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3 DESENVOLVIMENTO, MULHERES, TRABALHO E GÊNERO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

3.3 Mulheres e a divisão sexual do trabalho: marxismo x feminismo

Uma das ideias mais absurdas transmitidas pela Filosofia do século XVIII, é a de que nos inicios da sociedade, a mulher teria sido escrava do homem. Entre todos os selvagens e em todas as tribos que se encontram nas fase inferior, média e até em parte na superior da barbárie, a mulher não só é livre, mas também muito considerada” Frederic Engel (1820-1895).

Jean-Jaques Rousseau, no seu livro Emile, conta que este teve dois nascimentos: o primeiro para a natureza, quando saiu do ventre da sua mãe, e o segundo para a cultura, quando começou a estudar. Mas que Sophie, noiva dele, havia tido somente um, o da natureza, pois, desde criança estava sendo preparada para as tarefas domesticas (MURARO, BOFF, 2010, p.187).

Estudos sobre a participação das mulheres nos processos produtivos, e, consequentemente nas relações de trabalho, são bem mais antigos, e do ponto de vista conceitual tem em Marx ([1867, 1885,1894] 1946) e Engels ([1884] 1974) alguns dos que primeiro abordaram estas questões (SIMONIAN, 2004). Neste sentido, a importância conceitual das referências acima, é fundamental para compreender historicamente as relações de desigualdade entre mulheres e homens com o olhar voltado para a divisão social e sexual do trabalho.

A primeira tentativa de se explicar de forma sistematizada, longe dos biologismos, as causas de analisar as condições subalternas da mulher na sociedade moderna, foi realizada por Karl Marx e Frederic Engels. Partindo da premissa de que a condição de dependência da mulher não é fruto da sua natureza feminina e sim o resultado do processo histórico do desenvolvimento das forças produtivas e como consequência deste, da própria evolução da família na obra “A origem da família, da propriedade privada e do Estado” a obra que trata detidamente sobre a opressão feminina Engels, explica esta perspectiva (COSTA, 1998, p. 17) onde nesta também se pode constatar que:

Segundo a concepção materialista, o fator determinante em última instância na história é a produção e a reprodução da vida imediata que, no entanto se apresentam sob duas formas: de um lado a produção de meios de subsistência de meios alimentícios, habitação e instrumentos necessários para isso. De outro lado a produção do mesmo homem, a reprodução da espécie. A ordem social em que vivem os homens de determinada época histórica e de um determinado país está condicionada por esses dois tipos de produção: de lado, pelo grau de desenvolvimento do trabalho e, de outro pela família ENGELS (1820- 1895) (MIORANZA, 2009, p. 13).

Para Engels, segundo Costa (1998), o surgimento da pecuária e da agricultura, e com isso da possibilidade de formação de excedente, foi o passo dado para a propriedade privada. O homem, que pela divisão natural do trabalho na família é a

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figura do responsável, por procurar os alimentos e, portanto, o proprietário dos instrumentos de trabalho para esta atividade e será também o proprietário do novo manancial de riquezas. A mulher, que pela mesma divisão natural, havia ficado responsável pelo trabalho doméstico, estará excluída da acumulação desta nova riqueza. Daí a derrota do direito materno tenha sido um passo, pois o homem desejoso de transmitir sua riqueza a seus descendentes imporá seu domínio sobre a mulher como uma forma de garantir a paternidade do filho.

A derrocada do direito materno foi a derrota do sexo feminino na historia universal. O homem também tomou posse da direção da casa, ao passo que a mulher foi degradada, convertida em servidora, em escrava do prazer do homem e em mero instrumento de reprodução. Esse rebaixamento da condição da mulher, tal como parece abertamente sobretudo entre os gregos dos tempos heróicos e mais ainda dos tempos clássicos, tem sido gradualmente retocado, dissimulado e, em alguns lugares até revestido de formas mais suaves, mas de modo algum eliminado ENGELS (1820-1895) (MIORANZA, 2009, p. 13).

Assim, para Costa (1998) no marxismo clássico, a opressão feminina é fruto da propriedade privada e do consequente papel de mero instrumento da reprodução que a mulher desenvolve dentro da família. Assim,

com a abolição das relações de produção atuais, desaparecerá as comunidades das mulheres que dela deriva... (MARX; ENGELS, 1974, 127) e todas formas de opressão a que estão submetidas. A família burguesa patriarcal além de tornar-se a célula reprodutora da sociedade baseada na sociedade privada (classista) será a condição “sine qua non” para manutenção e perpetuidade, através de gerações da divisão da sociedade em exploradores e explorados. E será, portanto, a instituição que instrumentaliza e mantêm a condição da mulher em toda história dessa sociedade, já que a família evoluiu e se adaptou de forma mais eficiente que as outras instituições aos interesses da classe dominante (COSTA, 1998, p. 21).

