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O CAMINHO DA EMANCIPAÇÃO: CONTRASTES ENTRE DISCURSO E

4. CULTURA E EDUCAÇÃO ESCOLAR

5.1 O CAMINHO DA EMANCIPAÇÃO: CONTRASTES ENTRE DISCURSO E

A escola como instituição assimila suas mudanças de currículo e se adapta aos novos parâmetros propostos pelo Estado realizando transformações necessárias para o uso do mesmo. Assim como a sociedade se adapta a um novo sistema de governo incorporando suas práticas e demandas políticas. Entretanto, a capacidade de assimilar as transformações do sujeito para além do teórico, não apresenta resultados práticos nos contextos atuais. Nessa perspectiva que procuro responder às inquietações dos sujeitos identificando as limitações que impedem o percurso do caminho emancipatório.

Ao estudar a origem da sociologia em minha graduação, foi notório o anseio que permeava o saber filosófico. Algo além do pensar nas soluções ou teorizá-las. Havia o desejo e a necessidade de um manifestar no social, não apenas um olhar de fora, mas uma percepção como agente ativo no meio, como ator social no contexto onde se observa e estuda. Nesse pano de fundo surgiu a sociologia, não como algo estático e apenas teórico e filosófico, mas ativo e prático.

Em determinado trimestre, durante o estágio da graduação, me foi proposto como temática pela coordenação e regência da turma o protagonismo juvenil. O que me reportou ao cerne da sociologia, aos estudos dos atores nos cenários sociais, não como coadjuvantes, mas como protagonistas que são. Encontrei nesse processo limitadores internos e externos; como interno, chamo aqueles que

perfazem os medos, incertezas e potencialidades adormecidas no aluno; e as externas estão no ócio cognitivo e didático do professor que desistiu de si mesmo, e não consegue mais, por diversas circunstâncias, crer no “utópico possível” para construção de uma educação transformadora. É no romper desses limites que se instaura o protagonismo juvenil, fruto das ações educativas de professores protagonistas.

Assim sendo, o professor seja de sociologia ou de outra área, que deseja contribuir para a formação da cidadania pode entrar em constante interação com o contexto social do discente, porque sociólogo tem por objeto de pesquisa a sociedade, e por método a observação das vivências práticas dos entes sociais; caso contrário é apenas um pensador e não ator social. Deste modo, é possível reconhecer que as funções que se exigem ao professor são as mais variadas, assumindo formas “mais sociais do que propriamente pedagógicas” (Vieira & Vieira, 2007) e essa aproximação sociopedagógica é o que ressignifica e perfaz identitariamente o jovem de forma intercultural.

Neste sentido, desconectar a teoria da vivência prática pode constituir um equívoco metodológico, como exemplo disso, pode se citar a perspectiva de Mahatma Gandhi, que mesmo sendo um pensador do hinduísmo, admirava o Jesus do cristianismo e citava frases da bíblia do conhecido “Sermão do Monte” 18

. Ao ser interrogado pelo missionário Norte Americano Stanley Jones19, a respeito da sua não conversão ao cristianismo, ele respondeu que admirava muito o Jesus dos cristãos, entretanto, não percebia estes últimos promoverem vivências compatíveis com a proposta do Cristo,20 ou seja, neste sentido, a teoria sem experimentação não convence, tampouco transforma!

O grande problema da ausência emancipatória e da negação intercultural, está no olhar terceirizado e na crítica induzida, isto é, só sabemos ver o mundo com os óculos teóricos de outros, e não com presença participativa e escuta sensível.21 O

18 Texto da Bíblia Cristã descrito no capítulo 5 do Evangelho de S. Mateus. 19

Jones, Eli Stanley. The Christ of the Indian Road. 3rd ed. New York: The Abingdon Press, 1926, página 21-23.disponível em: http://www.genizahvirtual.com/2014/01/um-recado-de-mahatma-gandhi- igreja.html#ixzz2ryUd4r7M

