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Mulher e trabalho no contexto amazônico da cidade de Belém: uma introdução

3 DESENVOLVIMENTO, MULHERES, TRABALHO E GÊNERO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

5 O PROTAGONISMO DAS MULHERES DO MOVIMENTO DE MULHERES DAS ILHAS DE BELÉM (MMIB)

5.1 Mulher e trabalho no contexto amazônico da cidade de Belém: uma introdução

A cidade de Belém apresenta certa peculiaridade em relação a outras regiões do país (como a região sul e sudeste), pois, trás na sua trajetória econômica a natureza extrativista exportadora de matéria prima, para empresas nacionais e internacionais na fase mais avançada do desenvolvimento das forças produtivas do capital, assim como na fase da sua acumulação primitiva, ainda que esta seja pouco mencionada nos livros de economia sobre a região. Esta realidade segundo Carvalho (2006) apud Silva e Santos (2010), ainda hoje apresenta traços marcantes, de uma economia extrativista, denominada “drogas do sertão”, no período colonial, ou seja, extração das árvores, arbustos e ervas, coletas de produtos e matéria prima, o apoderamento da diversidade biológica da Amazônia. Como já se fez menção ao se referir à ilha de Cotijuba e a economia mercantil do estuário amazônico.

A mão-de-obra utilizada neste período, como também já se salientou, foi o trabalho servil do indígena e posteriormente a mão de obra escrava que contribuíram significativamente para a formação de uma sociedade camponesa e paraense, denominada por muitos autores de campesinato caboclo. A sociedade belenense possui na sua formação social até certo ponto os entrelaces com a formação da sociedade brasileira nas diferentes fases do período colonial, cujas bases institucionais da dominação patriarcal são o grupo doméstico rural e o regime da escravidão, presente nos engenhos de cana de açúcar e arroz, além das atividades de extrativistas. No entanto, devido a presença do rio e da floresta, além de questões políticas e econômicas a província do Grão Pará-Maranhão manteve certo distanciamento do restante das regiões do país, salvo as exceções conhecidas nas cartas dos viajantes.

Nas palavras de Velho (1976) a vida econômica no vale amazônico é claramente “primitiva” e estagnada quando comparada a outras regiões do país no início do século passado. Até recentemente esta não fazia parte das políticas públicas implantadas no país. A Amazônia passara ao largo no que diz respeito a sua existência para o Brasil e para o mundo, com exceção do curto espaço de tempo de reconhecimento devido à atividade da borracha (VELHO, 1976).

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A economia extrativa vegetal desempenhou um importante papel na formação social e econômica da Amazônia65, no entanto os enfoques sempre foram de caráter descritivo e não analítico. Estes considerados “ciclos” foram dominados pelo capital industrial. A “batalha da borracha” foi a primeira tentativa para se alcançar o desenvolvimento da região através do planejamento regional. Todavia, os equívocos ao tentar repetir o célebre período do surto de prosperidade da borracha, perpetuaram a mentalidade baseada na extração de produtos florestais, que praticamente foi responsável por estagnar a região66 (MAHAR, 1978). Mas, esse contexto, como afirma Castro (2006), e não se pode esquecer, é de uma economia que alimenta e tece laços com o mercado, mesmo em continentes tão distantes. Das “drogas do sertão” à borracha, ao pescado, às banhas, à madeira, ao minério e outros produtos da economia dos recursos do território, ela esteve sempre presente nas estratégias de desenvolvimento das cidades e nos povoamentos da Amazônia.

Na contextualização histórica pode-se afirmar de acordo com Homma (1992) que até 1953 a economia amazônica era essencialmente extrativista, uma vez que mais da metade da renda do setor primário provinha do extrativismo vegetal. A região amazônica historicamente teve sua presença garantida no cenário mundial graças aos recursos que puderam ser extraídos da floresta. É possível identificar entre os produtos que foram, ou ainda são importantes para economia regional, o cacau (Teobrama cacau), a borracha (Hevea brasiliensis), a castanha-do-pará (Bertholletia excelsa) e a madeira, além das fibras, sementes, gomas não elásticas, medicinais e tóxicos.

