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O MUNDO ENTRE QUATRO PAREDES: O QUE O JOVEM NÃO VÊ NA

4. CULTURA E EDUCAÇÃO ESCOLAR

4.2 O MUNDO ENTRE QUATRO PAREDES: O QUE O JOVEM NÃO VÊ NA

A aprendizagem do humano acontece pela companhia ou influência de quem veio antes no tempo e na cultura. Conhecer e conceber a anterioridade é fundamental para estruturação do futuro das gerações, pois aprender com base no aprendido possibilita a renovação, o aprender criativo e em perspectiva própria, para a busca constante do que nos falta, sendo essa própria falta uma construção oriunda do nosso desejo.

“Não há nada novo debaixo do céu!” Somos fruto de processos anteriores, e ao mesmo tempo inacabados e em constante construção. Quando analiso os elementos culturais presentes na sociedade, e procuro distinguir quais são importantes na constituição da identidade do jovem, não o faço de forma seletiva, mas interpretativa. Isso quer dizer que não escolho quais elementos são “bons ou ruins”, quais são “úteis ou inúteis”, pois na escuta sensível desses jovens, através da sua fala, da expressão corporal, dos seus olhos e respiração, suas necessidades se evidenciam bem como suas expectativas e frustrações.

A cultura escolar possui um caráter de transmissão intencional, do conhecimento, não depositária, isto é, sua contribuição não pode ser impositiva, mas comunicativa e dialógica, para agregar novas percepções de vida na vida de seus educandos e isso ocorre com reconhecimento do outro e na integração de culturas plurais nos espaços diversificados de aprendizagem.

A escola constitui um contexto plural onde se desenvolve aprendizagens e conhecimentos diversificados. Ela também, em seu escopo, agrega valores próprios, universais e coletivos, desenvolve atividades direcionadas, regras, valores e administra conflitos, problemas e diferenças. A escola, além de abranger uma grande quantidade de pessoas, com características diferenciadas, inclui um número significativo de interações contínuas e complexas, que caracterizam as fases do desenvolvimento do indivíduo nas diversas culturas que os atravessam.

Esse arcabouço de efeitos e funções institucionais da escola não se cristaliza em competências práticas. Segundo Tenti (2000), nas condições atuais, os agentes pedagógicos não garantem a escuta, o respeito e o reconhecimento dos jovens. A escola, no contexto atual, ao reconhecer que os adolescentes e jovens têm direitos à identidade, a expressar suas opiniões, a aceder à informação, a participar na definição e aplicação de regras que organizam a convivência, a participar na tomada de decisões; poderá desfazer o “monopólio” da imposição de significados estabelecendo a dialogicidade15, sem crise de autoridade pedagógica, pois essa continua sendo uma condição estrutural necessária para eficácia de toda ação pedagógica. Segundo Freire (2007) a educação pautada na dialogicidade, fundada no diálogo, se dá numa relação de humildade, encontro e solidariedade, ou seja, numa relação horizontal, de muita confiança:

E que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só com o diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação. O diálogo é, portanto, o indispensável caminho(Jaspers), não somente nas questões vitais para a nossa ordenação política, mas em todos os sentidos do nosso ser. Somente pela virtual da crença, contudo, tem o diálogo estímulo e significação: pela

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Dialogicidade, segundo Paulo Freire, está em permitir aos alunos agir e refletir sobre a ação pedagógica realizada, diferente de um refletir exclusivo da mente do professor. Aí se chega à práxis, ou a "teoria do fazer", com ação e reflexão simultâneas, em reciprocidade. Disponível em:https://jus.com.br/artigos/6613/reflexoes-sobre-o-ensino-juridico

crença no homem e nas suas possibilidades, pela crença de que somente chego a ser eles mesmos” (FREIRE, 2007, p.115-116).

O reconhecimento dos direitos dos adolescentes e jovens é fundamental neste processo de construção identitária. Segundo Furlani, os professores não podem dar por ausente sua autoridade, pelo contrário, devem construí-la cotidianamente. O grande desafio hoje do professor é construir sua própria legitimidade entre os jovens e adolescentes observando, respeitando e consolidando as diferenças (FURLANI, 2004). As regras adotadas pelo professor advento da autoridade que é adquirida devem ser aceitas pelos alunos e não imposta, estando vinculada ao papel do líder que as expõem com o direito de ser dialogada com os participantes do processo para sim, ser aceita (MORAIS, 2001).Para isso, deve recorrer a outras técnicas e dispositivos de sedução16. Trabalhar com adolescentes requer um novo profissionalismo, requer redefinição e reconstrução de toda ação pedagógica para as demandas atuais (JUNIOR e FILHO, 2001).

Os alunos devem dar sentido à experiência escolar. Entretanto, mesmo que inconscientemente, isso lhes é negado por muitas instituições, através da sua cultura impositiva e escuta ausente. Ao mencionar a escola em seus discursos, percebo a ausência de significado da mesma para o jovens:

Quanto a utilidade do estudo, eu acho assim...o estudo ...da escola, não supre não as necessidade de vida da pessoa...mas é um lugar onde agente descobre o que agente quer da vida é lá que agente descobre os nosso gostos , o que agente gosta de fazer , o que agente não gosta de fazer mas acho que é muito importante assim, nesse sentido , ela desperta nosso gostos assim , mesmo que a pessoa não queira fazer nada relacionado com as matérias, eu nunca tive assim...mas acho que assim as outras coisas , tipo os esportes, as artes , são coisas que nos ajudam, que a escola nos permite descobrir...não que ela supra, mas traz pra nós esse meio de entendimento de que a gente vai fazer da vida (G.S.)

