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4. CULTURA E EDUCAÇÃO ESCOLAR

4.1 MEDIAÇÃO E SIGNIFICAÇÃO

Segundo perspectiva filosófica pós-metafisica11, a linguagem é entendida para além da estrutura filosófica platônica cartesiana como simples instrumento

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BOUFLEUER, José Pedro. Docência na Educação. Apostila do componente curricular do Mestrado em Educação nas Ciências- UNIJUI. Pg 26.

representativo. Sua articulação é independente de um sujeito ou de uma vontade individual e subjetiva. A linguagem possui uma função superior a simples nomenclatura ou designação de objetos da realidade.

Na perspectiva Vygostskyana, posso dizer que o signo significa e como que dá instruções ao pensamento, e essa significação não acontece de uma relação direta com a coisa nomeada, ou seja, resulta da interiorização, da apropriação pelo sujeito do significado dos objetos e palavras, e através disso, têm-se condições de distinguí-los, qualificá-los, generalizá-los e utilizá-los. Entretanto, sem a linguagem, sem as suas estruturas e regras, bem como seu uso e a ação da fala, não há pensamento, não há designação, não há referência.

Sendo assim, a interação social e o pensamento generalizante, são participantes na constituição da relação dialética do ser humano, considerando as dimensões interpessoal e intrapessoal na significação da palavra, bem como na união do pensamento verbal e da fala. Assim é possível compreender a expressão da linguagem exposta como mútua instigação e processo de recriação mútua diante dos outros.

Desta forma, entendo que a linguagem implica em interpretação. Pautado nas vivências interativas, posso dizer que a linguagem implica em reciprocidade e interpretação do interlocutor, para que haja reconstrução de sentidos anteriormente constituídos para elaboração de novas percepções. Entretanto, para atingir essa compreensão, é necessário desfazer a crença de que a linguagem é um mecanismo de transmissão, pois alude na capacidade de interpretação, impossibilitando a compreensão de uma simples transferência de um para outro.

A comunicação acontece entre os sujeitos e nessa relação uma é a expressão e outra é a captação dos sentidos, e nem sempre o que se fala recebe a mesma significação pelo interlocutor. Para melhor compreensão deste fenômeno da comunicação farei alusão aos estudos socioantropológicos que participei em Israel, e ao estudo de uma comunidade que se alimentava de gafanhoto e mel silvestre12.

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Em uma de minhas viagens de estudo a Israel, estive no deserto da Judéia, nas imediações entre Qumram e o Mar Morto, para estudar a cultura de um povo judaico pertencente a uma comunidade (ou seita) denominada Essênios. Parte desse povo vivia isolado no deserto com rigor ascético e alimentação excêntrica. Os evangelhos (porção da bíblia judaico/cristã) narram a vida de um homem, que fora precursor do Messias, cognominado de João Batista, que pertencia a mesma comunidade, vivendo no deserto, vestindo-se de peles de camelo e alimentando-se de gafanhoto e mel silvestre.

Antes de minhas pesquisas, através da minha interpretação ocidental, por muito tempo tentei imaginar os gafanhotos como insetos vivendo naquela região, bem como a enorme quantidade de abelhas necessárias para fornecer mel a uma comunidade inteira como alimentação principal diariamente. Entretanto percebia que algo dissonava nesta narrativa ou em minha interpretação. Ao conhecer o deserto da Judéia e seu clima inóspito que oscila entre 40 e 55 graus durante o dia e à noite temperaturas negativas; bem como a ausência de vegetação, logo vi a impossibilidade da existência de abelhas e gafanhotos no local. O mel descrito no evangelho é o da tâmara, proveniente da tamareira, árvore propícia ao clima, que produz em abundância, um fruto muito doce que é usado ainda hoje como principal mel em Israel. O gafanhoto se refere uma vagem com cerca de 20 a 25 cm, oriunda de uma árvore presente na região chamada alfarrobeira, cujo formato lembra o corpo do inseto, e o gosto lembra o nosso cacau ou chocolate brasileiro.