As políticas desenvolvimentistas de integração da Amazônia aplicadas pelo Estado que se iniciam sob o lema de “segurança e desenvolvimento” são responsáveis por assegurar as condições necessárias para ocupação e a expansão econômica por meio das empresas com exploração do trabalho e rompimento de determinados modos de produção com a desapropriação e reapropriação de terras, além do esmagamento da base populacional indígena (CARDOSO; MULLER, 1977). Mudanças de caráter social, político, econômico e ambiental ocorrem com objetivo de propiciar a expansão do capitalismo na mais recente fronteira do país, ou parafraseando Martins (1981) a “ultima fronteira”67

. O que posteriormente nota-se uma reestruturação da economia, pois atividades de subsistência, de base camponesa passam a conviver lado a lado com uma economia extrativista comercial, baseada, na castanha, pecuária de corte e pastos naturais (CARVALHO, 2006, p. 491).

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As cidades de Belém e de Manaus.

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São desse período o Plano de Valorização Econômica da Amazônia (PVEA, de 1953), o Programa de Emergência (1954) e o Primeiro Plano Quinquenal da Amazônia (1955-60). A implantação dos primeiros experimentos de silvicultura tropical do Brasil, na Estação Experimental de Curuá-Una, (Santarém) e as florestas Nacionais de Caxiuanã e Tapajós, todas no estado do Pará são desse período (ARIMATEIA, 2001). Este momento corresponde à fase anterior aos grandes projetos de desenvolvimento.

67A abertura das “fronteiras agrícolas amazônica” se deram com a implantação de projetos de

colonização de reforma agrária, sobre o molde horizontalizado de ocupação e a implantação dos grandes eixos rodoviários para estimular a mobilidade e a circulação de pessoas e mercadorias (SIMONIAN, 2007; CASTRO, 2005).

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A instalação dos grandes projetos68 com a implicação da “modernização amazônica” segundo D’INCAO (1997, p. 352) apud Santos Silva (2010) é responsável por provocar uma acentuada população com as dificuldades de emprego e de acesso aos equipamentos coletivos, como saúde, escola e bens em geral. Ou seja, é necessário,

(...) interpretar os processo de urbanização na Amazônia e a relação entre desenvolvimento capitalista e a precarização dos direitos à cidade (....). Sendo necessário também entender as lógicas, as instituições e os processos que determinam o mundo real e sobre o qual estes temas se referem. Pois, o debate intenso, da última metade do século passado, sobre a teoria marxista e as categorias de interpretação por ela consagrada orientou o entendimento dialético de processos ligados à lógica de acumulação e da concentração de capital. Como também o papel da relação trabalho-capital em uma sociedade na qual o trabalho assalariado sofreu grande impacto como estruturador das relações societais. O mundo enfrenta outro e novos problemas, mas as lógicas que presidem a monopolização do capital, divisão internacional do trabalho e o acesso aos benefícios do desenvolvimento permanecem como modelos de ação e, consequentemente influenciam a realidade das cidades (...) Questões portanto, importantes para o entendimento das cidades da Amazônia. A associação da industrialização e da urbanização próprios do modelo de urbanização da Europa mostrado por Castells (1997),mostrado em seus estudos sobre o fenômeno urbano, é também um fenômeno ocorrido no Brasil, em regiões que se industrializaram nos anos de 1950 em diante, mas não pode servir de fundamentos de esquemas analíticos aplicáveis as cidades da Amazônia. Isso em face as várias características relativas as dinâmicas sócio-economicas, demográficas e étnicas da região e à informalidade dos processos de trabalho, levando a população a ter um padrão de espacialidade menos concentrado. A urbanização expressa outras interfaces históricas nem sempre contempladas nas pesquisas (CASTRO, 2006, p. 15/16).

As cidades ainda segundo Castro (2006), expressam por excelência, na sociedade moderna, os processos de acumulação e de concentração de capital e a precarização crescente das relações de trabalho que aprofundam e atualizam as contradições entre capital e trabalho. Ou seja, a cidade é o espaço mais visível e concentrado das diferenças de classes e das contradições sociais segundo Castro (2006) parafraseando Lefebvre (1974).

Entre estas contradições se destacam no caso das cidades amazônicas as concepções acerca do trabalho formal e informal, na produção e circulação de riquezas na economia capitalista. Existem estudos pioneiros sobre a relevância do setor informal na reprodução das condições de vida, nas áreas urbanas, em especial nas grandes cidades. No Brasil, quase 60% da população economicamente ativa encontra-se em situação próxima da informalidade (ANTUNES, 2008, p. 08).

