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Mecanismos de Produção do Biogás

5.1 Deposição em Aterro

5.1.2 Mecanismos de Produção do Biogás

O biogás é uma mistura de gases, maioritariamente constituído por metano e dióxido de carbono, quase em partes iguais e cerca de 5% de outros gases.

O biogás é recolhido e queimado. No entanto, pode também produzir-se energia eléctrica a partir do biogás libertado pela decomposição natural dos resíduos.

A produção de biogás num aterro dá-se em quatro ou cinco fases mais ou menos bem caracterizadas [22].

Fase I

É caracterizada pela aclimatação ou ajustamento dos microrganismos presentes, na qual os componentes orgânicos dos RSU sofrem uma decomposição biológica aeróbia logo que são depositados.

As principais fontes de organismos responsáveis pela decomposição, são o solo utilizado para o recobrimento dos resíduos, os lixiviados provenientes de sistemas de recirculação, as lamas de ETAR quando depositadas (que transportam os microorganismos decompositores dos RSU).

Fase II

É uma fase de transição, a qual se caracteriza pelo início da anaerobiose no interior do aterro, funcionando este como um bioreactor químico. Nesta fase inicia-se também a formação de metano e dióxido de carbono.

O pH do lixiviado começa a diminuir devido à presença de ácidos orgânicos e ao efeito das elevadas concentrações de dióxido de carbono na massa de resíduos.

Fase III

Esta fase caracteriza-se pelas transformações químicas e biológicas dos resíduos depositados. É uma fase ácida, que se inicia com a produção de metano e é acelerada pelos microorganismos de produção de ácidos orgânicos.

Inicia-se com a hidrólise dos componentes de maior massa, transformando-os em compostos passíveis de serem utilizados como fonte de energia e carbono pelos microorganismos. Em seguida dá-se a acidogénese, na qual os componentes formados anteriormente são convertidos em ácido acético, compostos de menor massa molecular e pequenas concentrações de ácido fúlvico. O primeiro gás formado nesta fase é o dióxido de carbono, através de reacções dos decompositores não-metanogénicos, nomeadamente facultativos e anaeróbios, designados microrganismos formadores de ácidos, verificando-se também a formação de pequenas quantidades de hidrogénio.

Os ácidos orgânicos e o dióxido de carbono em elevadas concentrações, provocam um abaixamento do pH do lixiviado. A par destas alterações verifica-se um aumento significativo da CBO5, CQO e da condutividade devido à dissolução dos ácidos orgânicos no lixiviado.

O baixo pH do lixiviado provoca a solubilização de muitos constituintes inorgânicos, principalmente os metais pesados. Também muitos nutrientes presentes nos lixiviados, tais como N, P e K, são removidos nesta fase. Se não houver formação de lixiviados, os produtos resultantes das conversões desta fase permanecem adsorvidos na massa de resíduos e na água contida nos mesmos.

Fase IV

Esta etapa é denominada por fase metânica, ou seja, é a fase de fermentação metanogénica, na qual um segundo grupo de microorganismos (metanogénicos ou metânicos), estritamente anaeróbios, convertem o ácido acético e o hidrogénio gasoso em CH4 e CO2. É acompanhado pelo aumento do pH da massa de resíduos e do lixiviado para valores neutros (6,8–8) e uma diminuição na concentração de CBO5, CQO e condutividade.

Fase V

Esta é uma fase de maturação, na qual a quantidade de material biodegradável inacessível passa a estar disponível por migração da humidade para conversão pelos microorganismos. Há uma diminuição significativa da taxa de produção de biogás e o lixiviado pode conter nesta fase ácidos fúlvico e húmico, de difícil tratamento biológico.

A duração de cada fase é dependente das características do aterro, ou seja, da distribuição da matéria orgânica e a sua quantidade, do clima e modo de operação do aterro (como o grau de compactação).

A produção de biogás depende dos seguintes factores:

- constituição dos RSU;

- distribuição dos RSU no aterro;

- disponibilidade de nutrientes;

- teor de humidade;

- distribuição da água nos alvéolos;

- grau inicial de compactação.

A ausência de água e a elevada compactação dos resíduos retardam o processo de degradação dos mesmos, sendo a produção de biogás mais lenta e em menor quantidade.

A presença de água é um factor importante porque acelera os processos de bioconversão, pelo que é aconselhável efectuar a recirculação de lixiviados em aterros mumificados (sem humidade) contendo matéria orgânica.

Normalmente, a taxa de decomposição da matéria orgânica presente nos resíduos sólidos atinge o seu máximo em dois anos [12], diminuindo até aos 10 anos, idade em que a sua produção é terminada. No entanto, é de referenciar que a actividade no interior do aterro pode prolongar-se para além dos 25 anos, sendo dependente da composição dos resíduos depositados em aterro.

A Figura 5.5 permite visualizar, de uma forma geral, a variação na composição dos gases produzidos segundo as diferentes fases de deposição dos RSU em aterro.

Figura 5.5 Variação da composição dos gases em aterro [25]

A Tabela 5.1 apresenta a variação da distribuição de gases de um aterro, ao longo do tempo, após encerramento da célula ou do alvéolo.

Na Tabela 5.2 apresenta-se a constituição do biogás nos seus principais gases em percentagem do seu peso.