A linguagem e a interpretação são essenciais para o ensino e aprendizagem, mas nem sempre compreendo o sentido que o emissor da mensagem quis comunicar. Dificilmente entenderei propriamente o que o outro diz ou manifesta, mas sempre farei uma interpretação à luz do que de alguma forma já sei, já pensei ou já experimentei13. Assim percebo que a linguagem o aprendizado ocorre na interação social com os contextos sócio-histórico-culturais e com o outro e é favorecido pelo desenvolvimento e pela capacidade de internalização. Uma interpretação sem aproximação promove desconexão com realidade e distanciamento das necessidades e reais motivos do sujeito em suas vivencias e relações, conforme nos narra A.M.:

E matemática, por exemplo, matemática, agora a gente tá melhor , a minha professora esse ano é bem amiga, nos outros anos ela não era minha amiga, esse ano ela é minha amiga, e esse ano eu estou indo bem, não sei se tem alguma coisa a ver , mas é uma coisa assim .Quando há essa interação há um crescimento, eu sempre estudava muito pra matemática e ia mal , eu ficava o dia inteiro estudando todas as questões que ela deu, eu chegava na prova e tinha a mesma questão e eu lembrava: é a mesma questão! E eu não sabia, eu não sabia, eu tentava lembrar de tudo que é jeito , eu lembrava da metade da conta, eu não lembrava , era uma coisa, eu ficava , até pensava que tinha problema porque não tinha nada como ser...e esse ano eu vi, eu estudei , por exemplo agora eu já fiz a prova trimestral e nunca tinha tirado assim a média, e ai eu estudei tudo mais,

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cheguei, olhei a prova , claro tinha umas que eu não sabia fazer , verdade , mas aí eu olhava pra aquela questão que eu lembro que eu tinha estudado , que eu tinha visto a questão, eu sabia fazer! (A.M.).

Por isso, o papel do docente é fundamental para a mediação do processo de aprendizagem, ele deve propiciar a interação, que segundo a teoria de Vygotsky (1988), promove espaços de troca dos discentes entre si e o docente possibilitando intervenções na zona de desenvolvimento proximal, contribuindo, assim, para a interiorização do objeto, efetivando o processo de aprendizagem e dando continuidade ao desenvolvimento sóciocognitivo. Por mais que seja na mediação do outro, a aprendizagem sempre é uma realização de sujeitos14.

Neste sentido, a educação é um processo de mediação entre sujeitos, mundos e saberes, não deve se constituir uma transferência, na qual um receptor absorve de forma passiva o que lhe é transmitido. Sobretudo porque a escola é um local de encontros de diferentes pessoas, de diferentes culturas, de diferentes pontos de vista, de vários saberes, de continuidades e descontinuidades entre a escola e o lar (VIEIRA, 1992).

Na vida social, talvez de todos os povos, se percebe a multiplicidade de culturas que se interralacionam, cooperam, se fundem etc... E mesmo a escola, por vezes promovendo a prática da homogeneização cultural, desconsidera que a diversidade cultural sempre existiu, ainda que sufocada, pois era presente nas vivencias diárias de cada educando, conforme o seu contexto de vida, idade ou tradições.

De igual modo hoje, no mundo globalizado que vivemos, somos atravessados por diversas culturas, e mais do que nunca há necessidade de mediação. Entendendo mediar com a implicação em transforma-se, transcender, buscar apreender, estabelecer conexões e reciprocidade. Sendo assim a mediação envolve uma terceira pessoa, ou seja, duas culturas de dois sujeitos distintos e um mediador que age como um tradutor de culturas (VIEIRA 2009).

Desta forma, a função da mediação é precisamente a de servir de ponto de terceiro lugar, indo ao encontro dos que são diferentes sem cair na tentação de

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BOUFLEUER, José Pedro. Docência na Educação. Apostila do componente curricular do Mestrado em Educação nas Ciências- UNIJUI. P. 26.

homogeneizá-los. Como preconiza Freire (apud. VIEIRA,1991), o papel do professor é estabelecer relações dialógicas de ensino e aprendizagem; em que professor, ao passo que ensina, também aprende. Assim, professor e estudante aprendem juntos, em um encontro democrático e afetivo, em que todos podem se expressar interagindo de forma intercultural.

Emerge assim a necessidade do mediador como uma terceira pessoa não acabada, não estática, sempre mestiça, mas também sempre sujeita a novas reconstruções identitárias(VIEIRA, 2009). Esta transformação no paradigma, obrigatoriamente leva o professor a trabalhar fora da sala de aula, porque é do lado de lá que provêm às mentes culturais e as identidades pessoais que se encontram na escola(VIEIRA, 2009). Entretanto, às vezes essa não é o que se efetiva no ensino escolar, diante disso, o subcapítulo que se segue investiga esse contexto fatídico.

4.2 O MUNDO ENTRE QUATRO PAREDES: O QUE O JOVEM NÃO VÊ NA