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Os significados latentes nos programas do governo Collor (1990-1992) e

1 EDUCAÇÃO A PARTIR DA DÉCADA DE 980: O ENSINO MÉDIO NAS

1.1 ENSINO MÉDIO DO REGIME MILITAR À LEI DE DIRETRIZES E BASES DA

1.1.1 Os significados latentes nos programas do governo Collor (1990-1992) e

Percebeu-se como relevantes para as análises os programas “Nacional de Alfabetização e Cidadania” (BRASIL, 1990), “Minha Gente” (BRASIL, 1992), o “PRONAICA” (BRASIL, 1993c) e o Plano Decenal de Educação para Todos (BRASIL, 1993b), que passam a reproduzir nas reformas educacionais a opção constitucional e o disciplinamento da estratégia do Programa Educação para Todos com o apoio financeiro do Banco Mundial.

Em 11 de setembro de 1990, alegando “cumprimento ao preceito constitucional e ao ensejo do Ano Internacional da Alfabetização, o governo federal lança os marcos do Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania” (PNAC) (BRASIL, 1990, p. 7), que buscava uma educação para a cidadania orientada a universalizar o percurso educativo fundamental na faixa etária de sete a quatorze anos, e aos jovens acima de 15 anos e adultos não alfabetizados. O enfoque da

16 Segundo Cabral Neto e Rodrigues (2007, p. 15-16), essa é uma das “iniciativas internacionais de

educação para América Latina e Caribe” que foram formuladas para melhorar a educação.

17 Em Cabral Neto e Rodrigues (2007, p. 13) é apresentada uma síntese da Conferência Mundial de

educação para a cidadania, entendida aqui como alfabetização, que é dada como “condição essencial para o exercício da cidadania numa sociedade democrática que se deseja e se busca consolidar” (BRASIL, 1990), ancora-se nos limites constitucionais da universalização do Ensino Fundamental, não adotando políticas educacionais regulares aos que estão em outras faixas etárias ou nas duas outras etapas da Educação Básica. No âmbito do Ensino Médio, o documento dos marcos de referência (BRASIL, 1991) do PNAC, do MEC, em 1991, evidencia e sinaliza, também, os fundamentos teóricos que passam a ideia governamental de separação no Ensino Médio da educação profissionalizante, a saber:

A concepção do ensino médio como instância destinada a garantir o aprofundamento e a consolidação do saber - humanístico, científico, tecnológico e artístico - bem como a compreensão dos processos de formação sócio-econômico-cultural, da organização da sociedade brasileira e de seus mecanismos de participação política, vem se consubstanciando ao longo das duas últimas décadas.

Assim, o fortalecimento da educação geral é prioridade que se impõe como condição indispensável à formação da cidadania consciente e participativa, pois é a sólida, duradoura e crítica educação multidimensional que deve sedimentar a profissionalização neste nível de ensino (BRASIL, 1991, p. 26- 27).

O referido documento caracteriza os cenários de qualidade do Ensino Médio diurno existente quase somente na escola particular, com orientação de forma propedêutica e direcionada à camada social com maior poder aquisitivo e, de modo crítico,

[...] a escola noturna, quase sempre pública, é destinada ao atendimento da clientela composta de jovens e adultos trabalhadores, oferece um ensino propedêutico ou pseudo profissionalizante limitado, sobretudo pela desqualificação pedagógica e física das escolas (BRASIL, 1991, p. 28).

Mesmo com essa caracterização, o que se percebe no próprio Programa é o discurso oficial de reforço à norma constitucional de se “estabelecer a progressiva obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio” (BRASIL, 1991, p. 26), deixando inócua a resposta à necessidade de universalização dessa etapa da Educação Básica.

Madeira (1992, p. 63) faz outra análise do PNAC em seus limites e explica que o mesmo “não omite uma percepção, ainda que atenuada, da relação da educação com o dualismo estrutural da sociedade brasileira”. Essa análise última

materializa-se na observação empírica do autor da divisão do tipo de escola oferecida aos que estão fadados a desempenhar, por sua condição financeira ou classe, o trabalho intelectual e manual, e, “no discurso, a educação como mecanismo de promoção da justiça social e distributiva” (MADEIRA, 1992, p. 63) na sociedade. Esse discurso do governo é falho pelo tipo de escola antidemocrática oferecida aos que dependem do trabalho, expresso na qualidade do ensino apresentada e na negação da sua universalização nas diversas etapas da Educação Básica.

Kuenzer (1992) considera como uma ingenuidade as propostas educacionais que pretendem resolver algo que não pode acontecer, o fim da dualidade estrutural nas sociedades capitalistas reproduzida nos sistemas de ensino.