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A intensificação da exploração dos recursos naturais avança com elevados investimentos em pesquisa por parte das empresas nacionais e internacionais facilitados por concessões de alvarás de pesquisa e lavras. Que avançam para o surgimento das metalúrgicas e investimentos em infraestrutura (estradas) e à atividade agropecuária ligadas a grupos econômicos nacionais e internacionais que se beneficiam da concentração de terras e incentivos fiscais para dar início a “industrialização” vinculada às economias das grandes potencias ocidentais. Toda essa realidade e a medida que eram “descobertas” novas possibilidades de exploração dos seus recursos madeireiros e da diversidade biológica tornou motivo de interesse, tanto por parte do capital quanto do estado. O que levou a uma corrida nestes espaços por trabalho e desencadeou o inchaço/migração nas cidades, consequência da instalação dos grandes projetos.

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Uma significativa parte da população que vive nas cidades da Amazônia mantém processos de trabalho que decorrem de uso da floresta com expressivo número de produtos transformados com o trabalho com a madeira, frutas, ervas e sementes. Outras formas de trabalho, ocupam pessoas na pesca marinha e fluvial, ou ainda, o artesanato que serve ao comércio nas cidades – uso talvez mais generalizados – mas, também, aos rituais e festas, às trocas simbólicas, entre comunidades, cidades, e parentelas distantes (...) Muitos trabalhadores que associam sistemas agroflorestais – extrativismo- agricultura – dependem também da biodiversidade da floresta na realização do trabalho e continuidade de sistemas tradicionais de uso da terra. A cidade é o mercado de destino de parte importante dessa produção (...). Em geral são processos de trabalho não reconhecidos como monetários, ou só parcialmente, embora gerem importante fluxo de renda na economia local e regional (CASTRO, 2006, p. 35).

Portanto, pode-se afirmar, conforme Sena (2002), que o sistema capitalista se desenvolve de forma diferenciada em cada formação social dependendo do período histórico e das especificidades locais existentes. O mundo se depara com novos problemas, mas de certo no que diz Castro (2006), as lógicas que presidem a divisão internacional do trabalho e o acesso aos benefícios do desenvolvimento permanecem como modelos de ação e consequentemente estão presentes na realidade das cidades e no rural, e particularmente em Belém, nas áreas de ocupação de habitats com associação floresta-rio, que permeiam a vida da cidade e de seu entorno (CASTRO, 2006).

Silva (1999) dá atenção para o que há de novo no chamado meio rural brasileiro e diz que na verdade está cada vez mais difícil delimitar o que é rural e o que é urbano. Mas isso que aparentemente poderia ser um tema relevante, não o é: a diferença entre o rural e o urbano é cada vez menos importante. Pode-se dizer que o rural hoje só pode ser entendido como a emergência de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avançadas – o rural como espaço singular e de atos coletivos. Um “continuum” do urbano do ponto de vista espacial e do ponto de vista da organização da atividade econômica uma vez que, as cidades não podem mais ser identificadas apenas com a atividade industrial, nem os campos com a agricultura e a pecuária (Wanderley, 2000).

No rural amazônico, particularmente, esta realidade se apresenta ainda mais complexa do ponto de vista das relações sociais de produção no território, cujos espaços se apresentam voltados às atividades de agropecuária e industrial em expansão que contribuíram com um forte aumento populacional nas ultimas décadas.

Desta forma, dado o crescimento populacional nas cidades amazônicas em função de fatores não tão semelhantes ao do centro sul, ao analisar o mercado de trabalho brasileiro segundo Silva e Santos (2010) e em especial o da cidade de Belém, pode-se observar fenômenos próprios da contradição trabalho e capital no contexto das políticas desenvolvimentistas, como uma oferta de mão de obra maior do que os empregos/trabalhos disponíveis, isso vale dizer como aponta Castro (2007, p. 36). São categorias, ainda relevantes para o entendimento das contradições urbanas, para a Amazônia, como as lógicas do conflito e suas consequências. Observa-se o aumento

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da violência, da desigualdade, da precarização do trabalho e da exclusão social, sobretudo nas áreas urbanas.

(...) o contexto do trabalho, pode-se constatar que a exploração e a exclusão do mercado de trabalho são consequências da forma como a sociedade se organiza para produzir e distribuir os resultados do trabalho desenvolvido. “Segundo Sena (2002), o mercado de trabalho recebe influencia tanto de fatores econômicos como também da força dos movimentos sociais organizados, os dois conjuntamente implicam no processo e desenvolvimento do mercado de trabalho. Ao acontecer a exclusão do cidadão do mercado de trabalho, ele pode sofrer limitações de seus direitos, de segurança socioeconômica, mas também restringir consequentemente e fortemente sua auto-estima, uma vez que este se sentirá incapaz de prover suas necessidades básicas” (SILVA; SANTOS, 2010, p. 28).

