitui de diferentes tamanhos de ilhas: grandes, medianas, pequenas e microilhas; baías, rios dentro das ilhas e igarapés e furos que interconectam rios de águas brancas e pretas, às vezes salobres gerando habitats mistos6.

No estuário amazônico, a fossa de Marajó separa o oceano Atlântico da região da bacia do Marajó conhecida também como “região das ilhas”. Com cerca de 20,000 km² esta área apresenta duas enchentes diárias ocasionadas pelo fluxo das marés, que se entrelaçam com as variações mensais e anuais do nível do rio Amazonas, sendo que o nível da água oscila entre 1 até 3 m no momento da inundação. Nesta zona de desembocadura o rio Amazonas corre por terrenos de origem Cretácea e Holocênica. É ali onde a planície inundável alcança sua maior largura cerca de 200 km, sendo capaz de armazenar uma grande quantidade de água. Nesta zona da planície a altura sob nível do mar chega a 8 m e a declividade é inferior a 1%, dificultando o escoamento da água (SÁNCHES, 2005, p. 43).

No estuário, também conhecido como região das ilhas, segundo Simonian (2004), a influência das marés provoca a perda de velocidade ocorrendo o depósito de sedimentos, o que explica a formação de inúmeras ilhas sedimentares, e de um intricado labirinto de canais interligados, muito variáveis em tamanho (furos e paranás). Por isso as marés constituem o elemento dominante na hidrografia das várzeas próximas ao litoral. Tal fenômeno contribui também para a alta produção de biomassa nas margens continentais e das ilhas, incluindo uma grande variedade de espécies vegetais com destaque para as palmáceas, entre elas o açaizeiro. As características hidromorfológicas do estuário favorece a rica presença da diversidade vegetal encontrando-se entre elas também segundo Moran (1990): murumuru, jupati, inajá, bacaba, patauá, miriti/buriti e como já mencionado, o açaizeiro conforme destacados nas Fotografias 1 e 2, a seguir.

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Para a história ecológica as ilhas pequenas e medianas são as formações mais recentes deste estuário com cerca de 1000 anos de idade. As geoformas, como afirma Sanches (2005), são influenciadas pela dinâmica diária, mensal e anual das águas oceânicas que penetram e saem da área, gerando outras zonas de diferenciação. A primeira geoforma é o litoral do estado de Amapá e a zona do Salgado Paraense onde a maré atlântica exerce a maior atuação gerando uma vegetação tipicamente de manguezal. A segunda geoforma é o conjunto de ilhas de tamanho mediano a pequeno onde a confluência das águas de origem fluvial e marinho são responsáveis por gerar sedimentação que produzem este habitat de ilhas de tamanho médio a pequeno, como é o caso da ilha de Cotijuba.

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Fotografias 1 e 2 - Palmáceas no entorno da ilha de Cotijuba, com destaque para os açaizeiros. Fonte: Pesquisa de campo (janeiro, 2013).

Silva (2010) considera que as ilhas de Belém se caracterizam em sua maioria por um sistema ecológico de várzea, cuja vegetação se desenvolve adaptada a estes locais. Apresentam uma fertilidade elevada do solo e grande diversidade vegetal formando um sistema ecológico chamado por este de “ecossistema consistente e autossustentável”, caso não ocorram desmatamentos.

A precipitação na área é abundante e no ano aumenta pela influência marinha até 3.250 mm, assim o regime climático passa a ser Quente Super Úmido com uma temperatura média anual de 26°C, diferenciando-se da região do baixo amazonas onde a planície inundada sazonalmente apresenta um regime climático Quente Úmido com tendência à seca. A fertilidade dos solos é baixa em relação àquela da Planície inundável Alta. O tipo vegetacional predominante da área são os palmeirais monotípicos. A atividade de uso vegetal principal é um intenso agroextrativismo (SANCHES, 2005, p. 43).

