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A mediação no contexto do teletandem tem sido estudada desde o início do projeto Teletandem Brasil, em 2006, quando as parcerias eram estabelecidas predominantemente com características que se aproximam do modo independente de aprendizagem em tandem. A caracterização da prática independente se dá conforme configuração de uma das modalidades do contexto tandem (Tandem Independente), que dá origem ao contexto teletandem (BRAMMERTS, 2002). O tandem independente corresponde às parcerias realizadas como um acordo mútuo entre indivíduos interessados, respectivamente, em praticar a língua de proficiência um do outro. Nesse caso, as parcerias são formadas e ocorrem fora de um contexto institucional (VASSALLO & TELLES, 2009, p. 24).

No contexto teletandem, a forma independente de parceria foi viabilizada pelo grupo de pesquisa do projeto Teletandem Brasil durante os seus três primeiros anos (2005-2007), com apoio institucional das universidades interessadas em estabelecer as primeiras parcerias. Nesse caso, o cadastro para participação e parceria era realizado, predominantemente, por meio de uma ficha cadastral disponível no website do projeto e as parcerias estabelecidas pelos coordenadores do projeto. Apesar de estar vinculada a uma universidade, esse tipo de parceria pode ser caracterizada como independente, pois os interagentes tinham a liberdade para realizar as interações de suas casas e tinham um controle na definição dos objetivos, número de interações, período etc. Não se constituíam, portanto, encontros regulares entre grupos em um laboratório, como no caso do teletandem institucional integrado e não- integrado (ARANHA & CAVALARI, 2014). Tais parcerias independentes podem não ter, necessariamente, um vínculo com algum curso que demande ou utilize a prática de teletandem como parte de um currículo ou complementar a ele. A mediação, nesse caso, pode ser realizada tendo em vista as características e possibilidades para cada parceria.

As primeiras pesquisas sobre mediação em teletandem, apresentadas no quadro a seguir, abrangem um escopo amplo que aborda diferentes modalidades e tipos de parcerias. Dentre os trabalhos dedicados a caracterizar a mediação no contexto teletandem, focamos neste item a tese de Funo (2015). O trabalho de Funo (2015) é um dos pioneiros na abordagem da mediação na modalidade de teletandem institucional semi-integrado, foco desta pesquisa. A autora apresenta uma síntese da história sobre mediação em teletandem, iniciada em 2006, e discute suas bases teóricas, construídas na abordagem sociocultural dos processos de aprendizagem (VYGOTSKY, 1978).

Quadro 2: Principais trabalhos sobre mediação em teletandem Autor, Ano,

Natureza do trabalho

Título trabalho Foco

BEDRAN (2008),

Dissertação

A (re)construção das crenças do par interagente e dos professores- mediadores no teletandem

Identificar e analisar as crenças de professores- mediadores e interagentes de teletandem nos processos de interação e mediação.

MESQUITA

(2008), Dissertação

Crenças e práticas de avaliação no processo interativo e na mediação de um par no tandem a distância: um estudo de caso

As crenças sobre avaliação de uma mediadora e uma interagente em relação à interação e à mediação em teletandem.

SALOMÃO (2008),

Dissertação

Gerenciamento e estratégias pedagógicas na mediação dos pares no teletandem e seus reflexos para as práticas pedagógicas dos interagentes

Análise das estratégias de mediação utilizadas por uma mediadora de um par interagente e suas implicações para a prática pedagógica das interagentes (professoras de LE em formação).

CANDIDO (2010),

Dissertação

Teletandem: sessões de orientação e suas perspectivas para o curso de letras

A formação inicial de professores de línguas, no contexto das práticas de orientação e mediação no laboratório de teletandem.

FUNO (2015),

Tese

Teletandem: um estudo sobre identidades culturais e sessões de mediação da aprendizagem

Caracterização das sessões de mediação a partir dos aspectos culturais que são abordados nesse contexto.

ELSTERMANN

(2016), Tese

Learner support in

telecollaboration: peer group mediation in teletandem

As primeiras sessões de mediação em grupo, realizadas em 2010 em reuniões quinzenais entre a mediadora e um grupo de aprendizes de alemão.

