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3 DESENVOLVIMENTO, MULHERES, TRABALHO E GÊNERO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

3.2 Mulher, trabalho, gênero e patriarcado

Segundo Muraro, Boff (2010) neste período da história da humanidade a natureza não é vista como um ser a ser conquistado, mas como uma totalidade da qual cada ser humano é parte e parcela e com a qual deve viver em harmonia, no respeito e na veneração. As instituições do matriarcado são caracterizadas por grande força

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O feminismo é a principal ferramenta que permite fazer uma leitura da realidade das mulheres. Apesar das diversas abordagens desenvolvidas sobre trabalho (Paulilo, 2004), nas últimas décadas houve um deslocamento do interesse do feminismo (seja em razão das prioridades do movimento de mulheres, seja em razão da agenda de pesquisa) para temas vinculados a identidade, reconhecimento, direitos reprodutivos e participação política. A nosso ver isso foi provocado por um processo de institucionalização do movimento feminista e pela subordinação à agenda do sistema ONU nos anos 1990. Se essa foi uma vertente hegemônica que ganhou força coincidentemente com o auge do neoliberalismo, não é menos verdade que uma visão crítica se manteve e desenvolveu em setores mesmo que minoritários e invisibilizados, que teriam um papel-chave no ascenso da resistência e retomada de uma perspectiva de luta. (FARIA, 2011).

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Toda e qualquer relação de gênero supõe uma relação de poder, onde um dos atores envolvidos será subjulgado. Para, “a partir dos ensinamentos de Simonian (2001) reconhecer-se ainda que os assuntos inerentes a questões de gênero refletem uma estrutura hierárquica imposta pela sociedade, o que implica relações de poder permeando os contextos de desenvolvimento” (SILVA, SIMONIAN, 2006, p. 3).

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integradora, e foram tão significativas que se transformaram em arquétipos e em valores, e como tais, deixaram incisões na memória genética até os dias de hoje. Esses arquétipos e valores não pairam num imaginário vazio, mas são calcados sobre fatos históricos e políticos que esclarecem consistência guardada por eles até o presente.

Simone de Beauvoir (1949) foi quem fez desse acontecimento histórico cultural a critica mais radical, pois a mulher representaria um caso particular da dialética imposta pelos homens, a dialética do senhor escravo, impedindo, portanto que ela expressasse a sua diferença e elaborasse a sua identidade. “O homem fez da mulher a encarnação do outro no qual se permite descobrir, confirmar e projetar seu próprio eu. Todas as formas de antifeminismo, antigas e modernas se baseiam nessa dominação do homem sobre a mulher. Suas expressões perpassam todos os níveis sociais e até religiosos, como o cristianismo, constituindo o patriarcado como realidade histórico-social e categoria analítica” (MURARO, BOFF, 2010, p. 52).

Em seu livro clássico “O segundo sexo” introduziu a ideia feminista moderna de que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, ou seja, que as características associadas tradicionalmente à condição feminina derivam menos de imposições da natureza e mais de mitos disseminados pela cultura do patriarcado. Para Stolcke (2004) Simone de Beavoiur foi quem nos ensinou que a opressão da mulher não se deve a fatores biológicos, psicológicos ou econômicos, mas a fusão da explicação econômica e reprodutiva em uma interpretação psicológica de ambas. Ao longo da história a mulher teria sido construída como o “segundo sexo”, “a outra” do homem. Em que tal denominação hierárquica foi uma invenção patriarcal para legitimar a autoridade masculina.

O patriarcado como categoria de análise não pode apenas entendido como dominação binária macho-fêmea, mas como uma complexa estrutura politica piramidal de dominação e hierarquização, estrutura estratificada por gênero, raça, classe religião e de outras formas de dominação de uma parte sobre a outra. Esta dominação plurifacetada construiu relações de gênero altamente conflitivas e desumanizadoras para o homem e principalmente para a mulher (MURARO, BOFF, 2010, p. 52).

Simone de Beauvoir afirma que a humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si mesma, mas em relação ao próprio homem, pois “ele é o sujeito”, “ele é o absoluto” e “ela é a outra”. A obra recebeu muitas críticas principalmente a de que Simone ridicularizava os homens, acusação considerada muito comum quando o assunto é o feminismo. E quando o tema era a sociedade norte-americana da época mais ainda, conforme um crítico estadunidense comentou que era óbvio que a autora “nada entendia da vida” e, além do mais, falava exclusivamente sobre a mulher francesa. Já que a “mulher-problema” deixara de existir na América (BETTY FRIENDA, 1971, p. 20).

Margaret Mead em investigações etnográficas (1920 e 1930) teria introduzido em seus estudos comparativos Sex and Temperament in Three Primitive Societies, mais exatamente em 1935 a ideia revolucionária de que por ser a espécie humana

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enormemente maleável, os papéis e as condutas sexuais variam segundo os contextos socioculturais. E pela primeira vez aparece o termo gênero, quando esta faz uma comparação das concepções acerca do que significa ser mulher e ser homem em sete sociedades do Pacifico Sul com as ideias que prevaleciam na sociedade norte- americana contemporânea (STOLCKE, 2004, p. 82) e constata que

cada uma das tribos (em Nova Guiné) tem, como toda sociedade humana, o elemento da diferença sexual para usa-lo como tema no argumento da vida social e cada um desses povos tem desenvolvido esta diferença diferentemente. Ao comparar a forma como dramatizaram a diferença sexual, é possível ampliar nossos conhecimentos sobre quais elementos são construções sociais, originalmente irrelevantes quando sobre os aspectos biológicos de sexo-gênero (STOLCKE, 2004, p. 82).