As planícies inundáveis são áreas periodicamente banhadas pelos fluxos laterais dos rios, lagos, pela precipitação direta das chuvas ou pelas águas subterrâneas, o que beneficia a agricultura e as florestas e mesmo as espécies de animais silvestres, porque as águas trazem nutrientes. De fato, as marés diárias nutrem os solos: os organismos trazidos pelos fluxos das marés aderem ao solo contribuindo para sua fertilização (ANDERSON, 1991; MORAN, 1990) citado em (SIMONIAN, 2004, p. 18).

Os ambientes que fazem parte deste sistema estuarino são vários: rios, igarapés, florestas, várzea, baías, ilhas com praias e ainda campos alagados. Cada um com sua especificidade ambiental e social que para ser entendida é necessário evocar a história de ocupação da região e sua dinâmica sociocultural que está dividida da fase pré-histórica à pré-histórica (incluindo a colonial e a contemporânea). Podendo-se afirmar que a ocupação humana dessa área remonta à fase pré-colonial de ocupação da Amazônia, cuja cultura dos povos autóctones perpassou séculos, deixando um legado sociocultural para as populações contemporâneas em termos de manejo ecológico, hábitos alimentares, relação entre mundo terrestre e aquático e um modus vivendi particular (FURTADO; SOUSA, 2006).

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As áreas de florestas7no estuário apresentam importância econômica e social para as populações há séculos, pois as sociedades humanas apresentam na sua trajetória histórica de reprodução social uma relação de transformação da natureza para a manutenção da vida. E que suas relações são norteadas não apenas por interesses imediatistas, a exemplo dos processos socioculturais que têm permitido a esses desenvolver estilos de vida diversos e ao mesmo tempo preservar e incrementar a diversidade biológica (BALLÉ, 1993; ASCHER, 1995), na medida em que as florestas oferecem alimentos, combustíveis, medicamentos, madeira e outros produtos que assegurando valor de uso pelos grupos sociais também garantem as trocas para fins comerciais (PEREZ, 1999).

As características físicas, climáticas e biológicas presentes nas ilhas de Belém apontam um universo de possibilidades para o trabalho e a cultura. Que segundo o processo de produção e reprodução dos recursos naturais, o que ocorre no local segue as tendências identificadas na Amazônia em geral, com possível interferência paleoindígena segundo Simonian (2004, p.5; apud Balée 1983; Posey; Balée, 1989). O mesmo pode ser dito no que concerne a conservação desses recursos pela população, que desde a conquista europeia, dominou este espaço. De fato, em relação a este último aspecto, é visível o processo generalizado de destruição e de degradação dos recursos, sendo ainda pequeno o esforço no sentido de conservá-los.

Desde as populações originárias, o extrativismo vegetal e animal e a produção de tubérculos estão presentes na reprodução social da região, sendo alterado com a chegada dos colonizadores, as navegações e o capital comercial. Isto porque as áreas de floresta tropical espalhadas pelo mundo apresentam como uma das suas principais características a presença destas populações existindo com a diversidade vegetal e animal da natureza. Pois,

nos tempos que precederam a conquista europeia, os indígenas provavelmente praticaram a horticultura das terras baixas da Amazônia, com pouco impacto sobre os recursos. Os arqueólogos e os paleobotânicos poderão eventualmente precisar os padrões utilizados nesses ambiente ilhéu especifico, esclarecendo como se formaram os açaizais (Euterpe oleracea Mart) nativos que ali existiram a exemplo de outros paleoindígenas que consolidaram certas espécies, conforme a tese de Posey e Balée (1989), dentre outros estudiosos (SIMONIAN, 2004, p. 5).