20

Gandhi; citado por William Rees-Mogg, em "The Times" [Londres] (4 de abril de 2005).Disponível

em:https://pt.wikiquote.org/wiki/Mahatma_Gandhi 21

Segundo Barbier (1993, p. 187) em seu artigo: A escuta sensível em educação. Cadernos Anped, Porto Alegre, nº 5, p. 187-286, 1993. No contexto da aprendizagem apresenta-se de três formas específicas que são “científico-clínica, poético-existencial e espiritual-filosófica”. Para Barbier, a

ofício tornou-se sapiencial, a linguagem tornou-se erudição, e o lócus tornou-se a academia e sala de aula. Entretanto, as vivências são o fator preponderante na prática pedagógica para a construção do ser social e sua interpretação e elas acontecem “lá fora”. Identificar as disposições sem incorporá-las, usando um trocadilho, constitui apenas um “mau habitus”.

O método dialógico, apontado por Freire (1986), é adequado para esse processo de construção do aluno, onde o diálogo ocorre dentro de um contexto e de um programa e implica responsabilidade, direcionamento, determinação, disciplina e objetivos. Os temas devem partir da realidade dos alunos, em uma perspectiva da “pedagogia situada”, com ideias partidas do senso comum para posteriormente pensá-las criticamente. Destaco mais uma vez, “pesar criticamente”, não apenas pensar por pensar.

Quando falo no rompimento do teórico e filosófico não estou sobrepujando sua influência e importância dos pensadores e sua prerrogativas, mas enfatizando a necessidade urgente de construir práticas significativas na vida do educando. Pensamos num candidato a motorista de carro à carteira B. Após seus exames médicos e psicológicos, o candidato é submetido a provas teóricas. Para que essas provas teóricas? Para que ele possa, com excelência, transicionar à prática da direção nas ruas, e posteriormente, pelo seu desempenho prático, ser aprovado e habilitado para conduzir um automóvel de categoria B. O exemplo pode até ser pobre, mas elucida o propósito da teoria que é conduzir, apontar, elevar à prática que dá a direção. As teorias sociológicas precisam ser pensadas e repensadas nesse plano para que a sociabilização aconteça em nosso entorno e nas salas de aula. Se o professor for apenas conteudista, ele nunca influenciará o aluno.

Para o professor, a didática deve ser um desafio constante, para que o ensino amenize os dissabores do aprendizado e valorize as delícias do saber, tonando o processo ensino aprendizagem algo significativo e prazeroso. Não é apenas o cumprimento de um currículo ou plano de aula. Tal processo engessa o conhecimento e a criatividade, não apenas do professor, mas principalmente do escuta sensível insere-se no imaginário pessoal-pulsional, no social-institucional, e o terceiro e último, que ele mesmo denomina de imaginário sacral. Cada tipo de imaginário abordado pelo autor tem por base a sensibilidade, sobretudo, por parte do educador. Concordo com o autor, pois não se pode conceber a escuta sensível destituída de sensibilidade, de empatia e utilizo a expressão em itálico para realçar a autoria de René Barbier.

educando tornando aulas em monólogos entediantes, num cenário tipicamente hipócrita descrito no título do livro de Wernek (1992): “Se você finge que ensina, eu finjo que aprendo”.

Para Freire (1993), “ensinar é um ato político”, ele salienta em seu método que o universo vocabular do alfabetizando é o ponto partida. A partir desse universo, inicia-se o diálogo, a base do método. E é no dialogismo que se instaura o questionamento. Ao questionar a própria realidade, o aluno a problematiza, cria a capacidade de criticá-la e, por consequência, transformá-la como ator social. Sendo assim, educar também é um ato social (FRAIMAN, 2011). Para Mills (1965), o papel da Sociologia é problematizar. Ela deve despertar o desenvolvimento de uma

imaginação sociológica, que é uma qualidade de espírito, a possibilidade de se ter

uma maior compreensão do mundo. Este processo ocorre partindo da realidade imediata do sujeito às relações mais gerais e propicia melhor entendimento entre ambas no contexto social.

Segundo Vigotsky (1988), o desenvolvimento do indivíduo, as interações com o outro ser social são, além de necessárias, fundamentais, pois delas emergem signos e sistemas de símbolos que são responsáveis pelo transporte de mensagens da própria cultura, os quais, do ponto de vista genético, têm primeiro uma função de comunicação e logo uma função individual, a medida que, são utilizados como instrumentos de organização e controle da conduta do indivíduo.