Tabela 5.1 Constituição dos gases de aterro ao longo do tempo (%) [25] Intervalo (meses) N2 CO2 CH4 0-3 5,2 88 5 3-6 3,8 76 21 6-12 0,4 65 29 12-18 1,1 52 40 18-24 0,4 53 47 24-30 0,2 52 48 30-36 1,3 46 51 36-42 0,9 50 47 42-48 0,4 51 48

Tabela 5.2 Constituição do biogás [25]

Componente % volume Metano 45-60 Dióxido de carbono 40-60 Azoto 2-5 Oxigénio 0,1-1,0 Amónia 0,1-1,0 Hidrogénio 0-0,2 Aniões de enxofre 0-1,0 Monóxido de Carbono 0-0,2 Gases vestigiais 0,01-0,6

Pode estimar-se a quantidade de biogás produzido num aterro considerando que a matéria orgânica presente nos RSU, com excepção dos plásticos, é representada pela fórmula CaHbOcNd e assumindo-se a decomposição da matéria orgânica em CH4 e CO2. O volume total de gás estima-se através da aplicação da seguinte equação [22]:

3 2 4 2 a 8 8 4 1 C HbOcNd - AaH OAa CH - Ac CO -dNH (5.1) sendo: Aa = 4a - b -2c - 3d

Ac = 4a - b + 2c + 3d

Pode assumir-se os seguintes valores para os coeficientes a = 75; H = 122; O = 55 e N = 1, como representativos da fracção rapidamente biodegradável dos RSU e que é responsável pela produção de gás.

Aplicando-se esta equação pode determinar-se a quantidade máxima possível de produção de biogás em 874 m3/t de matéria orgânica biodegradável decomposta em condições óptimas, o que corresponde a cerca de 2,5 toneladas de RSU. Considerando a existência de cerca de 40% de matéria orgânica biodegradável nos RSU, o biogás formado é de aproximadamente 350 m3/t de RSU. No entanto, tal não acontece na realidade porque não existem condições para se processarem as transformações em ambiente óptimo, devido a uma multiplicidade de factores. Deste modo, considerando um rendimento aproximado de 60% pode obter-se o valor de 200 m3/t RSU ou 520 m3/t de matéria orgânica biodegradável destruída biologicamente, como valores realísticos para efeitos de avaliações económicas do aproveitamento do biogás [22].

O aproveitamento energético do biogás produzido num aterro só é rentável para deposições diárias de 200 toneladas. Devendo o biogás ser queimado em tocha para valores inferiores, com um tempo de residência mínimo de 0,3 segundos na câmara de combustão, a uma temperatura de pelo menos 850 ºC, para destruir e minimizar o efeito da emissão de gases nocivos. Um aterro que receba os refugos provenientes de outras formas de valorização não produz biogás nem lixiviados.

Num aterro, para efectuar o controlo do movimento do gás produzido, devem ser construídos poços, como apresentado na Figura 5.6, e trincheiras horizontais de extracção de gás.

Os poços são equipados com válvulas de controlo de fluxo de entrada de ar no sistema, que entram em funcionamento sempre que se verificar uma taxa de extracção excessiva, face à diminuição de gás produzido (fracção do tempo), ou ao raio de influência ser inferior ao determinado.

O biogás tem um elevado poder calorífico, de aproximadamente 50-60% do valor do gás natural, pelo que é importante salientar a importância do aproveitamento energético dos gases produzidos em aterro.

Figura 5.6 Poço de extracção e sua representação esquemática [22]

O aproveitamento do biogás é efectuado em três etapas:

- drenagem, captação e extracção;

- pré-tratamento e valorização;

- aproveitamento do gás produzido com recurso a diferentes tecnologias.

O biogás obtido pode ser usado como combustível para produzir calor, ser aproveitado para energia primária de uma central de energia eléctrica ou ser utilizado como combustível de veículos.

Para aplicação do biogás como combustível, deve-se purificá-lo para o enriquecer em termos energéticos. Nestes casos há necessidade de remover o anidrido carbónico, efectuar a secagem e remover compostos de enxofre e halogenados. As técnicas de purificação do biogás mais utilizadas consistem em:

- adsorção química;

- adsorção sob pressão (Pressure Swing Adsoption);

Normalmente, o biogás apresenta características de corrosividade, pelo que é necessário efectuar um pré-tratamento por desidratação extensiva e remoção dos componentes vestigiais.

O conteúdo energético do gás é utilizado como combustível para accionamento de um gerador eléctrico. O biogás pode ser transformado em electricidade com o auxílio de:

- motores de combustão interna;

- turbinas a gás;

- turbinas a vapor;

- sistemas de co-geração.

Depois de melhorado, o biogás pode ser introduzido na rede de gás natural. A introdução de biogás na rede de gás natural implica que este seja livre de componentes sólidos e líquidos e seja odorizado. A Tabela 5.3 permite avaliar as diferenças existentes entre o biogás e o gás natural.

Tabela 5.3 Comparação entre a composição do biogás e o gás natural [7] Tipo de gás Gás natural Biogás

Principais componentes (% vol. Metano) 85 50-60

Etano 2,85 Propano 0,37 Butano 0,14 Dióxido de carbono 0,89 40 – 45 Azoto 14,35 0 –10 Oxigénio <0,5 0 – 2

Poder calorífico superior (MJ/m3) 35,1 19,9 – 23

Densidade relativa 0,645 0,91 – 0,89

Índice de Wobbe (MJ/m3) 43,6 – 44,1 20 – 25

Componentes vestigiais: Enxofre (mg/m3) <5 0 – 200

As diferenças existentes entre os dois tipos de gases baseiam-se na composição dos principais componentes, no poder calorífico, na razão poder calorífico e densidade relativa (índice de Wobbe), na presença de componentes vestigiais e no teor de humidade.

É importante referir que pode haver formação de condensados devido às temperaturas registadas no interior do aterro, às fermentações (decomposição dos orgânicos - gás quente) e à temperatura existente à superfície (mais baixa) da tubagem de recolha do biogás. Desta forma é aconselhável a instalação de tubos de drenagem dos condensados para o aterro com uma inclinação mínima de 3%, como apresentado na Figura 5.7.

Figura 5.7 Vista de corte de um poço com tubagem de condensados [22]