Para Cisne (2012) sobre a concepção marxista, a subordinação da mulher é iniciada com a propriedade privada. Com efeito, afirma Moraes ao comentar a obra de Engels: ‘No tocante à ‘questão da mulher’, a perspectiva marxista assume uma dimensão de crítica radical ao pensamento conservador. Em “A origem da família, da propriedade privada e do Estado” à condição social da mulher ganha um relevo especial, pois a instauração da propriedade privada e a subordinação das mulheres aos homens são dois fatos simultâneos, marco inicial das lutas de classes. Nesse sentido, o marxismo abriu as portas para o tema da ‘opressão específica’ [...]. A propriedade, de acordo com a teoria marxista, teria na família o seu “germe”, “onde a mulher e as crianças são escravas do homem”. A escravidão, ainda latente e muito rudimentar na família, é a primeira propriedade (CISNE, 2012).

Mas, segundo Costa (1998) essa concepção desenvolvida por Engels e Marx, apresentam problemas que favoreceu uma critica profunda, não apenas por parte de teóricas feministas, mas também por parte de antropólogos, historiadores e muitos outros que têm utilizado a perspectiva marxista de análise social. Sendo uma das primeiras criticas a questão da propriedade privada como responsável pela opressão

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feminina. Pois, as experiências socialistas ocorridas na Europa e Ásia, nos últimos “70 anos, apesar da abolição da propriedade privada e da mudança nas relações de produção, não houve de fato mudanças significativas na condição feminina p.20”. Outro ponto fundamental “é a critica feminista em relação a divisão natural do trabalho na forma apresentada por Marx e Engels”. Pois, segundo Marx na Ideologia Alemã (1846) e Engels na “Origem da família” (1854), a primeira divisão do trabalho na família se dá através do ato sexual e procriação a apontariam como uma divisão natural,

como se o trabalho doméstico fosse inerente a condição feminina, como se fosse um “fato da natureza” e não das relações sociais de produção. Essa premissa de uma divisão natural do trabalho é uma contradição com o próprio materialismo histórico, que define o homem, sua consciência, suas aspirações, enfim, sua vida como resultado do processo de produção de bens materiais, já que é a forma de produzir que determina a vida do homem e não somente a sua natureza (COSTA, 1998, p. 23).

A concepção da divisão natural do trabalho na família como algo natural e inquestionável esta presente na análise que Marx faz sobre a força de trabalho. Pois, a força de trabalho se converte em uma mercadoria, e assim como todas as outras é vendida no mercado por um valor determinado pelo tempo de trabalho necessário para a sua produção, isto é:

o tempo de trabalho necessário a produção da força de trabalho reduz- se, portanto, ao tempo de trabalho necessário a produção desses meios de subsistência, ou o valor da força de trabalho é o valor dos meios de subsistência necessários a manutenção de seu possuidor (MARX, 2008, p. 201).

Esses meios de subsistência Marx define como “mercadorias” que se tem que comprar e pagar diariamente e ainda sobre o valor da força de trabalho afirma.

O proprietário da força de trabalho é um mortal. Se tem de aparecer continuamente no mercado, conforme pressupõe a continua transformação de dinheiro em capital, o vendedor da força de trabalho tem de perpetuar-se, ‘como todo ser vivo se perpetua, através da procriação’. As forças de trabalho retiradas do mercado por desgaste ou por morte têm de ser incessantemente substituídas pelo menos por um número igual de novas forças de trabalho. A soma dos meios de subsistência necessários à produção da força de trabalho inclui também os meios de subsistência dos substitutos dos trabalhadores, os seus filhos, de modo que se perpetue no mercado essa raça peculiar de possuidores de mercadorias (MARX, 2008, p. 201-202).

Seguindo as afirmações de Marx e as contradições apontadas pelo materialismo histórico este complementa segundo Costa (1998) que "O valor da força de trabalho inclui o valor das mercadorias indispensáveis para a reprodução do operário ou para a perpetuação da classe trabalhadora". (1975:208 [T.II].). Assim, podendo-se concluir que a reposição da força de trabalho implica na transformação dos meios de vida (subsistência) necessários para a manutenção da família operária e a reprodução da força de trabalho através da procriação. Implica também no cuidado e socialização dos futuros operários. Temas que estão vinculados com a essência do trabalho realizado

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pela mulher de maneira privada, na esfera doméstica, isto é o trabalho doméstico (COSTA, 1998, p. 22).