Aprendemos com Freire (1980), que ato de educar não está dissociado do ato de aprender. Ser professor é aprender a conhecer seus alunos, a realidade sócio- econômica a que pertencem, a aprender a ter paciência, pois o percurso do aprendizado pode ser muito lento. O aprender a ser profissional e humano, ao mesmo tempo, a ouvir, a buscar novas formas de construir o conhecimento junto aos alunos, aprender que na educação não existe uma verdade absoluta, deve-se aprender a conviver com a diferença.

O estudo de um mundo teórico sem evidenciar as tensões existentes na realidade social pode tornar o estudo e a aprendizagem sem significância para a vida do estudante, comprometendo a consolidação desse conhecimento perante a comunidade e a ignorância de si mesmo como ator social, como protagonista, como agente catalisador das transformações do status quo no lócus social condescendente.

Torna-se necessário construir por meio de ações coletivas e solidárias um cidadão autônomo, político, engajado ao bem comum, com competências e crenças no inédito viável como menciona Freire (1980), potencial de produzir a utopia. Esta poderia ser definida como uma construção coletiva que tem por objetivo transpor os limites do até então concebido como possível.

A emancipação para construção de um sujeito autônomo e consciente das suas potencialidade e responsabilidades não pode acontecer por indução, mas por desejo. Esse desejo nem sempre está explícito, mas se torna perceptível na leitura das entrelinhas das vivências do sujeito. Elas estão impressas na identidade de cada ser humano e são legíveis pelo outro que se dedica à escuta sensível.

O desejo pela práxis emancipatória surge do diálogo, do desenvolvimento de uma postura critica, de uma educação não mercadológica e ideologizada para fins individualistas e capitalistas. O desejo emancipatório precisa contrapor-se a cultura imediatista de satisfação pessoal supérflua, e despertar um olhar para as necessidades do entorno social dos sujeitos, a visão do outro. Um olhar que contemple a negatividade, com desejo revolucionário de mudança e com capacidade de ressignificação e transcendência da negatividade identificada.

Esse desejo se expressa nas idiossincrasias do sujeito nos diversos contextos. No contexto escolar:

Essa questão de ser professor e contribuir com o diferente, eu acho que é uma coisa de professor pra professor, assim como eu tive professores que entravam na sala e enchiam o quadro de conteúdo, e saiam de lá da mesma forma que entravam, eu passei por professores que realmente colocavam os conhecimentos à prova, faziam com que nós pensássemos, com que nós entrássemos naquele conteúdo de forma diferenciada, pessoas que queriam fazer com que a gente se apaixonasse por tudo aquilo que estava sendo exposto, não apenas como uma obrigação, de aprender e passar por um currículo, e tudo aquilo que deveria ser passado, mas como algo que realmente poderia ser usado na minha vida, talvez não na prática escolar apenas, mas como um conhecimento útil, para eu adquirir pra mim como ser. Então eu acho que isso muda muita coisa, o sentido de professores que levem seus alunos a pensar de forma crítica em relação as coisas, não apenas aceitando tudo, mas formando sua própria opinião e ser respeitado por isso. Eu acho que isso muda todo o sentido do que é escola (T.M)

Eu vou lutar pelos meus objetivos e construir um futuro na minha vida e na minha família diferente do que vivi, para que eu seja exemplo para meus filhos, para que eles tenham o desejo também de não se conformar com a situação do mundo de hoje e lutem pelo futuro deles em prol de mudança(C.M)

No contexto social:

Mas o meu medo é de que eu não consiga fazer nada para mudar a realidade de uma sociedade corrupta e intolerante. Mas eu espero que em um futuro próximo muitas mudanças aconteçam, as pessoas tenham novos pensamentos e que acreditem em algo que valha a pena viver (G. K)

E ainda:

Meu sonho é ver a mudança do mundo, a corrupção acabar o desrespeito terminar, e violência simplesmente não existir mais, chega de ver toda essa sujeira instaladas nas casas, nas famílias, nas escolas e nas ruas. Está na hora dos jovens terem seus sonhos realizados, ter perseverança nas suas atitudes, e não se destruírem nas drogas, ou no sexo e até mesmo na ambição por dinheiro (R.C).