Segundo Furtado e Sousa (2006), antropólogos e arqueólogos denominam essa cultura de cultura de floresta tropical, comum inclusive na Amazônia. Salvo as divergências para estes o padrão de ocupação, denominado de floresta tropical, teria sido a adaptação mais efetiva do homem ao ambiente amazônico. Representado

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Dados da FAO (2007) apontam para aproximadamente seis milhões de pessoas que possuem algum tipo de relação com os recursos florestais para sua subsistência. Dessas, sessenta mil são indígenas que habitam as florestas úmidas da América Latina, em particular da Região Amazônica. Neste sentido, o Brasil pertence ao conjunto de oito países (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela) e Guiana Francesa, que possuem a combinação de diversidade biológica e diversidade étnica cultural como particularidade importante. Apesar, das análises diferenciadas sobre as características e o tamanho da Amazônia na América Latina é possível definir a “Grande Amazônia” com aproximadamente 7.430.785 km² que representa 54% da área total dos países amazônicos e uma população total de aproximadamente 27.979.742 de pessoas (ARAGÓN, 2005).

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principalmente pelo viver das populações originárias, com maiores concentrações populacionais às margens dos rios e o das formas simples de vida social. Confirmadas pelas “prospecções arqueológicas que trouxeram a lume evidências das culturas que se desenvolveram em particular na região do estuário Amazônico”, como nas ilhas do Marajó e das do entorno da cidade de Belém como se pode verificar nas Fotografias 3 e 4.

Fotografias 3 e 4 - Habitação na ilha de Jutuba com açaizeiros no entorno. Fonte: Pesquisa de campo (janeiro, 2013)

Nestes espaços, também faz parte da cultura das populações que habitam e habitaram este território, as práticas de “cultivos de derrubada e queimada”. Em meios

arbóreos variados: floresta densa, floresta secundária, capoeira, savana arborizada etc. São praticados em terrenos previamente desmatados por uma roçada, ou seja, por um abate seguido de queimada, mas sem destocagem. As parcelas desmatadas são cultivadas apenas durante um, dois ou no máximo três anos, raramente mais que isso, e depois são abandonadas ao pousio florestal por um ou vários decênios, até serem novamente desmatadas e cultivadas. Os sistemas de cultivo de derrubada-queimada em meio arborizado, que podemos também chamar de sistemas agrários florestais, são sistemas em que cultivos temporários se alternam com um pousio florestal de longa duração, para assim formar uma rotação cuja duração varia de 10 a 50 anos (MAZOYER, 2010; ROUDART, 2010, p.65).

Sobre a ilha de Cotijuba, em estudos de Pereira (1996) citado por Simões (1983) sobre as formas de povoamento para o estuário amazônico, mostra a presença de caçadores-coletores desde 10.000 a 1.000 anos atrás, cuja cultura se destacava pela caça, a coleta de raízes e frutos, pesca e coleta de moluscos fluviais, além dos artefatos de pedra e assentamentos provisórios a céu aberto com ocupação mais prolongada em grutas e abrigos8. Diz-se que, ao tempo das primeiras ocupações pelos europeus, as terras de Cotijuba eram habitadas pelos Tupinambá, que cedo devem ter sido conquistados, dominados e/ou cooptados até a extinção do grupo no período das conquistas e saques coloniais.

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Vestígios desse passado também foram encontrados tanto no litoral, quanto no Baixo e Médio Amazonas apontando que o homem amazônico teria sido inicialmente um coletor de moluscos, diante da quantidade de moluscos disponíveis tornando o indígena um construtor de sambaquis. A partir do fim do século XVII, a rarefação dos índios no arquipélago interrompeu a expansão anterior da agricultura praticada em parte importante dos seus solos (campos e campinas) férteis. A população foi extremamente extinta, e a obra missionária não deixou outras marcas na ilha. Na extensão do vale amazônico, as missões montaram um sistema agrário combinado com a organização dos índios aldeados em espaços próprios. As aldeias missionárias mostraram-se rentáveis na extração, na agricultura, na pesca, na caça e na criação de gado (ACEVEDO MARIN, 2005).