Segundo Funo (2015, p. 37), a mediação em teletandem institucional não-integrado (para a universidade brasileira envolvida em parceria institucional semi-integrada com universidades norte-americanas no contexto do estudo), pode ser definida como “encontros presenciais ou virtuais, em grupos ou apenas entre um interagente e seu mediador, previamente agendados ou solicitados sem agendamento prévio”. Esses encontros constituem-se, para a autora, como momentos interpelativos nos quais os interagentes compartilham suas experiências nas interações de teletandem. A partir da perspectiva do

interagente, ele e o mediador (geralmente professores, alunos de pós-graduação ou bolsistas de Iniciação Científica vinculados ao projeto) dialogam com suas experiências. O mediador fornece apoio para possíveis necessidades, declaradas pelos interagentes ou identificadas por ele próprio. Uma das principais características da mediação é o seu caráter não diretivo. A relação mediador-aprendiz deve ser pautada pela colaboração e negociação, assim como a própria concepção do contexto das interações de teletandem (SALOMÃO, 2008).

O conceito de mediação é central na abordagem sociocultural de Vygotsky (1978). Pressupõe que a aprendizagem e desenvolvimento ocorrem por meio da interação social entre o aprendiz e parceiros mais capazes, durante a realização de determinadas tarefas. Assim, o mediador pode ser caracterizado como um articulador de conhecimentos. Ele busca possibilitar o desenvolvimento do aprendiz para a resolução de problemas, reflexão e otimização do processo de aprendizagem e relação interpessoal entre os pares. Assim o faz a partir dos conhecimentos que ele já domina (nível de desenvolvimento real) e por meio do fornecimento de andaimes, por parte do mediador, de modo a atingir o nível de desenvolvimento potencial do aprendiz. Portanto, no contexto teletandem, a mediação tem o papel de orientar os interagentes a observar e refletir sobre questões relacionadas ao contato e aprendizagem intercultural em língua estrangeira.

Tendo em vista a importância do mediador no fornecimento de andaimes para o aprendiz, a mediação se constitui como um contexto rico para a instrumentalização dos aprendizes, para o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre o uso da linguagem e sobre os processos de produção de sentidos. Dessa perspectiva, a conscientização sobre o papel dos mal-entendidos e reconhecimento desse fenômeno como uma realidade intrínseca à linguagem pode contribuir para a formação dos aprendizes. Tal conscientização pode, também, contribuir para o exercício de uma cidadania global (RISAGER, 2007), com aprendizes capazes de se engajarem em interações interpessoais colaborativas de aprendizagem para a negociação de sentidos.

No trabalho de Funo (2015), temos acesso a uma detalhada análise do papel da mediação na formação dos aprendizes para uma reflexão crítica. Um dos focos da análise da autora diz respeito aos modos como as questões relacionadas à cultura são abordadas na mediação em teletandem entre mediadores e interagentes brasileiros.

A descrição de um dos interagentes de Funo (2015) sobre a relação com uma parceira norte-americana deixa evidente uma dificuldade de compreender e analisar as diferenças na relação que lhe causaram certo desconforto e estranhamento. Diante dessa dificuldade, a mediação no contexto observado é realizada de modo a abrir um espaço para que o próprio interagente produzisse sentidos sobre sua relação em teletandem. Segundo Funo (2015), embora o próprio interagente não conseguisse expressar a razão para o estranhamento narrado por ele, pode-se concluir que ele decorre das pressuposições que o interagente brasileiro trazia e que eram confrontadas na relação via teletandem. Portanto, a mediação se torna um contexto pedagógico propício para a instrumentalização dos aprendizes para lidar com as características da relação intercultural e com possíveis desconfortos. Tais características e desconfortos podem ser decorrentes de mal-entendidos que se baseiam, entre diversos outros fatores, em pressupostos e estereótipos que são confrontados na relação.

Esta breve caracterização localiza a mediação no contexto do teletandem. Ela será retomada no final da análise dos dados, com alguns direcionamentos referentes às possíveis contribuições deste trabalho para os processos de mediação em teletandem. A seguir, apresentamos as principais características e problemáticas de contextos e situações de interação intercultural.