Para Antunes (2008) é preciso indicar que a “classe trabalhadora compreende a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho, a classe que-vive-do-trabalho e que são despossuídos dos meios de produção”, ou seja, disponibilizam sua força de trabalho ao grande capital. Sobre esta lógica são homens e mulheres que das diversas ocupações e que não possuem meios de produção tendo apenas que vender sua força de trabalho (incluindo tanto o trabalho produtivo quanto o improdutivo), submetendo-a muitas vezes a trabalhos precários como alternativas de sobrevivência. Sendo que a mulher trabalhadora sofre duplamente o ato laborativo, na medida, em que ela se faz presente tanto no espaço produtivo quanto no reprodutivo, pois as mulheres além de atuar nos espaços públicos, fabril e de serviços, ela realiza centralmente as tarefas próprias do trabalho doméstico, garantindo a esfera da reprodução societal, esfera do trabalho não diretamente mercantil, mas indispensável para a reprodução do sistema de metabolismo social do capital.

A feminização do mundo do trabalho como é considerada, apresenta acentuado crescimento expressivo da inserção das mulheres na esfera produtiva que ocorre com a entrada e o crescimento da mulher no mundo do trabalho, através da reestruturação produtiva e responsável por imprimir um traço marcante sobre as transformações em curso no interior da classe trabalhadora. Este fato se expande no Brasil, entre as décadas de 1920 e 1980, acompanhadas do processo de industrialização e urbanização. Em que segundo os dados demográficos até a década de 1940, a grande maioria da população do Brasil, estava no campo e somente no censo de 1960 é que se vai observar uma transformação extraordinária segundo Castro (2006), no movimento demográfico, segundo fluxos migratórios do campo para as cidades e o processo definitivo de urbanização69.

Adverte-se que consequentemente a mulher é quem sofre mais com essa situação, da dificuldade de inserção no mercado de trabalho. São restritos a elas os lugares de trabalho acontecendo então uma acentuada precarização do trabalho feminino e quase sempre com pouca proteção social (SANTOS e SILVA, 2010, p. 29).

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Segundo Castro (2006, p.21), a partir da segunda metade do século XX, o estado foi o principal responsável na definição e estratégia de intervenção no território amazônico, com consequência sobre a urbanização.

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Destaca-se que este processo de feminização do mundo do trabalho na região amazônica no bojo das contradições do capital e trabalho imprime sobre a condição da mulher trabalhadora uma realidade ainda mais complexa e ambígua. Pois, ao mesmo tempo em que a economia extrativista foi e é a base da economia regional perpetua e fortalece relações de trabalho contraditórias e ambíguas do ponto de vista das análises clássicas. Com o avanço da fronteira pelo capital nacional e internacional, a economia considerada de enclave70 se torna a base produtiva que obriga a deparamo-nos com a formação de uma classe trabalhadora denominada de “proletarização passiva”. Ou seja, a ideia de que não ocorreu na região um processo de assalariamento no mercado formal, assim como, no contexto do estado a incidência de uma forte industrialização e claro um exército industrial de reserva, pois o setor econômico não se mostrou tecnologicamente tão desenvolvido. O que gerou no mercado de trabalho regional, uma reserva “gratuita de dominação” (idem).

Nesta perspectiva, o desemprego atinge ambos os sexos, sendo que as mulheres enfrentam maior dificuldade de encontrar trabalho, menor remuneração, dupla jornada de trabalho, forte discriminação através da vinculação ao papel da maternidade – gestação e criação dos filhos (SANTOS; SILVA, 2010, p. 30).

As mudanças estruturais nos últimos 50 anos alteraram significativamente a paisagem, o uso do território e a dinâmica populacional na região, contribuindo ainda mais para as contradições no mercado de trabalho regional. Simonian (2005) ao se referir à história recente da maioria das mulheres da Amazônia brasileira, que vivem uma realidade predominantemente rural, aponta algumas evidências nos projetos coloniais e pós-coloniais, e no marco do colonialismo interno, precisamente, bem como nas dinâmicas socioeconômicas e político-ideológicas da região, para que as mulheres continuam sendo tratadas como a “última colônia” como diz Mies et al. (1993). De fato, além de sua colaboração fundamental em termos do processo de reprodução social e biológica, a contribuição das mulheres nos processos de produção agrícola, extrativista e artesanal local tem sido apontado.