O termo gênero aparece, no entanto, ainda de forma pouco clara para os acontecimentos da época. As mensagens feministas de Simone de Beavouir e de Margaret Mead teriam passado não o bastante despercebido até que surge o movimento feminista internacional. No final dos anos 1960 as mulheres, acadêmica feministas começaram investigar as raízes da condição da mulher como “segundo sexo”. E fixaram na antropologia a fonte de informação sobre as circunstancias, experiências e experimentações femininas em contexto, social, político e econômico diverso, buscando principalmente evidencias sobre sistemas sócio-politicos igualitários.

Em meados dos anos 1970 muitas destas antropólogas feministas possuíam atuação no movimento estudantil dos EUA e se propuseram a criar “uma antropologia das mulheres” se voltando a escutar as vozes silenciadas destas e prestaram especial atenção aos domínios e às representações simbólicas da feminilidade, cujo objetivo principal foi descobrir e teorizar a origem da subordinação das mulheres, porém seus enfoques divergiram. Estas assumiam a mulher como sujeito das investigações que pretendiam explicar o escasso protagonismo e valor da mulher na sociedade analisando os papéis e as diferenças sexuais desde a comparação intercultural típica da Antropologia.

El término género ha sido clave en la teoría y política feministas desde los años 1970s en su combate contra el sentido común sexista y androcéntrico que prevalece en la sociedad y en la academia occidentales. Se trataba de demostrar que “la biología no es destino” sino que las identidades socio-simbólicas que se asignan a las mujeres en sus relaciones con los hombres en la organización de la vida en sociedad, al ser culturales, son variables y, por lo tanto, aptas de ser transformadas. Los debates epistemológicos que provocara el concepto de género estarán vinculados a la oposición convencional entre naturaleza y cultura, que las teóricas feministas acabarán por transcender.

Segundo Stolke (2004), Marcel Mauss (1938) já havia mostrado em seu artigo clássico que a concepção da “persona” era só em aparência evidente e natural. Era na realidade um artefato de uma larga e diversa história social. Ao ser constituído pelas forças que exercem a sociedade e estar estranhamente vinculada com a organização social, a categoria de pessoa era, portanto, moral e jurídica e consequentemente

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variável segundo um contexto sociocultural. A fronteira entre o material e o cultural se quebra analiticamente a partir de Mauss e Levi Strauss que resumem a ideia de que a diversidade cultural e consubstancial com a condição humana na sua célebre frase “a cultura é a natureza humana”.

Mauss se inspiró en el análisis sociológico de las representaciones y clasificaciones sociales iniciado por Durkheim y anticipó así lo que hoy se entiende por la desconstrucción de categorías sociales básicas tales como el individuo, las técnicas corporales, incluso el sexo. Pero la “pequeña diferencia” – como Alice Schwarzer ironizó la diferencia entre mujeres y hombres en los años 1960s – y sus grandes consecuencias socio-políticas, brillaron, no obstante, por su ausencia en todas las tradiciones antropológicas. Los antropólogos centraron sus análisis en la persona, el individuo, sobre-entendidos como categorias socio-culturales universales, mientras que las mujeres, si acaso aparecían, lo hacían no como personas sino apenas en tanto que destinadas inevitablemente a ser esposas, hermanas, hijas intercambiadas por sus hombres como es, por ejemplo, el caso en la abundante bibliografía que generó la pasión antropológica por el estudio de los sistemas de parentesco. Serán las militantes feministas y sus denuncias de la opresión y discriminación de las mujeres y las revisiones históricas, etnográficas y teóricas de las investigadoras feministas quienes a lo largo de las siguientes cuatro décadas se encargarán de demostrar que no sólo el hombre es una invención, también lo es la mujer (STOLKE, 2004, p. 79).

Desta forma, para Stolcke (2004) foi o “feminismo socialista anglo-saxão” que abordou a condição das mulheres na sociedade ocidental desde a crítica política da dominação masculina e das ideologias sexuais que a legitimam. A causa da opressão das mulheres não estava nelas mesma, senão, se devia ao poder exercido pelos homens em uma trama de relações politicas. Foram estas feministas que introduziram o conceito de gênero no seu controvertido sentido atual, precisamente para desmascarar os difusos e tão difundidos determinismos biossexuais que legitimam a dominação masculina (STOLCKE, 2004, p. 82).

A palavra Gênero (gender em inglês) foi introduzida realmente no século passado, e segundo Muraro e Boff (2010) a partir da década de 1980, especialmente pelas feministas da área anglo-saxã, como um avanço nas discussões anteriores que se firmavam nas diferenças entre os sexos e os princípios masculino/feminino, passando ao largo da questão de poder que subjaz do foco masculino – androcentrismo – de quase todas as formulações teóricas e das iniciativas práticas concernentes ao tema homem/mulher. Pois, não basta apenas constatar as diferenças, é imprescindível considerar como elas foram construídas de forma social e cultural. “Em particular, como se estabeleceram as relações de dominação entre os sexos e os conflitos que suscitam; a forma como se elaboraram os distintos papéis as expectativas, a divisão social e sexual do trabalho; como foram projetadas as subjetividades sociais e coletivas” (p.15). A visão andocêntrica e sexista deve ser analisada no bojo das contradições do modelo de produção considerando o que para Scott (1995) apud Santos & Silva (2010) gênero deve ser tratado como fenômeno histórico, isto é algo socialmente construído, através da relação social do masculino e do feminino. Que faz do “gênero” uma categoria útil de análise, pois, permite a distinção entre o papel sexual (biológico) pré-estabelecido às

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mulheres e aos homens, à medida que propicia a compreensão por meio do conhecimento histórico de como ocorre o processo de produção e reprodução da situação da mulher.