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Simonian (2004), em trabalho “Gestão em Ilha e muitos recursos, história e habitantes: experiências na Trambioca, Barcarena, PA”, sobre a ilha da Trambioca que compõe a formação do mesmo estuário, chama atenção para uma epidemia de varíola em 1743 que teria atingido toda a região e que os indígenas devem ter se desgastado no trabalho para suprir as demandas dos colonizadores. Os Tupinambá teriam batizado a ilha de Cotijuba cuja denominação segundo Jorge Hurley9 origina-se de dois vocábulos tupis. A-COTI (Cutia) e IUBA (amarela), ou seja, cutia amarela10.

A ilha de Cotijuba, neste sentido é um exemplo típico da formação biofísica do arquipélago de Belém11, entrecortada por igarapés e lagos, possui aproximadamente 8 km de praias banhadas pela água da baía de Marajó conforme se pode observar nas Fotografias 5 e 6, na praia localizada na comunidade do Poção. Estas são intercaladas por rochas de origem cretácea da formação barreiras, e pela mata baixa que avança para as águas. Suas águas apresentam um nível médio da salubridade que se acentua no período de seca amazônica ou estiagem das chuvas (SÁNCHES, 2005).

Fotografias 5 e 6 - Praia na ilha de Cotijuba, à frente à direita a ilha de Paquetá e à esquerda, a ilha de Jutuba. Fonte: MMIB (2013)

O ambiente insular de Belém quanto à fertilidade do solo aponta que na ilha de Cotijuba existe a presença de Latossolo Amarelo apropriado à agricultura. As ilhas de Belém apresentam na sua maioria um território com predominância da várzea, cuja vegetação se condiciona como adaptada ao local. As ilhas de Jutuba e Paquetá localizadas no entorno de Cotijuba, assim como esta, também apresentam vegetação

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Historiador e magistrado, Henrique Jorge Hurley depois de cumprir sua carreira militar de 1898 a 1907, foi juiz substituto da Comarca de Baião e Marapanim/PA. Tornou-se promotor público de Curuçá, Macapá e Vizeu/PA, foi também juiz de Direito da Comarca de Afuá e Breves/PA e por último desembargador do Tribunal do Estado do Pará em 1934. Foi também membro da Academia Paraense de Letras e sócio-correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto Histórico do Ceará, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte e de São Paulo. Dentre suas obras: “A Cabanagem, Traços Cabanos, e História do Brasil e do Pará” são as principais. Faleceu em 1956 (ROCQUE, Carlos. Depoimentos para a História Política do Pará. Belém, Mitograph, 1981. p. 865) em Guimarães (2012) no trabalho intitulado “Amazônia no domínio das águas: Hurley e a Revista do Instituto Histórico do Estado do Pará”.

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Cutia - do Tupi Guarani a-coti = indivíduo que se assenta para comer. Nome popular de um animal mamífero, herbívoro, roedor, de pequeno porte, medindo de 50 a 65 cm de comprimento. Não possui cauda e tem pés compridos, com 5 dedos providos de unhas afiadas. Existem 7 espécies de cutia que ocorrem no território brasileiro. Fonte: Dicionário de Palavras Brasileiras de Origem Indígena - Clóvis Chiaradia. Disponível em: http://dicionariotupiguarani.blogspot.com.br/2012/08/cutia.html

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A ilha tem sido objeto de vários estudos científicos básicos como os de Barros da Rocha que no ano de 1999 identificou 31 espécies de morcegos na ilha e 8 pouco conhecidas pela ciência, [...] que mostram que apesar de estar a escassos 9 km da área metropolitana de Belém e de ter alto adensamento humano (216,6 hab./km²) apresenta interesse para a pesquisa biológica e de biodiversidade principalmente quando de explorar as inter-relações entre a sociedade e a diversidade biológica (SÁNCHES, 2005).