Nesta perspectiva a teoria marxista adota uma interpretação da realidade da família operária, quando define a produção da força de trabalho que não permite analisar o trabalho doméstico sem levar em conta:

a) as mercadorias necessárias para a reprodução diária da força de trabalho que não se encontram no mercado prontas para serem consumidas ou trocadas pelo salário do operário; b) a mulher, através do trabalho doméstico, é responsável pela conservação e transformação dos alimentos (mercadorias) necessárias para a reprodução da força de trabalho, assim como para a manutenção do vestuário e do lar em condições de uso, e c) a mulher, através do trabalho doméstico não- remunerado, contribui para o barateamento da força de trabalho e, portanto, possibilita maiores taxas de mais-valia) (COSTA, 1998, p. 22).

Para Costa (1998), a respeito do segundo posicionamento de Marx, a reposição da força de trabalho, nesses termos, compete quase exclusivamente à mulher.

Pelo menos no que se refere à produção estritamente biológica. Apesar de incluir os dois sexos em igualdade de condições, a carga maior sempre recaiu sobre as costas da mulher. A capacidade de reproduzir a espécie, dado seu caráter natural e durante muitos séculos involuntários, sempre atuou como um elemento da opressão feminina, na medida em que a maternidade sempre esteve socialmente relegada à responsabilidade da mulher.

Neste momento, o movimento internacional feminista já desenvolvia suas próprias estratégias de mudanças50, pois, Marx na sua análise fala do “individuo” da classe operária e não do “individuo” em abstrato como até então era tratado na teoria social, nas palavras de Batya Balman,

... o feminismo do século XIX já havia falado durante muito tempo do fato de que os direitos do indivíduo (burguês ou não) não incluíam os direitos da mulher. A partir daqui, a Vindication of the rights of woman de Mary Wollestonecraft, em 1792, chegou rapidamente à conclusão de que as mulheres deveriam organizar uma luta especial para conseguir os mesmos direitos que os outros indivíduos. E a estratégia começou com o direito básico, o direito ao saber, encarnado no direito ao voto. (1978:32 e 33) (COSTA, 1998, p. 27).

Esta crítica, segundo Costa (1998), é mais bem fundamentada se tomada como base a prática política desenvolvida pelas internacionais e pelos partidos (socialdemocrata e, posteriormente, socialistas e comunistas), em especial os relatos das práticas de seus associados, no que se refere à questão feminina. Pois, de fato é observada uma história de rechaços e boicote às demandas específicas das mulheres, assim como o impedimento à organização independente destas.

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Segundo Costa (1998) Weinbaum cita como exemplo a convocatória de Edith Hurwitz no artigo "The lnternational Sisterhood", da formação de uma Internacional de Mulheres no final do século, o surgimento das teorias patriarcais e a criação, em 1869, da primeira organização feminista alemã.

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Apesar de toda crítica à concepção andocêntrica e sexista adotada pela teoria marxista, esta é também assumida pela teoria neoclássica51 acusada de racionalizar os papeis tradicionais dos sexos, tanto na família como no mercado de trabalho que segundo Carrasco (1998) contribui perigosamente para legitimar desde a teoria uma condição de desigualdade. O que é exposto por Humphries, (1995, p. 55) ao analisar que esta justifica e reforça o status quo. Assim, o paradigma neoclássico não conduz a uma interpretação da realidade que ofereça possibilidades de transformação social, mas “ao contrário; leva a justificar a condição social de desigualdade das mulheres por razões de sexo”. Cujo caso mais característico segundo a autora é o da “Nova Economia da Família” desenvolvido originalmente por Gary Backer52

, base para que muitas autoras sustentem que a economia feminista e a economia dominante, neste caso, a neoclássica, são totalmente incompatíveis.

Segundo Carrasco (2012), durante o século XIX e começo do século XX, uma série de mulheres que podem ser consideradas precursoras da atual economia feminista, escrevem e discutem sobre as ideias dos economistas clássicos e primeiros marginalistas. Entre os temas mais debatidos por estas mulheres destacam-se: a situação social das mulheres e seus níveis de pobreza; a igualdade em direito com os homens, particularmente o direito a empregos; a igualdade salarial e o reconhecimento do trabalho doméstico. A maioria destas mulheres preocupadas intelectualmente por estes temas são também ativas militantes de diversas causas feministas e entre elas encontra-se Charlotte Perkins Gilman. A autora recebera forte influência de autores como Harrirt Taylor, John Stuart Mill, Thorstein Veblen e Karl Marx e de movimentos como o nacionalista nos EUA que sustentava o affair inglês que pretendia estender os valores democráticos e garantir o bem estar de toda a população, particularmente, a da classe trabalhadora e, especialmente diversos movimentos e comunidades de mulheres. Comunidades estas que apoiaram mulheres como Gilman no seu desenvolvimento intelectual e político a favor da luta por igualdade das mulheres (CARRASCO, 2012, p. 128).