Por mais que os discursos soem como utópicos, é neles que contemplamos o desejo emancipatório dos jovens. A educação visa à libertação, visa à transformação radical da realidade para melhorá-la para o reconhecimento dos seres humanos como sujeitos e não objetos da sua história. Esse fundamento é uma visão utópica da sociedade e do papel da educação (GADOTI,1991). “A utopia estimula a busca: ao denunciar uma certa realidade, a realidade vivida, temos em mente a conquista de uma outra realidade, uma realidade projetada. Esta outra realidade é a utopia. A utopia situa-se no horizonte da experiência vivida” (GADOTI, 1991, p.52).

Essa experiência vivida é o produto das socializações, valores e culturas adquiridas, impressas na identidade dos jovens, que muitas vezes produzem o estranhamento ao novo, ao plural, mas que de forma reflexiva e dialógica se propõem a transicionar, como explica Vieira:

As pessoas têm as suas ideias, convicções representações do mundo solidamente alicerçadas nas suas estruturas cognitivas. A novidade surge aos sujeitos como estranha e dificilmente altera essa visão do mundo construída ao longo de toda a história de vida de um indivíduo. Mesmo que se ouça outra opinião, com os tempos apaga-se e perduram as mesmas imagens e percepções das pessoas e das coisas. Bem sei que qualquer acção de formação conducente à mudança ou ao desenvolvimento duma

pessoa, ou mesmo duma comunidade, bem como, claro, à alteração de representações, só será eficaz se suscitar a participação activa dos actores nesse mesmo processo de intervenção simultaneamente pessoal e social, e simultaneamente de investigação de um objecto que é também ele próprio sujeito [...] A reflexão sobre esse processo, a auto-reflexão biográfica, é quanto a mim a via para o sujeito se compreender a si próprio - aceder à sua própria hermenêutica - e assimilar ou rejeitar a novidade duma forma argumentada e contextualizada (VIEIRA, 1998,on-line).

Segundo Vieira, é nesse contexto que nasce a interculturalidade, pois implica em noções reciprocidade e troca na aprendizagem, na comunicação e nas relações humanas:

É evidente que o intercultural não está liberto de discursos ideológicos, inspirados fundamentalmente numa ética humanista, que deseja um ideal de diálogo, de respeito pelas diferenças, de compreensão mútua, e etc. Por isso há que evitar, a medida do possível, as medidas normativas e situarmo- nos mais nos processos de encontro intercultural, quer dizer, em factos (VIEIRA,1999, on-line).

Assim, o caminho da emancipação está na busca constante de amenizar os contrastes entre o discurso e a prática. Todas as pessoas, profissionais da educação ou não, sendo adultas, segundo Vieira (1999) possuem um inconsciente prático onde assentam seus pilares culturais e cognitivos, não refletindo nas suas ações habituais, indisponibilizando-se assim para a mudança, mesmo que essas conceitualmente estejam em seus próprios discursos.

A tomada de consciência das próprias ações e o aprimoramento das disposições que possam redirecionar nossos hábitos pode ser o início para o caminho emancipatório. Essa reflexividade como aponta Vieira (1999) de acordo com o método de Paulo Freire, é muito procurada também a partir de histórias de vida e narrativas dos quotidianos. A ideia é que "podemos conhecer aquilo que conhecemos colocando-nos por trás das nossas experiências passadas e precedentes. Quanto mais formos capazes de descobrir porque somos aquilo que somos, tanto mais nos será possível compreender porque é que a realidade é o que é" (Freire, 1974,p. 44). Esse é o sentido de metamorfose na identidade, uma mudança no que faz como também uma mudança do que é. É mudar a si próprio e ser sujeito da transformação (VIEIRA, 1999). Nesta perspectiva, o próximo subcapítulo aborda a emancipação articulada aos conceitos de solidariedade, alteridade e autonomia, ou seja, uma emancipação com conexão com o outro.

5.2 AUTONOMIA, ALTERIDADE E SOLIDARIEDADE: EMANCIPAÇÃO COM