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semelhante com a presença de açaizais nativos e manejados. Além de espécies como siriúba, andiroba, faveira, buritizeiro, mututi, aninga, mangueiro, seringueira, assacu, acapurana, paxiúba, murumuru, virola, mungubeiro, fruta-pão, miritizeiro e unha de gato e também plantios de cacaueiro, cupuaçuzeiro, taperebá nativo e coqueiro (SILVA, 2010, p. 59).

2.1.1 O estuário amazônico e o colonialismo mercantil no contexto da Ilha de Cotijuba

No que diz respeito à perspectiva histórica, antes da chegada dos portugueses no estuário amazônico nos séculos XV e XVI, mais exatamente em 1616, com a fundação da Cabeça Feliz Luzitânia, várias tentativas de ocupação europeia se sucederam por disputa dos produtos da floresta definidos como “drogas do sertão”. A região do estuário em torno do Pará e Amapá foi foco privilegiado das ações coloniais. No entanto, a ocupação estrangeira ocorre de fato com a chegada dos portugueses em 1616 quando se desencadeia um longo processo de “caldeamento e de mestiçagem à sombra dos fortes, feitorias e missões religiosas”. Neste período cresce uma população variada de povos originários catequizados, mercadores portugueses e colonos, que mais tarde, seus descendentes recebem a denominação de tapuios12.

Em 1617, segundo Acevedo Marin (2005), os povos originários das aldeias do Caju e Mortiguara (nome antigo da baía de Marajó), sublevados, foram atacados por Francisco Caldeira, enquanto os Tucuju, localizados na costa de Macapá, acusados de alianças com os holandeses, foram ferozmente combatidos. Após vinte anos de luta dos índios contra os colonizadores, a paisagem humana mudou por completo. As ilhas da foz do Amazonas e de Gurupá transformaram-se no palco de batalhas entre portugueses, holandeses, ingleses e irlandeses, o que contribuiu para arrasar os antigos habitantes do delta.

Na várzea, onde o povoamento indígena havia desmoronado, surgiram os sítios da ocupação do século XVIII13, para instalar novas vilas, organizar os primeiros colonos e a agricultura. Uma segunda zona importante situou-se na parte mais setentrional do delta, compreendendo a região de Macapá e a área mais meridional, circundando Belém, espaço reconhecido pelas excelentes terras agricultáveis. “Quando nas primeiras sesmarias distribuídas entre os colonos da comarca de Belém, começou o plantio da cana-de-açúcar, a instalação de engenhos e o cultivo de mantimentos”.

Desta forma se processa a constituição de população marcadamente mestiça, cujo povoamento embrionário se estende pela região marginal à calha amazônica, e cuja dinâmica crescente envolve outros contingentes chegados mais tardiamente dada

12 “As formas de organização pré-capitalistas eram baseadas no trabalho nômade, essencial à vida na

floresta. Desta maneira, o confronto com o colonizador produziu os conflitos com os filhos da terra que não aceitavam, de modo algum, a condição de subordinados. Assim, a tentativa de fixação do trabalho foi constantemente bloqueada pela recusa ao trabalho dependente. No entanto, o movimento interno de resistência do dominado é, muitas vezes, obscurecido para mostrar apenas o lado positivo da expansão colonialista no Novo Mundo” (BARBOSA, 2003, p. 55).

13

Na segunda metade do século XVIII a região paraense se transforma progressivamente em centro exportador de produtos florestais: cacau, baunilha, cravo, resinas aromáticas. A colheita destes produtos dependia da utilização intensiva de mão de obra indígena (FURTADO, 1920-2004, p. 110).

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a intensificação da presença da mão-de-obra escrava na formação da sociedade colonial no estado do Pará14. Principalmente a partir do período pombalino (1755 a 1764)15 na segunda metade do século XVIII, quando concomitantemente a formação de estruturas camponesas e da montagem de empreendimentos agrícolas com base no trabalho escravo, foi intensificado o tráfico de pessoas do continente africano, a comercialização de gêneros e a construção de obras de infraestrutura para a produção (CASTRO, 2006, p. 137).