Neste sentido, a escola brasileira, antes de resolver a dicotomia educação/trabalho no seu interior referenda, através do seu caráter seletivo e excludente, esta separação, que é uma das condições de sobrevivência das sociedades capitalistas, uma vez que determinada pela contradição fundamental entre capital e trabalho (KUENZER, 1992, p. 20).

Não obstante, os programas “Minha Gente” (BRASIL, 1992) e o “PRONAICA” (BRASIL, 1993c) seguem a mesma diretriz norteadora das análises do PNAC. No âmbito do Ministério da Criança e da Secretaria de Projetos Especiais da Presidência da República foram direcionadas “ações integradas de educação, saúde, assistência e promoção social para crianças e adolescentes, como forma de assegurar melhores condições de vida a este segmento da população” (AMARAL SOBRINHO; PARENTE, 1995, p. 5) mais pobre, sob orientação da Organização das Nações Unidas (ONU) assumida na “Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança” (AMARAL SOBRINHO; PARENTE, 1995, p. 5), que remeteram à instituição, “em 14 de maio de 1991, o Projeto Minha Gente” (AMARAL SOBRINHO; PARENTE 1995, p. 6) com prioridade para:

[...] atendimento social integrado em um mesmo local; atendimento em tempo integral; envolvimento comunitário; desenvolvimento de programas de proteção à criança e à família; gestão descentralizada; e, como característica principal, a implantação de unidades físicas — o Centro Integrado de Atenção à Criança e ao Adolescente — CIAC. Este centro previa o atendimento em creche pré-escola e ensino de primeiro grau; saúde e cuidados básicos; convivência comunitária e desportiva (AMARAL SOBRINHO; PARENTE, 1995, p. 6, grifo nosso).

integradas, misturando políticas educacionais e assistenciais, provocando a intersetorialidade18 em políticas públicas focadas exclusivamente para a população

trabalhadora desprovida de condições adequadas para manutenção da vida, isolando- a em estruturas de tempo integral. Essa intersetorialidade e o isolamento em estruturas físicas da clientela do Programa (os pobres) foram incorporadas ao PRONAICA.

A intenção anunciada como “estratégia básica do programa é a implantação gradativa da pedagogia da atenção integral” (AMARAL SOBRINHO; PARENTE, 1995, p. 8), que, por sua característica, aproxima-se do ideário de Anísio Teixeira, apoiado no pragmatismo americano e escolanovista de John Dewey, ou seja, “uma concepção de educação escolar ampliada, que, ainda hoje, ecoa no pensamento e nos projetos educacionais” (CAVALIERE, 2010, p. 250).

Saviani (2008b) considera uma proposta educacional como essa, configurada e prevista nos programas em políticas intersetoriais, como educação compensatória e não propriamente uma teoria educacional. Nas palavras do autor,

[...] educação compensatória compreende um conjunto de programas destinados a compensar deficiências de diferentes ordens: de saúde e nutrição, familiares, emotivas, cognitivas, motoras, linguísticas etc. Tais programas acabam colocando sob a responsabilidade da educação uma série de problemas que não são especificamente educacionais, o que significa, na verdade, a persistência da crença ingênua no poder redentor da educação em relação à sociedade (SAVIANI, 2008b, p. 28).

O PRONAICA (BRASIL, 1993c), como sucedâneo do Programa “Minha Gente”, no governo Itamar Franco, segue com alterações legais e adaptações realizadas no Ministério da Educação e Desporto (MEC), que o incorpora à sua estrutura, direcionando-o “à pedagogia da atenção integral e às formas de desenvolvê-la” (AMARAL SOBRINHO; PARENTE, 1995, p. 7). Uma segunda mudança ocorre no nome das instalações de CIAC para a denominação de “Centro de Atenção Integral à Criança — CAIC” (AMARAL SOBRINHO; PARENTE, 1995, p. 7), incorporando o “ensino fundamental” (BRASIL, 1993c) de forma integral. O objetivo da formação profissional aparece no art. 2º da Lei nº 8.642/93 (BRASIL, 1993c), que

18 O termo intersetorialidade pode ser melhor compreendido nas políticas públicas na Matriz

Intersetorial de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que para “além de princípio ou paradigma norteador, é uma lógica de gestão que transcende um único setor da política social e estratégia política de articulação entre setores sociais diversos e especializados” (BRASIL, 2015a).

institui o Programa, direcionada aos jovens sem indicativo da integração com o Ensino Médio. A descentralização do Programa é caracterizada “pela ação compartilhada entre União, estados, municípios e entre os diversos setores sociais e a comunidade, e o compartilhamento de responsabilidades” (AMARAL SOBRINHO; PARENTE, 1995, p. 9).