Percebo assim, uma frequência obrigatória à escola, porque não há outro jeito, apenas “porque sim”, porque de alguma forma, no entendimento cultural familiar de alguns jovens não se pode não ir, mesmo que os pais não tenham

16 TENTI FANFANI E. Cultura jovens e cultura escolar. Documento apresentado no seminário “Escola Jovem: um novo olhar sobre o ensino médio”. Organizado pelo Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Coordenação-Geral de Ensino Médio. Brasília. del 7 al 9 de junio del 2000. Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/EmilioTentiF.pdf>.

frequentado à escola. Essa obrigação lhes é imposta sem explicação, ainda que experiência escolar lhes seja um mal-estar e um padecer num mundo incompreensível, não há outro jeito. Entretanto, essa falta de sentido e de pertença significativa, torna o não ir à escola uma alternativa objetivamente possível para muitos jovens e adolescentes. Tardif e Lessard (2006) elucidam a ausência de significado da escola para muitos jovens: “um grande número de jovens vive a escola como uma passagem obrigatória, uma imposição do meio familiar e da sociedade, e não como uma experiência significativa da qual eles poderiam tirar um proveito pessoal” (p. 257-258).

Essa obrigatoriedade apresenta-se nas entrelinhas dos discursos dos jovens: “O papel da escola em minha vida é o que me faz cada dia aprender algo novo aonde nem todos têm essa oportunidade de aprender, meu maior sonho é ter minha família , casa própria emprego estável” (J.L), e ainda:

É importante o estudo e tudo mais, eu acho que vai ser importante eu vou estar entrando né na faculdade quando eu passar , mas é importante , pois se não fosse a escola, se não fosse o estudo eu não ia conseguir passar, e é uma etapa que tem que passar... eu acho que alguns conteúdos ,na escola, no estudo eu acho que as vezes não é muito necessário sabe, é uma coisa que não vai ser utilizado , claro que tem coisa que... o que vai ser utilizado e tudo mais, eu acho que sim, que soma pra vida , pra frente pra faculdade e outras coisas aí , mas outras coisas é bobagem, não tem porque , é uma coisa só pra estudar mesmo, que não vai utilizar na verdade (A.M)

Ainda no discurso acima observo uma razão puramente instrumental para o estudo17. Não importam os conteúdos das ideias e dos princípios que possam ser considerados racionais, mas a forma como eles podem ser utilizados para obtenção de um fim qualquer, como uma mera relação entre meios e fins. Assim, alguns adolescentes assumem a lógica do adiamento de benefícios presentes com o fim de benefícios maiores no futuro. O esforço no estudo, mesmo que não faça sentido hoje, através dele, no futuro o pensamento do jovem é: “Serei alguém na vida,

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Razão instrumental é um termo usado provavelmente por Max Horkheimer no contexto de sua teoria crítica, para designar o estado em que os processos racionais são plenamente operacionalizados (Escola de Frankfurt). À razão instrumental, Horkheimer opõe a razão crítica (http://isignificado.com/significado/Racional).

poderei ingressar na universidade, ter um bom emprego, constituir família” entre outros aspectos que caracterizam esse pensamento.

Há ainda outra concepção quanto à escola, desenvolvida culturalmente e discursivamente pelos jovens, que se relaciona diretamente com a paixão ao conhecimento, a dedicação incondicional a uma determinada área do saber, objetivando através disso o êxito na carreira escolar e profissional:“Hoje em dia o papel da educação escolar é o mais importante por que o conhecimento que vai me levar a conhecer novas possibilidades” (G.K).

Hoje valorizo com grande veemência uma boa qualidade de estudo, pois aprendi que uma pessoa sem conhecimento é uma pessoa presa ao meio em que vive, o saber abre nossos olhos para novos horizontes, nos faz crer que é possível mudar o lugar onde se está inserido, transformando não a penas a si mesmo, mas uma sociedade inteira (T.M)

Esta ausência de significado torna a escola um local de sacrifício para obter maiores recompensas futuras. Entretanto, isso também é afetado pela cultura e classe social. A ideia de esforço pode ser totalmente sem sentido para jovens pertencente a setores excluídos da sociedade e dos princípios sociais mais valorizados em determinada cultura. Quando não se tem perspectiva de futuro, o esforço e o sacrifício são literalmente impensáveis. Conhecer os contextos onde os jovens estão inseridos é indispensável para compreender suas reações o ambiente escolar.

A escola que por muito tempo se sustentou com base na promessa de mobilidade social, vai gradativamente perdendo esse lugar, esvaziando o sentido para o qual ela foi criada e exigindo descobertas de novos sentidos para a instituição. José Machado Pais (2006, p. 14-12) diz que os jovens veem a escola “como um sistema estriado, como um espaço fechado. Os atos de indisciplina, de transgressão, são uma forma de reclamar “inclusão, pertencimento, reconhecimento. Vida cotidiana – como um sistema liso, espaços mais libertos dos constrangimentos institucionais do lazer e do lúdico”.

Nas condições da escola atual, esta construção significativa não é efetiva, como as demais etapas do desenvolvimento escolar, exige um novo paradigma interpretativo, uma educação desinteressada de meritocracia e recompensas

futuras, mas voltada para a construção valorativa do humano hoje, nos diversos contextos vivenciados. Relacionando este particular, a seção seguinte tece conjecturas sobre a problemática da percepção descontextualizada que a escola pode reproduzir sobre alguns aspectos da idiossincrasia do jovem dos dias atuais.