As análises recentes do censo demográfico brasileiro (IBGE, 2010) demonstra que o aumento total do contingente populacional em 50 anos (1960-2010) foi de 488,81%, sendo que a população urbana no Pará cresceu 823,18% e a rural 259,65%. O estado apresentava em 1950 um numero de 59 municípios, passando para 143 em 2010. Cerca de 20% da população domiciliada no estado é composta por pessoas não naturais dessa unidade da federação, as populações absolutas paraenses, em 2010, somaram 7.581.051 habitantes, onde 68,48% residiam na zona urbana e 31,52% na zona rural do Estado.

A densidade demográfica equivale a 6,07% hab/km², sendo 49,59% de mulheres e 50,41% de homens. O perfil etário, encontrado no censo, foi de uma população

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Autores de varias linhas de pesquisa e estudo associam as transformações ocorridas intensivamente na região Amazônica ao papel na divisão internacional do trabalho que esta imprimiu nas alterações de uso dos espaços e do território como um todo.

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jovem, onde a maioria possuía menos de 40 anos (75,58%). A RMB contribuiu com 27,73% da população total estadual e 70,56% de seu contingente populacional estava com menos de 40 anos (IBGE, 2010). O que representa uma concentração populacional nas principais cidades da região, entre elas a capital, Belém, por oferecer possibilidades, mesmo que falsas, de melhores condições de vida em relação às cidades menores e consideradas rurais.

A partir do exposto, verifica-se que se está diante de uma realidade complexa quando o assunto é trabalho e mulheres na Amazônia, pois, historicamente as atividades realizadas pelo campesinato amazônico foram delegadas as análises clássicas de interpretação sobre o trabalho e o capital no contexto da visão eurocêntrica do desenvolvimento, assim como, também a andocêntrica e sexista. As interfaces históricas desta realidade são obscurecidas pela economia de mercado, responsável por considerar as atividades produtivas e extrativistas das famílias camponesas amazônicas e populações tradicionais como práticas “invisíveis” de trabalho e de vida. A lógica e a racionalidade que permeia a produção, a distribuição e o consumo perpassam por relações simbólicas e familiares que priorizam a economia doméstica. A visão do “homus economicus” que visa nas relações a mercantilização do trabalho e da natureza, na lógica do lucro e do mercado, desconsidera e desconsiderou às praticas econômicas desenvolvidas historicamente no rural e no periurbano amazônicos, com destaque para o trabalho também desenvolvido pelas mulheres.

Uma das particularidades que é frequentemente mencionada ao se referir às “populações e comunidades caboclas” – rurais e peri-urbanas – da Amazônia é a diversidade das suas atividades econômicas e suas características adaptativas ao ambiente físico-social e cultural local (MORAN, 1974, 1990; PARKER, 1985; HIRAOKA, 1992). De modo similar a outros grupos de produtores rurais, essas atividades são bastante dependentes do trabalho familiar, no qual, homens, mulheres e crianças tem participação ativa. Entretanto apesar de serem responsáveis de grande parte da produção de alimentos no contexto regional, persiste a invisibilidade econômica, sócio cultural e politica, de grande parte da população rural, cabocla amazônica e do seu sistema de produção agrícola e agroflorestal (...). E “mais invisível” ainda é o papel da mulher, expressa também na pouca produção acadêmica referente ao assunto (SIQUEIRA, 2006, p. 261).

Da mesma forma, o volume e a informalidade do trabalho nas ruas, feiras livres e mercados distribuídos nos bairros de Belém, assim como, nos portos e trapiches, são invisibilizados, salvo a existência de algum trabalho mais independente que aponta estes espaços como importantes circuitos de mercadorias e de trabalho71. Estas, por

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Esta realidade esta diretamente associada a localização estratégica da cidade de Belém, na confluência da Baía do Guajará com o rio Guamá, que possui a configuração marcada pela presença de rios e igarapés, como dinamizadores da vida urbana. O “rio é movimento, é comércio, é sociabilidade”, na síntese de Moreira (1966, p. 63) citado em Silva e Castro (2013, p. 18). A posição de Belém em relação