As análises de Amaral Sobrinho e Parente (1995) apresentam o uso dos pressupostos da inovação e da flexibilidade, dentro do Programa, como estratégia para alcançar os objetivos de “reverter às precárias condições de vida de parte das crianças e adolescentes brasileiros, nos posicionamentos e compromissos internacionais e na Constituição Federal de 1988” (1995, p. 19). Como já mencionado, não cabe à escola superar os problemas advindos do modo de produção e societário do capitalismo, mesmo com soluções educacionais inovadoras e flexíveis. A formação profissional, no Programa, de forma aligeirada e distante do Ensino Médio é uma das formas de atender somente ao mercado e ao modo de produção flexível já presente no Brasil nos anos de 1990, e aparece na estratégia governamental de abertura econômica e da inserção do país na globalização neoliberal. Surgem novos fundamentos nas políticas públicas educacionais retratando uma

[...] proposta de reforma, que acabou impondo-se no decorrer da década de 1990, na América Latina e no Caribe (em decorrência do financiamento e assessoria internacional, em especial do Banco Mundial), incluía, entre as suas principais recomendações, a descentralização, a autonomia escolar, a participação, a co-gestão comunitária e a consulta social (CABRAL NETO; RODRIGUES, 2007, p. 14).

O Plano Decenal de Educação para Todos, de 1993 a 2003 (BRASIL, 1993a), que já está claramente identificado com os ditames do Programa Educação para Todos de Jomtien, é resultante dos compromissos assumidos na Conferência Mundial de Educação para Todos pelo governo brasileiro junto à UNESCO (CABRAL NETO; RODRIGUES, 2007, p. 16), em conjunto com outros nove países que apresentaram baixa produtividade e altas taxas de analfabetismo do sistema educacional. Analisando as “estratégias para a universalização do ensino fundamental e erradicação do analfabetismo” (BRASIL, 1993a, p. 36-50), observa-se que a inovação e a flexibilidade nos sistemas de ensino passam a ser orientações, pois há uma evocação sobre o tema e as “estratégias educativas aptas a suplantar as questões críticas do sistema, especialmente as que dizem respeito à “cultura da

repetência”, à avaliação da qualidade e à eficiência e democratização da gestão escolar” (BRASIL, 1993a, p. 47). Shiroma, Moraes e Evangelista (2000, p. 62) afirmam que “com esse plano, o Brasil traçava metas locais a partir do acordo firmado em Jomtien e acenava aos organismos multilaterais que o projeto educacional por eles prescritos seria aqui implantado”.

O Plano sinaliza um Programa de Apoio a Inovações Pedagógicas e Educacionais, em seu contexto, como forma de “superar a limitação dos meios, melhorar a gestão e o desempenho das unidades escolares e obter qualidade e equidade de oportunidades de aprendizagem” (BRASIL, 1993a, p. 60) das escolas fundamentais. A prioridade torna-se a gestão escolar e o padrão de qualidade total, própria do meio produtivo, passa a nortear os caminhos da escola como se o problema da escola não fosse de financiamento, mas de gestão. Quanto ao objetivo, Zibas (2005, p. 1.070) explica que

na verdade, o projeto visava a transformar as relações entre os sujeitos da cena escolar de forma que os pais e alunos se tornassem clientes e os professores e gestores assumissem o papel de prestadores de serviços, inserindo, assim, na escola a lógica do mercado.

O Ensino Médio figura no Plano através de uma perspectiva de revisão e atualização das concepções e normas, evidenciando o objetivo de preparação do jovem para o contexto flexível do modo de produção com o “aprofundamento da aquisição de competências cognitivas e sociais, e integradamente às várias modalidades de educação no e para o trabalho” (BRASIL, 1993a, p. 37). A estratégia de reforma educativa, orientada pela UNESCO, atinge o Ensino Médio focando no pedagógico e “tendo a centralidade à reestruturação dos currículos e da gestão” (CABRAL NETO; RODRIGUES, 2007, p. 24).

No documento apresentado pelo Brasil na Conferência Mundial de Educação, em Genebra, intitulado “Desenvolvimento da Educação: relatório 1992- 1994” (BRASIL, 1994), a universalização do Ensino Fundamental é meta maior a ser cumprida até 2003 e o “acesso universal à educação média é meta a ser alcançada a médio e longo prazos” (1994, p. 50), fato que reforça o caráter antidemocrático como é tratado o Ensino Médio como etapa final da Educação Básica, ao se limitar o acesso, justificado por compromissos de combate ao analfabetismo presentes na sociedade brasileira.

Essa orientação do governo federal é seguida de forma automática nos SEE, que, por obrigação constitucional, seguem o enunciado de aplicação prioritária de recursos na universalização do Ensino Fundamental. A LDB, com nova orientação nacional, que poderia mudar essa orientação, ainda permanecia em discussão.