Observado também em Sanches (2005) ao mencionar Meira Filho (1973) quando analisa o movimento de exportação do porto de Belém em 1784, indicando os gêneros exportados e suas quantidades com destaque também para o arroz.

Arroz, cacau, café, salsa, cravo fino e grosso, samaúma, urucu, chocolate, sebo, algodão, óleo de copaíba, mel de abelhas, azeite de andiroba, aguardente, farinha, tapioca, polvilhos, carima, castanhas, gergelim, couros, borracha, tábuas (aduelas, consoeiras, pranchas, toros, varais, ripa etc.) e madeiras especiais enviadas para o Arsenal de Lisboa. Na época existiam 12 seges, 7 engenhos de descascar arroz, algumas máquinas de descaroçar e fiar o algodão e um carro de transporte pesado sendo que o restante da carga era transportada com braços humanos. Refere-se Rodrigues Ferreira a falta de artesãos e de locais de comércio como praças de mercado, açougues, peixaria ou outro local de troca e de fixação de preço. Segundo Rodrigues Ferreira a população de Belém em 1783 era de cerca de 11000 almas, entre brancos, índios e pretos de ambos os sexos, e desde a idade de 1 a 7 anos até 90 anos (SANCHES, 2005, p. 128).

A primeira descrição do estuário amazônico e seus arredores teria sido, segundo Sanches (2005), a partir do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira em sua Viagem Filosófica pelas Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (1783-1792), onde mostrava ser conhecedor da economia local, alertando que a exploração de determinadas espécies vegetais como o cacau que poderia chegar à exiguidade caso continuasse em ritmo acelerado como acontecia nas vilas de Cametá e outras deste estuário. Assim, a composição social, política e cultural com a chegada dos colonizadores esteve diretamente associada a demandas pelos produtos da natureza ou mesmo pela introdução de novas culturas como a do arroz (Oryza sativa).

2.1.2 O moinho de arroz (Oryza sativa) na Ilha de Cotijuba - 1784

Cotijuba, uma das poucas ilhas da cidade de Belém com áreas de terra firme, apresenta de acordo com Guerra (2007), uma vegetação secundária em grande parte substituída por plantas úteis desde o século XVIII, quando um moinho de

14 “A alternativa colonialista buscava a superação da identidade selvagem, portanto, suprimir a liberdade

de ir e vir, criando um obstáculo colossal que somente o milagre dos métodos “civilizados” do colonizador podia ultrapassar. A cooperação exigida pela empresa colonial aos povos autóctones era impraticável, pois para estruturar a economia política do colonizador era preciso ultrapassar o modus vivendi da vida na floresta. O Estado colonial produziu o milagre de “conversão” da liberdade selvagem dos indígenas à liberdade vinculada à cidadania formal dos portugueses, mas isso se deu após um longo percurso” (BARBOSA, 2003, p. 55).

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O período pombalino corresponde aos anos em que o Marques de Pombal exerceu o cargo de I Ministro em Portugal (1750/1777) durante o reinado de D. José I.

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branqueamento16 de arroz (Oryza sativa) indica a existência de atividade agrícola na ilha. A afirmação de Acevedo Marin (2004) contribui ao se referir à dinâmica econômica presente no território estuarino na segunda metade do século XVIII, pois Portugal ensaiou transformar o delta amazônico em um celeiro agrícola17.

Belém nasce na confluência de rios e igarapés. Configuração que constitui espaço de poder e articulação da ocupação portuguesa ao norte, a partir do qual foram se tecendo as redes de ordenamento político-administrativo, catequese associada a exploração do trabalho, e redes mercantis. Essas estruturas desenharam um ordenamento e controle territorial, a partir inicialmente do controle das embocaduras de rios ou igarapés, ou de suas proximidades como forma de viabilizar acesso a novas áreas, a proteção do processo de interiorização e escoamento da produção. E a manutenção das relações inter-étnicas marcadas por alianças e conflitos (CASTRO, 2006; p. 138).

