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O MEC E AS POSSIBILIDADES DE ADAPTAÇÃO ÀS NORMAS FEDERAIS DO

1 EDUCAÇÃO A PARTIR DA DÉCADA DE 980: O ENSINO MÉDIO NAS

2.1 O MEC E AS POSSIBILIDADES DE ADAPTAÇÃO ÀS NORMAS FEDERAIS DO

humana integral?

2.1 O MEC E AS POSSIBILIDADES DE ADAPTAÇÃO ÀS NORMAS FEDERAIS DO PROGRAMA

O grau de autonomia dos sistemas estaduais de ensino é pleno e reflexo da organização política e administrativa do Estado brasileiro e, ainda, pela ressentida falta de um Sistema Nacional de Educação a fim de estabelecer regras para o regime de colaboração entre os sistemas federal, estaduais e municipais. Cury (2007), em sua discussão sobre o “federalismo político e educacional”, afirma que “nacional é a educação, não o sistema” (CURY, 2007, p. 124) e, desta feita, decorre a minimização do alcance das políticas educacionais nacionais. Nas instâncias das secretarias estaduais de educação a formulação de legislação, pareceres, programas e orientações são legitimadas e consequentes para a condução das políticas educacionais direcionadas a 85,9%33 das escolas do Ensino Médio no Brasil. Da

mesma forma, a aplicação nacional de um programa federal para o Ensino Médio fica sujeito à condução e a interpretações dos SEE, ou seja, não analisá-las por esse recorte “pode-se deixar de tratar de modo procedente políticas educacionais que estão sob responsabilidade de Estados” (CURY, 2007, p. 113). A condução dessas análises, a partir desse momento, passa a ser subsidiada, também, por entrevistas semiestruturadas realizadas com gestores dos sistemas de ensino nos âmbitos

federal e estadual, que acrescentam elementos que desvelam o contexto das adaptações.

Vale salientar, a título de clarificação da autonomia dos SEE, como ela é entendida no MEC, por meio do depoimento sobre o papel indutor das políticas educacionais do Ministério, de um gestor da Coordenação de Ensino Médio, da SEB, aqui identificado como E1, que diz: “O MEC é orientador dessas políticas, mas o estado tem sua autonomia. Nós sabemos que eles têm propostas curriculares. Mas a ideia é que estejamos caminhando no mesmo rumo”. A fala de E1 explicita os limites do MEC em propor uma política educacional sem a interferência do ente federado, que interpreta ou a conduz dentro dos interesses de sua política educacional estadual.

No caso do Rio Grande do Sul, observou-se que o estado adotou sua forma de organizar o Ensino Médio através da proposta de Ensino Médio Politécnico (RIO GRANDE DO SUL, 2012) em 2012. Segundo o documento da SEDUC (RIO GRANDE DO SUL, 2011b), explicando a reestruturação curricular do Ensino Médio, do governo do estado, o Ensino Médio Politécnico

[...] é o Ensino Médio que, vinculado à realidade social e ao desenvolvimento científico-tecnológico, integra as áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas). Na prática, o estudante terá, além das aulas dos componentes curriculares do Ensino Médio, o desenvolvimento de projetos com atividades práticas e vivências relacionadas com a vida, com o mundo e com o mundo do trabalho. Contudo, isso não implicará na extinção das disciplinas, que serão fortalecidas no diálogo interdisciplinar (RIO GRANDE DO SUL, 2011a, p. 4).

Como ponto significativo da integração curricular é adotado o componente curricular denominado Seminário Integrado, que passa a figurar no documento orientador do MEC (BRASIL, 2013c, p. 13). O documento Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico e Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio - 2011-2014 - tipifica que

[...] os Seminários Integrados constituem-se em espaços planejados, integrados por professores e alunos, a serem realizados desde o primeiro ano e em complexidade crescente. Organizam o planejamento, a execução e a avaliação de todo o projeto político-pedagógico, de forma coletiva, incentivando a cooperação, a solidariedade e o protagonismo do jovem adulto (RIO GRANDE DO SUL, 2011b, p. 4).