Este desenvolvimento intelectual havia culminado já no final do século XIX (1898), quando o livro Women and Economics: A Study of the Economic Relation Betwen Men and Women as a Factor in Social Evolution (Mulheres e Economia: um estudo sobre a relação econômica entre homens e mulheres como fator da evolução social) e teve imediatamente uma grande acolhida, o que lhe valeu ser traduzido para

51 A Escola Neoclássica (que posteriormente também se tornaria conhecida como “Escola marginalista”)

surge como teoria econômica elaborada simultânea e independentemente por três autores, no final do século XIX: Carl Menger (Die Grunsätze der Volkswirtschaftslehre, de 1871), William Jevons (The Theory

of Political Economy, 1871) e Léon Walras (Élements d’Économie Politique Pure, 1874). Essa teoria

define o valor dos bens (e conseqüentemente seus preços) a partir de um elemento subjetivo – a utilidade –, ou a capacidade que os bens, as mercadorias e os serviços possuem para satisfazer as necessidades humanas. Essa foi uma tentativa de resolução do problema da determinação dos preços através da teoria do valor trabalho, de seus antecessores (a Escola Clássica de Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill e Karl Marx). Para os clássicos, estava claro que o valor era criado no âmbito da produção pelo trabalho humano, com todas as contradições sociais envolvidas (de um lado o caráter social da produção e da geração do excedente econômico – o lucro –, e de outro o caráter privado da apropriação dos resultados do trabalho humano) (FERNANDEZ, 2008).

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sete idiomas53. De modo geral toda sua obra teve enorme repercussão durante sua vida. Depois de sua morte (1860-1935), Mulheres e Economia perdeu influência e desapareceu até que em meados do século XX é redescoberto por diversas autoras e autores. Não por casualidade, a recuperação das obras de mulheres do século XIX coincide com a segunda onda do feminismo.

El libro consta de quince capítulos, escritos con un estilo literario, a través de los cuales Gilman denuncia la tradicional división de los roles sociales por sexo que ha derivado en una opresión y dependencia económica de las mujeres respecto de los hombres. Dependencia que no es natural – como habían sostenido algunos pensadores clásicos- sino producto de un proceso cultural que se ha alejado de los procesos evolutivos naturales. A través de este hilo conductor, la autora deconstruye y desmistifica las ideas de maternidad, familia, esposa y hogar presentes en la sociedad de mediados del XIX e intenta definir el papel económico que tiene el trabajo no remunerado realizado por las mujeres (CARRASCO, 2012, p. 109). Charlotte Gilman estava desafiando o poder dos homens e a moral da época, que estabelecia a dependência econômica das mulheres no pai e no marido. Porém esta, não se limita a denunciar a situação de dependência das mulheres senão que também propõe uma série de reformas. A observação da ineficiência do trabalho realizado individualmente por cada mulher em sua casa em comparação com o que seria realizado como trabalho de mercado, a leva a almejar profissionalização das tarefas que habitualmente se realizam nos lares. Limpeza, cuidados das crianças, etc.; outras formas de moradia com serviços compartilhados; incorporação dos homens nas tarefas do lar; e o emprego das mulheres para sua independência econômica.

Gilman fue precursora de varios de los temas controvertidos respecto al trabajo de las mujeres que en las últimas décadas han sido objeto de debate. En el capítulo aquí reproducido se puede constatar que algunos de estos continúan en discusión o permanecen sin resolver. En primer lugar, destaca el importante hecho de reconocer – tal como lo hacen otras autoras de la época, aunque no los economistas- que las tareas que se realizan en el hogar constituyen un trabajo y que, dicho con sus propias palabras, las mujeres son un factor de producción de riqueza al igual que sus maridos. (CARRASCO, 2012, p. 110).

Para Carrasco (1998, p. 30),

o marxismo é criticado pelas noções - supostamente neutras ao gênero - proletariado, exploração, produção e reprodução e a suposta convergência natural de interesses econômicos entre homens e mulheres da classe trabalhadora. Desta maneira está tentando se fazer visível uma relação dialética entre gênero e classe.

Segundo Kuiper e Sap, (1995, p. 4) apud Carrasco (2004)

“(...) apesar de que as premissas e os métodos das tradições radical e neoclássica são muito diferentes, as economistas feministas (...) tem mostrado que historicamente estas escolas têm tratado a divisão por sexo do trabalho na família e na sociedade como se estivesse biologicamente determinada”.

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Existe tradução em espanhol do livro completo na Biblioteca Javier Cy de estudos Norte-americanos. Universidade de Valencia (2008)

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O que contribuiu de forma decisiva para a invisibilidade do trabalho realizado pelas mulheres, particularmente no âmbito doméstico. A visão andocêntrica e sexista que permeia a abordagem teórica metodológica da interpretação sobre o mundo social abre espaço para que as mulheres observem as demandas de um gênero feminino na luta de classes.