Este período corresponde exatamente à fundação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (final dos anos 70 do século XVIII), cuja política de fomento agrícola “pretendeu criar a possibilidade de inovações na organização da produção da colônia, propondo-se a fortalecer a agricultura e firmar novas bases à ocupação deste vasto território” (CASTRO, 2006, p.146).

As capitanias do Maranhão, Grão Pará e Rio de Janeiro foram três grandes produtoras de arroz do período colonial. Em 1781, todo o arroz consumido em Portugal provinha do Brasil (MARQUES, 1983, p. 436). A rizicultura do fim do século XVIII teve importante crescimento graças aos incentivos da Coroa, ao tipo de isenção alfandegária em vigor entre 1761 e 1804. O decreto de 5 de janeiro de 1761 isentou por dez anos todo o arroz remetido dos portos do Brasil ao Reino (BRASIL, 1928, p. 309-310). Nesse mesmo ano, outro decreto isentou o gênero de qualquer emolumento. Ambos os decretos foram implementados em 1763 e complementados por medidas que asseguravam a introdução dos moinhos de beneficiamento do arroz. Alguns moradores foram beneficiados com a concessão para importar as peças do Reino e também com facilidades de crédito de longo prazo para a compra de escravos africanos. A expansão das exportações desse ramo de cultura alimentícia foi bastante estimulada. De certa forma, essas medidas generalizaram-se nas três capitanias e, no decorrer de sua implementação, fizeram do arroz um produto importante na história agrária do Brasil e do Pará (ACEVEDO MARIN, 2004, p. 81).

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Os problemas e inovações relativos ao descasque do arroz constituem um aspecto interessante na história agrária. Buscava-se uma variedade de cor branca, menos quebradiça na fase do descasque com auxílio de moinho, para aceitação no mercado europeu. No projeto de cultura do arroz, priorizaram-se as técnicas de beneficiamento. O uso das tecnologias de descasque contribuiu para a apropriação de excedentes. As melhorias agronômicas introduzidas e as máquinas inventadas substituíram os antigos pilões, enquanto aparecia outra matéria bruta, os grãos inteiros, brancos, mais resistentes à quebra durante o descasque. Perseguia-se a durabilidade do maquinário. A combinação de novos grãos e máquinas ajudava a reduzir as desvantagens técnicas e podia mudar a posição no mercado. Quem dominava a técnica detinha um poder. Ela foi administrada e monopolizada por seus aperfeiçoadores, os mais próximos da Companhia de Comércio” (ACEVEDO MARIN, 2005, p. 91).

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Carrera (1988, p. 234-236) citado por Acevedo Marin (2005) aponta a importância do arroz no Pará para os anos de 1770-1784, quando ocupou o segundo lugar nas exportações. Ou seja, “Depois de quase um século de presença dos portugueses, iniciou-se o ensaio mais ambicioso de agricultura para aproveitamento do delta e da planície fluvial com o plantio do arroz. Ressalte-se, porém, um dado importante: as civilizações indígenas pré-colombianas dessa zona não foram consumidoras desse cereal. No mundo cultural dos grupos indígenas, o arroz havia ficado de fora de seus hábitos alimentares. Mesmo assim, exploraram os recursos do meio físico por meio de uma diversidade de práticas agroextrativas. Na várzea essas práticas permitiram-lhes atingir níveis elevados de população e criar uma organização social complexa. Durante a fase pré-colombiana, os índios Inhengaibas e Aruans, dois dos grupos mais numerosos, concentraram-se na ilha de Marajó; ali recriaram uma cultura agroalfareira diversa e de riqueza notável, com a fabricação de cerâmicas. A agricultura consistia na preparação de terras para o cultivo de tubérculos, associada à colheita, caça e pesca” (ACEVEDO MARIN, 2005, p. 76).

Referências

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