O documento “A Seduc debate reestruturação curricular do Ensino Médio” (RIO GRANDE DO SUL, 2011b), dá o contorno e elucida que no estado rio-grandense,

[...] a proposta curricular elege a prática de elaboração de projetos em Seminários Integrados, como estratégia de trazer o mundo real e dar vida aos conhecimentos formais. Dessa forma, impregna de significado o conhecimento, uma vez que ele é utilizado para resolver problemas da realidade e, desta forma, apropriado pelo aluno. O currículo está disposto, na sua totalidade, com as áreas de conhecimento e suas disciplinas estabelecendo as relações com a comunidade local e as conexões universais. Os blocos que constituem o currículo apenas indicam a ênfase que será dada para o processo de complexidade dos temas e questões tratados. Em síntese, é a aplicação do conhecimento que propicia a aprendizagem (RIO GRANDE DO SUL, 2011b, p. 2).

Ao incorporar o termo Seminário Integrado do componente curricular proposto no Ensino Médio Politécnico, no documento orientador do Programa de 2013 (BRASIL, 2013c, p. 13), o MEC interage aparentemente em movimentos de aperfeiçoamento e adaptação da sua norma federal ao modelo de organização curricular do Ensino Médio de um estado. Esse movimento permite que organizações curriculares distintas ou com aproximações aos fundamentos do ProEMI, promovidas por um estado da federação, passem a compor alternativas de integração curricular e ultrapassem o território estadual, ou seja, em um movimento inverso à centralidade federal, podendo influenciar a organização do Ensino Médio no Programa em outros SEE. No caso, o Ensino Médio Politécnico, que passa a ser o ProEMI, pode ser adotado em qualquer unidade da federação por exemplo, ou qualquer outra proposta integradora com a anuência e recursos do MEC, em movimentos de aproximações. E1 relata que deve haver um ponto de coesão, mesmo com aparente dúvida, entre as propostas dos governos estaduais e o federal:

Nós sabemos que a maioria dos estados ou boa parte deles tem sua proposta curricular. A maioria acho que é articulada com as diretrizes curriculares nacionais do Ensino Médio, portanto com Ensino Médio Inovador. Aí ele entra como instrumento e isso tem ajudado muito boa parte dos estados.

Esse é um típico caso de interação, todavia, podem ocorrer adaptações que não estejam de acordo com as DCNEM e, nesse caso, é importante a revelação expressa no contexto da fala de E1, que, quando perguntado como o MEC vê as adaptações que ocorrem pela Secretaria de Educação, respondeu que “nós temos orientação no Programa que é para todo país. As escolhas que os estados fazem, eles [sic] têm autonomia de fazer”. É indicativo do limite do alcance pleno das orientações do Programa e de que o MEC deveria acompanhar a execução nos estados em virtude de seu caráter experimental.

Neste contexto de análise, o documento do ProEMI (BRASIL, 2014c) propõe que um processo de mudança curricular “deverá ser elaborado pelas escolas indicadas pelas Secretarias de Educação dos Estados e do Distrito Federal” (BRASIL, 2014c, p.4), em reforço, também, à autonomia político-pedagógica do ambiente escolar. Portanto, de pronto percebe-se que o modelo de escolha das unidades escolares integradas ao ProEMI foi estabelecido independentemente dessa autonomia político-pedagógica. Da mesma forma, como o Programa já direciona à diretriz a ser seguida para a adesão, que condiciona o apoio técnico-financeiro “às escolas de Ensino Médio estaduais e distrital que tenham seu Projeto de Redesenho Curricular aprovado pelas Secretarias de Educação e pelo MEC” (BRASIL, 2014c, p. 4), essa autonomia escolar já vem condicionada a limites burocráticos. A definição da escola poderia garantir o exercício da decisão autônoma do redesenho curricular, em um processo que não permitisse “individualizar as ações de professores, [...] esvaziar o sentido político do ensino e abordá-lo como uma questão meramente técnica” (SHIROMA; SANTOS, 2014, p. 36).

Sendo o Programa formatado na esfera federal e executado em regime de colaboração, o que se analisa é o conjunto de orientações estaduais para harmonizar, como adaptações, aos sistemas próprios de educação, a sua adesão e implantação. Ultrapassada a fase de adesão, a escola já constituiu o seu Projeto de Redesenho Curricular e passa a executá-lo dentro do que determina o contratado com o MEC. Alguns parâmetros até aqui eram de uma análise sobre o que estava se constituindo como limites e aproximações entre os sistemas de ensino na implementação do ProEMI. O outro parâmetro em elucidação é saber de que forma aparecem conflitos entre a perspectiva pedagógica do MEC e a dos estados. Importa retratar a lógica teórica da fala do gestor do ministério, que vai balizar o conjunto das análises que se sucedem, se elas evidenciam a perspectiva pedagógica anunciada. A pergunta é se a perspectiva do currículo supera o dualismo educacional. E se rompe com a matriz pedagógica da competência das DCNEM de 1998.

Há indícios nos documentos elaborados pelos estados sobre o Programa, que, como proposta orientadora, sugerem uma realidade distinta da construção ontológica e dialética, crítica e reflexiva, que estarão reforçando os subjetivismos típicos das teorias reprodutivistas do capital e existente no contexto da história da educação brasileira (SAVIANI, 1998). Isso não significa que a perspectiva orientada para os estados aponte efetivamente para uma direção dialética, critica e reflexiva de

formação e da realidade dos jovens. Ramos (2011), analisando as propostas de inovação e organização curricular, no documento orientador do ProEMI de 2011 (BRASIL, 2011b), mesmo não os considerando negativos, eles levam a

[...] considerar que o desafio mais ardiloso de uma proposta curricular de ensino médio no sentido da formação integrada está na compreensão do significado do conhecimento científico, nos critérios de sua seleção e na forma de organizá-los e abordá-los (RAMOS, 2011, p. 779).

Essa consideração demonstra a dificuldade de colocar na práxis escolar uma organização curricular a partir das inovações do Programa que garantam uma formação integral, até porque a seleção do conteúdo da integração será uma escolha da escola ou da Secretaria de Educação e pode caracterizar distanciamentos da proposta de formação apontada. Por outro lado, o gestor do MEC (E1) retrata uma preocupação constante em garantir uma formação integral:

A ideia é a seguinte. A gente fala de educação integral, tirando essa dimensão do tempo, da ampliação da jornada, essa formação humana integral se dá a partir do momento que você garante o direito ao conhecimento e isso dentro de todas as áreas. Quando nós falamos da integração, falamos dessa integração em que haja maior diálogo entre os diferentes componentes da mesma área e entre os componentes diferentes de outras áreas do conhecimento. A ideia é formar o cidadão e a parte profissional vai ser uma opção. Temos que fortalecer isso até no contexto da demanda da realidade socioeconômica, pois nós necessitamos de jovens não só na universidade, mais [sic] em outros cursos técnicos ou tecnológicos. Então, assim, não estamos optando por uma ou outra educação, temos que fortalecer ambas, seja ela educação Ensino Médio Profissional, ou seja, ela Ensino Médio Regular, que ela atenda a essas expectativas e seja fortalecida. Mas não só, não adianta a gente falar em jornada nucleada, Ensino Médio Integrado, Ensino Médio Profissionalizante, apresentando um currículo com mais carga horária e um currículo mais diferenciado, que realmente faça diferença para esse jovem. Quais são as condições que nós temos que garantir, seja no Ensino Médio Regular, ou seja, no Ensino Médio Integrado à educação profissional, tecnológico, concomitante, subsequente ou integrado não importa.

Alguns aspectos devem ser observados, pois o assento do ProEMI está na formação, inovação e integração curricular propostas para o Ensino Médio regular, ou seja, a relação do Programa com o trabalho não se atrela à educação profissional e técnica. A integração curricular, no Programa, em relação com a categoria trabalho, evidencia-se no campo ontológico, na apropriação objetiva de conhecimentos à transformação e emancipação da vida humana. A profissionalização passa a ser uma opção do jovem em seu percurso formativo e não um processo obrigatório. A

perspectiva de construção do conhecimento, objetivo para a vida humana, verificada na fala do gestor do MEC (E1) e prevista nas DCNEM, passa por condicionantes locais do SEE, que, necessariamente, devem figurar nas análises da representação do ProEMI nos estados. É possível identificar as evidências de uma perspectiva de formação integral na fala do gestor do MEC (E1) ao se referir ao ProEMI. Ele menciona a construção de um

[...] currículo, [que] em todas suas dimensões e ações deverá ser elaborado de forma a garantir o direito à aprendizagem e ao desenvolvimento dos estudantes por meio de ações e atividades que contemplem, nessa perspectiva de integração curricular, a abordagem de conhecimentos, o desenvolvimento de experiências e a promoção de atitudes que se materializam na formação humana integral, gerando a reflexão crítica e a autonomia dos estudantes (BRASIL, 2014c, p. 8).

Em reforço a essa análise dos objetivos do ProEMI, percebe-se que o MEC ressalta a importância das DCNEM não só como nova diretriz mas, também, como um desafio de instituição de uma nova cultura pedagógica.

E1 sugere que as DCNEM apontem uma nova perspectiva para o Ensino Médio:

As diretrizes vêm apontando para essa formação humanista integral. O caminho é integração curricular e o que significa não eliminar componentes, mas dar outros pesos e medidas. Se eu tenho a impressão de carga horária olhando para as diretrizes, que fala para a sua formação humana integral, que fala no eixo ciência, cultura, tecnologia e trabalho, tudo isso eu tenho, dá mais tempo na escola para que tudo isso seja visto. Eu tenho mais tempo na escola, que eu vou fazer, vou pensar ações diferenciadas. É o que o Ensino Médio Inovador faz. Ele acaba sendo um instrumento que mobiliza os professores para pensar um modelo de redesenho curricular que se articule em áreas. Eu acho que isso tá [sic] bem apontado pelas diretrizes, descrita nas diretrizes essa integração. Repensar um trabalho diferenciado. Vamos sobrepor conteúdo em diferentes áreas do conhecimento, diferentes componentes ou não, e vamos avançar e pensar combinando o trabalho com esse conhecimento. Sendo mais efetivo e mais significativo ao mesmo tempo, vamos continuar só com laboratório de física e química ou podemos ter laboratório para as áreas das ciências humanas também. Porque geralmente as ciências da natureza, biologia, química e matemática, às vezes, nós deixamos para o outro lado. As diretrizes têm esse papel de ser implementadas, ser compreendidas e têm esse papel dessa formação e de dar mais peso. [...] As diretrizes vieram sim para melhorar, para ampliar a base nacional comum, quer queira quer não, tem que ser pensada a partir do que se tem nos estados, mas também em todas as diretrizes que são novas.

No âmbito das mudanças advindas nas DCNEM, o MEC recorre à outra política transversal estabelecida a partir do PNFEM (BRASIL, 2013b), que tem foco na atuação docente:

A Formação Continuada de Professores e Coordenadores Pedagógicos do Ensino Médio tem por objetivos contribuir para o aperfeiçoamento da formação dos professores e coordenadores pedagógicos e rediscutir e atualizar as práticas docentes em conformidade com as DCNEM (BRASIL, 2014b, p. 4).

Na concepção de Moehlecke (2012, p. 51), a formação desses profissionais passa a ser necessária com a observação de “que as políticas curriculares têm sido pouco assimiladas nos sistemas de ensino estaduais e municipais e nas escolas brasileiras”.

A premissa do MEC para a formação no Pacto está embasada no debate societário, que faz parte da longa caminhada da educação brasileira, onde se inserem os projetos em disputa e potencializados com a adoção das políticas neoliberais no Brasil, nos anos 1990. De um lado, em

[...] sintonia e a conexão entre a exaltação às forças de mercado - com a correspondente políticas de liberalização, desregulamentação e outras – e a hegemonia conservadora sobre as formas de consciência social e suas ressonâncias nas práticas educativas (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2000, p. 55).

De outro, da

[...] práxis humana, compreendida como processo por meio do qual os homens produzem socialmente sua existência mediados pelo trabalho. Nessa perspectiva, o conhecimento constrói-se pela busca histórica de compreensão da realidade em sua essência, ultrapassando suas aparências fenomênicas. Isso pressupõe conceber o conhecimento como possibilidade ontológica e como produção social e histórica (RAMOS, 2014, p. 110-111).

O debate apresentado no Caderno I da Formação de Professores do Ensino Médio (BRASIL, 2013d) revela uma perspectiva de superação das desigualdades e o professor é chamado a refletir sobre o quadro geral do Ensino Médio e os indicadores sociais. De outro modo, se “tem plena consciência de que isso é fruto dos projetos societários em disputa: uma sociedade igualitária ou a permanência da desigualdade” (BRASIL, 2013d, p. 26). A discussão suscita uma perspectiva de “direito à educação e à formação humana integral” (BRASIL, 2013d, p. 31), que pode ser adaptada ou mitigada no modelo de cooperação modulado pela autonomia dos estados para com a União.

Assim, as análises seguintes refletem o contexto real encontrado, no decorrer da pesquisa, nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, frente a

essa perspectiva pedagógica e uma antecedente abstração nos documentos orientadores de diretrizes educacionais nesses estados.